Nem o gato branco que se recostava sonolentamente sobre o tejadilho do meu carro, quando parti para o estádio, teve o condão de proporcionar uma noite de sorte. Pelo contrário, quase tudo correu mal, quer a mim (que, por contratempos vários, acabei por chegar à Luz já com o jogo a decorrer), quer ao Benfica (que, por erros próprios e alheios, perdeu uma partida que não merecia perder).
Quem anda nuns quartos-de-final da Liga dos Campeões, pode sempre sair derrotado de qualquer jogo, contra qualquer opositor, sem que tal lhe obrigue a esconder a cara de vergonha. Os adversários são poderosos, não desperdiçam as oportunidades que têm, não concedem quaisquer facilidades, e dificilmente são surpreendidos. Perder neste tabuleiro, mesmo em casa, é algo que está longe de danificar o orgulho, ou causar sobressalto emocional de monta. É normal, como normal seria empatar. E talvez o menos normal de tudo fosse o Benfica impor-se a um conjunto cujo orçamento lhe é várias vezes superior.
O Chelsea é, obviamente, uma grande equipa, que, com a sorte de seu lado, tem fortes hipóteses de vencer noventa por cento dos adversários que encontre pelo caminho. Pelo contrário, o Benfica é, nesta fase da prova, um mero outsider, que, beneficiando dos favores da fortuna, poderia (e talvez ainda possa) eventualmente chegar um pouco mais além, mas a quem a lei das probabilidades confere um estatuto de clara subalternidade dentro do lote de emblemas em presença. Dito de outra forma, num dia bom, e com alguma sorte, o Benfica tinha (e creio que ainda tem) algumas possibilidades de eliminar o colosso inglês, mas com os ventos do jogo, e da arbitragem, a soprar contra si, muito dificilmente conseguiria mais do que aquilo que conseguiu.
É usual dizer-se que neste tipo de confrontos a decisão reside em pequenos detalhes. É verdade, mas nem sempre (ou quase nunca) esses detalhes são fruto do acaso. É um detalhe, mas não é um acaso, que Emerson tenha sido ultrapassado, da forma como foi, por Ramires (um veio para cá em saldo, outro saiu por 22 milhões), nem que David Luíz (outro que rendeu milhões) estivesse sistematicamente no caminho da bola em quase todos os lances ofensivos do Benfica, enquanto Jardel (outro que chegou em saldo) não mostrava capacidade de choque para resistir a um Fernando Torres a meio gás. No meio de tudo isto, “acaso” (pelo menos quero acreditar que assim seja) foi apenas a inconcebível cegueira de uma equipa de arbitragem inteirinha - ao vê-los entrar em campo no reatamento, sendo tantos, por uma fracção de segundos cheguei a pensar que o Chelsea mudara de equipamento nas cabines -, num lance que todo o estádio viu ser merecedor de grande penalidade.
Podia, mesmo assim, o Benfica ter procurado melhor sorte? Podia, e desta vez parece-me bem que, mais do que culpar Emerson ou qualquer outro jogador, há que apontar o dedo na direcção de Jorge Jesus.
Por mais que me esforce, não consigo entender porque motivo, com a equipa no seu melhor momento em todo o jogo, com o Chelsea praticamente nas cordas, com um placard que, não sendo óptimo, era ainda assim animador, o técnico encarnado decidiu efectuar duas substituições de uma assentada, e com elas revolucionar toda a estrutura da equipa, minando os seus alicerces mais profundos. Ele até pode vir agora justificar essa opção à luz de uma hermética variante táctica que escape ao olho do espectador comum, mas o que o espectador comum viu foi uma equipa que controlava o jogo passar os dez minutos seguintes completamente desorientada, à procura das novas coordenadas que, extemporaneamente, o seu líder lhe impôs. Para mal dos pecados, quer do iluminado treinador, quer do ignorante adepto, o golo do Chelsea surgiu precisamente nesse período, e o jogo nunca mais foi o mesmo.
O que ficou daí para trás foi uma primeira parte muito fechada, duas equipas dignas uma da outra, e um equilíbrio que parecia encaminhar o jogo para um empate a zero – que, como aqui disse em antevisão, não me parecia um mau resultado. Daí para a frente, após o tal período de domínio encarnado, a que se seguiu o desnorte das substituições, e o golo, o tempo que restava era pouco para recuperar a desvantagem. O apito final deixou um travo a injustiça, sobretudo pelo que o Benfica fez até Jesus o desestruturar.
A nível individual, destacaria Javi Garcia (pese embora o lance do golo), Maxi Pereira e Gaitán, como os elementos mais em foco. Também Cardozo esteve em plano razoável, faltando-lhe um golo para abrilhantar a exibição.
Pela negativa há que falar de Emerson. É preciso dizer que o brasileiro foi contratado para ser suplente, e como suplente poderia desempenhar muito bem o seu papel, tapando buracos num ou noutro jogo, à semelhança do que fazem Miguel Vítor, André Almeida ou mesmo Jardel, sem que ninguém os assobie. O problema está, num primeiro momento, no motivo pelo qual ele assumiu a titularidade absoluta (porque foi Capdevila contratado? Porque razão, tendo-o sido, quase nunca jogou?); e num segundo momento, na forma como a SAD benfiquista (ou o próprio Jesus, não faço ideia) desvalorizou o problema, deixando passar o mercado de Janeiro sem que fosse adquirido um lateral-esquerdo de qualidade, conforme as ambições do clube, e esta presença europeia, naturalmente impunham. Não darei pois para o peditório da crucificação do jogador, embora, ao contrário do que se passou há uns tempos com Cardozo (então, pura estupidez), perceba neste caso as razões da insatisfação dos adeptos. A Emerson, apenas culpo de não ter, por vezes, a noção exacta das suas próprias limitações, não evitando um adorno aqui, um toque a mais ali, um drible acolá, que conduzem invariavelmente a nova perda de bola, a mais assobios, a mais intranquilidade, e assim sucessivamente.
A arbitragem de Paolo Tagliavento surpreendeu pela negativa. Depois de ver a excelente exibição de Howard Webb na eliminatória anterior, esperava algo do género de um juiz igualmente afamado. Mas, ao contrário dessa minha expectativa, o italiano saiu da Luz com o peso de uma influência clara no resultado do jogo (e, porventura, da eliminatória), ao não assinalar um penálti óbvio cometido por John Terry. Tal como em 2006, na altura com o Barcelona, fica a noção que, chegadas a estas fases, umas equipas são mais iguais que outras. Espero que a segunda mão não confirme esta ideia.
E assim vai o Benfica para Londres, à procura de uma milagrosa noite que ainda o possa colocar nas meias-finais. Se o Chelsea entender que a eliminatória “está no papo”, e, por outro lado, o Benfica tiver a felicidade de fazer um golo cedo, ainda poderá haver uma surpresa. Mas em condições normais, a carreira europeia do Benfica 2011-12 terminará na próxima quarta-feira. E, mesmo assim, já não terá sido nada má.
O Campeonato sim, ainda pode ser muito mau…ou muito bom. Infelizmente, as possibilidades de êxito parecem-me idênticas às da Champions. Ou seja, poucas.