DÉFICE DE ORGANIZAÇÃO, CRISE DE ESCLARECIMENTO, AUSTERIDADE ANGUSTIANTE
Creio que esse discurso é redutor, e não explica o que se passou em campo.
Ainda decorria a primeira parte, e (mesmo cm uma ou outra oportunidade perdida) já eu pensava para com os meus botões que só por milagre o Benfica conseguiria vencer este jogo. Não percebia os generosos comentários televisivos feitos durante esses primeiros quarenta e cinco minutos, nem entendia como a equipa insistia num tipo de futebol que potenciava claramente as características do adversário, oferecendo-lhe aquilo que ele talvez nem fosse capaz de conseguir por si próprio.
Os erros individuais foram, de facto, determinantes, mas o Benfica revelou nesta partida gravíssimos problemas de organização global, e, no meu ponto de vista, também de estratégica de jogo.
Comecemos justamente pelos aspectos estratégicos. Os encarnados entraram no campo do vice-campeão alemão, num jogo importante da Liga dos Campeões, como se estivessem a jogar na Luz com o Paços de Ferreira. Procuraram fixar-se no meio campo contrário sem acautelarem minimamente as transições defensivas. Deixaram partir o jogo, quando – sendo o empate um excelente resultado – o deveriam ter tentado fechar. Eu também gosto de futebol de ataque, e compreendo que uma grande equipa não pode alicerçar o seu jogo no medo. Mas creio, por outro lado, que todas as grandes equipas começam a sê-lo precisamente na segurança com que vestem o seu futebol. O Benfica - que, a quem não soubesse, parecia precisar de recuperar de uma larga desvantagem (um exemplo: para quê tantos homens na frente nos lances de bola parada?) - nunca, nesta partida, se mostrou uma equipa segura. Nunca soube perder a bola, deixando que cada transição ofensiva adversária causasse o pânico perto da baliza de Roberto. Nunca conseguiu controlar os ritmos do jogo, deixando-o transformar-se numa roleta que dificilmente o poderia favorecer. Assim, torna-se relativamente natural que os erros aconteçam, e, pior que isso, que sejam fatais. O primeiro passo para se ser forte é ter-se noção das próprias fraquezas. O Benfica, em Gelsenkirchen, não conseguiu conviver com as suas debilidades, nem pareceu entender as virtudes de um adversário (com talento individual e muito poder atlético) que talvez tenha subestimado.
Há também aspectos organizativos que não estão bem nesta equipa. Os jogos com Hapoel, Sporting e Marítimo deixaram a sensação de que o modelo de jogo da temporada passada estava de volta à eficácia, mas, após esta noite, é de suspeitar que tenha sido apenas a fragilidade desses adversários a iludir a realidade. Se na direita o fantasma de Ramires continua a conviver com a incapacidade de todos os possíveis substitutos darem, por um lado, o apoio de que Javi Garcia necessita, e por outro, conferirem a acutilância ofensiva que o queniano ainda assim garantia, na esquerda, Fábio Coentrão, sendo (desafortunadamente) apenas um, não é suficiente para fechar o corredor, sobretudo quando não tem nas costas um defesa seguro e consistente, como, no plantel, só ele próprio poderia ser. Ruben Amorim talvez representasse, no primeiro caso, uma solução interessante para esta partida. Infelizmente, estava em Lisboa. Quanto ao segundo caso, Jorge Jesus tem de decidir se quer Coentrão como defesa (e aí há que encontrar uma solução para o ataque, que até podia ter sido Urreta), ou como extremo (sendo então urgente a contratação de um lateral já em Dezembro). É que o jovem vila-condense, embora por vezes pareça, nem sempre consegue valer por dois.Deixo para o fim as questões individuais, se bem que algumas delas convirjam em tudo o que já ficou dito. Há, de facto, jogadores em gritante má forma na equipa do Benfica. David Luiz e Javi Garcia, por exemplo, que nem estiveram no Mundial, ainda parecem estar de férias. Saviola tem sido demasiado intermitente, tal como, de resto, Óscar Cardozo. César Peixoto nunca foi muito melhor do que aquilo que mostrou nesta noite: um jogador capaz de disfarçar as insuficiências em jogos de ritmo mais baixo, totalmente contra-indicado para partidas de Liga dos Campeões, ou de grau de exigência mais elevado. Sem Di Maria e Ramires, sobra assim muito pouco da exuberância individual e colectiva da época passada. Só Luisão fez um jogo digno de Liga dos Campeões. Só Carlos Martins o tentou acompanhar.
Não irei criticar a política desportiva seguida no defeso, até porque na altura a elogiei, e gosto de manter alguma coerência. Mas não deixa de ser interessante verificar que o Schalke 04, à semelhança de quase todas as equipas participantes na Liga dos Campeões, investiu fortemente nesta participação, reforçando o seu plantel para uma prova que, directa e indirectamente, proporciona receitas de milhões. A excepção foi o Benfica, que, precisamente em nome dos milhões (neste caso imediatos), vendeu os seus dois melhores jogadores. Este Benfica 2010-11 é, aliás, o paradigma, de como a perda de jogadores fundamentais pode pesar nos alicerces de uma equipa. E tanto que eu falei nesses riscos...
Ainda acredito, contudo, neste plantel, e ainda acredito no apuramento. Há que recuperar rapidamente David Luiz, Javi e Saviola, caso contrário Sidnei, Airton e Jara, ou um, ou dois deles, devem ter a sua oportunidade. Há que trabalhar afincadamente as transições defensivas (fixar Ruben Amorim na direita, pode ser o princípio da solução), sem as quais a equipa não pode atacar com segurança e eficácia, sobretudo diante de adversários mais cínicos. Há que recuperar o 4-3-3 como sistema alternativo para algumas partidas, ou, pelo menos, alguns momentos de jogo. Só não há é tempo para nada. Já no domingo, provavelmente sem Cardozo (um azar nunca vem só), o Benfica volta a jogar a vida no campeonato.
Quanto à Champions, será agora imprescindível pontuar com o Lyon. Um empate na Alemanha teria sido um passo determinante. O Benfica não o soube dar.