UNIDOS NA FÉ !

Inicia-se hoje mais uma ronda da Liga dos Campeões, com todas as equipas portuguesas ainda na luta pelo apuramento.
À medida que a prova avança, o dramatismo que envolve os jogos, os pontos e as classificações cresce substancialmente, e aí temos mais uma jornada de quase vida ou morte para o atestar.
O Benfica recebe o Celtic na Luz e eu diria que só tem duas hipóteses: ganhar ou ganhar. Qualquer outro resultado afasta liminarmente os encarnados da competição, podendo todavia manter-se de pé a hipótese de seguir para a Taça Uefa.

Uma vitória por 4-0 (ou mesmo apenas 3-0) seria extraordinariamente significativa em termos de contas finais, pois dela resultaria praticamente mais um ponto no desempate directo com os escoceses. Todavia um resultado desse tipo não parece verosímil, quer por se estar numa Liga dos Campeões onde só acidentalmente isso sucede, quer sobretudo pelo actual momento de forma do Celtic, líder isolado do seu campeonato com dez pontos de vantagem e nove vitórias consecutivas.
De facto, o adversário que o Benfica tem pela frente entrará na Luz extraordinariamente confiante e muito apoiado por cerca de 10 mil adeptos. É uma grande equipa e está em grande momento de forma. Será um jogo tremendamente difícil para o Benfica.
Quer-se pois um grande Benfica, um Benfica que esta época ainda não se mostrou na Europa, mas que todos acreditamos seja ainda capaz de o fazer. Um Benfica que esqueça rapidamente a infelicidade que viveu no sábado passado, que afaste fantasmas recentes, que lute por cada bola como se da vida se tratasse. Irá ainda a tempo? Isso é outra questão. Agora interessa ganhar ao Celtic, custe o que custar. Creio que o Benfica da segunda parte no Dragão, com a mesma força mental e com a mesma audácia - neste momento nada há a perder -reforçado com Fabrizio Miccoli, tem todas as condições para vencer este jogo e manter de pé a chama da esperança.
O F.C.Porto depende apenas de si próprio. Se ganhar todos os jogos passa aos oitavos. Contudo sabemos que vencer em Moscovo e derrotar o Arsenal não serão tarefas fáceis. Para evitar que essa enorme pressão seja transposta para as rondas finais, uma vitória amanhã em Hamburgo seria o ideal e talvez permitisse aos portistas empatar os dois jogos restantes. Uma derrota complica bastante a contabilidade do grupo mas não afasta de todo o F.C.Porto da passagem. O empate obriga, pelo menos, a vencer em Moscovo. O Hamburgo mostrou-se até ao momento um adversário dócil, muito embora nas últimas jornadas da liga alemã tenha apresentado algumas melhorias. Mas o F.C.Porto, mesmo sem Anderson, tem condições para trazer pontos da AOL Arena.
O Sporting está numa situação parecida com o F.C.Porto, muito embora no caso dos leões, uma vitória em Munique possa até permitir perder em San Siro na jornada seguinte sem se desposicionar face ao apuramento – ver-se-á o que faz o Inter em Moscovo. Qualquer outro resultado irá, em princípio, obrigar os leões a pontuar na deslocação a Milão, o que não será tarefa fácil. O Bayern vai-se apresentar desfalcado de quatro das suas unidades mais valiosas - os internacionais Lúcio, Hargreaves, Schweinsteigger e Podolski – o que pode funcionar a favor da equipa de Alvalade, que todavia terá de se superar para conseguir os três pontos frente a uma das melhores equipas europeias da actualidade. Este vai ser um teste à maturidade desta jovem equipa de Paulo Bento, que tem agora a possibilidade de mostrar à Europa que, além de um conjunto de jovens promissores, é também e já uma grande equipa.
Os dados estão lançados. Veremos que conclusões poderemos extrair desta importante jornada.
Boa sorte a todos !

CLASSIFICAÇÃO "REAL"

Numa jornada sem casos, nada há a corrigir:

F.C.PORTO 19
Sporting 18
Benfica 13 (-1 jogo)

VEDETA DA JORNADA

BUBA: No Dragão houve várias boas exibições mas nenhuma que se destacasse particularmente, pelo que é de toda a justiça atribuir a distinção a este camaronês, defesa-central, que teve uma verdadeira jornada de glória ao apontar três golos ao Sporting.

CRUEL MENTIRA !


Inacreditável!
Poucos minutos depois do clássico do Dragão ainda me pergunto como é possível o futebol revestir-se por vezes de tamanha crueldade.
Na verdade, a derrota do Benfica é um resultado mentiroso face ao desenrolar do jogo, uma vez que, se é verdade que o F.C.Porto dominou amplamente a primeira meia hora, daí em diante os encarnados foram a melhor equipa sobre o relvado, justificando pelo menos a repartição de pontos. Mais do que a injustiça da derrota, a forma como ela foi consumada – depois de encetada uma difícil recuperação - foi um autêntico murro no estômago dos benfiquistas, e sem dúvida um dos mais dolorosos resultados de que tenho memória em jogos entre grandes no futebol nacional dos últimos vinte anos.
Apesar da forma ousada como Fernando Santos escalou o onze para esta partida (demasiado ousada talvez, ao despir, digamos assim, o meio campo de uma unidade), foram os portistas que entraram de forma esmagadora, alcançando dois golos ainda dentro da primeira vintena de minutos – o primeiro com alguma dose de sorte e o segundo num rasgo “à Ricardo Quaresma”, ainda que com culpas repartidas entre Nélson e Quim. Nesse período, o elevado nível do futebol portista e algum desnorte do Benfica fizeram inclusivamente pairar durante alguns momentos o espectro de uma possível goleada. O Benfica não acertava as marcações a meio campo e não se entendia com a extrema mobilidade dos dianteiros azuis e brancos, sobretudo do inspirado Hélder Postiga, que mesmo sem marcar (isto se atribuirmos o primeiro golo a Lisandro) realizou uma exibição de grande qualidade. Ainda assim, mesmo nessa fase, embora em termos de posse de bola e de capacidade de pressão o F.C.Porto fosse então muito superior, Léo dispôs de uma boa ocasião para marcar, enquanto os dragões marcaram os seus dois golos em apenas três oportunidades criadas.
A partir dos trinta minutos o F.C.Porto sentiu bastante a saída de Anderson - talvez também tenha adormecido um pouco à sombra da vantagem obtida - e o Benfica reagiu, construindo duas ocasiões flagrantes de marcar às quais Helton respondeu de forma soberba, impedindo Fonseca e depois Paulo Jorge de reduzirem distâncias. Pensou-se que tinha ficado por aí a possibilidade de o Benfica ainda vir a discutir o jogo, mais a mais tomando em conta aquilo que a equipa encarnada tem feito na presente temporada sempre que encontra pela frente adversários fortes e se vê em situações de desvantagem.
Todavia, na segunda parte o Benfica foi capaz de surpreender bastante e pela positiva. Depois de alguns minutos incaracterísticos, a equipa de Fernando Santos partiu para cima do adversário conquistando segundas bolas em série e empurrando o jogo para perto da baliza de Helton. Sobretudo com as entradas de Nuno Assis e Mantorras (sobretudo a do primeiro com a qual conquistou definitivamente um meio campo até aí muito pouco incisivo), a equipa encarnada tornou-se dona e senhora da partida, acabando por chegar ao golo de forma natural e esperada,por intermédio de Katsouranis num forte cabeceamento na sequência de um canto.
O golo ainda estimulou mais os benfiquistas, parecendo pelo contrário enervar a equipa de Jesualdo Ferreira, que na última meia hora raramente conseguiu ultrapassar a linha intermediária, espaço onde todas as bolas pareciam ir ter com os jogadores de vermelho vestidos, como se de um mecanismo automático se tratasse (maior frescura física ?). O empate acabou por surgir com naturalidade, e daí em diante foi o Benfica que ainda mostrou forças para procurar a vitória. Era praticamente impensável por essa altura que o F.C.Porto ainda pudesse marcar, tal a superioridade que a equipa benfiquista apresentava no jogo.
Mas, como eu comecei por dizer, o futebol tem o sortilégio de nos reservar situações estranhas e inesperadas. Umas vezes felizes, outras dramáticas. O F.C.Porto acabou por marcar no último lance da partida, quando nada o fazia prever e quando já nem demonstrava força anímica para o conseguir.
É difícil de entender como se sofre um golo numa situação como aquela, com os apenas três minutos de compensação praticamente transcorridos, com uma última substituição para fazer e na sequência de um lançamento lateral. É de questionar também o que causou uma entrada em campo tão tímida e descontrolada. Mas no cômputo geral da partida, o Benfica tem razões mais do que suficientes para sair de cabeça erguida e para acreditar em si próprio e no futuro, pois demonstrou na maior fatia do tempo de jogo, mais do que qualidade ou organização, sobretudo uma raça e uma vontade de vencer que certamente ainda darão frutos esta época, assim a sorte queira finalmente acompanhar o grupo de Fernando Santos.
Quanto ao F.C.Porto, fica a nota de uma primeira meia hora de elevadíssima categoria, mas fica também a perplexidade sobre a forma como quase ia desaproveitando uma vantagem, que a meio do primeiro tempo se situava praticamente no plano da irreversibilidade, acabando o jogo a tentar evitar a derrota, sendo depois bafejado pela deusa fortuna num golpe do improvável Bruno Moraes.
Em termos individuais os destaques entre os portistas vão para Hélder Postiga, Ricardo Quaresma, Helton e Pepe, enquanto no Benfica Simão foi o mais constante, seguido por Léo, embora as entradas de Nuno Assis e Mantorras tenham mexido muito com a equipa, conforme ficou já dito atrás. Katsouranis também esteve bem, sobretudo no período mais afirmativo da equipa lisboeta. Pela negativa há que salientar a exibição de Paulo Jorge que não pareceu em condições de assumir a titularidade, bem como mais um jogo pouco conseguido de Petit, ainda que na ponta final se tenha redimido com alguns bons apontamentos em termos de recuperação de bola. Nuno Gomes salvou uma prestação cinzenta com um golo, que afinal de nada valeu. Nelson nunca se entendeu com a presença de Quaresma no seu flanco, enquanto Quim sai um pouco mal nas fotografias dos segundo e terceiro golos.
Arbitragem tranquila de Lucílio Baptista, embora se aceitasse um cartão amarelo a Katsouranis no lance com Anderson, do qual o jovem portista saiu gravemente lesionado.
Pontuações dos jogadores do F.C.Porto: Helton 4, Fucile 2, Bruno Alves 3, Pepe 3, Cech 3, Paulo Assunção 3, Lucho 3, Anderson 3, Lisandro 3, Quaresma 4, Postiga 4, Raul Meireles 3, Sektioui 2 e Moraes 4.
Pontuações dos jogadores do Benfica: Quim 2, Nelson 2, Luisão 2, Ricardo Rocha 3, Léo 4, Petit 2, Katsouranis 3, Paulo Jorge 2, Simão 4, Fonseca 3, Nuno Gomes 3, Nuno Assis 4 e Mantorras 3.
Melhor em campo: Hélder Postiga.
Melhor benfiquista: Simão Sabrosa.

BUBA DE GOLOS

O Sporting desperdiçou ontem em Aveiro a possibilidade de beneficiar pontualmente do clássico desta noite, ao ceder um empate frente ao Beira-Mar num jogo absolutamente electrizante.
Houve de tudo em Aveiro: golos, oportunidades, falhanços, frangos, Liedson, Jardel e sobretudo um grande espectáculo de futebol. Os últimos instantes da partida foram verdadeiramente impróprios para cardíacos pois o resultado a nove minutos dos noventa era de 1-1, acabando em 3-3 depois de o Sporting se colocar em vantagem por duas vezes e parecer ter o jogo nas mãos.
O camaronês Buba foi o herói do jogo, anotando todos os três golos da equipa de Augusto Inácio, sendo o último dos quais marcado aos 94 minutos, quando o Sporting ainda festejava aquele que se pensava ser o tento da vitória e que significava também o regresso de Liedson aos golos depois de um período de jejum. Mário Jardel, começando no banco de suplentes, acabou por ter também uma importante participação no jogo, ficando ligado aos últimos dois golos da sua equipa – primeiro cabeceando para uma grande defesa de Ricardo que não susteve depois a recarga de Buba, e no segundo abrindo espaço por onde o camaronês fuzilou as redes verde-brancas.
Na primeira parte, alguma displicência dos leões – provavelmente com pensamento no embate da próxima terça-feira em Munique – permitiu aos da casa equilibrar o jogo e chegar mesmo à vantagem na sequência de um golpe de cabeça de... Buba correspondendo a um livre muito bem executado por Vasco Matos. O Sporting pareceu guardar a sua reacção para a segunda parte, na qual melhorou bastante com as entradas de Nani – castigado no banco pelo técnico devido às últimas más actuações - e sobretudo de Carlos Martins, para os lugares de uns desastrados Romagnoli e Farnerud (pouco certeiras as últimas contratações dos leões) . Foi contudo através uma falha clamorosa do guardião aveirense que Alecsandro restabeleceu a igualdade, com meia-hora de jogo ainda pela frente. Depois de muita insistência e algumas oportunidades perdidas, foi o jovem Yannick Djaló a marcar o 1-2 aos 81 minutos (dois golos em duas jornadas do jovem avançado), pensando-se então que o jogo ficaria definitivamente resolvido. Mas muita coisa ainda iria acontecer. Buba de novo aos 86 minutos restabelecia a igualdade, num lance em que a defesa leonina evidenciou fragilidades que se lhe não reconheciam. Depois foram aqueles minutos loucos com Liedson e novamente Buba (de novo com grandes facilidades concedidas pelos leões na sua área) a marcarem. 3-3 num dos melhores jogos do campeonato até ao momento.
O Sporting perde assim dois importantes pontos na luta da frente, mas pode-se queixar fundamentalmente de si próprio e sobretudo do seu sector defensivo - extremamente infeliz nesta partida - além de alguma apatia em toda a primeira parte, própria de quem está em vésperas de um determinante encontro da Champions League. O Beira Mar recupera assim o ânimo perdido após os seus últimos resultados, justamente na semana que antecede a sua visita ao Estádio da Luz.
Em termos individuais todo o destaque vai para Buba - fez certamente o jogo da sua vida. No Sporting, além do regresso aos golos do "levezinho", há que salientar as boas prestações de Yannick Djaló e de Carlos Martins no período que esteve em campo. Pela negativa, e como já se disse, realce para a dupla de centrais leonina, permissiva como nunca se tinha visto desde que Paulo Bento lidera a equipa. Tonel em particular está uma sombra do jogador da época passada, que chegou a ser apontado como seleccionável para o Mundial.
Nota final para as palavras de Paulo Bento que visivelmente transtornado com os dois pontos ingloriamente perdidos disparou na direcção dos seus jogadores acusando-os de ingenuidade e culpando-os tacitamente, perante o país desportivo, do mau resultado, algo que fica sempre mal a qualquer treinador sobretudo tratando-se de alguém com ainda menos de um ano de experiência. Não se pode pretender ter "sol na eira e chuva no nabal", que é como quem diz: uma equipa jovem recheada de jogadores da formação e simultaneamente a experiência que permita evitar o tipo de desvario competitivo que originou os golos aveirenses. Paulo Bento deve trabalhar este tipo de aspectos dentro do Centro de Estágio, mas nunca em conferências de imprensa, onde estas palavras soam claramente a mau perder e a desculpabilização dele próprio. Tal como os seus jogadores, Bento tem, pelos vistos, ainda muitas coisas a aprender para se considerar um treinador de top.
Com este resultado o embate entre águias e dragões marcado para esta noite ganha novos motivos de interesse: quem ganhar assume a liderança virtual da prova.

CALDEIRÃO DE EMOÇÕES


Um clássico, seja em que época ou modalidade for disputado, tem sempre o sal dos grandes momentos. O de amanhã não foge à regra.
Estarão frente a frente no Dragão as equipas que venceram 21 dos últimos 24 campeonatos nacionais, o que diz por si só da representatividade destes duelos.
F.C.Porto e Benfica são neste momento todavia, duas equipas em fase de crescimento. Os nortenhos, mais adiantados, a procurar reaprender a sua identidade própria depois de uma polémica, embora vitoriosa, passagem do holandês Co Adriaanse pelo seu comando técnico, e o Benfica a tentar reagir aos muitos problemas que o têm afectado e que têm dificultado sobremaneira a tarefa do seu novo treinador na implementação de um também novo modelo de jogo.
Tendo em atenção que joga em casa (e ao que parece sem adeptos adversários), que está, como se disse, num processo mais avançado de crescimento, que tem de volta a sua principal unidade (Anderson), o F.C.Porto não pode deixar de ser considerado favorito para esta partida. Esse favoritismo sai reforçado se levarmos em conta a história recente dos embates do Benfica frente a adversários fortes - derrotas por 0-3 com Sporting, Boavista e Celtic, e por 0-1 com o Manchester -, que não são de modo algum fruto do acaso, mas sim de uma ainda crua adaptação às transições ataque-defesa impostas pelo modelo de jogo que Fernando Santos tem tentado implementar – escalpelizado neste espaço há uma semana atrás - , insuficiência essa que equipas do lote de Desportivo das Aves, União de Leiria ou Estrela da Amadora não têm naturalmente condições de aproveitar, mas que uma equipa como o F.C.Porto não vai hesitar em explorar.
Também a tradição joga a favor dos Dragões, pois apesar de neste novo estádio o Benfica ainda não ter perdido (empate 1-1 e vitória 0-2), nos últimos 30 anos só por duas vezes (no ano passado e no jogo de 1991 aqui recordado ontem) o Benfica trouxe a vitória do terreno do seu grande rival, curiosamente ambas pelo mesmo resultado (0-2) e com os dois golos marcados pelo mesmo jogador (César Brito em 1991, Nuno Gomes em 2005).
Mas atenção. Favoritismo é uma coisa, e a concretização das vitórias é outra bem diferente. Se os encarnados apresentam essas fraquezas, também Jesualdo Ferreira tem ainda muito que trabalhar para que a sua equipa apresente os níveis competitivos a que os seus adeptos se foram habituando em anos recentes. O processo defensivo do F.C.Porto deixa muito a desejar, ficando a sensação que a sua dupla de centrais (Pepe e Bruno Alves), se pressionada, denota alguma permeabilidade.
Os portistas deverão alinhar com Helton, Fucile, Pepe, Bruno Alves, Cech, Raul Meireles, Lucho Gonzalez, Anderson, Ricardo Quaresma, Hélder Postiga e Lisandro Lopez.
Fernando Santos por sua vez, é possível que arrisque a utilização de Fonseca no lugar do castigado Miccoli, não mexendo assim muito no sistema utilizado nos últimos jogos. O onze seria então: Quim, Nelson, Luisão, Ricardo Rocha, Léo, Petit, Katsouranis, Nuno Assis, Simão Sabrosa, Nuno Gomes e Kikin Fonseca. Paulo Jorge e Karyaka poderão também ser opções a ter em conta.
Os dados estão pois lançados. Resta esperar um grande jogo, disputado de forma correcta, sem polémicas de arbitragem e, já agora, uma vitória do Benfica que lance definitivamente a tranquilidade em redor da equipa da Luz e a catapulte para uma grande temporada - pelo menos a nível interno, já que na Champions a vida está mais complicada.

PARABÉNS A VOCÊ !

Passaram ontem três anos desde que a Nova Catedral da Luz foi inaugurada.
Depois de um conturbado processo, os benfiquistas tiveram a oportunidade de inaugurar o seu novo e grandioso estádio a 25 de Outubro de 2003, numa bonita cerimónia que culminou com um jogo frente ao Nacional de Montevideu (vitória por 2-1).
Desde então, já por lá passaram equipas como Barcelona, Chelsea, Manchester United, Juventus, Inter de Milão, Real Madrid e Liverpool, bem como selecções como as de Inglaterra ou França, sem esquecer a triste final do Euro 2004 frente à Grécia. Nomes como Ronaldinho Gaúcho, Samuel Eto’o, Zinedine Zidane, Frank Lampard, Thierry Henry, Fabio Cannavaro, Gianluigi Buffon, Claude Makelele, Wayne Rooney, Arijen Robben, Ronaldo, Roberto Carlos, Steven Gerrard ou David Beckham já pisaram o relvado da nova Luz, conferindo-lhe o brilho próprio de um estatuto de relevo no futebol europeu, ou não se tratasse de um dos poucos estádios de elite da Uefa.
Momentos de grande euforia já lá tiveram lugar, como a comemoração do título nacional do Benfica em Maio de 2005 (e o jogo com o Sporting que o possibilitou), ou alguns dos jogos chave do Euro 2004 como o célebre Portugal-Inglaterra, desempatado pro penaltis a favor das nossas cores.
As estatísticas dizem-nos que já lá se jogaram 84 jogos, 24 dos quais com as bancadas repletas (a média total de espectadores ultrapassa os 41 mil, e se contabilizarmos apenas os jogos da Champions League é mesmo superior a 56 mil)). Nos 77 jogos disputados pelo Benfica (os restantes foram de selecções), o clube da casa obteve precisamente 50 vitórias, marcando 125 golos. No total a Luz já viu marcarem-se 201 golos. O melhor marcador da Nova Catedral é Simão Sabrosa com 23 golos, seguido de Nuno Gomes (que também anotou o primeiro golo do estádio) com 20.
Terminando com uma nota intimista, referiria que o autor destas linhas já lá assistiu a 59 jogos, ou seja 70 % de todos os disputados. Maiores alegrias? Portugal-Inglaterra (2-2), Benfica-Manchester United (2-1) e Benfica-Sporting (1-0).
Que venham ainda muitos mais dias ou noites como essas.

JOGOS PARA A ETERNIDADE (3) - F.C.Porto-Benfica / 1991

Abril de 1991 – Estádio das Antas.
Por várias vezes os campeonatos nacionais ficaram marcados ou decididos por apenas um jogo, como se de uma final se tratasse. Foi assim nos célebres 6-3 em Alvalade, assim foi também aquando do famoso golo de Luisão na Luz, só para falar dos últimos anos. Poucas foram porém as ocasiões em que esse decisivo momento assumiu proporções tão quentes, dentro e fora do campo, como no F.C.Porto-Benfica de 1990-91.
Esse campeonato começou com um Sporting extremamente afirmativo, alcançando onze vitórias consecutivas e deixando para trás Benfica e F.C.Porto, que com um empate entre ambos na Luz, e mais alguns pontos perdidos, se foram atrasando. Por volta do Natal, como era frequente na altura, o Sporting quebrou, perdendo jogos e pontos em série – entre os quais derrota caseira com o rival Benfica – deixando águias e dragões sozinhos na luta pela liderança. Deu-se então uma impressionante sequência de vitórias destas duas equipas, o que fez com que se encontrassem a quatro jornadas do fim da prova, uma semana depois da vitória portista em Alvalade, precisamente com os mesmos pontos (apenas uma derrota e quatro empates) - a prova terminaria com uma das mais altas pontuações de sempre dos dois primeiros classificados.
O jogo das Antas era assim uma verdadeira final. Mas mais do que um simples campeonato era a própria hegemonia do futebol nacional que, na altura, estava em causa. Se há jogos de vida ou de morte, pois este foi seguramente um deles, e quem tem memória da ocasião sabe bem do que estou a falar.
Nos oito anos anteriores Benfica e F.C.Porto tinham dividido irmãmente entre si os títulos nacionais (quatro para cada), e no mesmo período o Benfica tinha estado presente em três finais europeias (era à data vice-campeão europeu) e o F.C.Porto em duas, conseguindo a vitória na Taça dos Campeões Europeus de 1987. Depois de décadas de declarada superioridade benfiquista, os anos oitenta haviam confirmado o F.C.Porto como potência nacional e internacional, que, antes de cimentar o seu domínio- o que sucederia na década seguinte – passou por esta fase transitória durante a qual, ano a ano, discutia os títulos com o Benfica. Estava-se por isso numa época em que a luta pelo poder transbordava em muito aquilo que se passava nos relvados, e a guerra de bastidores era cada vez mais uma realidade a que nos teríamos que habituar. Este jogo foi emblemático a esse respeito, até porque dois anos antes estes clubes haviam cortado relações, na sequência das transferências de Ademir para a Luz e Rui Águas para as Antas.
De tudo se passou nesse dia, desde agressões em pleno túnel - inclusivamente ao presidente benfiquista João Santos e ao árbitro Carlos Valente - ameaças de morte, apedrejamento do autocarro encarnado, até ao estranho caso do cheiro tóxico no balneário do Benfica, que obrigou os jogadores a equiparem-se no corredor. O relvado foi encharcado nas faixas laterais para complicar o estilo de jogo dos encarnados, muito assente na exploração das alas. Eram os tempos em que, nas Antas, se viam com frequência armas de fogo junto aos balneários dos adversários e dos árbitros. Emergiu nesta altura como figura nacional o famigerado Guarda Abel, um agente da polícia que, além de fazer a guarda pessoal aos dirigentes do F.C.Porto, era o responsável pela “segurança” do estádio. Dizia-se que era ele operacionalizar todo aquele clima de terror que visava amedrontar quem lá se deslocava. Não era fácil a qualquer equipa suportar ambiente tão hostil, mas o Benfica de Eriksson era uma equipa de grande personalidade, e seria capaz de resistir a tudo.
A equipa lisboeta partia para este duelo com vantagem no goal-average, o que significava que, tendo empatado a dois na Luz, lhe bastaria novo empate para manter a liderança.
De forma surpreendente, o técnico sueco do Benfica apostou numa alteração táctica com a entrada de Paulo Madeira para falso lateral direito, deslocando-se para central quando a equipa perdesse a bola, de forma a criar superioridade numérica perante a dupla de ataque portista, constituída por Domingos e Kostadinov. Saia da equipa o ofensivo lateral José Carlos, ficando Vítor Paneira com responsabilidades acrescidas no flanco direito, à semelhança do que viria a suceder na campanha europeia do ano seguinte (por exemplo, no célebre jogo frente ao Arsenal em Londres).

Nesta decisiva e dramática partida das Antas, jogada numa tarde de céu carregado, Eriksson fez assim alinhar o seguinte onze: Neno, Paulo Madeira, Ricardo Gomes, William, Veloso, Jonas Thern, Paulo Sousa, Vítor Paneira, Valdo, Pacheco e Rui Águas (regressado à Luz depois de duas épocas de azul e branco). Uma equipa de luxo, sem dúvida.
Pelo F.C.Porto, orientado por Artur Jorge, jogavam: Vítor Baía, João Pinto, Fernando Couto, Aloísio, Paulo Pereira André, Semedo, Jorge Couto, Vlk, Domingos e Kostadinov.
Os portistas, a jogar em casa e a necessitar da vitória, entraram mais fortes, empurrando o Benfica para a linha defensiva, e construindo alguns lances de grande perigo junto da baliza de Neno. O Benfica, por seu turno, tentava em contra-ataque um golo que lhe desse maior tranquilidade na partida. O intervalo chegou com 0-0.
Na segunda parte a tónica do jogo alterou-se ligeiramente, passando o Benfica a controlar mais a partida, embora sem causar grandes problemas ao então muito jovem Vítor Baía. Até que chegámos aos últimos dez minutos.
Num assomo de grande coragem, Eriksson, mesmo bastando-lhe o empate, colocou em campo o avançado César Brito no lugar de Pacheco. Mal sabia o jogador serrano que lhe estava reservada a tarde de maior glória de toda a sua carreira.
A nove minutos do fim do jogo Vítor Paneira consegue esquivar-se, e ganha a linha para cruzar. A bola encontra a cabeça de César Brito que, ao primeiro poste, supera nos ares Fernando Couto e bate Baía fazendo o 0-1. Foi o delírio entre os benfiquistas pelo país fora. Era o título ali mesmo ao pé.
Cinco minutos depois, Valdo é lançado na esquerda por Veloso, com um pequeno toque isola o mesmo César Brito que, à saída de Vítor Baía, lhe faz um bonito chapéu para a baliza fixando o resultado em 0-2.
Estava consumada a vitória, e poucas semanas depois seria festejado o anunciado título.
Depois do jogo a polémica continuou, com os portistas inconformados com uma derrota que não estava nos seus planos, num jogo que prepararam cuidadosamente dentro e fora do relvado. Viraram-se então para o árbitro Carlos Valente, o melhor juiz português da altura, contestação que durou ainda vários anos - apesar de nesse jogo ter deixado passar em claro uma grande penalidade a favor do Benfica. O setubalense foi inclusivamente acusado de ter viajado com o Benfica, o que não passou de uma calúnia de modo a aquecer o ambiente, e a colocar-lhe ainda maior pressão.
Tratou-se de uma vitória heróica, catorze anos depois do anterior triunfo nas Antas, coisa que apenas se repetiria, ironias do destino, catorze anos depois, desta feita com Nuno Gomes como protagonista. Só então, em 2005-06, o Benfica voltou a triunfar no reduto do seu principal adversário, agora já não no velho Estádio das Antas, mas sim no novo Dragão. Mas aquela, a de 1991, foi, porventura, a mais saborosa vitória de sempre do Benfica sobre o F.C.Porto.

CLASSIFICAÇÃO "REAL"

Já disse tudo sobre a actuação de Xistra na Luz. Em termos pontuais nada há a alterar nesta jornada.

SPORTING 17
F.C.Porto 16
Benfica 13 (-1 jogo)

VEDETA DA JORNADA

SIMÃO SABROSA: Numa jornada sem grandes destaques individuais, a verdadeira figura - pela negativa – seria Carlos Xistra. Ainda assim a exibição do capitão benfiquista mostrou que temos de regresso a grande figura do futebol doméstico nos últimos anos, agora que tem responsabilidades futebolísticas redobradas no sistema de Fernando Santos.

UM FIGURÃO: XISTRA, UM DERROTADO: O FUTEBOL

Nunca até hoje qualquer crónica no VEDETA DA BOLA tinha começado pela arbitragem. Desta vez porém, a inacreditável actuação de Carlos Xistra no Estádio da Luz a isso me obriga. Efectivamente, o juiz albicastrense perdeu a cabeça e estragou por completo um espectáculo que até tinha condições para ser agradável, mostrando a sua absoluta falta de categoria para andar na divisão principal do nosso futebol.
Num jogo correcto, Xistra conseguiu a “proeza” de mostrar quinze cartões amarelos e três vermelhos (dois terços dos quais completamente injustificados), parou o jogo por tudo e por nada, errou múltiplas vezes (para ambos os lados), enervou os jogadores e incendiou as bancadas da Luz, onde não me lembro de ver uma tão forte contestação a um árbitro estando o Benfica em vantagem. Xistra não percebeu o jogo, não percebeu o difícil estado do terreno, e talvez nem mesmo perceba as leis do jogo. Não se tratou de prejudicar um ou outro conjunto – apesar de os encarnados se verem privados de Miccoli para o jogo do Dragão -, mas sim de prejudicar o futebol. Foi isto que Xistra fez, e ontem depois do jogo lembrei-me do único aspecto positivo até agora lançado pela direcção de Hermínio Loureiro na Liga de Clubes, que passa por colocar os árbitros a falar dos jogos após os mesmos. Gostava de ouvir o que este indivíduo teria para dizer depois de noventa minutos tão desastrados.
Como pérola de uma actuação suicida, em que foi perdoado um penálti sobre Miccoli (que acabou expulso depois de sofrer uma falta), o árbitro mostrou um amarelo a Tony por falta de … Jordão (que também já tinha, à semelhança de quase todos os jogadores, o seu amarelito), num sinal de completo desnorte fruto dos equívocos que ele bem cedo semeou na partida. Ter-se-á inspirado talvez no russo Ivanov, do Portugal-Holanda do último Mundial, para atirar mais uma pedra ao descredibilizado futebol português.
Enfim, um desastre!
No pouco futebol que Xistra permitiu que se jogasse, o Benfica ganhou com toda a justiça, embora longe de deslumbrar. A equipa de Fernando Santos - reincidindo no 4-4-2 versão losango - começou muito bem, empurrando o Estrela para dentro da sua área e, sob a batuta de Simão e Miccoli, conseguiu criar cinco oportunidades de golo nos primeiros vinte minutos. Paradoxalmente foram os amadorenses a marcar praticamente da primeira vez que ultrapassaram a linha de meio campo, na sequencia de um pontapé de canto ao qual Dário correspondeu, ganhando a Petit nas alturas e cabeceando para o golo.
O Benfica reagiu e acabou por restabelecer a igualdade num belo lance concluído pelo avançado italiano, mas na ponta final da primeira parte perdeu fulgor, mergulhando na tendência depressiva que frequentemente o tem apoquentado esta época, e à qual a despropositada pressão dos adeptos tem dado forte contributo.
Na segunda parte os encarnados acabaram por ter a sorte de marcar cedo, por Simão de penálti, e ver-se na sequência do mesmo lance em superioridade numérica por expulsão de Pedro Simões. Era o tónico de que o Benfica precisava e nos minutos seguintes podia ter dilatado a vantagem e resolvido o jogo.
Depois foi o “festival” Xistra, que cedo acabou com o interesse da partida, deixando apenas tempo para Karyaka abrilhantar o seu regresso aos relvados com um bonito golo de cabeça, fechando o placard e tranquilizando definitivamente a equipa.
De realçar a exibição do capitão Simão Sabrosa, que foi o elemento em maior destaque nos períodos em que o Benfica mais dominou, jogando livre – ora na esquerda ora na direita ora ao centro – e pautando desse modo todo o futebol de ataque dos encarnados. Notas positivas também para Nelson e Miccoli, bem como, ligeiramente abaixo, Katsouranis e Nuno Assis. Destaque também para o regresso de Karyaka depois de longa ausência e quase dispensa, com uma prestação bastante positiva e coroada com o golo. Pelo contrário Petit esteve desastrado, com inúmeras perdas de bola, para além das responsabilidades no golo sofrido (que se passa com ele esta temporada ?), e Nuno Gomes também não foi feliz. A defesa quase não foi posta à prova, mas momentos houve em que foram notórias algumas dificuldades nas transições ataque-defesa, que um adversário mais categorizado (Manchester, Celtic…) poderia ter aproveitado para criar situações de superioridade numérica e consequente perigo para a baliza de Quim. Um aspecto a rever já para a próxima jornada na deslocação ao Porto.
Eis as pontuações: Quim 3, Nelson 4, Luisão 3, R.Rocha 3, Léo 3, Petit 1, Katsouranis 3, Nuno Assis 3, Simão 4, Nuno Gomes 2, Miccoli 4, Beto 2 e Karyaka 3.
Melhor benfiquista em campo: Simão Sabrosa.

EMPATAS

Não pude naturalmente ver o clássico de Alvalade – mais um disparate da Liga ao permitir a marcação quase simultânea de dois jogos de candidatos, ambos televisionados - , mas a opinião quase unânime é que se tratou de um jogo fraco e de um empate lisonjeiro para os portistas, que se terão ressentido da ausência de Anderson.
Pelo que observei no resumo alargado da TVI terá sido um jogo repartido, embora com melhores ocasiões de golo para os leões, o que não me surpreende, pois tenho para mim que o Sporting é neste momento melhor equipa que o F.C.Porto (ou Pedro Emanuel regressa depressa, ou com aquela defesa não irão muito longe), e mais a mais jogava em casa.
Este empate é o resultado que melhor serve o Benfica, que se vê assim pela primeira vez esta época envolvido nos primeiros lugares – se ganhar o jogo que tem em atraso em casa com o Belenenses fica em igualdade pontual com Sporting e F.C.Porto.
O grande derrotado da jornada terá sido portanto o Sporting, que perdeu a ocasião de se destacar na liderança.Apenas 37 mil pessoas em Alvalade para um jogo que colocava frente a frente os dois lideres só me vem dar razão quanto aos disparatado preço dos bilhetes. Aliás o estádio Alvalade XXI ainda não encheu numa temporada que já incluiu jogos com o Inter, Bayern e F.C.Porto. Ontem, eu era um dos que, com preços razoáveis, à saída da Luz até teria passado pelo outro lado da rua para ver a segunda parte.

O PUZZLE DO ENGENHEIRO

A pálida imagem deixada pelo Benfica em Glasgow lançou de novo no ar algumas interrogações acerca do momento da equipa e do caminho que ela leva percorrido desde o início da corrente temporada.
Depois de uma pré-época acidentada e de um correspondente início de competição titubeante, os encarnados pareciam agora, após duas expressivas vitórias, dispostos a reencontrar finalmente a sua identidade. A goleada imposta pelo Celtic embaciou os progressos alcançados e voltou a causar algum desconforto entre os adeptos. Mas será que esta derrota deverá fazer voltar tudo à estaca zero? Na minha perspectiva a resposta é não.
O sistema táctico que Fernando Santos tentou implementar assim que chegou à Luz era na altura o mais adequado a uma equipa que havia perdido Geovanni, preparava-se para perder Simão e tinha ganho Rui Costa. Ficando sem os principais extremos do plantel havia que adoptar um sistema que não os contemplasse e um losango de meio campo era de facto a opção correcta. Por outro lado, um meio campo assim estruturado era, teoricamente, aquele que mais favoreceria a regressada estrela, protegendo-lhe bem as costas e libertando-lhe os movimentos ofensivos.
A permanência de Simão Sabrosa no plantel encarnado, os maus resultados nalguns jogos de preparação – e consequente contestação de uma massa associativa muito pouco paciente –, bem como a urgência de uma importante pré-eliminatória europeia, obrigaram o técnico a dar um passo atrás e a recuperar o 4-2-3-1 que rendeu ao clube um título e uma taça, e com o qual os seus principais jogadores (com pouco tempo de preparação e saídos de um intenso Mundial) se sentiam manifestamente mais familiarizados.
A vitória sobre o Áustria de Viena permitiu alguma tranquilidade, mas que acabou por ser de pronto perdida após uma sequência de maus resultados na Liga Portuguesa (derrota no Bessa e empate em Paços) e na Champions (empate em Copenhaga e derrota caseira frente ao Manchester United). Em Leiria, Fernando Santos encontrou a oportunidade ideal para recuperar os seus conceitos iniciais e os resultados foram avassaladores: goleada de 4-0 e melhor exibição da época. E chegamos à Escócia. O que falhou então no Celtic Park?
Os adeptos do futebol - e alguns jornalistas e comentadores - tendem na generalidade a avaliar jogadores, equipas e sistemas tácticos apenas na sua vertente ofensiva. Esquecem-se de quem está do lado contrário, pensando sempre, erradamente, que atacando muito e bem, a sua equipa ganhará facilmente todos os jogos.
Nesta perspectiva, não conseguem friamente perceber que muitas vezes as razões dos insucessos não se encontram na forma como se joga, mas sobretudo da forma como (não) se impede o adversário de jogar. Em Glasgow, o Benfica, mau grado algum azar na concretização, jogou razoavelmente, mas quase nunca conseguiu impedir o Celtic de jogar, algo que aliás já havia sucedido noutros jogos e com outros adversários. Foi fundamentalmente aí que falhou. Mas para perceber esse falhanço temos de saber primeiro do que se fala quando se fala em 4-4-2 em losango.
Esta expressão foi popularizada entre nós por José Mourinho, nos seus tempos de F.C.Porto, para definir o sistema da equipa com o qual se sagrou campeão europeu. Este sistema consiste numa normal linha defensiva de quatro elementosmais subida de modo a encurtar a distância entre as linhas, dois avançados (preferencialmente com bastante mobilidade), e um quatro de meio campo em que, ao invés do 4-4-2 tradicional (já um pouco em desuso na Europa continental, diga-se), os alas – médios de transição e não extremos - não jogam junto à linha mas sim mais no interior do campo (daí se chamarem interiores), formando um losango com um único pivot defensivo e um médio de construção nas costas dos avançados. Jogando desta forma, uma equipa consegue povoar mais densamente o meio campo garantindo assim superioridade numérica em grande parte das acções de jogo localizadas nessa zona nevrálgica do terreno, capacita-se para uma circulação de bola mais envolvente, consegue utilizar dois avançados (neste sistema não lhes chamaria pontas-de-lança) o que vai tornar mais trabalhosa a tarefa da defesa adversária, mas consegue sobretudo, com grande dinamismo e harmonização de movimentos, um modelo de transições defensivas de grande eficácia.
Não é preciso ser especialista em geometria para perceber que com um único pivot, ambos os interiores terão de participar de forma substancialmente mais activa no processo defensivo da equipa, designadamente nas acções de cobertura aos laterais, em parte também de forma a possibilitarem as entradas destes em profundidade, disfarçando assim a falta de extremos clássicos. Além desses movimentos de compensação cabe também aos interiores, quando em processo defensivo, servir de tampão à zona morta entre laterais e centrais deixando a equipa, quando pressionada, com um exército de sete homens à frente do seu guarda-redes, que com basculações bem harmonizadas se torna praticamente intransponível, envolvendo o adversário numa teia da qual dificilmente se libertará. Este tipo de articulação entre médios e defesas, muito mais complexo que noutros sistemas de jogo, exige, além de um enorme grau de concentração competitiva, um longo trabalho de articulação e automatização de processos para o qual o Benfica ainda não dispôs de tempo suficiente. Pior que isso, permanece a dúvida sobre se a equipa da Luz terá no seu plantel jogadores para garantir essas posições interiores com eficácia ao nível dos movimentos defensivos (Karagounis ? Nuno Assis ?).
É justamente este o problema dos encarnados, que o União de Leiria não foi capaz de pôr à prova, mas o Celtic soube evidenciar muito bem. Enquanto a componente ofensiva do seu modelo já dá alguns sinais de florescer, quando a equipa perde a bola nota-se uma grande deficiência no trabalho dos interiores e da sua articulação com os laterais. Se acrescentarmos a esta dificuldade algum cansaço (de Katsouranis) e alguma lentidão (de Alcides) temos a chave de uma derrota inapelável.
Outro problema irá colocar-se daqui a algumas semanas quando Rui Costa recuperar da sua lesão, e que será o de conciliar o veterano “dez” com o capitão Simão. Mas por ora, em termos de processo ofensivo, o Benfica está já a patentear algumas interessantes rotinas de jogo, para o que muito tem contribuído a mobilidade de Miccoli e a capacidade de Simão aparecer junto de ambos os flancos, alternando acções de ruptura de um extremo que ele é, com temporização e condução de jogo de um tradicional número dez que não sendo a sua posição natural, ele acaba por efectuar com sucesso. A compatibilização com Rui Costa neste modelo poderá passar por limitar a acção de um deles prendendo-o a uma posição interior (Simão à esquerda ou Rui à direita) - com muitas reticências em termos de processo defensivo, sobretudo se em face de equipas com transições defasa-ataque rápidas - ou em alternativa pela saída de Miccoli da equipa ficando Simão com funções de segundo avançado, algo menos problemático em termos de solidez defensiva.
Seja como for, este “losango” parece-me ser um sistema a trabalhar, nem que seja como alternativa ao 4-2-3-1 - que também têm, face a este plantel, alguns problemas pouco menos que insanáveis, como a coabitação entre Petit e Katsouranis, ou a ausência de um extremo-direito mais experiente. Se a Fernando Santos for dado o tempo necessário, estou certo que o Benfica o vai poder utilizar com êxito, até porque em Janeiro reabre o mercado, onde o Benfica poderá contratar um médio de transição capaz de jogar pelas faixas e fechá-las quando o adversário disponha da bola em seu poder
Para já é preciso confiança.
Ainda há tempo. O que é preciso é darem-no ao Engenheiro.

FOTOS: www.marvermelho.blogspot.com

A VITÓRIA DA EXPERIÊNCIA

A derrota do Sporting perante o Bayern de Munique é um resultado absolutamente normal. Tão normal como foi a derrota do Benfica face ao Manchester.
Os bávaros são um dos clubes mais ricos do mundo, têm uma equipa recheada de grandes estrelas, levam duas dobradinhas consecutivas no seu país, e apresentam-se este ano bastante reforçados com legítimas ambições de lutar pelo ceptro europeu.
O Sporting, pelo contrário, apesar de uma entrada de leão na milionária prova, é ainda uma equipa sem estatuto (nunca passou dos quartos de final desta prova), sem experiência (carregada de jovens recém saídos das suas escolas), que luta pela sua afirmação nos grandes palcos europeus. Se ganhasse, surpreenderia mais uma vez a Europa do futebol. Perdeu. Naturalmente.
Os primeiros vinte e cinco minutos mostraram um Bayern poderosíssimo, rápido e forte sobre a bola, muito físico à boa maneira germânica - algo com que este Sporting não sabe lidar muito bem -, e com uma impressionante certeza de passe que lhe permitia, jogando a toda a largura do terreno, baralhar por completo as marcações à equipa leonina, algo atónita com tão fulgurante exibição de superioridade alemã. Este período culminou com o único golo da partida, obtido num potente pontapé do nosso bem conhecido Schweinsteigger.
O Sporting reagiu muito bem, conseguiu empurrar os bávaros para trás e assumir o controlo do jogo na ponta final da primeira parte, sem conseguir todavia construir grandes ocasiões de golo.
No segundo tempo, com a entrada de Djaló, mas sobretudo com a expulsão do autor do golo alemão, os leões ganharam ainda mais alento e partiram para o seu melhor período. A equipa de Magath sentiu o perigo e acantonou-se em frente da sua área, de onde raramente saíu, deixando três quartos do relvado por conta dos verde-brancos, que contudo encontravam grandes problemas assim que se aproximavam dessa tão densamente povoada zona do campo.

O tempo foi passando e, apesar de alguns lances de grande perigo junto da baliza de Kahn, a verdade é que o Bayern foi levando a água ao seu moínho, não cometendo erros - que rigor impressionante no seu processo defensivo - e jogando com o tempo, com a sua experiência e com a correspondente ansiedade que se foi apoderando dos jovens jogadores da casa, à medida que o relógio avançava.
Nos últimos dez minutos, fruto desse nervosismo e também eventualmente de algum cansaço, o Sporting perdeu fulgor, percebendo-se então que só muito dificilmente o golo apareceria.
Individualmente há que destacar o trabalho de João Moutinho, o mais constante ao longo do jogo, se bem que também Carlos Martins tenha dado nas vistas enquanto esteve em campo. Já falei de Yannick Djaló, que entrou muito bem no jogo. Caneira, Polga e Tonel também não estiveram mal. Já Nani (muito marcado) e Liedson, talvez os dois homens de quem mais se esperava, não se mostraram tão inspirados como a equipa necessitava. Miguel Veloso deixou a espaços denotar a sua natural inexperiência, sobretudo no período mais afirmativo do Bayern.
Os alemães valeram sobretudo pelo conjunto, embora Van Bommel e Sagnol tenham estado em plano bastante elevado, tal como o veterano guardião Oliver Kahn.
A arbitragem de Terje Hauge não foi muito feliz, deixando uma grande penalidade por assinalar para cada lado (uma sobre Podolski ainda na primeira parte, e outra sobre Tonel já nos minutos finais), e exagerando no primeiro amarelo a Schweinsteigger, que depois viria a ser expulso.
A esperança no apuramento mantém-se de pé para o Sporting, que no entanto perdeu nesta jornada a situação de privilégio em que se encontrava. A equipa de Paulo Bento tem agora pela frente os dois mais difíceis jogos do grupo (em Munique e em Milão) e se não pontuar em nenhum deles ser-lhe-á muito difícil terminar entre os dois primeiros classificados.

QUANDO DOIS É MENOS QUE UM

A Sport TV decidiu há já algum tempo criar um segundo canal. Tratava-se à partida de uma excelente ideia, tendo em conta a quantidade de competições desportivas que se realizam - e os direitos televisivos que a estação tem sobre muitas delas - e a sobreposição de horários, sobretudo aos fins-de-semana.
Pensava eu inicialmente que a ideia era transferir para o novo canal tudo o que não fosse futebol, e assim o primeiro ficasse inteiramente disponível para o desporto-rei, ao fim e ao cabo o que tem, de longe, maiores audiências. Não foi essa a opção seguida.
Na verdade a Sport TV aproveitou os dois canais para praticamente acabar com as transmissões diferidas e privilegiar os directos, o que não teria qualquer inconveniente não fosse o caso de, sobrepondo os principais jogos de futebol, privar os seus assinantes de assistir a muitos deles, quando antes tinham a possibilidade de os ver em diferido.
Hoje teremos à mesma hora um Sporting-Bayern e um Chelsea-Barcelona. No próximo domingo, às 20.00 h jogam Sporting-F.C.Porto num dos canais e Real Madrid-Barcelona no outro, com a agravante de se jogar também um Benfica-E.Amadora às 19.15 na TVI (sem falar no São Paulo-Grémio do Brasileirão na TV Record, pois a este é a Sport TV completamente alheio). Em nenhum dos casos serão emitidos diferidos, pelo menos no próprio dia.
Significa isto que, não havendo dois canais, teríamos hoje provavelmente uma noite de gala com o jogo do Sporting seguido do palpitante Chelsea-Barcelona. Assim um dos dois tem de ser posto de lado.
Esta situação é mais incompreensivel na Liga dos Campeões, para a qual o sistema de Multijogos já permitia a escolha do directo que se pretendia. O que acontece na prática é a não transmissão de um segundo jogo em diferido, não ganhando o espectador nada em troca, a menos que tenha duas televisões ao lado uma da outra.
Espera-se que esta situação seja passageira e fruto de uma má avaliação dos programadores, mas o que é facto é que hoje e no próximo domingo perderemos dois fabulosos jogos, quaisquer que seja a nossa escolha.

E TUDO MILLER LEVOU...

O Benfica liquidou hoje as suas hipóteses de repetir o percurso da época passada na mais importante prova de clubes da Europa. Por muitas contas que se façam, por muita matemática que ainda subsista, não parece crível que depois do resultado de hoje a equipa encarnada ainda venha a ter alguma possibilidade de seguir em frente, agora que nem sequer depende de si própria.
Ficou do jogo de Glasgow a ideia clara de que este Benfica não tem ainda um grau de maturação suficiente para enfrentar grandes desafios europeus, mau grado a melhoria nas últimas partidas domésticas. A equipa de Fernando Santos, com muito ainda para crescer, não consegue ainda abordar jogos deste tipo de uma forma ganhadora, isto é, não consegue atacar com segurança, não consegue suster a pressão de avançados combativos e móveis, não consegue gerir o espaço e o tempo, tornando-se insipiente no ataque e permeável defensivamente.
Até ao segundo golo do Celtic, iam decorridos 66 minutos, nem se pode dizer que o Benfica tenha jogado mal (tal como não jogou mal com o Manchester). Começou algo titubiante, é certo, mas depois serenou o seu jogo, criou oportunidades (cinco em todo o jogo, para além de mais de uma dezena de remates) e o mínimo que se poderia dizer no início do segundo tempo era que a igualdade se ajustava.
A verdade é que depois de uma ténue reacção ao primeiro golo (de onde sobressaiu um potente disparo de Nuno Assis, sempre inconformado, à barra), a equipa benfiquista desintegrou-se, sofreu o segundo golo num contra-ataque em que ficou bem patente o seu desnorte competitivo – com meia hora ainda para jogar não se entende tanto espaço concedido atrás, e pior, na sequência de um canto a favor -, e depois morreu para o jogo. O terceiro, nos minutos finais, apenas confirmou a derrocada, numa altura em que o Benfica há muito utilizava apenas o coração, e pouco ou nada a cabeça.
Resta agora esperar por um milagre ou, mais realisticamente, lutar pela continuidade na Taça Uefa.
Não há que dramatizar. O Benfica fez na época passada um brilharete europeu para a sua dimensão futebolística actual, teve então a sorte do seu lado nos momentos mais importantes do trajecto. Este ano isso não tem acontecido, mas o Benfica não é obrigado – pela sua história recente e pelo seu orçamento – a ir longe na Liga dos Campeões. Era bonito que fosse, mas as suas obrigações não abrangem, no seu momento presente, vitórias europeias, como aliás é o caso, infelizmente, de todos os clubes portugueses. O Celtic também não é nenhuma pêra doce (pelo contrário, trata-se de uma belíssima equipa), bastando atentar ao facto de Miller, autor dos dois primeiros golos, ser suplente do lesionado Hasselink, para se perceber o potencial das opções de Gordon Strachan.
A equipa de Fernando Santos tem crescido nos últimos jogos da Liga Portuguesa, adoptando um modelo de jogo que me parece encaixar bem nessa prova, onde defronta, com duas excepções, adversários substancialmente inferiores. Santos e os seus jogadores merecem continuar a ser apoiados, pois a época ainda é muito longa, e resta muita coisa para vencer.
Em termos individuais parece-me que Nuno Assis foi o mais inconformado e aquele que manteve um nível mais elevado ao longo de todo o jogo. Léo integrou-se bem no ataque, mas fica ligado ao primeiro golo. Ricardo Rocha foi de entre os defesas aquele que mais segurança evidenciou. Na frente, Miccoli e Nuno Gomes estiveram completamente "ausentes", e Simão intermitente. A dupla de médios voltou a denotar alguns problemas nas transições defensivas, algo que talvez nos jogos nacionais não venha a verificar-se, dada a menor valia da generalidade dos adversários.
Pontuações: Quim 3, Alcides 1, Luisão 2, Ricardo Rocha 3, Léo 3, Petit 2, Katsouranis 2, Nuno Assis 3, Simão 3, Miccoli 1, Nuno Gomes 1, Nélson 1 e Fonseca 1.
Melhor benfiquista em campo: Nuno Assis

O F.C.Porto goleou o Hamburgo mantendo acesa a chama do apuramento. Todavia, a vitória do CSKA frente ao Arsenal, em nada favoreceu os dragões, que terão de ir ganhar à Alemanha para poderem encarar os últimos dois jogos com algum optimismo.

A HORA H

O Benfica poderá decidir amanhã em Glasgow, em larga medida, o seu futuro na presente edição da Liga dos Campeões.
Não sendo um jogo, por assim dizer, terminalmente decisivo, estilo mata-mata, é todavia uma partida em que cada um dos resultados possíveis tem consequências muito directas na tabela classificativa, podendo uma vitória ou uma derrota significar meio caminho andado para o apuramento ou para a eliminação.
Importa olhar para o quadro classificativo para perceber bem o impacto de cada uma das hipóteses.

DERROTA - Partindo do pressuposto que o Manchester United vence o F.C.Copenhaga, imaginemos que também o Celtic derrotava o Benfica. A classificação ficaria assim ordenada: Manchester 9, Celtic 6, Benfica 1 e Copenhaga 1.
Nesta hipótese o Benfica ficaria praticamente afastado dos dois primeiros lugares, pois mesmo ganhando todos os jogos até final (inclusivamente em Old Trafford), ainda ficaria dependente dos resultados do Celtic.

EMPATE -No caso de se registar uma igualdade, a tabela ficaria com a seguinte configuração: Manchester 9, Celtic 4, Benfica 2 e Copenhaga 1.
Trata-se de uma situação completamente diferente pois o Benfica ficaria a depender apenas de si, e teria logo no jogo seguinte a possibilidade de saltar para o segundo lugar, vencendo o Celtic em casa.
Se isso sucedesse, e a essa vitória caseira se juntasse outra perante os nórdicos na jornada seguinte, o Benfica chegaria à última jornada com 8 pontos, enquanto o Celtic ficaria com 5, 6 ou 8 consoante perdesse, empatasse ou ganhasse ao Man.United no seu estádio. Em qualquer dos casos o Benfica dependeria só de si, e teria até francas possibilidades de chegar a Old Trafford já apurado.

VITÓRIA – A conquista dos três pontos no jogo de amanhã deixaria o Benfica numa posição bastante confortável quanto ao apuramento. A classificação passaria a estar ordenada da seguinte forma: Manchester 9, Benfica 4, Celtic 3 e Copenhaga 1.
Bastaria aos encarnados ganhar os dois jogos em casa para garantir matematicamente a classificação, pois o Celtic nesse caso nunca chegaria aos 10 pontos.
Mesmo que os escoceses empatassem em Lisboa, o Benfica continuaria a depender só de si, mantendo a vantagem no confronto directo.




Por tudo isto, este trata-se, na verdade, de um jogo chave. Como devem então os encarnados abordá-lo?
A última vitória em Leiria deu uma importante injecção de moral à equipa de Fernando Santos, mas julgo que o Benfica nesta partida terá de apresentar uma postura mais cautelosa.
O Celtic (que conta habitualmente apenas com três escoceses no onze base) tem no holandês Vanegoor of Hasselink a sua principal figura, e embora, à hora que escrevo estas linhas, ainda subsistam algumas dúvidas sobre a sua condição física, não acredito que ele não venha a ser utilizado de início. Trata-se de um ponta-de-lança alto, forte e cabeceador, para o qual muito do futebol ofensivo do onze de Gordon Strachan é conduzido. Nada melhor poderá suceder ao Benfica, diga-se, do que a equipa escocesa insistir em lançamentos longos ou bolas bombeadas para a área, onde Luisão é rei e senhor, sendo perfeitamente homem para aniquilar o possante holandês.
Deste modo, a estratégia correcta parece ser deixar o Celtic atacar, oferecer-lhe a bola, induzí-lo (obrigá-lo, se possível) a optar pelo chamado "chuveirinho", e saber sofrer de modo a poder aproveitar os espaços que assim necessariamente seriam abertos no seu sector, onde Simão, Nuno Gomes e Miccoli poderiam fazer miséria perante uma defesa um tanto dura de rins. Se o Benfica tentar realizar um jogo assente em muita posse de bola e numa pressão constante e subida, não possibilitará a criação dos espaços de que os seus avançados necessitam para ser eficazes, dando por outro lado a oportunidade ao Celtic de, através de transições rápidas, chegar com muito perigo perto da baliza de Quim. O Celtic não é o União de Leiria, nem o Desportivo das Aves. Há que encarar o jogo com a humildade de quem sabe que um ponto conquistado pode ser determinante. A vitória seria fantástica ? É verdade, mas o empate não é mau de todo. Há que ser realista, pois perder, isso sim, é que é absolutamente proibido, e deve por isso ser essa a preocupação fundamental. Além do mais, uma estratégia de contra-ataque, parece-me ser a que dá mais possibilidades de vitória neste tipo de jogo (lembram-se de Anfield Road ?)
Com os laterais a caírem sobre Nakamura e Maloney, parece-me que o Benfica poderá dispor de superioridade numérica no centro nevrálgico do terreno, com Petit, Katsouranis e Nuno Assis para Karosik e Sno, uma vez que Lennon terá que se preocupar com um dos pontas de lança encarnados. Na frente Simão poderá aparecer indiscriminadamente num e noutro flanco, à semelhança do que fez em Leiria, obrigando os laterais escoceses a permanecerem alerta.
Assim sendo, no plano meramente académico, esta equipa parece encaixar bem nas capacidades dos encarnados, pelo que há que encarar o jogo com optimismo e com confiança, sem que isso signifique qualquer ponta de sobranceria. Quer-me parecer que o melhor Benfica é superior ao melhor Celtic, pelo que os encarnados dependem talvez mais de si do que do próprio jogo.
Os católicos de Glasgow (privados de Gravesen e provavelmente Zurawski) deverão apresentar a seguinte equipa: Boruc na baliza, um quarteto defensivo constituído pelo veterano Telfer, por Caldweel, McManus e Nylor, o irlandês Lennon à frente da defesa, Nakamura (em grande forma) sobre a direita, Jarosik e Sno no meio campo e Maloney sobre o flanco esquerdo, com Hasselink bem na frente.
Por sua vez o Benfica, com as limitações que também tem (Rui Costa, Karagounis e Paulo Jorge), não deve fugir do figurino que tão bons resultados deu em Leiria, eventualmente com Alcides (mais forte no jogo aéreo) no lugar de Nelson. Ou seja: Quim, Alcides, Luisão, Ricardo Rocha, Léo, Petit, Katsouranis, Nuno Assis, Simão, Miccoli e Nuno Gomes.

À mesma hora do Celtic-Benfica, o F.C.Porto disputa também um confronto decisivo no Dragão perante o Hamburgo. Embora os alemães se encontrem no fundo da tabela classificativa do seu campeonato, e somem 0 pontos nesta competição, a qualidade dos seus jogadores (Sorin, Mathijssen entre outros) é suficiente para preocupar os portistas, que estão absolutamente proibidos de perder pontos.
A equipa de Jesualdo tem-se mostrado razoavelmente segura na prova doméstica, mas ainda não exibiu na Europa quaisquer argumentos que lhe garantam qualquer favoritismo para um apuramento tranquilo. Chegou também agora a sua hora.

CLASSIFICAÇÃO "REAL"

Falando apenas dos jogos dos três grandes (em Paços de Ferreira houve muita conflitualidade em redor da actuação de Hélio Santos), os principais casos de arbitragem desta jornada cingiram-se ao penálti assinalado no Dragão por pretensa falta sobre Hélder Postiga, a ao primeiro golo do Benfica em Leiria, que originou protestos quanto à posição de Miccoli (uma eventual expulsão poupada a Custódio no Estoril não entra nestas contas, como sabemos).
Se no primeiro caso me parece tratar-se de um erro de Bruno Paixão, no segundo permanece a dúvida, muito embora pelas repetições mostradas fique a sensação de que o italiano estaria em linha com o último defensor do União.
Em qualquer dos dois jogos a equipa beneficiada venceu por mais golos de diferença, pelo que nada há a alterar na classificação:

SPORTING 16 pts
F.C.Porto 15
Benfica 10 (-1 jogo)

Aproveitando esta rubrica, e sem querer com isso desculpabilizar todos os problemas da arbitragem portuguesa, devo dizer que esta semana na Liga Espanhola assistiu-se a verdadeiros escândalos, designadamente em Madrid no Atlético-Huelva e no Saragoça-Real Sociedad, dos quais tive oportunidade de ver resumos. Particularmente no jogo do Vicente Calderón, onde foram assinaladas duas grandes penalidades fantasmas, e onde foi validado um golo com a mão, ainda mais flagrante que o do Sporting-Paços de Ferreira, a arbitragem assumiu uma faceta absolutamente caricata e bem ao nível do pior que temos por cá.
Lembrando o que se passou nos últimos dois mundiais, o “Calciocaos” em Itália, e que o Benfica foi eliminado da Liga dos Campeões da época passada muito por culpa de um penálti não assinalado na Luz (por mão evidente do barcelonista Thiago Motta), bem se pode dizer que este não é apenas um problema nosso. Se isso nos serve de consolo ou não, já é outra história…

VEDETA DA JORNADA

HÉLDER POSTIGA: Podia ter escolhido Miccoli, já referenciado relativamente ao jogo de Leiria. Optei por Postiga devido ao facto de os seus golos, já desde as jornadas anteriores, manifestarem uma continuidade de rendimento que já há alguns anos andava longe do avançado portista. Este crescendo de confiança é de toda a utilidade, também, para a selecção nacional, tão necessitada de pontas-de-lança.

UMA DOCE ESTRELA DO CÉU

Com uma exibição muito pouco entusiasmante, o Sporting garantiu ontem mais três pontos e mantém-se firmemente colado ao F.C.Porto no primeiro lugar da Liga, o que faz antever, desde já, um grande jogo para o próximo domingo em Alvalade, quando os dois se defrontarem.
A jogar em campo neutro, os leões acabaram por ter a sorte do jogo ao marcar já nos descontos da primeira parte, após um canto resultante de um erro ridículo da linha defensiva do Estrela. Era o que a equipa de Paulo Bento precisava para se tranquilizar, e todo o segundo período foi de profunda sonolência. Uns sem talento nem capacidade de reacção, outros a pensar no Bayern de Munique.
Não se pode criticar o realismo dos leões – o Benfica ganhou, pela mão de Trapattoni, o seu último campeonato desta forma – mas não deixa de constituir, em tese, motivo de lamento que uma exibição destas valha precisamente os mesmos três pontos que o recital de futebol de ataque dado pelo Benfica no sábado em Leiria. O futebol é assim, não há nada a fazer.
Outro aspecto que resulta deste jogo, desta jornada, e do que vai de campeonato, é a enorme fragilidade demonstrada pela generalidade das equipas da segunda metade da tabela. Já na jornada passada o Benfica havia "depenado" um Desportivo das Aves, sem qualquer ofensa, de segunda divisão. O F.C.Porto, com um calendário inicial mais leve, tem encontrado facilidades incríveis na maioria dos seus jogos, e esta partida do Sporting foi mais uma prova dessa triste evidência que já vem, diga-se, da temporada passada.
Há dois anos um F.C.Porto campeão europeu e mundial, um Sporting finalista da taça Uefa e um Benfica campeão nacional perderam dezenas de pontos para equipas como o Sp. Braga de Jesualdo, João Alves, João Tomás, Abel, Jorge Luíz e Nunes; o excelente V.Setúbal (vencedor da Taça) de José Couceiro, Moretto, Jorginho, Manuel José e Meyong; o extraordinário V.Guimarães de Manuel Machado, César Peixoto, Marco Ferreira e Silva; o espectacular Rio Ave de Carlos Brito, Miguelito, Ricardo Nascimento e Franco; a rigorosa Académica de Nelo Vingada, Marcel, Joeano, José Castro e Hugo Leal; o surpreendente Penafiel de Luís Castro, N’Doye, Edgar Marcelino e Sidney, o Boavista de Jaime Pacheco, Nelson, Eder, Hugo Almeida e João Pinto, etc. A maioria destas equipas está hoje substancialmente enfraquecida, muito em virtude da crise económica que obrigou a um profundo desinvestimento, e o resultado disso é uma muito menor competitividade. Os grandes, com receitas maiores e mais consistentes, têm resistido melhor a esta difícil fase, o que lhes dá hoje uma superioridade muito mais vincada face a esse passado recente, invertendo assim uma tendência de maior equilíbrio que se verificara no futebol nacional ao longo dos primeiros anos do sec XXI. É pena.

FESTIVAL !

Um Benfica de luxo esmagou a União de Leiria no seu reduto, realizou a melhor exibição desta temporada e ganhou um precioso tónico moral para o difícil compromisso da próxima terça-feira em Glasgow – partida que poderá definir o futuro dos encarnados na Champions League.
Pela segunda jornada consecutiva da Liga, a equipa de Fernando Santos foi capaz de marcar quatro golos, desta vez jogando fora de casa e num território tradicionalmente difícil (que belo estádio, diga-se a propósito). De certo, nem nos melhores sonhos de equipa e adeptos caberia uma vitória tão robusta e tão convincente, alicerçada numa exibição categórica - sobretudo na primeira parte durante a qual atingiu mesmo momentos de grande brilhantismo.
Recuperando o 4-4-2 da pré-temporada, com Petit como pivot defensivo, Katsouranis e Nuno Assis como interiores, Simão no lugar de “play-maker” – que desempenhou com distinção -, com liberdade para dar profundidade aos corredores, e Miccoli fazendo dupla com Nuno Gomes no duo de ataque, o Benfica foi uma equipa de caudal profundamente ofensivo, dominou o espaço e a bola, criou oportunidades em série, empurrou o adversário para as imediações da sua baliza, obrigou o guardião Fernando a intenso trabalho – sobretudo enquanto o resultado se manteve em branco -, acabando por naturalmente construir um resultado claro e robusto.
Foi sobretudo pelos pés de um inspiradíssimo Fabrizio Miccoli que os encarnados deram os primeiros sinais de querer deitar definitivamente para trás das costas o fatalismo que os atormentara há não muitas semanas atrás. O italiano partilhou com Simão a maior fatia do protagonismo no turbilhão ofensivo que foi quase toda a primeira parte (este a construir lances e aquele a rematar), mas o meio campo – estreando o figurino de “losango” em jogos oficiais – esteve de igual modo muito bem, quer nas transições, quer na circulação de bola, aspecto em que, diga-se, os encarnados têm vindo a demonstrar progressos notáveis com o engenheiro.
No segundo período o União esboçou uma ligeira reacção, mas o fantástico golo de Nuno Gomes, em lance de contra-ataque, matou o jogo. A grande penalidade transformada por Simão fixou o resultado, numa altura em que a festa tomara já conta das bancadas do Magalhães Pessoa.
Até final foi tempo de poupar forças, circular a bola e esperar tranquilamente pelo derradeiro apito de Paulo Baptiste - que diga-se fez uma boa arbitragem, apesar de mal auxiliado pelo assitente que acompanhou o ataque do Benfica na primeira parte, e assinalou mal dois foras-de-jogo em lances de bastante perigo para a baliza leiriense.
Espera-se que esta luminosa noite possa agora iluminar o Benfica para a difícil jornada europeia que se avizinha, e para os próximos jogos nacionais – lembrando que dentro de duas semanas teremos um palpitante F.C.Porto-Benfica. Para já, a contestação está vencida, justamente quando estamos a chegar ao meio do mês de Outubro, que eu dissera há muito tempo atrás ser o momento a partir do qual seria lícito fazer uma avaliação deste novo Benfica.
Fica agora também a dúvida acerca da utilização deste (4-4-2) ou do outro (4-2-3-1) sistema táctico nos próximos jogos, embora perante as ausências de Rui Costa e Karagounis não seja difícil adivinhar que a aposta seja, para já, de manter.
Em termos individuais daria as seguintes pontuações: Quim 3, Nelson 3, Ricardo Rocha 3, Luisão 4, Léo 3, Petit 3, Katsouranis 4, Nuno Assis 3, Simão 5, Nuno Gomes 3, Miccoli 5, Fonseca 2, Miguelito 2 e Beto 1.

VEDETA DO JOGO

MICCOLI: O “Rato-Miccoli”encheu o campo, fazendo lembrar a espaços a estrondosa exibição que realizara no seu primeiro jogo na Luz, na época passada frente ao Lille. Marcou dois excelentes golos (mais um anulado) e partiram dos seus pés muitas das melhores iniciativas de ataque do Benfica ao longo de toda a partida. Durante largos períodos – mormente na primeira parte - foi um verdadeiro Benficcoli aquilo que se viu em Leiria.

PORTO SEGURO

Mais uma vez repetiu-se a história dos jogos do F.C.Porto na presente edição da Liga Portuguesa. Mesmo ciente da máxima que faz uma equipa jogar o que a outra deixa, a verdade é que ficou novamente a sensação – tal como ficara frente ao U.Leiria, E.Amadora, Naval e Beira-Mar – de as razões da vitória portista se encontrarem mais no demérito alheio do que na qualidade das exibições do campeão nacional. Estranho mistério este que parece adormecer as equipas que enfrentam o onze de Jesualdo Ferreira, fazendo-as cometer erros defensivos próprios de uma terceira divisão, marcar auto-golos e disputar as bolas com uma delicadeza pouco vulgar no competitivo futebol actual. Será medo ? Pouca sorte ?
No primeiro tempo, um F.C.Porto q.b. dominou o jogo, criou alguns lances de perigo, mas apenas conseguiu chegar ao golo após um erro infantil da linha defensiva madeirense.
Já no segundo período, quando o Marítimo tentava dar um pequeno sinal de querer reagir, foi a vez de Bruno Paixão também dar a sua ajuda marcando uma grande penalidade que faz supor talvez a disposição de fazer as pazes com os adeptos azuis e brancos, de certo ainda lembrados de uma célebre arbitragem do juiz setubalense em Campo Maior nos tempos de Jardel.
Como nota positiva desta vitória do F.C.Porto há que salientar os minutos finais da primeira parte - colectivamente bem conseguidos - e o regresso de Hélder Postiga a um estatuto de goleador que não conhecia desde os primeiros tempos de José Mourinho.Mas desta partida resulta reforçada a ideia de que à equipa portista falta qualquer coisa, sobretudo tendo em atenção o grau de exigência dos compromissos europeus em que ainda está empenhada.

A RÉGUA E ESQUADRO: Como sair do "Pressing"

«Pressing»: palavra sagrada quando se fala na atitude competitiva das equipas modernas. Mas, atenção: não se joga para pressionar, mas sim pressiona-se para jogar e, previamente, não deixar jogar. Neste contexto, se é importante treinar o pressing organizado, mais importante será, vendo o outro lado da questão, treinar para saber sair da prisão que um pressing bem feito colocaria qualquer equipa.
A base do pressing traduz-se em reduzir os espaços, o chamado campo útil, ao adversário. A fuga ao pressing, pelo contrário, deve ter como principio alargar o campo, utilizando-o a toda a largura. Como o pressing bem feito deve começar a ser executado pelos avançados e médios subidos no terreno, de forma a recuperar a bola o mais perto possível da área adversária, o primeiro ponto para fugir dessa zona de pressão reside em saber sair, com segurança, dessas posições recuadas. Para o fazer, há que ter em conta dois factores essenciais. Um relacionado com a bola, outro com os espaços. Assim, nesse momento de saída, devem ficar sempre pelo menos três jogadores atrás da linha da bola. Depois, chegando ao meio campo, os alas tem de surgir em apoio, dando referências de passe, sempre atrás da linha da bola, para permitir a circulação de um flanco para o outro, preferencialmente por trás. Neste ponto, a táctica é a…técnica. Saber tocar a bola, curto, um, dois, três passes, atrasar, temporizar, virar jogo, trocando de faixa alternadamente. O fundamental é utilizar o campo em toda a sua largura. Com isso, a outra equipa é forçada a alargar linhas, perde intensidade anímica de recuperação e os espaços aumentam, permitindo então o cruzar da linha de pressão. Vejam o Milan, Lyon ou Barcelona a sair a jogar desde trás e reparem como essas equipas sabem escapar do engarrafamento do pressing que os adversários lhes tentam fazer. Todas explicam como tanto o pressing, como o sair do pressing, vivem mais da organização do que do simples esforço. Tirar a bola do local onde a recuperaram e colocá-la, em dois toques, no lado contrário. Alargar o campo o mais rapidamente possível. Reparem como Deco, Pirlo ou Juninho executam esses princípios. Evitando sempre a rigidez posicional, reduzem a velocidade, ganham precisão de passe e circulação, e, depois, aceleram no ataque. Outra forma de saltar o pressing, seria o jogo directo, mas tal processo só pode ser um recurso. Mesmo que recorram a esse pontapé longo, ele deve ser acompanhado, automaticamente, pela velocidade. Caso contrário, apenas oferece a bola ao adversário que, assim, via indirectamente o seu pressing funcionar. Para as verdadeiras equipas de top, só recuperando a bola, elas recuperam, no fundo, os fundamentos do seu jogo.

LUÍS FREITAS LOBO - "Planeta do Futebol"

GOLPE DE ESTÁDIO (6)- Último

Toda a gente sabia que Pinto da Costa vivia do futebol e essencialmente do seu clube,
mas ninguém se arriscava a comentar o facto publicamente. Não se lhe conhecia mais
nenhuma actividade e muito menos tinha fortuna pessoal, mas não obstante estes factos,
vivia como um milionário. Comprava apartamentos de grande luxo para familiares e
denunciava sinais exteriores de riqueza. A sua vida era um mistério que ninguém ousava
desvendar.
Numa reunião de direcção, Pinto da Costa colocou com toda a frontalidade o seu
problema económico. Ele tinha consciência de que aquilo que impunha era aceite, e ninguém
ousava comentar.
Já passava das 22 horas, quando entrou pela sala de reuniões. À sua frente estendia-se
uma mesa larga e comprida com os cantos arredondados. Á sua volta estavam sentados oito
dirigentes discutindo entre si vários problemas de menor importância, mas quando sentiram a
porta a abrir-se, viram Reinaldo Teles com o puxador na mão a dar passagem a PC, que
entrou com um sorriso nos lábios, logo seguido do irmão de Reinaldo, cuja postura física e
comportamento se assemelhavam aos de um gorila. Toda a gente se levantou para
cumprimentar o presidente. Reinaldo tropeçou na alcatifa e, não fora a acção rápida de Ilídio
Pinto, a segurá-lo pela gola do casaco, ter-se-ia enfiado por debaixo da mesa.
PC largou um sorriso, e em tom de brincadeira comentou:
-Reinaldo, estão a tirar-lhe o tapete?
Toda a gente riu, mas Reinaldo é que não achou piada nenhuma.
Todos se sentaram, e Pinto da Costa apresentou de imediato a sua proposta:
-Meus senhores, aqui neste clube os vencimentos vão ser atribuídos conforme as
responsabilidades. A pessoas mais responsável é sem dúvida o presidente. Concordam?
Os presentes na reunião olharam-se entre si e, sem perceberem muito bem o que PC
queria dizer, acabaram por concordar, muito embora se mostrassem hesitantes. Mas, ao
aperceber-se da situação, Reinaldo fez da sua voz a de toda a gente:
-Claro que ninguém tem dúvidas que a maior responsabilidade pertence ao presidente.
Como ninguém se atreveu a contestar tal afirmação, PC, sem mais delongas, expôs a sua
posição:
-A partir de agora, o presidente vai ganhar sete mil contos por mês, o treinador seis mil
e depois seguem-se os vencimentos dos jogadores, sem luvas e prémios, está claro.
Os presentes estavam à espera de tudo, menos de uma situação como aquela, e dois
«vices», sem soltarem uma única palavra, levantaram-se da mesa e saíram. PC não se
preocupou com o facto, tinha-os na mão e sabia que ninguém tinha tomates para falar.
Enfrentando os que ficaram, não deu hipótese a que ninguém mais recuasse:
-Então, como este ponto está aprovado, passemos a outro!
Ouvia-se a chuva que batia nos vidros. Reinaldo bem tentou dar vida à reunião, mas o
seu vocabulário não lhe permitiu ir além de uns monossílabos completamente
desenquadrados de toda aquela situação:
-Bem...hum...hum...pois...
A reunião, por motivos óbvios, acabou depressa. Um raid de comandos não seria mais
fulminante.
O suporte económico de PC estava a consolidar-se. Sabia-se da sua ligação camuflada à
agência de viagens, da sua comparticipação nos lucros e actividade da Olivedesportos e
ultimamente até tinha comprado um jornal, um elemento indispensável para dar a cobertura
nacional necessária aos seus mais variados negócios. A corrupção era uma fonte de receita
inesgotável e sem impostos. Mas como não assumia publicamente - nem o podia fazer -
nenhum destes negócios, tinha sérias dificuldades em explicar de onde lhe vinha a fortuna.
Não se preocupava muito com isso. Ele sabia que tinha várias espécies de argumentos para
fazer calar quem ousasse pedir explicações. Era um homem com a resposta sempre na ponta
de uma viperina língua.
Tudo estava devidamente controlado e de nada adiantava aos clubes da capital lutar
pelo poder dentro das estruturas do futebol. PC sabia, há muito, que a força do dinheiro
combatia tudo, e as lutas regionais e clubistas superavam-se com facilidade, com sexo e com
dinheiro. E nestas áreas estava tudo mais que garantido.
Nos momentos decisivos de eleições federativas, era ele quem controlava todas as
situações, tendo com referência a ajuda preciosa de Adriano Pinto, um estratego de alto nível
e um exímio jogador de sueca. Adriano Pinto era homem para deixar o adversário sem vazas,
mesmo quando este só tinha trunfos, passe o exagero.
Adriano e PC escolhiam os lugares que mais garantias lhes davam para a continuidade
dos seus vários negócios, mas, como não podiam escolher todos os lugares, autorizavam
mesmo que alguns mais importantes caíssem nas mãos de dirigentes ligados aos seus mais
directos rivais.
Não seriam necessários mais de dois meses após o acto eleitoral federativo para que se
tornasse claro que os dirigentes indicados pelos clubes da capital já estavam do lado de PC.
Mestres na arte da corrupção, proporcionavam vidas faustosas aos dirigentes inimigos(?), e a
clubite era de imediato esquecida. Era normal ver-se um presidente federativo ao lado do
clube de Pinto da Costa, quando este tinha de enfrentar algumas dificuldades e, sabendo-se
que esse dirigente se afirmava de determinado clube da capital, nunca ninguém se espantou
por ele nunca aparecer ao lado do clube das suas cores para o defender. Pelo contrário, até
surgiu um presidente lisboeta que se tornou mais nortenho que um galego!
Os pontos chave estavam todos controlados, para que a manobra fosse absoluta.
Exageraram, no entanto, em algumas situações. A sede do poder subiu à cabeça de Pinto da
Costa, e os ataques ao Governo fizeram-se sentir com grande intensidade quando verificou
que no campo político não era possível ter tanta cobertura como no futebol.
A Procuradoria da República colocou a Polícia Judiciária em campo, e acção contra a
corrupção no futebol desenvolveu-se de uma forma intensa. Durante vários meses, Reinaldo
Teles e Jorge Gomes foram vigiados de perto, e os seus telefones ficaram sob escuta.
Passado um mês, os agentes encarregados desta função já não tinham qualquer dúvida em
relação à corrupção e aos negócios de Reinaldo Teles, mas as investigações continuaram.
Os agentes testemunharam vários encontros de árbitros com Reinaldo e Jorge Gomes.
Ouviram várias conversas em código, mas que entendiam perfeitamente. A rede estava bem
montada e tudo indicava que, mais tarde ou mais cedo, Reinaldo e os seus pares iriam cair
nas várias armadilhas que lhes estavam a ser montadas.
Pinto da Costa estava fora dessa investigação. Não era fácil atacar-se um homem com o
seu poder. A polícia tinha de atacar por baixo para chegar lá acima, mas juridicamente o
grupo estava bem organizado e bem escorado.
Jogavam, de uma forma invulgar, com carências que a Lei apresentava no combate à
corrupção. Seria fácil para a polícia chegar à conta bancária de qualquer um deles e pedir
justificações para o movimento semanal de verbas tão volumosas. Mas tal não era possível.
Os agentes encarregados da investigação viviam desesperados por não poderem provar
aquilo que viam com os seus próprios olhos. Por isso, atrasaram as investigações, esperando
uma melhor oportunidade que nunca surgia. Eles sabiam que, no momento que pedissem
contas ou justificações, bastava um deles negar-se a fazê-lo para que o processo não
avançasse. Eles sabiam, também, que quem tinha que provar que o dinheiro nas suas contas
bancárias era ilegal era a polícia e não os acusados.
Estavam de mãos atadas.
Os agentes destacados para a investigação conheciam o terreno que pisavam e não
estavam nada optimistas em relação às provas que poderiam vir a encontrar. Isto apesar de
terem assistido a vários encontros e conversas que indiciavam a existência de actos
corruptos.
Um dia, resolveram seguir Reinaldo Teles e acabaram num bar de alternos perto do
Marquês. No seu interior estavam dirigentes de um clube, em amena cavaqueira, e que
tinham lá ido para se encontrar com um árbitro que lhes ia apitar o jogo da próxima jornada.
O espectáculo estava a começar, e no meio da pista exibia-se um travesti com farta
cabeleira longa encaracolada e um vestido coberto de lantejoulas vermelhas que lhe descia
pelas pernas até ao tornozelo, abrindo uma enorme racha que se prolongava pela coxa
esquerda. Cantava em play-back uma canção de Maria Betânia. O árbitro, sentado numa
mesa próxima da pista, coçava a sua careca, enquanto alisava os poucos cabelos que lhe
sobravam e que lhe cobriam apenas as têmporas. Levou o copo de whisky aos lábios e
pousou-o quase de imediato para aplaudir a actuação do travesti.
Quando lançou um olhar sobre a entrada viu surgir Reinaldo Teles. Uma das putas
levantou-se com ligeireza e foi cumprimentá-lo, enquanto as outras a olhavam com inveja e
diziam:
-Se a Luísa sabe desta merda, vem aí e dá-lhe uma tareia que a fode.
Reinaldo, sem perder o seu habitual fair-play, afastou a mulher e, quando ela se virou,
mostrando um cu arrebitado e comprimido numas calças de licra, não resistiu a dar-lhe uma
palmada, enquanto lhe dizia:
-Tens o melhor cu da Europa.
O árbitro assistiu a toda a cena e cumprimentou Reinaldo com um ligeiro aceno de
cabeça. Os dirigentes ganharam coragem, levantaram-se e foram falar com o árbitro, que os
conhecia e já esperava a investida. Após os cumprimentos tradicionais, o árbitro esperou pelo
primeiro ataque, e logo que lhe referiram o jogo de domingo disse apenas:
-Não percam tempo. Esses negócios não são tratados comigo. Se querem alguma coisa,
falem com Reinaldo Teles. Ele chegou agora, falem com ele.
Os agentes da PJ nem queriam acreditar no que ouviam. Estavam perto e escutaram a
conversa. Esperaram pela reacção dos dirigentes, e estes, sem perderem tempo, pediram
licença para se sentar na mesa de Reinaldo.
Só ouviram Reinaldo dizer:
-Apareçam amanhã para falarmos desse caso.
Tinham voltado à estaca zero, quando julgavam que estava em perspectiva a flagrante
que tanto desejavam.
Era difícil arranjarem-se provas para deter Reinaldo e Jorge Gomes. Eles rodeavam-se de
cuidados dignos de grandes profissionais. O inspector que comandava a operação chegou a
dizer:
-Isto não vai ser fácil. Ou temos a sorte de os apanhar em flagrante, o que é
tremendamente difícil, ou então temos de utilizar a táctica de Al Capone.
-A táctica de Al Capone? - perguntou um dos agentes, sem entender muito bem o que o
seu chefe queria dizer.
-Eu explico. Toda a gente sabia que Al Capone era um gangster de primeira categoria.
Matava, corrompia e só tinha negócios ilícitos, mas como ninguém podia provar nada, muitas
vezes até passou por bom rapaz, negando descaradamente os seus crimes. Temos neste
caso o exemplo disso mesmo.
Todos temos a certeza que Pinto da Costa e Reinaldo Teles estão envolvidos em casos
de corrupção, mas como ninguém pode provar nada, quando alguém os acusa, ainda corre o
risco de se transformar num difamador. Ao Al Capone meteram-no na cadeia por fuga aos
impostos, e a estes só lhes podemos pegar pelo mesmo motivo, muito embora o sistema
fiscal do nosso país não nos dê muita margem de manobra para isso. Doutra forma, só
mesmo se um dos árbitros corruptos falar, e isso não é muito provável.
A corrupção atingia quase todos os sectores do futebol, e não havia dúvidas de que
existia uma organização perfeita por trás de toda esta situação.
Os mais altos dirigentes federativos recebiam luvas da Olivedesportos para ultrapassar
regulamentos, dar exclusivos sem concursos públicos ou marcar jogos seguindo as
conveniências horárias da televisão. A PJ seguiu alguns desses dirigentes e verificou que
estes no final de cada mês passavam pelos escritórios da Olivedesportos e nunca ninguém
acreditou que eles fossem apenas cumprimentar ou desejar um bom final de mês a Joaquim
Oliveira. Mas, apesar de toda esta evidência, de que algo de anormal se passava, e não haver
dúvidas de que existia corrupção, não se conseguia prender ninguém. Quando existia mesmo
a possibilidade de se poderem arranjar provas de um crime, elas eram imediatamente
abafadas, sem ninguém saber como.
Mas um jogador que foi contactado por Jorge Gomes para facilitar um resultado fez
questão de dar com a língua nos dentes e transformou o seu caso num escândalo nacional.
Prometeu contar toda a verdade. Porém os casos caíam sempre na mão de quem sabia como
lhes dar destino. Numa primeira abordagem, esse jogador teve medo de contar toda a
verdade. Foram apontadas testemunhas para esse caso que poderiam ser o início da
derrocada da organização, mas mais ninguém foi ouvido sobre essa questão. O processo
desapareceu como o fumo, levando o caminho de tantos outros: arquivado por falta de
provas. É que, quando elas existiam ou se perspectivava o testemunho dos factos, surgia
logo uma misteriosa corrente no sentido de fazer as coisas caírem no esquecimento. O
império resistiu ao movimento das catacumbas.
A televisão gastava milhões em transmissões televisivas. O responsável por essas
negociações comprou a dinheiro, misteriosamente, uma casa no valor de 50 mil contos.
Todos sabiam que meses antes ele não tinha possibilidades de efectuar tal negócio. Era mais
que evidente que estava a receber luvas da Olivedesportos, mas ninguém lhe pediu contas.
O descaramento era tal neste tipo de negócios, e a cobertura de tal forma forte, que a
Olivedesportos, uma empresa instalada num modesto T1, com dois empregados e uma
mulher de limpeza, fazia frente e vencia as estações de televisão mais fortes em estruturas e
com grande peso político e religioso.
Fomentaram-se guerras, desmascaram-se situações, mas a organização tinha tal poder
que nem sequer foi minimamente abalada. Ninguém compreendia aquele fenómeno. Um
escudo invisível parecia proteger a coutada de PC.
Por trás das outras empresas, havia gente com grande peso político, ex-ministros e até
ex- primeiros-ministros, mas estas empresas esbarravam sempre no gnomo Joaquim Oliveira,
o tal que meia dúzia de anos antes era apenas o proprietário de um bar de alternos com
putas ranhosas e que até as cuecas tinha penhoradas.
A televisão era um enorme fonte de receita. O segredo do negócio não residia como se
tentava fazer crer, na negociação da exclusividade das transmissões, mas no sistema
camuflado de publicidade estática.
Tudo isto formava uma teia bem tecida e organizada.
Por seu lado, o irmão de Oliveira, quando deixou de jogar futebol, dedicou-se à
actividade de treinador, mas apesar de todas as ligações comerciais com PC, nunca se deixou
envolver pelo sistema. Treinou sempre clubes de pequena nomeada, e era evidente a sua
grande capacidade de comando e leitura de jogo. António Oliveira era inteligente e conhecia
como ninguém o futebol por dentro, mas nunca foi um grande amante do trabalho. Treinar
um clube e ter de se levantar todos os dias de manhã para exercer essa actividade, ou
radicar-se numa cidade pequena para poder laborar, nunca esteve nos seus horizontes, e daí
o seu êxito não ter tido uma dimensão à altura do seu talento.
A solução para o seu problema estava na selecção. Trabalhava de três em três meses, e
como capacidade e talento eram coisas que não lhe faltavam, este era um emprego à sua
medida.
Pinto da Costa controlava todas estas áreas, e não havia dúvidas de que era ele quem
mandava no futebol. A Polícia incomodava toda a gente, procedia a investigações, fazia
buscas residenciais a várias personalidades, que toda a gente sabia serem satélites de PC,
mas nele ninguém tocava. PC, surgia sempre acima de toda a suspeita e com uma porta
aberta para sair em defesa dos seus protegidos e dar-lhes a cobertura necessária. O Grande
Líder tinha consciência daquilo que valia e do poder que tinha. Sabia que os mais altos
dirigentes políticos lhe vinham mendigar apoio nos momentos cruciais. O escândalo não o
afectava; a contínua suspeita que caía sobre ele e os seus sócios não tinha grandes efeitos
sociais, como se toda a gente aceitasse pacificamente que o futebol era um antro de
negócios marginais. O certo é que, apesar de todos os hinos cantados à inocência, quando
surgia uma suspeita de corrupção ligada ao futebol, a direcção era sempre a mesma e atingia
sempre as mesmas pessoas.
Ninguém podia pensar numa perseguição injusta, como fazia crer, porque isso seria até
um insulto a Pinto da Costa e à sua reconhecida capacidade de gestão de problemas.
-Eles que venham comer o milho à minha mão - sussurrava PC, enquanto abria mais
uma edição do «Independente», de novo com a sua foto na capa.
A Polícia Judiciária estava no auge das suas investigações. Tinha acumulado provas
substanciais, o que levava a brigada a pensar que já havia dados mais que suficientes para
começar a prender pessoas. Mas cantaram demasiado cedo o grito da vitória. Não
acreditavam na força que a organização tinha e acabaram por ser surpreendidos, isto não
obstante terem mesmo chegado a ser passados vários mandatos de busca a casa dos
maiores suspeitos.
Pinto da Costa tinha conhecimento das investigações que estavam a ser efectuadas e
avisou Reinaldo Teles para que este se rodeasse de maiores cuidados nos negócios que
efectuava. Aos poucos, foram retirando de suas casas documentos que poderiam indiciar a
sua actividade marginal. Começou a haver um maior cuidado nos movimentos bancários, mas
o negócio não parou. Quando tinham dúvidas sobre como deveriam actuar sem deixar rastos
que mais tarde os pudessem comprometer, consultavam um dos seus advogados com fama
de grande especialista em crime e avançavam com todas as medidas de precaução. As
despesas eram muitas, e acabar com o negócio seria o princípio do fim. Alguém tinha de
saldar as dívidas e repor o dinheiro mal aplicado.
Num dos momentos de maior pressão, tornou-se necessário negociar o resultado de um
jogo com um árbitro portuense. O preço estabelecido foi de três mil contos e foi marcado
encontro com esse juiz na segunda-feira seguinte no bar de Reinaldo.
Nessa noite, o primeiro a chegar foi Jorge Gomes e só mais tarde apareceu Reinaldo, um
tanto desconfiado, olhando para todos os cantos da sala com a nítida intenção de identificar
todos os seus clientes e classificar os suspeitos. Nem sequer cumprimentou Jorge Gomes, e
este, um tanto admirado, não entendendo o que se estava a passar, acabou por perguntar
entre dentes:
-O que é que tens. Está cá alguém da Judite?
-Estou a ver se descubro alguém suspeito. Olha aqueles dois ali ao canto. Conheces?
Jorge Gomes rodou sobre os calcanhares com tal velocidade que até entornou o whisky
que tinha na mão, marcando-lhe o príncipe-de-gales. Reinaldo, irritado com tal atitude, não
se conteve:
-És mesmo burro. Se eles forem da Judite, dás logo a perceber que estás comprometido.
-Oh, pá, fiquei assustado! Tens razão, mas não te preocupes com aqueles dois. Eu
conheço-os. São cabritos.
Reinaldo Teles respirou fundo e comentou com Jorge Gomes o jogo do dia anterior e o
investimento dos três mil contos.
-Viste ontem? Foi tão fácil. Ele controlou o jogo como quis, não houve escândalos e hoje
a Imprensa não faz grandes críticas. Assim é que é bom ganhar dinheiro.
Jorge Gomes não perdeu a oportunidade para perguntar quando é que os três mil eram
entregues, assim como a comissão deles, e Reinaldo Teles explicou-lhe o seu plano com uma
certa vaidade:
-O homem ficou de vir cá hoje entregar o dinheiro, e o árbitro também vem cá buscá-lo.
Devem estar aí a chegar.
-Mas, não é perigoso? Ele devia ter sido pago antes, como os outros. O chefe não nos
avisou para termos cuidado, porque estávamos a ser seguidos?
-Não te preocupes, eu tomei as minhas precauções...
Reinaldo nem sequer teve tempo para acabar a frase, pois o árbitro cumpriu
escrupulosamente o horário e estava, nesse momento, a entregar o seu sobretudo no
bengaleiro. Após receber a ficha de depósito, dirigiu-se para uma mesa, cumprimentando
Reinaldo de esguelha. O empregado abeirou-se do cliente, e este pediu um whisky com Coca-
Cola e muito gelo.
Não passaram mais de 10 minutos e entrou o dirigente que levava os três mil contos. Tal
como o árbitro, entregou o seu sobretudo ao porteiro e dirigiu-se para outra mesa, fazendo
também um leve aceno de cabeça a cumprimentar Reinaldo que, de imediato, lançou um
olhar cúmplice a uma das suas miúdas. Esta, sem perder tempo, foi sentar-se na mesa do
dirigente, e minutos depois já saltava a rolha da primeira garrafa de champanhe, enquanto a
empregada lhe mordia o lóbulo da orelha e lhe prometia uma noite de sonho.
O árbitro acabou de sorver o seu whisky, chamou o empregado, pagou e dirigiu-se para
o bengaleiro, a fim de levantar o seu sobretudo, que lhe foi entregue de imediato. Saiu,
metendo uma nota de cinco mil na mão do porteiro.
Jorge Gomes, que seguiu todos estes movimentos em silêncio, acabou por perguntar a
Reinaldo:
-Então o gajo foi-se embora e não levou a pasta? Viste a gorja que ele deu ao porteiro?
-És um principiante nestas andanças.
Jorge Gomes ficou a olhar para Reinaldo Teles, sem perceber muito bem o que este
queria dizer, mas a explicação veio de seguida num tom que denunciava uma certa vaidade:
-Quando o árbitro entrou, entregou o sobretudo no bengaleiro, não foi?
-Foi, eu vi.
-Depois, quando chegou o «pato», fez exactamente a mesma coisa. Só que no sobretudo
dele vinha um pacote com os 3 mil, e o Chico Manco - o homem do bengaleiro - já tinha
instruções para passar os três mil de um sobretudo para o outro. Por isso, quando o árbitro
saiu, já tinha no bolso a fruta. Desafio o mais esperto a provar que alguém lhe deu aqui
dentro o que quer que fosse.
Jorge Gomes ficou de boca aberta, sem dizer palavra, e Reinaldo enchendo o peito não
resistiu a comentar:
-Ainda não entendeste? És mesmo burro. A isto chama-se a táctica do sobretudo.
As investigações intensificavam-se, o cerco apertava-se e Reinaldo Teles começou a
beber uns copos a mais. Num dos seus momentos de delírio, devido ao exagero de
alcoolemia, deu consigo a pensar no passado. Viu-se no centro do ringue, de luvas
levantadas, gritando vitória. Lembrou as patrulhas que fazia em Santos Pousada, quando era
necessário controlar as suas putas. Os momentos difíceis e as lutas travadas. E chorou.
Agora, graças ao futebol, era um empresário de sucesso.
Sozinho, sentado na secretária que tinha a um canto do seu escritório, entrou num
momento de tristeza. Algumas lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto, enquanto o ranho
se lhe soltava pelo nariz.
Entabulando um diálogo consigo próprio, reviveu o passado:
-Tenho a agradecer muito ao PC, mas também, se não fosse eu, se calhar ainda hoje ele
andava a vender fogões.
Soltando um palavrão ao mesmo tempo que atirava o copo para o chão, foi justificando
as suas atitudes como se procurasse no infinito a razão para as suas acções.
-Temos o dinheiro que nos apetece. Isso é crime? Nós fazemos parte do espectáculo.
Somos nós que montamos a tenda. Somos nós que damos a alegria ao povo. Ganha quem a
gente quer. Fazemos muita gente feliz. Temos de ser bem pagos por isso. Somos os
maiores!...
Este último grito alertou o porteiro, que foi avisar Luísa. Esta largou o balcão,
entregando a gestão das operações à sua grande amiga Geny, uma mulata que não
escondia, o seu gosto pelas mulheres. Luísa entrou no escritório deparando com Reinaldo a
cambalear e a tentar encontrar a cadeira da sua secretária.
Luísa fechou de imediato a porta e comentou com ar de desprezo:
-Já viste a cena que estás a fazer. Olha se alguém te via nesse estado. Deita-te mas é aí
a dormir, para ver se isso te passa até fecharmos.
Reinaldo olhou Luísa e voltou a lembrar-se do passado. Também ela o tinha ajudado a
triunfar, e prometeu:
-Se nos safarmos desta, podes ter a certeza que vou acabar com esta merda do putedo.
Não quero mais putas a trabalhar para mim. Vou abrir um bar decente. Já chega! Agora sou
um senhor. O primeiro-ministro até me quis condecorar, mas quando soube que eu tinha esta
merda, recuou. Acabaram-se os alternos. Lembra-te que até posso vir a ser presidente do
nosso clube.
Ao ouvir isto, Luísa torceu o nariz e respondeu:
-Com que grande bebedeira tu estás.
-O quê... não acreditas? Olha que continuo a ser o número dois do nosso clube, e alguns
candidatos políticos até já me pedem apoio para as eleições. No fundo, eles são como nós.
Com putas ou sem putas, é quem mais se orienta. Não vês o nosso presidente. Os grandes
políticos vêm todos ao beija-mão. O futebol é que comanda este país, e o resto é treta.
Luísa não lhe deu muita conversa e ajudou Reinaldo a deitar-se num pequeno sofá,
tirando-lhe a garrafa do whisky da mão:
-Hoje, já não bebes mais. Dorme um bocadinho, que isso passa-te.
Quando tomou a sua posição no balcão, viu entrar Pinto da Costa e ficou assustada. Se
ele visse o estado em que estava Reinaldo, era capaz de ficar aborrecido. Por isso, chamou-o
para o cumprimentar e sem lhe dar tempo para perguntas disse:
-O Reinaldo teve de sair, mas deve estar aí a chegar. Sente-se ali numa mesa que eu
mando-lhe já boa companhia.
PC sorriu, e acabou por dizer:
-Confio nos seus gostos. Estou mesmo a necessitar de uma coisa boa para me divertir,
porque problemas já eu tenho com fartura.
-Passadas duas horas, PC já estava todo lambuzado de bâton. Luísa tinha-lhe colocado
na mesa uma das bailarinas que fazia parte do show e, como uma boa profissional que era,
esta fez PC esquecer o tempo.
Luísa entrou novamente no escritório, e Reinaldo roncava que nem um porco. Abanou-o
para o acordar, e este, estremunhado, abriu os olhos e começou a gritar:
-Eu estou inocente, o PC é que tem a culpa de tudo...
Luísa deu-lhe um estalo, ao mesmo tempo que dizia:
-Está calado. Não faças cenas, que eu não sou da Judite. O PC já está lá fora há duas
horas. Arranja-te, que eu vou buscar-te um café. O homem parece que quer falar contigo
ainda hoje.
Reinaldo entrou na casa de banho, molhou a cara, penteou-se, esperou pelo café e só
depois foi ter com PC.
-Então presidente! Quer falar comigo?
- Quero.
As olheiras de Reinaldo não passaram despercebidas a PC, e este, desconfiado, não
resistiu a perguntar:
-Foi a algum lado em especial?
-Tive de tratar aí de umas coisas.
Olhando para a bailarina que se enroscava no pescoço de Pinto da Costa, Reinaldo
piscou-lhe o olho, enquanto lhe dizia:
-Está na hora de te preparares para o show.
A mulher entendeu perfeitamente a mensagem e, com um beijo, despediu-se de PC.
Este não esteve com mais delongas e atacou no primeiro impulso:
-Temos de ter atenção, porque os gajos estão a preparar o ataque final. Ninguém pode
cometer erros, e atenção ao Jorge Gomes, porque ele não é muito certo. Temos de ter
cuidado com o tipo.
Mas, presidente, agora que estamos no final do campeonato, é quando isto dá mais.
Como é que vamos fazer para satisfazer os nossos clientes?
Há que ter muito cuidado e fazer os negócios com mais segurança. Agora só se trabalha
com um ou dois clubes, no máximo, o resto já está definido, e não podemos andar a fazer
mais promessas. Segundo as informações que tenho, eles estão precisamente à espera do
final do campeonato para entrarem em acção, mas ninguém sabe quem é que vai ser
incomodado. Penso que ninguém nos vai tocar.
Reinaldo ficou um pouco assustado e lembrou-se de Jorge Gomes. Tinha de o avisar,
mas deixou essa diligência para o dia seguinte, lamentando-se a PC:
-Quem tem a culpa disto tudo são esses filhos da puta dos jornais. Andam para aí a
levantar a suspeição e não nos deixam trabalhar à vontade. Se pudesse, matava-os a todos.
Nem fodem nem deixam foder.
Nessa noite, Reinaldo quase nem dormiu a pensar no que lhe podia acontecer.
Depois de Reinaldo ter falado com Jorge Gomes e lhe ter explicado a conversa que tivera
com o presidente, avisando-o dos cuidados a ter, numa primeira reacção, este começou a
tremer, assustado, mas acalmou-se quando o seu raciocínio o levou a pensar que para
tocarem nele tinham de tocar em PC.
-O homem tem muita força. Ninguém lhe chega. Nós estamos protegidos.
Reinaldo abanou a cabeça, concordando com a sua análise, mas deixou na mesma o
aviso:
-Temos de ter cuidado. As coisas não estão fáceis.
Jorge Gomes tinha compromissos assumidos. Longe iam os dias em que vivia numa ilha,
tinha de mijar num penico e, para necessidades mais sólidas, percorrer 50 metros e ficar em
fila de espera à porta de uma retrete que servia os restantes 20 inquilinos. Já tinha largado o
pesado martelo de bate-chapas, estava habituado a bons apartamentos e a passar férias no
estrangeiro em bons hotéis. Necessitava de solidificar a sua pequena fortuna, porque, se a
organização se desmoronasse, estes hábitos ficavam seriamente comprometidos.
Jorge Gomes não olhava a meios para atingir fins. A vigarice estava-lhe no sangue. O
sentido de amizade e reconhecimento, para ele, simplesmente não existiam, e em vez dos
cuidados a que fora aconselhado, começou a fazer os seu negócios vigarizando alguns dos
seus melhores clientes.
A acção de Jorge Gomes chegou ao conhecimento de PC, e este não ficou nada contente
com a situação. Mandou chamar Reinaldo e ordenou-lhe o despedimento da criatura:
-Não o quero ver mas ao serviço do nosso clube. Esse gajo é um filho da puta de um
vigarista. Não conhece ninguém, e é capaz de nos comprometer seriamente. Rua com ele!
-Mas presidente... se ele dá com a língua nos dentes?
-Fica sem ela! Safa-te da forma que quiseres. Foste tu que o trouxeste, agora arruma
tudo com ele.
Reinaldo saiu do gabinete de PC sem saber muito bem o que devia fazer, mas duma
coisa tinha a certeza: o Gomes era mesmo um indivíduo sem escrúpulos.
Logo que o encontrou, fez-lhe saber que o presidente o queria na rua:
-Não tiveste juízo, acabou aqui a tua história.
Jorge Gomes sorriu com cinismo e disse sem mais delongas:
-Vocês não julguem que se livram de mim com tanta facilidade. Se eu cair, vocês caem
comigo, principalmente tu Reinaldo. Lembra-te que nos orientámos muitas vezes em
negócios que o presidente nem sonhava que se faziam, e se me mandarem embora, chibome.
Reinaldo ficou assustado e, sabendo que Jorge Gomes era mesmo capaz de cumprir a
sua promessa, resolveu dar a volta doutra forma à situação.
-Eu vou falar com o presidente novamente, mas tu tens de me prometer que vais
cumprir as ordens que te damos e não vais andar para aí a fazer mais merda.
Virou-lhe as costas e entrou no seu carro a pensar como é que se poderia livrar daquela
encrenca. Só havia realmente uma saída: obrigar o presidente a recuar na sua acção.
Naquela mesma noite, encontrou-se com Pinto da Costa e pediu-lhe para repensar a sua
posição:
-Ó presidente, o Jorge está arrependido do que fez. Vamos dar-lhe outra oportunidade...
-Nem penses nisso. Esse gajo já fez merda de mais para continuar ao nosso serviço. Ele
pode comprometer toda a nossa acção. Rua com ele... Não há contemplações.
Reinaldo ficou entalado e sem palavras. Olhou a alcatifa do gabinete de PC, sem saber
muito bem o que havia de fazer. Com a biqueira do sapato começou a raspar o desenho que
nela estava inserido e resolveu arriscar, quando disse:
-Presidente! Se ele for embora, eu também vou.
PC saltou da cadeira e não queria acreditar no que estava a ouvir. Sabia que, naquele
momento, não podia prescindir dos serviços de Reinaldo e era demasiado perigoso deixá-lo
fora da organização. Era a primeira traição do seu dilecto amigo. Do seu confidente. Do
homem da sua confiança.
Sem saber muito bem o que devia fazer, PC sentiu que estava a ser refém dos monstros
que criara e resolveu actuar com mais precaução:
Ele é assim tão teu amigo? Não estás a confiar demasiado num gajo que não vale nada?
Reinaldo não respondeu, e PC, passeando-se pelo gabinete, esperou alguns minutos até
pronunciar a sua sentença. Sabia que não podia perder autoridade e tinha de arranjar uma
solução.
-Vou pensar no assunto e depois digo-te alguma coisa. Mas ficas a saber que te vou
responsabilizar por toda a merda que esse gajo fizer.
Reinaldo saiu do gabinete mais descansado, enquanto PC registava a primeira traição do
seu maior amigo. Jorge Gomes aguentou-se no seu primeiro round.
Dias depois, a Polícia Judiciária entrava em acção. Os grandes problemas foram
esquecidos, porque, tal como tudo tinha começado há vinte anos atrás, o slogan
revolucionário continuava a ter a mesma força: «Só unidos venceremos...».
O resto todos sabem.