Caros Consócios,
Antes de mais, deixem-me sublinhar a inoportunidade da vossa
missiva, justamente antes de um jogo com o FC Porto, que infelizmente é a
última oportunidade para a nossa equipa principal de futebol dar uma pequena
alegria aos adeptos. Podiam, e deviam, ter esperado pelo final da temporada,
evitando o aproveitamento que esta carta vai ter na comunicação social e nos
meios afectos aos nossos rivais – algo que, ainda mais lamentavelmente, nunca parece perturbar-vos.
Estamos de acordo quanto ao encerramento de um ciclo – coisa que
sucedeu no último acto eleitoral, quando mais de 80% dos sócios votaram num novo
presidente, numas eleições limpas em que, deixem-me dizê-lo, não apareceu mais nenhum
candidato minimamente credível para assumir os destinos do clube, nem mesmo
aquele que nas eleições anteriores se havia legitimamente oposto a Luís Filipe Vieira, e que,
ninguém sabe porque motivo, não quis voltar a ir a jogo quando o clube mais precisava.
Estamos igualmente de acordo quanto à necessidade de
transparência, desde que tal não se traduza num strip-tease do Benfica e de
todo o seu universo empresarial e institucional perante os media e rivais ávidos por encontrar motivos de
desestabilização. Mas isto, como disse atrás, não vos incomoda, talvez porque
alguns de vós (sublinhe-se a palavra alguns, e quero acreditar que poucos) se preocupam mais com o seu
próprio protagonismo pessoal do que propriamente com o futuro do Benfica.
Luís Filipe Vieira, Bruno Macedo, Paulo
Gonçalves, César Boaventura e Miguel Moreira já não exercem qualquer função no Sport Lisboa e Benfica. Alguns deles nunca exerceram, sendo meros agentes ou intermediários em
negociações de futebolistas, como tantos empresários, uns mais honestos que outros,
mas com os quais, infelizmente, por vezes é preciso lidar, num futebol moderno e
mercantilizado que, queiramos ou não, é aquele que hoje existe em todo o mundo.
O presidente anterior saiu, e tudo aquilo que de bom (à vista) e
de mau (ainda por apurar) deixou no clube ficou para trás, percebendo-se até por
declarações do próprio que existe um total divórcio face a quem lhe sucedeu. A justiça encarregar-se-á de apurar o que tiver de ser apurado, e cá estaremos então para tirar as conclusões definitivas sobre a sua longa presidência - a qual, diga-se, não se resume ao último, e penoso, mandato. Independentemente de qual vier a ser o seu lugar definitivo na história do Benfica, esse situa-se, e situar-se-á, irremediavelmente no passado.
Quanto a Domingos Soares de Oliveira, se há algo que tem corrido bem no Benfica ao longo das últimas décadas é precisamente a gestão comercial e financeira. Não se pode ser preso
por ter cão e por não ter. DSO é acusado por muitos sócios de ser quem impõe
vendas de jogadores como forma de obter receitas e gerar lucros, mas depois é acusado por outros de
gestão menos responsável. Em que ficamos? Para mim tem tido um excelente desempenho
profissional na sua área, e naturalmente que Rui Costa, não tendo conhecimentos
técnicos no plano financeiro, não podia prescindir dele no imediato. Exigir-lhe isso não seria sério nem ajudaria o Benfica a ultrapassar o momento crítico pelo qual ainda passa.
É preciso perceber também como funciona uma organização como
o Benfica, quem manda efectivamente, ou quem cumpre ordens. Estar nos órgãos sociais,
ou ser administrador, não é o mesmo do que ser presidente, e responsabilizar totalmente uns
por eventuais actos ou decisões de outros demonstra grande desconhecimento sobre
as relações de poder na maioria das empresas ou instituições desta dimensão. Haverá assinaturas em documentos susceptíveis de suspeita? É possível, embora os negócios suspeitos talvez nem estejam documentados. Havia confiança entre as pessoas, havia quem mandava, é assim em todo o lado, ou alguém acredita que um ministro, um secretário de estado, um membro de um conselho de administração de uma grande empresa, lê, linha por linha, todos os milhares de documentos que assina?
Rui Costa encontrou uma casa em chamas: um clube a perder sucessivamente, com um investimento brutal e errático, com um plantel desequilibrado, dispendioso e desunido, um treinador que
não era sua escolha, um ex-presidente detido, amargurado e amigo chegado do treinador, um conjunto de modalidades praticamente ao abandono, depois de um mandato em que as prioridades foram sobretudo, ou melhor dizendo, exclusivamente, os aspectos judiciais. Nestes meses fez o possível por equilibrar o
barco. Nota-se uma clara melhoria, por exemplo, nas modalidades. Ganhámos a Youth
League, que há muito ambicionávamos. A temporada europeia, de resto, foi
magnífica também para a equipa principal, que teve momentos brilhantes que nos fizeram sonhar. E o campeonato foi muito condicionado
por interferências de terceiros, além de termos rivais fortes e organizados como nem
sempre aconteceu no passado.
É cedo para avaliar Rui Costa como presidente. Mas é sempre altura
para o ajudar a desempenhar o cargo com sucesso, e isso é dever de TODOS os
benfiquistas. Mesmo da minoria que não votou nele. E se o seu benfiquismo é absolutamente intocável, também a sua honestidade nunca teve nada a apontar ao longo de décadas de vida pública. Chega a ser chocante a forma como por vezes se referem a ele, não lhe permitindo sequer o benefício da dúvida, que toda a gente merece, mais ainda alguém com o passado do "Maestro".
O Benfica é nosso! Mas é de todos, e não de cada um de nós, como alguns por vezes parecem supor. O Benfica é democrático, e dispensa "vanguardas iluminadas". A vontade que prevalece é a da maioria, e a esmagadora maioria dos sócios deu a esta direcção um mandato de quatro anos, ao fim dos quais será novamente submetida a sufrágio. Esse sim, será o momento para discutir tudo aquilo que correu bem ou correu mal. Não agora, quando nem sequer a temporada acabou.
No desporto, e não só, vivemos tempos muito difíceis em termos de comunicação,
informação e contra-informação. Isto nota-se sobremaneira num fenómeno
mediatizado como o do futebol. Estas cartas abertas e outras intervenções públicas (bem ou mal intencionadas) apenas servem os
propósitos daqueles que nos querem desestabilizar, fazendo girar um carrossel cacofónico de opiniões e pseudo-opiniões, verdadeiras (só sócios são 250 mil...) ou falsas, que tenderá para o infinito, e constituirá o gáudio dos rivais. Todos podemos exprimir a nossa
opinião, e esse é um direito inalienável em democracia. Mas se queremos evitar que seja indevidamente usada, devemos então saber reservá-la para os locais e momentos oportunos. Isto se gostamos do clube e queremos o seu bem. Infelizmente, o mundo moderno não nos permite falar e escrever despreocupadamente, sem levar em conta os efeitos de bola de neve que certas correntes tomam, e que depois se tornam incontroláveis, voltando-se contra os propósitos que tencionamos atingir. Não deveria ser assim, mas é. E, no caso do Benfica, alimentar tudo isso, acentuar clivagens e ajustes de contas desnecessários e/ou inoportunos, apenas serve para impedir, ou no mínimo retardar, o regresso às vitórias. Não tenhamos dúvidas.
E nesta verdadeira “guerra” comunicacional em que o futebol
português vive (com artigos de encomenda na imprensa, perfis falsos nas redes sociais, comentadores televisivos comprometidos etc, etc), temos de escolher de que lado estamos. E só há duas
opções: ou defendemos o Benfica sem hesitações, respeitando quem está mandatado pela maioria
dos sócios, mesmo quando não concordamos com uma ou outra decisão, ou engrossamos a lista daqueles que
prejudicam ou tentam prejudicar o clube, muitas vezes sob capas daquilo que não são. Espero que os caros 118 consócios (e, em alguns casos, até amigos) não tenham dúvidas sobre
de que lado pretendem ficar.
Saudações Benfiquistas.
NOTA: Terei falado com Rui Costa três ou quatro vezes na vida. Não sou amigo, nem tenho qualquer proximidade com o presidente. Sempre o admirei como jogador, como figura pública, como benfiquista, e votei nele por entender que era a melhor única opção para conduzir o clube no momento. Acho completamente extemporâneo analisar desde já um mandato que tem ainda mais três anos de duração, e no qual as verdadeiras mudanças só agora começam a ser levadas a cabo. E, como já disse, acho que é dever de todos os benfiquistas contribuir para que a sua presidência seja um sucesso. É isso que tento fazer sempre que escrevo ou falo sobre o Benfica, aqui ou onde quer que seja. É disso que me parece que algumas pessoas, intencionalmente ou não, por vezes se esquecem.