A de ARBITRAGENS – A FIFA bem se empenhou em procurar demonstrar que o problema não existia, mas o que é certo é que as arbitragens pouco melhoraram desde 2002. A realização televisiva evitou cirurgicamente que os lances mais polémicos fossem objecto de muitas repetições, e até cheguei a suspeitar que a própria opinião jornalística estivesse a ser instrumentalizada, tal a diferença entre o que se via diariamente e aquilo que era comentado. Este comportamento pode ter abafado a polémica, mas não alterou o essencial: houve muitos e graves erros nesta competição – desde os três amarelos a um jogador, ao festival de cartões do Portugal-Holanda, passando por dois golos não considerados e penáltis fantasmas em jogos decisivos, de tudo aconteceu -, só não tendo maiores repercussões porque nalguns dos casos mais graves a equipa prejudicada acabou por vencer e, sejamos justos, porque a partir dos quartos-de-final o panorama melhorou sensivelmente. Mas a ideia que subsiste é a de que algo tem que ser feito neste domínio, para que não fique comprometido o futuro de uma competição desta dimensão. Já se fala na introdução de mais um árbitro de campo, o que pode ser uma das soluções.
B de BRASIL – Apontado como o principal favorito à conquista do título mundial, o “Escrete Canarinho” desiludiu em toda a linha desde que se estreou na prova até que caiu, sem honra nem glória, aos pés da França. Um Ronaldinho Gaúcho “ausente” e um esquema táctico que privilegiou as individualidades em detrimento do colectivo, empurraram o Brasil para fora de um torneio onde o equilíbrio e o rigor táctico foram as principais estrelas. Tem matéria prima de sobra para rapidamente recuperar a sua posição no futebol mundial, mas para isso terá que construir uma equipa coesa e organizada, mesmo que tenha de prescindir de algumas das suas estrelas, o que exige a coragem que terá faltado a Parreira.
C de CANNAVARO – Partilhando o sector central da defesa italiana, ora com Nesta, ora com Materazzi ou Barzagli, Fábio Cannavaro foi sempre, apesar da baixa estatura, a trave mestra da organização defensiva da equipa de Marcello Lippi. Atingiu momentos de grande brilhantismo, ao ponto de podermos estar talvez a falar do melhor jogador da competição (sobretudo se retirarmos Zidane da lista de possibilidades). Com os problemas que a Juventus enfrenta, Cannavaro tem uma boa oportunidade de se afirmar fora do seu país como um dos melhores centrais do mundo.
D de DEFENSIVO – Esta competição ficou marcada pela forma como a generalidade das equipas apostou em sistemas de jogo calculistas e de cariz defensivo. As que não o fizeram, cedo saíram da prova, levando consigo a marca de um romantismo que, cada vez mais, parece fazer parte da história do desporto-rei. Pode haver quem não goste, quem apenas aprecie a plasticidade de um jogo atacante, divertido e alicerçado em individualidades habilidosas, quem despreze a estratégia enquanto componente do espectáculo futebolístico, ou quem procure num jogo de futebol apenas o mesmo tipo de entusiasmo que encontra numa caçada de perdizes, mas o que é um facto é que este tipo de futebol veio para ficar, sobretudo em competições de selecção, com menos tempo de entrosamento, jogos a eliminar e grande equilíbrio. Meios campos densamente povoados, processos ofensivos envolvendo um número reduzido de unidades, linhas recuadas, menosprezo pela posse de bola, expectativa posta no erro adversário aproveitando o espaço nas suas costas, são hoje traços distintivos das grandes equipas do futebol europeu e mundial, tendência que havia emergido já nas últimas edições da Liga dos Campeões (o Barcelona foi apenas uma excepção), nos próprios mundiais e europeus (lembram-se da Grécia ?), e que representa a definitiva perda da inocência da modalidade.
Vai ser este, indelevelmente, o futebol dos próximos tempos – pelo menos neste tipo de competição, e a menos que sejam introduzidas alterações significativas no jogo em si -, pois é ele que melhores resultados garante, e as equipas (selecções ou clubes) pretendem acima de tudo a vitória, tal como aliás os seus adeptos (nós gostaríamos que a Itália ou a França proporcionassem um espectáculo mais agradável e entretido, mas italianos e franceses queriam sobretudo a vitória).
Conforme se disse no mundo político a propósito de outro tema : habituem-se !
E de EUROPA - As selecções europeias são incontornavelmente o berço desta nova tendência, ou deste renovar de uma tendência antiga – já nos anos setenta a Itália de Facchetti se apresentava desta forma -, que se preocupa em primeiro lugar em não sofrer golos, e só depois esperar pelos erros do adversário para os conseguir marcar, modelo que, se complementado pela eficácia ofensiva (aproveitamento das poucas oportunidades) e pelo poder físico dos atletas, se torna muito difícil de bater. A equipa agora campeã nunca renegou essa sua propensão genética – muito embora a tivesse por vezes adornado com lampejos de matriz distinta -, e até selecções como a Inglaterra, França, Portugal ou mesmo a Holanda, tradicionalmente mais ofensivas, se mostraram extremamente cautelosas, sobretudo quando em situações de vantagem no marcador. O resultado foi quatro equipas europeias nas meias-finais, seis nos quartos, e uma derrocada generalizada do futebol de outros continentes, cuja componente ofensiva os levou a alternar espectáculos de boa qualidade plastico-artística, carregados de lances de bela coreografia, com derrotas onde a sua incapacidade de transição defensiva foi posta a nu pela cínica eficácia dos adversários.
F de FIGO – Poucos seriam aqueles que, antes do Mundial se iniciar, apostariam em Figo como um dos jogadores em foco na competição. Todavia, o experiente capitão da selecção nacional puxou dos seus galões e realizou uma prova notável de classe, liderança e capacidade de sofrimento. Involuntariamente, abre um grave problema no interior da equipa de Scolari, que é o de descobrir quem o poderá substituir, não tanto em termos tácticos – há Simão, há Quaresma -, mas mais em força anímica e voz de comando.
G de GUARDA-REDES – Num Mundial de características tão defensivas, mal parecia que os guarda-redes não tivessem brilhado de forma bem luminosa. Buffon (o melhor de todos), Ricardo, Lehmann, mas também Dida, Cech, Van der Sar, Casillas, Robinson, e até Barthez, para não mencionar algumas agradáveis surpresas oriundas de selecções de menor nomeada, estiveram quase sempre muito próximo da perfeição que a função exige. Os adeptos gostam mais de ver golos, mas as grandes defesas também fazem parte do futebol.
H de HISTÓRICO – O quarto lugar da selecção nacional foi a segunda melhor participação de sempre de Portugal em Mundiais. Se tivermos em atenção que em 1966 não havia oitavos-de-final (e que agora não havia Eusébio...), chegaremos à conclusão que talvez nunca antes um conjunto português se tenha apresentado tão forte e com tantas capacidades de discutir, inclusivamente, o título mundial, como esta brilhante selecção orientada por Scolari. Um feito para ficar gravado a letras de ouro no historial do futebol luso.
I de ITÁLIA - Partindo de um contexto de grande instabilidade, resultante do “Calciocaos” que chegou a levar a interrogatórios judiciais o próprio Marcello Lippi (para além de Buffon e outros jogadores), e originou manifestações hostis dos “tiffosi” em pleno estágio de preparação, a selecção italiana cedo demonstrou ter deixado os problemas em Roma e em Turim, e mostrou-se, no geral, a equipa mais poderosa da competição. O título assenta-lhe muitíssimo bem, mas veremos que consequências ele terá no desenvolvimento do triste e complexo processo a decorrer nos tribunais. Seria injusto não mencionar os nomes de Buffon, Zambrotta, Cannavaro, Grosso, Pirlo e Gattuso, como aqueles que mais sobressaíram no articulado e harmonioso conjunto transalpino
J de JOGOS BONS E JOGOS MAUS– Quem apenas se compraz com a plasticidade de um jogo pura e ingenuamente atacante, alicerçado no brilhantismo das individualidades, seus dribles e seus apontamentos de magia e golos, não terá grandes motivos para recordar este torneio. Todavia, a generalidade dos jogos, quer da primeira fase, quer sobretudo na fase eliminatória, foram de grande intensidade dramática, de enorme riqueza táctica, e de competitividade extrema, o que acabou por fazer deles interessantes espectáculos aos olhos de quem não entenda o futebol como um mero programa de entretenimento, e procure descobrir as especificidades científicas que rodeiam o jogo - nunca perdendo de vista que as equipas entram em campo com o objectivo único de vencer, e assim sendo, jogar bem será então justa, unica e simplesmente encontrar o modo mais rápido e seguro para conseguir a vitória.
Houve poucos golos, o que, tendo em conta os caminhos que este modelismo táctico está a impor, poderá ser um impulso para a FIFA proceder a algumas alterações de fundo, como por exemplo um aumento da dimensão das balizas, ou a delimitação da zona de fora-de-jogo ao enfiamento da linha de grande área. Veremos o que os próximos anos ditam acerca deste apaixonante tema.
K de KLOSE – Quase tem passado despercebido, mas o que é certo é que foi (com toda a clareza) o melhor marcador do Mundial e, ao repetir os cinco golos do Coreia-Japão, situa-se já num interessante posto entre os melhores de sempre na história da prova, tabela que entretanto Ronaldo passou a liderar. Depois de 2002, Klose não foi figura de topo no futebol europeu, regressando apenas agora à ribalta. Veremos como decorrerá a sua carreira daqui em diante.
L de LIPPI – Um treinador campeão do mundo é sempre, por inerência, um dos melhores, ou mesmo o melhor. Marcello Lippi, para além do título – que num assomo de azar podia até ter visto fugir-lhe – realizou um trabalho a todos os títulos notável. Em primeiro lugar, a forma como blindou a equipa a toda a instabilidade que o “Calciocaos” naturalmente causou, demonstra uma capacidade de liderança e de motivação impressionantes. Mas para além do aspecto anímico, a Itália foi também uma selecção extremamente bem preparada física e tacticamente, resistindo a dois intensos prolongamentos nos dois últimos jogos, e apresentando múltiplas variantes ao nível do sistema táctico, passíveis de ser utilizadas de acordo com os adversários e as especificidades que cada situação de jogo lhe apresentava. Viu-se uma Itália com um ponta-de-lança, com dois, com três, com um meio campo em losango, com 4-3-3 em linha, modificando a sua estrutura sempre que necessário, sem perda de rendimento competitivo. Tinha matéria prima para o fazer, é verdade, mas quantas outras selecções a tinham também e não conseguiram dar o golpe de asa que certos momentos exigiam?
M de MANICHE – Parecem hoje ridículas todas as dúvidas que se colocaram perante a sua convocação, tal a qualidade do seu desempenho na Alemanha. Bem razão tinha José Mourinho ao afirmar que ele, apesar de pouco jogar, se encontrava em excelentes condições (no Chelsea teve pela frente Essien, Makelele e Lampard). Depois de ter sido um dos melhores jogadores do último Europeu, Maniche volta a estar entre os melhores do Mundial, provando aquilo que aqui defendi há já algum tempo: na sua melhor forma é um jogador de topo a nível internacional, nada devendo aos Figos e Ronaldos da nossa selecção. A dúvida que fica é saber até que ponto será ele capaz de manter esta bitola exibicional durante uma temporada inteira, algo a que ainda não respondeu com clareza, tendo agora a oportunidade ideal para o fazer.
N de NUNO GOMES – Jogou apenas quarenta e três minutos neste Mundial. Nesse tempo de jogo marcou um golo e criou mais uns dois ou três lances de perigo, lançando a dúvida sobre a preferência de Scolari por um completamente inoperante Postiga, sempre que teve de refrescar o ataque.
Onde chegaria Portugal se Nuno Gomes tem entrado na segunda parte do jogo com a França ?
Nunca poderemos responder cabalmente a essa questão, mas a sensação que fica é a de que terão sido factores extra-desportivos, que terão determinado a opção do seleccionador.
O de OITAVOS-DE-FINAL – Foi nos oitavos que Portugal defrontou a Holanda, num jogo que marcou o Mundial e a prestação portuguesa de múltiplas formas. Se por um lado foi este jogo, com toda a sua carga dramática, que lançou a equipa de Scolari a caminho de um torneio inesquecível, também é verdade que, sob o aspecto disciplinar, lançou um anátema sobre os portugueses, que acabou por se fazer sentir de forma perversa nos jogos seguintes, designadamente na forma como as arbitragens (e os adversários) passaram a olhar os nossos jogadores. Selecção portuguesa á parte, este jogo marcou também uma clara distinção entre duas formas de arbitrar, uma pré-Portugal-Holanda, com cartões distribuídos a eito e interrupções constantes dos jogos, e outra pós-Portugal-Holanda, com arbitragens muito mais permissivas, de critérios largos, e com a preocupação evidente de deixar os jogos terminar com vinte e dois jogadores em campo, o que valoriza os espectáculos – missão que, não devendo ser exigida a quem entra em campo apenas para ganhar, pode e deve pedir-se a quem tutela o jogo dentro das quatro linhas.
P de PONTAS DE LANÇA – Num Mundial tão cauteloso e tão fechado tacticamente, seria difícil um grande destaque para os pontas-de-lança. É um pouco como a história do ovo e da galinha: será que o Mundial teve poucos golos porque os pontas-de-lança estiveram mal ? ou será que eles estiveram mal porque os sistemas de jogo implementados pelos seus técnicos não lhes permitiram brilhar ?
Réus ou vítimas, a verdade é que salvo raras excepções (Klose, e em certa medida Ronaldo, Henry e Crespo), os goleadores não apareceram na Alemanha.
Q de QUATRO-QUATRO-DOIS – Sensivelmente a meio da competição, foi publicado neste espaço um artigo que defendia ser o 4-4-2 o sistema táctico triunfante neste Mundial. Na altura, grande parte das selecções apuradas para os oitavos-de-final apresentava como base estruturante uma ou outra variante do 4-4-2, sendo que duas das escassas excepções eram Portugal e a França.
Pois bem, a verdade é que, não só portugueses e franceses chegaram às meias-finais, como a Itália, que se veio a sagrar campeã, alterou o seu esquema preferencial, subtraindo um dos pontas-de-lança ao onze (Gilardino) e incorporando um ala (Camoranesi), o que lhe acabou por dar uma feição muito mais aproximada do 4-3-3 do que do 4-4-2 inicial. Assim sendo, e levando em conta que três dos quatro semi-finalistas (a excepção foi a Alemanha, sempre fiel ao 4-4-2) adoptaram um sistema próximo do 4-3-3 (4-2-3-1, ou 4-3-2-1 no caso italiano), não se pode mais dizer que o 4-4-2 tenha marcado uma posição maior do que a que já tinha, no domínio das preferências tácticas dos principais treinadores mundiais.
R de REVELAÇÕES – Não foi um torneio muito propício a revelações. Os principais candidatos ao título discutiram-no entre si (talvez Portugal tenha sido o único outsider de relevo), e selecções como o Gana ou a Austrália, mau grado a beleza do seu jogo ofensivo, acabaram traídas pela inexperiência e falta de rigor defensivo (mais marcante no caso dos africanos). A Suiça merece a referência de não ter sofrido qualquer golo na prova, perfilando-se como candidata a um excelente Europeu 2008 - prova que disputa em sua casa.
Também em termos individuais o Mundial não trouxe grandes novidades. Pelo contrário, brilharam nomes que pareciam já caminhar para o ocaso das respectivas carreiras como Figo, Zidane, Vieira e, em certos momentos, até Beckham ou Del Piero.
Maniche, que já se havia revelado no Euro 2004, deu-se agora a conhecer ao mundo. Revelações propriamente ditas foram apenas os laterais esquerdos Grosso (Itália) e Lahm (Alemanha), o avançado alemão Podolski, o polivalente argentino Maxi Rodriguez, e sobretudo o ala francês Ribery.
S de SCOLARI – Felipão passou, ao longo do último mês, um verdadeiro rolo compressor sobre aqueles que, tanto e tão incompreensivelmente, o criticavam. Ao levar a selecção nacional a (praticamente) repetir a saga dos magriços, Scolari demostrou (uma vez mais) tratar-se de um fabuloso técnico, cuja principal arma se situa no plano da mentalização e coesão de grupo, aspecto que hoje, com quase tudo inventado em termos de tácticas e metodologias de treino, faz a diferença (Mourinho que o diga) e define campeões. Não esteve isento de erros, quem o está ? Mas o essencial do seu trabalho sai fortemente valorizado deste Mundial, sendo já muito poucos os que se atrevem a beliscar a sua cada vez mais inegável competência. Que fique em Portugal mais dois, quatro, oito anos, os que quiser !
T de TELEVISÃO – Para quem não pôde estar na Alemanha, o Mundial tornou-se num intenso exercício de visionamento televisivo, pelo que as questões em redor das transmissões se tornaram determinantes na vivência do acontecimento.
Há que destacar desde logo a fraca realização alemã, que foi capaz de ser tão zelosa a ocultar imagens de lances duvidosos, como a “demonstrar” as simulações de Cristiano Ronaldo ou dos portugueses em geral. Além destes aspectos, as câmaras patentearam ainda uma estranha displicência no tratamento das substituições, e sobretudo dos cartões amarelos, que por vezes passaram despercebidos ao realizador.
Em termos de comentadores, tanto Humberto Coelho na SIC, como, sobretudo, o surpreendente José Peseiro na Sport tv, estiveram à altura da ocasião. As narrações de José Augusto Marques e Rui Orlando não deslustraram.
Também o programa da RTP foi muito bem conseguido, de muito valendo Carlos Daniel, Luís Freitas Lobo e Marcelo Rebelo de Sousa, para além do trio de excelentes comunicadores nos dias de jogo de Portugal (não entendi porque é que o dia da final não mereceu programa, sendo apenas apresentado o resumo do jogo).
Como reparo, é de lamentar a ausência de mais comentadores e narradores em estádio por parte da Sport tv (só os jogos de Portugal o mereceram por parte do canal codificado).
U de UNIÃO – É impressionante a força com que o futebol consegue congregar as pessoas em torno de uma ideia de pátria, o que nenhuma outra actividade ousa sequer tentar. Não são só as bandeiras á janela, mas toda uma iconografia que remete o Mundial para um paralelismo com as antigas guerras, e os jogadores para o patamar dos antigos heróis, e que faz deste jogo o último refúgio das identidades nacionais num contexto de globalização acelerada e compressora. Não se pense que é apenas em Portugal que este fenómeno ocorre, pois em praticamente todo o mundo o torneio uniu nações, fez chorar e fez o povo sair á rua a comemorar vitórias como se de algo transcendental se tratasse.
Não se pense contudo que é possível transferir esta energia para outras actividades ou eventos, como tem sido pedido pelo poder político e económico. O futebol é o futebol e tem esta capacidade impar. Nada mais se lhe assemelha, e a sua força é apenas sua.
Apetece perguntar: o que seria da pátria dos nossos dias sem o futebol a puxar por ela ?
V de VENCEDORES – Só a Itália conquistou o título, mas os vencedores deste Mundial foram vários. A Alemanha pela organização, Portugal pelo histórico quarto lugar, a França por ter chegado à segunda final da sua história, a Ucrânia pela chegada aos quartos-de-final, a Austrália e o Gana pelo divertido futebol que apresentaram, Angola pela digna presença, e a FIFA pelas receitas, seguramente volumosas.
No campo dos derrotados teremos que colocar o Brasil, a Argentina, a Espanha, a Inglaterra, a Holanda, a Polónia e a Sérvia. Em termos individuais, Ronaldinho Gaúcho passou ao lado da prova, e Zidane acabou como se viu. Já que se fala em Zizou, se a FIFA ganhou em receitas, deu uma pálida imagem dos seus critérios, ao nomear o francês como melhor jogador depois daquilo que o mundo inteiro viu, e a mim me entristeceu particularmente - depois da eliminação de Portugal, torcia firmemente por ver Zidane acabar a carreira com a taça do mundo nas mãos. Já nas designações do “Man of the Match” os critérios tinham sido bastante estranhos (recorde-se como Ricardo, no jogo com a Inglaterra, ficou incrivelmente afastado da distinção).
W de WAYNE ROONEY – A justíssima expulsão do dianteiro inglês, que aliás terá pesado na decisão de nomear o mesmo árbitro para a final, foi a base para uma inqualificável campanha da imprensa inglesa contra Cristiano Ronaldo, como se avisar o árbitro daquilo que se tinha passado fosse mais grave do que o facto em si – a agressão de Rooney a Ricardo Carvalho.
Ao que se sabe, essa mórbida campanha, acabou por se traduzir na criação de sites exclusivos para insultos e ameaças, e mesmo na vandalização da casa do jogador, o que criou um ambiente muito pouco hospitaleiro para Ronaldo poder prosseguir a sua carreira em terras de sua majestade (mais perdem...).
Não sei onde está a civilidade e o cavalheirismo britânicos, nem consigo entender a psicologia de quem entende desta forma um jogo de futebol. O que sei é que, desde que o Mundial começou até final, o jovem jogador português teve um comportamento correctíssimo dentro e fora do campo (nem sempre fora assim no passado, é verdade), e viu-se injusta e barbaramente confrontado com uma verdadeira bola de neve de críticas e ataques, a maioria das vezes galgando o terreno da estupidez, que terão abalado um pouco, de modo cruel, a sua imagem noutras paragens do globo.
X de XÍS – A grande incógnita que resta para o futuro da selecção portuguesa, passa por saber quem poderá substituir, mais do que Figo, Pedro Pauleta na frente da ataque da “equipa de todos nós”. Nuno Gomes tem trinta anos, pelo que pode ainda ser uma alternativa válida, pelo menos, para o Euro 2008 mas, e para 2010 ? e que outras alternativas ? Hélder Postiga (mais uma vez) pouco mostrou, Hugo Almeida tarda em afirmar-se (se é que alguma vez vai conseguir ultrapassar aquela indolência exasperante), João Tomás também já dificilmente se apresentará em condições de assegurar o lugar na África do Sul, e Ricardo Vaz Té ainda parece longe de poder passar de uma alternativa de segundo plano. Quem mais ? Para já, ninguém !
Deixo portanto aqui o apelo à Academia de Alcochete, para que deixe de formar apenas extremos (já chegam Futre, Figo, Simão, Ronaldo, Quaresma e Boa Morte, e já se fala de Paim), e invista todos os seus meios na detecção e formação de pontas-de-lança, que tanta falta fazem ao futebol português. A menos que o problema esteja mesmo na genética nacional, e se assim for, estaremos então seguramente mais quarenta anos até chegar de novo às meias finais de um campeonato do mundo.
Y de YA – É esta a palavra que se deve aos alemães pela sua sumptuosa organização. Mesmo não tendo estado no local, o que torna difícil a missão de avaliar a organização do evento nos seus aspectos logistico-burocráticos, percebeu-se a partir de Portugal que a organização germânica pôs de pé um excelente trabalho. O clima de festa perpassou para os ecrãs de televisão de todo o mundo, os casos de violência foram meramente pontuais (Ricardo bem merecia melhor agradecimento por parte da FIFA neste particular), e como se esperava, tudo acabou em bem. Os estádios, ainda que vistos via tv, pareceram fantásticos (o Olímpico de Berlim é um monumento que não quererei deixar de visitar assim que tenha oportunidade de me deslocar à capital alemã). Os problemas com a atribuição de bilhetes devem ser assacados à FIFA e ás federações nacionais, pelo que o Comité Organizador deverá sair incólume dessa questão, que aliás já ocorrera aquando do Euro 2004.
Z de ZIDANE – Fui um grande admirador de Zidane. Foi um dos melhores jogadores do mundo na última década, e quando já pouco se esperava de si, eis que aparece em grande forma neste Mundial fazendo as delícias dos adeptos do futebol. Até aos 110 minutos da final de domingo era o justíssimo favorito a título de melhor jogador do torneio. Depois...o que lhe terá passado pela cabeça ?
Zidane desiludiu-me. Desiludiu-me profundamente, num dia em que eu esperava vê-lo levantar a taça e despedir-se conforme o guião que este Mundial parecia anunciar. Já que não foi um português, já que Ronaldinho Gaúcho e Leo Messi pouco saíram da sombra, Zidane era um rei perfeito no trono do mundo da bola (que bem ficaria a sua fotografia de taça na mão na capa da edição especial do ”Onze”, que colecciono desde 1978...). Mas fracassou. Fracassou em toda a linha, e nada do que se possa agora fazer ou dizer vai apagar a nódoa daquele triste instante.
Zidane estragou o mundial nos últimos momentos, tal como, ironicamente, a letra Z me obriga a terminar este texto com uma nota profundamente negativa.
Porquê Zizou ? Ficará a eterna questão, à qual qualquer resposta será sempre insuficiente.