DE OITOCENTOS A OITO

Um penálti forçado a abrir o marcador; uma expulsão tão imprudente quanto exagerada; duas substituições por lesão; um golo nos descontos à saída para o intervalo; uma falta clara por sancionar, dentro da área adversária; uma falha clamorosa do guarda-redes a fechar as contas. Tudo isto aconteceu à nossa Selecção, na sua estreia no Mundial. Tudo isto aconteceu diante de uma das mais fortes candidatas ao título, que naturalmente soube aproveitar as circunstâncias para construir um resultado robusto. A agravar, também o desfecho do outro jogo do grupo pareceu encomendado pelo diabo, com um golo contra-corrente, já perto do fim, a desfazer o que seria um simpático empate entre Gana e EUA, logo a favor da equipa que defronta a Mannschaft na última jornada – com esta já previsivelmente qualificada. Pior era impossível. Como sempre acontece nestas ocasiões, as facas rapidamente saíram das bainhas, e o clima de histeria colectiva em torno de Ronaldo e seus pajens depressa se transformou numa caça às bruxas tão ao gosto de alguns comentadores do espaço mediático luso. Nem oitocentos, nem oito. É importante dizer que a equipa nacional não é candidata a nada que não seja ultrapassar a fase de grupos. E é também importante lembrar que esse objectivo está ainda sobre a mesa. Na verdade, Portugal dispõe de um super-jogador, mas em redor dele gira uma equipa mediana, porventura a mais fraca das últimas duas décadas. E nem adianta questionar as opções técnicas, pois as eventuais alternativas também não escapam à mediocridade. Perder com a Alemanha é um resultado natural – embora os números tenham sido particularmente estrepitosos. Ganhar aos EUA e ao Gana é uma possibilidade, à qual a “Equipa das Quinas” terá de se agarrar com unhas e dentes. Se algo correr mal, o mundo não acaba. O futebol tem a virtude de permitir sempre redenção, como pudemos vivenciar no nosso clube de 2013 a 2014. Talvez por isso se diga que está para além da vida e da morte. E é seguramente por isso que tanto nos apaixona.

OS NOMES DO SUCESSO


Mesmo com um Mundial à porta, não há benfiquista que não guarde o doce sabor de uma temporada histórica, coroada com a conquista de três troféus, e abrilhantada pela presença numa final europeia.
Se no calor da euforia nem sempre é possível avaliar com precisão todos os aspectos que pesaram em tão triunfante caminhada, agora, a frio, com algum distanciamento a ajudar, torna-se mais fácil identificar as razões, os momentos, e, também, os heróis, de uma saga inesquecível. 
É preciso dizer que estamos perante, não uma, mas duas temporadas absolutamente excepcionais da nossa equipa de futebol. Terminaram de forma distinta, é certo, mas se a sorte ou o azar podem ditar o destino final de qualquer jogo (com um penálti falhado, um remate fortuito, ou um golo nos descontos), só a competência e o trabalho rigoroso permitem manter, durante meses, um elevado nível competitivo - capaz de pôr os adeptos a sonhar com este mundo e com o outro.
Foi essa ideia que levou o Presidente Luís Filipe Vieira – de forma tão lúcida quanto corajosa - a decidir manter uma equipa técnica sob contestação, e foi aí que a história do sucesso começou a ser escrita.
Houve, porém, um segundo momento, a partir do qual a equipa se uniu, e acreditou que tudo lhe era possível. Inspirada por Eusébio, a vitória sobre o FC Porto, no final da primeira volta, virou os pratos da balança definitivamente a nosso favor. Se a manutenção de Jesus criou condições objectivas para vencer, aquela semana de Janeiro deu a união e a crença que sempre acompanham os campeões.
Luís Filipe Vieira, num primeiro plano de análise, e Jorge Jesus, logo atrás, foram pois os obreiros deste sucesso. Mas há que distinguir também aqueles que, em campo, interpretaram tão bem a mística benfiquista, e concretizaram em títulos os anseios de milhões de portugueses. Enzo Perez e Gaitán foram, no meu ponto de vista, os jogadores que mais brilharam durante estes meses. Um a equilibrar, outro a desequilibrar, foram eles as estrelas do Benfica 2013-14.

NOVO CICLO


A questão divide opiniões: pode um simples título, ou uma só temporada, determinar o início de um novo ciclo no futebol português? A resposta não é fácil. E, na verdade, a pergunta também não pode ser formulada deste modo.
Olhando de relance para as oito décadas de história que leva o campeonato nacional, podemos identificar alguns ciclos bem definidos, a par de algumas fases híbridas, de domínio repartido entre dois ou mais clubes. É fácil associar o final da década de quarenta, e o início dos anos cinquenta, ao Sporting dos “Cinco Violinos”. É igualmente linear o amplo domínio do Benfica de Eusébio, entre 1961 e 1975. De 1995 até 2009, foi o FC Porto a manter a hegemonia, não cabendo aqui dissecar os métodos pelos quais a atingiu.
Porém, para o espaço de tempo decorrido entre esses períodos, ninguém poderá cantar superioridade absoluta. Por exemplo, entre 1975 e 1995, Benfica e FC Porto venceram nove campeonatos cada um (o Sporting conseguiu dois títulos). Nesses vinte anos, tivemos um ciclo repartido, que sucedeu a um domínio benfiquista, e antecedeu a hegemonia portista.
Ora, o que as últimas cinco temporadas têm demonstrado – não somente pelos títulos, mas também pela força relativa das equipas – é precisamente um reequilibrar dos pratos de uma balança que há pouco tempo atrás pendia claramente para um dos lados. Em cinco épocas, o Benfica venceu dois campeonatos e ficou três vezes em segundo lugar, ao passo que o FC Porto venceu três campeonatos, quedando-se em duas ocasiões pelo terceiro posto da tabela. Em número total de pontos, a diferença é escassa, a favor do FC Porto. Em número de jornadas na liderança, a vantagem, também escassa, é benfiquista. Pode, assim, falar-se de equilíbrio.
É prematuro afirmar que estamos perante a alvorada de um ciclo de domínio encarnado (só um segundo título consecutivo poderia apontar nesse sentido), mas é um dado insofismável que o domínio absoluto do FC Porto já não existe.
Estamos pois num novo ciclo. Por agora…de equilíbrio.

COROAS E CARAS


Depois do Tri(plete) no Futebol, tivemos mais um Tri(campeonato) no Basquetebol, consumando uma temporada extraordinária da equipa de Carlos Lisboa.
Não temos culpa que outros não vão a jogo. O Benfica foi, venceu, convenceu, e muitas vezes encantou. Ganhou tudo o que havia para ganhar, não poupando esforços para aliar as vitórias ao espectáculo. Junta-se ao Futebol e ao Voleibol, no lote dos campeões nacionais de 2013-14.
Também o Atletismo teve um fim-de-semana em alta, tornando-se vice-campeão europeu de clubes. Padecendo de várias ausências por lesão, fazer melhor era impossível. A secção está de parabéns.
Já do Andebol não pode dizer-se o mesmo.  Com um plantel recheado de nomes sonantes, não conseguiu intrometer-se na luta pelo título, deixando um rasto de fracasso em todas as competições em que participou. Não foi apenas uma má época, mas antes a confirmação de um ciclo negativo, que não pode deixar de ter consequências. Ficar em quarto lugar, com uma percentagem de vitórias abaixo dos 70%, não é aceitável, nem está dentro dos parâmetros de exigência de qualquer conjunto de atletas que envergue a camisola do Benfica. Para este nível de resultados, e caso não haja capacidade de investimento com vista à total reformulação do plantel, talvez seja de promover uma aposta mais vincada em jovens da formação.
O Hóquei ficou fora da luta pelo título, tendo agora a Taça de Portugal para conquistar. Do Futsal, espera-se que neste fim-de-semana dê a volta ao resultado negativo trazido do Fundão. Estas duas modalidades ainda podem terminar a temporada em festa. Vamos acreditar.
O fim-de-semana passado foi também marcado pela final da Champions League no nosso estádio. Sendo motivo de orgulho, é também de registar o montante entrado nos cofres do Benfica. Lamenta-se, porém, que um evento desta natureza tenha sido promovido de costas voltadas para os portugueses, que tiveram de vê-lo pela televisão, pois nem um só bilhete foi vendido no país (pelo menos em circuitos oficiais).