Quem leia apenas o título deste texto, será de imediato levado a pensar no jogo da segunda mão, dentro de quinze dias na Luz.
É um dado praticamente adquirido que essa será uma noite de sofrimento, qualquer que venha a ser o desfecho final do jogo e da eliminatória. Contudo, o título que escolhi para esta prosa deverá ser entendido num sentido mais lato, isto é, não relativo a um jogo, nem a uma eliminatória, mas a toda uma época ou, pelo menos, a grande parte dela.
Ficou ontem uma vez mais demonstrado que o Benfica é uma equipa em construção. É todo um edifício novo, cujos traços ainda estão longe, muito longe, de estar definidos.
Como qualquer projecto em fase embrionária, a equipa de Quique Flores apresenta fragilidades gritantes, e é preciso que os benfiquistas se comecem a convencer daquilo que eu disse aqui antes ainda de se iniciar a competição: esta época só por milagre trará algum título, devendo ser entendida como um ano de transição, sob pena de no final da mesma se colocar novamente tudo em causa, se querer revolucionar tudo outra vez, e dentro de um ano eu ter de estar aqui a dizer o mesmo.
Percebe-se o que Quique Flores pretende, e isso por si só já é um bom princípio.
À semelhança do que se vê nas grandes equipas europeias, o técnico espanhol quer um Benfica com os sectores muito juntos, bastante subidos no terreno, e a funcionar como um bloco homogéneo, que ataca e defende de forma compacta e harmoniosa.
Para alcançar esse objectivo há todavia um longo caminho a percorrer. Há vários jogadores no plantel encarnado com um perfil pouco colectivista, há médios e alas que só jogam com a bola no pé, há falta de velocidade na defesa para poder subir o bloco sem correr riscos de ser batida em contra-ataque. E há, sobretudo, uma ainda total falta de organização colectiva face a um modelo ao qual a maioria dos jogadores não estava habituada. Na noite de Nápoles, todas estas carências foram postas a nu, tal como de resto já o haviam sido, em parte, diante do F.C.Porto. Em três jogos oficiais, este Benfica, obviamente, ainda não ganhou.
Os encarnados entraram bem no jogo, com confiança, a procurar ganhar metros de terreno e assim mostrar que estavam ali para discutir o jogo.
Percebe-se que, a jogar fora, e nas suas circunstancias actuais – leia-se incapacidade de impor ritmos a seu jeito - o Benfica tivesse mais a ganhar em abrir a partida, no sentido em que um 1-1, ou um 2-2 seriam bem melhores que o 0-0, e talvez por aí se perceba o onze inicial escolhido pelo técnico espanhol. Os primeiros minutos deram disso sinal, com oportunidades de golo para ambos os lados, acabando inclusivamente por ser o Benfica o primeiro a marcar, por intermédio do estreante Suazo. Tudo parecia correr pelo melhor.
Foi então dado um primeiro e dramático sinal de imaturidade.
À semelhança do que ocorrera com o F.C.Porto, e que na altura aqui referi, o Benfica pareceu sentir o seu próprio golo de forma mais negativa que o adversário, desconcentrando-se, parecendo mesmo deslumbrar-se, e permitindo uma reacção fortíssima, neste caso acompanhada de imediata reviravolta no marcador.
Nunca se saberá o que aconteceria ao jogo se o Benfica se mantivesse em vantagem, pelo menos, mais alguns minutos. Talvez o vulcão de San Paolo se silenciasse, talvez o Nápoles se enervasse, perdesse confiança e motivação. Assim sucedeu o contrário, e
o jogo pôs-se de cara muito feia para os encarnados, que só por milagre não saíram para intervalo com um resultado ainda mais pesado, nomeadamente através de um lance em que Quim voltou a errar (isso há de passar…), e foi Léo a evitar o golo sobre a linha.
Para a segunda parte a toada de jogo diminuiu um pouco de ritmo, mas sentia-se que o Nápoles estava mais perto do terceiro golo, que o Benfica de empatar. Quique fez entrar Balboa para o lugar de um ainda demasiado verde Urreta, mas nem assim conseguiu estancar o caudal ofensivo desenvolvido pelo flanco esquerdo do ataque napolitano, fruto também de uma exibição muito pouco conseguida de Maxi Pereira. Paradoxalmente, o golo acabaria por surgir do flanco oposto, através de um desvio infeliz de Léo, que traiu Quim e deu a sensação de poder acabar com a eliminatória. Com todas as suas insuficiências, com toda a natural intranquilidade, e ainda com a pouca sorte de ter sofrido dois golos de ressalto, o Benfica teria que ir buscar o resultado, num ambiente tremendamente hostil, e diante de uma equipa, senão brilhante, pelo menos organizada, amadurecida e confiante.
Entrou Katsouranis para o lugar de um pouco visto Carlos Martins, pouco depois Luisão marcou, e viu-se então um Benfica substancialmente melhor, até porque o Nápoles, satisfeito ou desgastado, baixou o seu bloco, abandonando a pressão alta com que manietou e retirou discernimento aos encarnados durante largo período de jogo. O grego entrou bem no jogo, tal como mais tarde também Nuno Gomes entraria (numa equipa tão imatura, nota-se a falta do experiente avançado). O Benfica parecia novamente em condições de discutir a possibilidade de alcançar o empate a três, o que, então sim, se traduziria num excelente resultado.
Como um azar nunca vem só, após dois golos sofridos de forma infeliz, num lance apenas, ao invés de poder ficar em vantagem numérica, o Benfica viu Suazo – seu melhor jogador até então, e grande esperança para eventual novo golo - ficar inferiorizado até final, fruto de uma bárbara entrada de um jogador napolitano que nem cartão amarelo levou.
A jogar com dez e meio, a equipa encarnada foi forçada a desistir de procurar o empate, e tentou apenas que o tempo passasse, deixando assim, a decisão da eliminatória para a Luz – prescindindo dos anéis, ficaram os dedos.
Não vai ser fácil.
Esta equipa napolitana tem avançados rápidos e habilidosos, e é bem provável que consiga marcar em Lisboa. Só um grande Benfica poderia resolver a contenda, mas tenho sérias dúvidas que dentro de apenas quinze dias ele já se possa dar a conhecer. Talvez um estádio cheio, um ambiente como aqueles de 2005 – Manchester, Liverpool… - possa ajudar.
Se tudo acabar mal, e o Benfica for eliminado, não deverá haver lugar a dramas. O sorteio foi cruel (nem todos têm a sorte de apanhar Deportivo da Corunha e Mónaco em meias-finais e finais da Champions...), e uma eliminação diante de uma forte equipa italiana não envergonha ninguém. Mas creio que
todos os benfiquistas deveriam ficar, no fim desta eliminatória, com a tranquilidade de consciência de terem ajudado tanto o seu clube como os adeptos do adversário o fizeram.Falta apenas dizer que a arbitragem esteve mal. Foram perdoadas duas expulsões a jogadores napolitanos, e ficaram-me dúvidas num lance sobre Sidnei (mais uma bela exibição), dentro da área, já na ponta final do desafio. Desde aquele célebre Portugal-Holanda no Mundial que torço o nariz a árbitros holandeses para equipas portuguesas. E infelizmente tenho tido razão.
PS: Relativamente às restantes equipas portuguesas, tudo decorreu como se previa e temia. Só o Sp.Braga deverá passar à fase de grupos.