No regresso desta rubrica ao seu VdB, recordamos (bem,... é uma forma de dizer) a goleada de 12-2 aplicada pelo Benfica ao FC Porto, no Campo Grande, no dia 7 de Fevereiro de 1943, através de belas fotografias da revista "Stadium". É ainda hoje a maior goleada de sempre em jogos entre os três grandes. E penso que dificilmente deixará alguma vez de o ser. Aconteceu há 76 anos:
O Benfica era comandado pelo húngaro Janos Biri, e alinhou com: Martins, Gaspar Pinto, Jordão, César, Nelo, Albino, Chico Ferreira, Joaquim Teixeira, Manuel da Costa, Julinho e Valadas.
Julinho anotou quatro golos, Teixeira, Valadas e Manuel da Costa dois cada, e os restantes foram marcados por Chico Ferreira e Pais na própria baliza.
No FC Porto do também húngaro Lippo Hertzka (que havia orientado o Benfica durante quatro anos), actuava o famoso Pinga, bem como nomes como Guilhar, Araújo ou Correia Dias.
Já agora os golos do FC Porto foram marcados por Póvoas e pelo referido Araújo.
Ao intervalo havia 4-0, e aos 30 minutos apenas 1-0.
Quem preferir coisas mais recentes, tem os últimos clássicos disputados na Luz todos aqui.
Entraram quatro, o guarda-redes adversário evitou três, a pontaria desafinada de João Félix desperdiçou dois, e o árbitro não viu uma grande penalidade óbvia. Com alguma sorte teriam sido, pois, mais dez.
Além de Seferovic, o melhor goleador do campeonato, além de João Félix, com pormenores deliciosos, além de Jonas, mais um golito, além dos estreantes Corchia, Florentino e Jota, além do adaptado Samaris, importa salientar um nome: Gabriel Appelt.
Devo fazer um mea-culpa: não sei se o escrevi, mas disse há algum tempo que não acreditava neste brasileiro. Viviam-se os últimos momentos de Rui Vitória, e todos pareciam ter desaprendido de jogar. Não foi feliz nas primeiras aparições. Parecia lento, lento... Parecia pesado.
Pois estamos perante um Senhor Jogador.
Jogando de luto pela avó, parece ter aproveitado para a homenagear com ums soberba exibição, da qual se destaca uma capacidade de passe longo verdadeiramente impressionante.
De resto a máquina está bem oleada, e o "Clássico" promete.
Não foi o melhor guarda-redes da história do Benfica. Mas não há nenhum motivo de queixa quanto ao seu profissionalismo, nem quanto à forma honesta como tentou servir o clube.
Vive um momento extremamente delicado da sua vida. E os benfiquistas não podem esquecer aqueles que os serviram, ou tentaram fazê-lo da melhor forma que sabiam e podiam, com maior ou menor talento, com maior ou menos sucesso.
Finalmente um sorteio em que sai o adversário que eu queria.
Não está nada ganho, mas os Quartos-de-Final ficam mais perto.
Atenção: a partir dos Quartos, não se prevê que existam rivais acessíveis. Chelsea, Inter, Napoles, Valencia, Sevilha, Arsenal e Zenit também foram bafejados pela sorte, e devem passar. Vencer a Liga Europa ainda é apenas um sonho.
Um jogo descolorido, um ambiente aquém do esperado dados os últimos resultados da equipa, e um adversário - este sim - com uma atitude competitiva sofrível, chegaram para garantir ao Benfica o essencial: a passagem aos oitavos-de-final da competição.
Fica a dúvida - a esclarecer nos próximos jogos - se o adormecimento do Benfica foi estratégico e visou minimizar o desgaste da equipa, que se limitou a esperar que o Galatasaray tomasse a iniciativa, ou se os encarnados estarão mesmo a perder algum do gás com que golearam sucessivamente Boavista, Sporting e Nacional. Uma coisa é certa: há jogadores que denotam um tremendo desgaste, sendo João Félix o caso mais paradigmático.
No reinado de Lage, este foi o jogo em que a equipa do Benfica se sentiu mais desconfortável. Sobretudo no período entre os 15 minutos e a obtenção do segundo golo, os encarnados viram-se e desejaram-se para ganhar a luta do meio-campo, não conseguindo chegar-se à frente, e vendo a baliza de Vlachomidos reiteradamente ameaçada.
Não há campeões sem sorte, e o golo de Rafa surgiu no momento certo, um tanto contra a corrente, mas suficiente para serenar os ânimos, e para travar os ímpetos dos comandados de Inácio.
O terceiro golo matou o jogo. E a partir daí o jogo variou entre o expectro de nova goleada, e a expulsão de Ferro que voltou a devolver a bola para o meio-campo benfiquista, mas sem que o resultado sofresse alteração.
Com seis jovens da formação no onze inicial, o Benfica fez história,
vencendo pela primeira vez na Turquia, e encaminhando a qualificação para os
oitavos-de-final da Liga Europa.
A exibição não foi de encher o olho. Teve momentos muito bons, e
outros assim-assim. Valeu pela eficácia defensiva e ofensiva, e pela forma como
a equipa se foi adaptando às vicissitudes do jogo – e aqui, meus caros,
notou-se claramente o dedo do treinador.
O primeiro golo surgiu num golpe de sorte (ou de incompetência do
defesa adversário), quando ainda não se justificava dado o equilíbrio até então
verificado. A equipa da casa sentiu a desvantagem, mas não deixou de procurar a
baliza de Vlachodimos, sobretudo em incursões pelo lado direito da defesa
benfiquista, onde Salvio dava pouco apoio a um Corchia carente de ritmo e
rotinas.
O intervalo chegou, e pouco depois do início da segunda parte o
Benfica ficou sem Salvio. Paradoxalmente, tal acabou por ser benéfico para a
equipa de Bruno Lage, pois permitiu a deslocação de Gedson para o lado direito
(onde realizaria 40 minutos extraordinários), e a colocação de Gabriel no centro
do terreno, com a virtude de fechar melhor o meio campo, e dotar o onze de
capacidade de passe longo para poder lançar venenosos contra-ataques.
Os turcos chegaram ao empate, num lance pelo ar em que Ferro e Yuri
repartem culpas, mas o Benfica reagiu bem. Pouco depois voltava a ganhar
vantagem, com um passe primoroso de Ruben Dias, uma má abordagem ao lance de
Marcão, e o aproveitamento de Seferovic – que anotou o 17º golo na temporada, de
longe o seu máximo pessoal.
A partir daí Bruno Lage fechou a porta. Quem estava habituado à
táctica de Rui Vitória, que quando em vantagens tangenciais ligava o modo “esperar-que-bryan-ruiz-atire-por-cima-da-barra”,
pôde ver enfim um treinador mexer no jogo acertadamente, de modo a evitar que o
adversário criasse perigo. O bloco baixou, o meio-campo ficou mais povoado, com
jogadores de rigor e recuperação, e a vitória foi mantida no congelador até ao
fim – embora com tempo para o guarda-redes grego ainda brilhar em excelente
defesa, num lance em que mais uma vez os centrais do Benfica foram batidos pelo
ar (e este é um problema a resolver para futuro).
Mais um grande dia para este Benfica, que jogo após jogo delicia os
adeptos, e, a conseguir corrigir um ou outro detalhe, mostra ter equipa e
treinador para grandes voos.
Devo dizer que raramente vejo programas de debate televisivo sobre
futebol - se é que se pode juntar a palavra "futebol" a tanta porcaria.
Confesso que até os via no
passado. A partir do momento em que passaram a ser as direcções de comunicação
dos clubes a ditar as leias, e especialmente desde que começou a novela dos
e-mails do Benfica, passei a ocupar as noites de segunda-feira de outras
formas.
O nível foi baixando de degrau
em degrau, até a coisa se tornar insuportável. Em tempos até se falava de futebol
(lembro-me de António-Pedro Vasconcelos, Rui Moreira e Jorge Gabriel, mas
também de outros como Fernando Seara, Rui Oliveira e Costa ou Pôncio Monteiro),
depois passou a falar-se de casos de arbitragem (o que hoje até chega a parecer
cândido), passou-se para os assuntos judiciais, para as polémicas mais
rasteiras, até se chegar à javardice pura e dura.
As causas do processo são simples de explicar, e têm nomes
próprios: Francisco J.Marques, Nuno Saraiva e CMTV. Foram as direcções de
comunicação de FC Porto e Sporting que, na sua ânsia de atingir o Benfica, levaram a comunicação para um nível nunca visto, e foi a CMTV que mostrou a
todos os outros como isso se fazia em televisão – todos os dias, horas a fio,
sempre a chafurdar no sangue dos outros, e quando não há sangue...inventa-se.
Entusiasmado pela goleada do
Benfica, espreitei o "Prolongamento" da TVI24 desta segunda-feira.
Arrependi-me.
O representante do Sporting é
uma pérola de mistificação, de gritaria e da mentira mais descarada, parecendo
querer enfiar os seus dedos pelos olhos dos tele-espectadores. Nunca tinha
visto nada assim.
Sabia que já não lhes interessava a verdade. Mas ao menos
interessava-lhes parecer que diziam o que se pensavam. Agora, pelo que percebo,
já nada conta: nem honestidade intelectual, nem sequer as aparências. Estamos
perante um cenário de pós-verdade, onde mesmo sabendo que não podem enganar
todos, pretendem enganar descaradamente alguns, e viver disso. E aos
moderadores, apenas interessa que se grite o mais alto possível, que se leve a
discussão até ao insulto, e assim garantir as atenções da audiência. Por
enquanto, pois por este caminho um dia vai-lhes acontecer o mesmo que à
imprensa escrita…
Mas volto ao representante do Sporting, um tal de Pedro Proença (e
que lindo nome…). Vi-o pela primeira vez, há talvez um ano, a comentar o caso
dos e-mails, enquanto advogado e comentador supostamente independente. Logo
percebi ao que ia. Depois chegou-se a Bruno de Carvalho, mantendo-se com ele
até muito depois de Alcochete, e até ser praticamente o único a defendê-lo. Objectivo?
Falar na televisão todos os dias, e colecionar debates em representação da
tendência que lhe interessava defender. Até que conseguiu integrar este painel,
onde antes de mais, envergonha o Sporting e os sportinguistas. Faz ter saudades
de Eduardo Barroso, e faz parecer José de Pina um cavalheiro.
Vai ser processado pelo Nacional, pelo Sp.Braga e pelo Boavista pelas
alarvidades que vociferou neste último programa - onde uma profunda azia, mas
talvez mais do que isso, uma vontade de dar espectáculo barato, o levou a uma
argumentação absolutamente insólita e de causar vómitos. Duvido que aprenda a
lição, pois ali parece estar em causa uma questão de carácter.
Que publicidade é que este tipo de advogados acham que fazem de si
próprios? Que tipo de clientes querem seduzir? Não consigo responder.
Sei que tudo aquilo é nauseabundo, nada tem a ver com futebol.
Os jogadores do Nacional facilitaram, e o jogo deveria ser
investigado; O Benfica não teve fair-play, pois devia ter abrandado logo
que a vitória ficou garantida; A Liga Portuguesa não tem competitividade, e há que fazer
algo para evitar estas goleadas.
Foram estas, basicamente, as incríveis e iluminadas linhas
de opinião que, regalados, tivemos oportunidade de ler e ouvir por aí no
rescaldo dos 10-0 ao Nacional. À falta de argumentos, e perante a necessidade
de, fosse como fosse, desacreditar o mérito do Benfica, comentadores e escribas
afectos aos clubes rivais (e não só) contorcionaram-se até conseguir dizer
alguma coisa sobre o jogo e o resultado, que não fosse admitir que a equipa
encarnada está num grande momento e parece imparável a caminho de grandes
conquistas.
Os argumentos são desmontáveis até por uma criança de 5
anos. Se os jogadores do Nacional estivessem subornados ou quisessem facilitar,
obviamente perderiam por 1-0 ou 2-0, sem dar nas vistas, ou então a equipa jogaria
sem 9 titulares como o também madeirense União fez há umas temporadas atrás em
Alvalade. Alí mesmo, em Alvalade, na semana anterior, os encarnados só não
chegaram a 6 ou 7 golos de diferença porque Deus não quis, mas ninguém se lembrou
de dizer que os jogadores do Sporting tivessem facilitado. Se o Benfica tivesse
abrandado com o Nacional, e perdesse o campeonato por diferença de golos, o que
não se diria por aí – e, já agora, porque é que o Sporting não abrandou aos 4-1 e chegou aos sete em 1986? Seria respeitar o adversário trocar bolas a meio-campo ao som dos olés
das bancadas? Ou chegar à baliza e voltar ostensivamente para trás? Ou
respeitar um adversário é, sempre, dar tudo em campo para lealmente o vencer da
forma mais brilhante possível? Enfim, uma vereadora qualquer, que nunca viu
futebol na vida, lembrou-se de escrever qualquer coisa, e a partir daí houve
quem tivesse interesse em pegar. Quanto à competitividade da Liga, o Sporting
sofreu para ganhar ao último classificado, o Porto empatou com o Moreirense
(que já havia ganho na Luz) e há três equipas no topo separadas por dois
pontos.
Que equipas como o Nacional (mas também o Feirense, o Aves,
o Setúbal, o Chaves, o Portimonense, o Tondela, o Santa Clara e por aí fora)
deveriam estar na 2ª divisão, isso há muito que defendo. Na verdade, em
Portugal, não há massa adepta para mais do que 8 ou 10 clubes de primeira
linha, e todos os restantes estão lá apenas para encher, sendo realidades
desportivas fictícias, sem adeptos, sem sócios, sem receitas (a não ser a
televisão e a visita dos grandes) e por vezes até sem instalações. Mas isso são
outros quinhentos, acontece há muitas décadas, e nem por isso algum deles levou
10-0 em mais de 50 anos.
O que aconteceu na Luz foi a conjugação de duas coisas: uma
tarde infeliz do Nacional (obviamente nenhuma equipa da Liga levaria 10-0 se jogasse bem),
e uma tarde inspiradíssima do Benfica, que realizou uma exibição sublime,
marcou 10, podia ter marcado 15, e desenvolveu lances de futebol de alto
quilate, como desde os primeiros tempos de Jorge Jesus não se viam naquele
estádio. Qualquer argumento que escape a esta realidade é mentiroso.
O que alguns não querem admitir é que o Benfica, que com
Rui Vitória parecia moribundo, renasceu das cinzas, e, com nota artística
elevadíssima está a aterrorizar quem lhe aparece pela frente. E Bruno Lage vai
passando com distinção testes atrás uns dos outros, revelando-se uma escolha acertadíssima.
Vamos ver se esta equipa de futebol maravilhoso, ganhador e
goleador chega até onde começa a prometer. A reconquista dos adeptos está
feita. Falta a dos títulos.
Constam as goleadas com dez ou mais golos de diferença, obtidas no Campeonato, na Taça de Portugal, na Taça da Liga, na Supertaça e em todas as provas internacionais.
Como a imagem documenta, foi sob o signo do desportivismo que decorreu o Dérbi da Taça.
Dentro do campo viu-se um espectáculo agradável, com muito mais Sporting do que no Domingo anterior - coisa que, de resto, seria de esperar - e com um Benfica ao nível daquilo que se tem visto desde que Bruno Lage pegou na equipa. Logo, um jogo mais equilibrado, sem que a superioridade encarnada tenha sido posta em causa.
A vitória sorriu aos melhores, embora o golo tardio de Bruno Fernandes tenha deixado tudo em aberto para a segunda mão - a disputar em...Abril (?!?!). Esse golo deixa um travo amargo a uma vitória que, a dada altura, parecia poder garantir, desde já, o bilhete para o Jamor (com 2-0 penso que a eliminatória ficaria resolvida).
Destaque para a estreia de Ferro, que tem tudo para construir, juntamente com Ruben Dias, a dupla de centrais para uma década, no Benfica e na Selecção Nacional.
Os jogadores (dos seis nomes do meio-campo e ataque apenas sobra Pizzi, e noutra posição). O esquema táctico. E sobretudo as dinâmicas, de onde os exemplos mais significativos são a forte pressão pela conquista da bola, uma maior insistência na primeira fase de construção e o aproveitamento da capacidade de passe longo de Gabriel.
Samaris não tem os pés de Maradona, mas dá à equipa maior capacidade no jogo aéreo defensivo, disfarçando um pouco melhor o nunca resolvido fim de Luisão. Pizzi defende melhor que qualquer um dos extremos anteriormente preferenciais. E, na frente, João Félix e Seferovic, ambos muito móveis e com capacidade, quer de buscar jogo atrás, quer de o reter na frente, baralham as linhas defensivas adversárias, não se dando muito à marcação.
O que ainda falta? Sobretudo uma melhor articulação no jogo de coberturas aos laterais (um desafio para os alas, mas também para o duplo pivot).
Sempre tão lesto a comentar assuntos que não lhe dizem respeito, Varandas parece demasiado calado ante um resultado que evidencia cabalmente as insuficiências da sua equipa e do seu treinador. Ele que, recorde-se, a primeira coisa que fez foi despedir José Peseiro - que, mal ou bem, estava em segundo lugar a dois pontos da liderança.
Certa instituição desportiva nasceu a
partir de um tal Belas Football Club, fundado pelos dois irmãos Gavazzo, sendo
que mais tarde os sócios fundadores criaram o Campo Grande Football Club, no
qual José Alvalade era o tesoureiro e um dos irmãos Gavazzo o secretário.
Em 13 de abril de 1906 zangaram-se as comadres porque não conseguiram
chegar a um entendimento sobre o que pretendiam para o clube, sendo que alguns
dissidentes decidiram então partir para outro projecto.
Foi aí que José Alvalade, amuado com o que se passava, decidiu pedir
apoio ao seu avô, o excelso e abonado Visconde de Alvalade, Alfredo Augusto das
Neves Holtreman.
O abonado avôzinho disponibilizou nessa altura ao menino amuado terrenos da
sua própria quinta para fazer o campo de jogos e deu ainda algum apoio
financeiro.
Ora, tudo isto para dizer o seguinte: o que nasce torto, tarde ou nunca se
endireita. Quando uma instituição nasce de uma cisão e tem no seu ADN os punhos
de renda da nobreza, a tal que não gosta de ‘vergar a mola’ e que prefere andar
entretida em apunhalar pelas costas em manobras palacianas e em viver em
permanente conspiração, a coisa torna-se muito complicada.
É que os ‘pés descalços’, o povo que vive em permanente dificuldades,
sempre teve a vantagem de ter mais talento para o trabalho, para arregaçar as
mangas, para suar quando necessário, para se sacrificar em prol do bem comum e
para ser incomensuravelmente bem mais solidário do que os faustosos e vistosos
punhos de renda. Uns fazem das tripas coração, outros preferem andar entretidos
no seu pretenso pedigree e no seu estatuto de elite...da treta!
Quando Soares Dias apitou para o
final do dérbi, confesso que me senti atravessado por um sentimento de alguma desilusão.
Friamente, a vitória categórica e os três importantes pontos seriam suficientes
para encher a alma de qualquer benfiquista. Mas a verdade é que a equipa de
Bruno Lage passou ao lado de uma goleada histórica, quem sabe até de vingar os
7-1 de 1986, e todo esse desperdício acabou por ser algo decepcionante, sabendo-se
que nas emoções do futebol não cabe a piedade.
Quanto ao jogo em si, a
superioridade do Benfica foi esmagadora. Do primeiro ao último minuto dominou a
seu bel-prazer, marcando golos sucessivamente, uns a valerem, outros não, e
desperdiçando na mesma medida.
É pena que o processo defensivo
continue a causar alguns calafrios desnecessários, que diante de um adversário
mais forte e inspirado poderiam ter outros custos. Do meio campo para diante
esta equipa está bem e recomenda-se, sendo claramente a que melhor futebol joga
no campeonato.
Destaque individual para a dupla Seferovic-Félix, que liga muito bem, fazendo esquecer Jonas. Mas também para a subida de forma de Pizzi.
Quanto à arbitragem, alguém me explica porque Vlachodimos foi expulso e Renan não? E já agora, porque não foi assinalado penálti no lance em que Seferovic atira ao poste e depois é abalroado pelo guarda-redes do Sporting? E porque é que Pizzi viu o cartão amarelo num lance em que nem participou? E porque é que Bruno Fernandes, já com um cartão amarelo, protestou veemente e repetidamente com tudo e com nada, sem voltar a ver a cartolina? Quanto ao golo anulado a João Félix, gostava que o mesmo rigor tivesse sido aplicado aos golos do FC Porto na meia-final da Taça da Liga.
Desde que
no início do século passado foram fundados, Benfica e Sporting têm
protagonizado aquele que é, inquestionavelmente, o mais apaixonante derby do
nosso desporto rei.
Muitas são
as histórias em redor deste duelo, muitas as alegrias, muitas as mágoas, quer
para um, quer para outro lado. Como qualquer adepto empenhado, também eu guardo
as minhas memórias de um clássico que acompanho com fervor desde tenra idade. É
delas que vou falar em mais esta viagem pelo passado.
O primeiro
derby lisboeta de que me recordo foi disputado em Alvalade em Setembro de 1976.
Jogava-se a primeira jornada do campeonato 76-77, e recordo-me de, em casa dos
meus avós - onde habitualmente passava férias - ter ido para a cama a ouvir o
relato num pequeno transístor repousado sobre a almofada. O jogo começara bem
mais tarde que a hora marcada dada a quantidade de pessoas que inundava a pista
e as extremidades do relvado, terminando já a noite ia alta. Vivia-se ainda em
período pós revolucionário, a generosidade gonçalvista ainda abundava nas
carteiras dos anteriormente mais desfavorecidos - fruto dos bruscos aumentos de
salário ocorridos nessa conturbada fase da nossa história. Depois de alguns
excessos revolucionários remeterem injustamente o futebol para o campo das
alienações inconvenientes, a paixão do povo reacendia-se de novo. Com dinheiro
nos bolsos, os estádios estavam novamente cheios. Mas a crise e o FMI já batiam
à porta.
O Benfica
perdeu por 3-0, com os golos todos marcados já na ponta final do desafio. O
então jovem Manuel Fernandes, Camilo e a estrela africana Keita (recém
contratado) foram os marcadores, abrindo uma mini-crise no rival da Luz, que
cinco jornadas de empates e derrotas depois, arrancaria, em Outubro, para uma
série de 56 jogos sem perder para o campeonato, garantindo o título dessa época
com uma vantagem considerável, e perdendo o seguinte, para o FC Porto, sem
qualquer derrota - caso singular na história do futebol português.
Mas nessa
noite, o desencanto foi tal que propus em surdina ao meu pai, pela primeira e
única vez na vida, a mudança de clube para os verde e brancos, que pelos vistos
– pensava eu nesse momento – eram melhores. Ele respondeu liminarmente que não,
recordou-me as Taças dos Campeões, as finais europeias e os muitos títulos
conquistados. Convenceu-me até hoje. Até sempre.
Curiosamente,
os dois primeiros jogos de futebol que guardo na memória – à parte os que,
acompanhando o meu pai, então dirigente de um pequeno clube alentejano, me
sentava no banco de suplentes com os jogadores, entregando-lhes inclusivamente
garrafas de água, tarefa que me enchia de orgulho -, foram este derby e, de
forma mais difusa, um Bayern de Munique-Benfica ainda na época de 1975-76 para
a Taça dos Campeões, que o Benfica perdeu por 5-1. Foram pois, paradoxalmente,
duas derrotas copiosas que estiveram no âmago do meu benfiquismo fiel.
Depois
deste, muitos outros derbys se seguiram.Ainda na mesma temporada, a contar para
a Taça de Portugal, novo jogo em Alvalade, nova derrota por 3-0. Desta feita
foi o brasileiro Manoel que marcou todos os golos, realizando provavelmente a
melhor exibição da sua vida. Cheguei a supor que todos os Sportingues-Benficas
terminariam com 3-0 no marcador, coisa que mais tarde vim a verificar nada ter
de verdadeiro.
Na Luz
jogar-se-ia em Janeiro de 1977 o encontro da segunda volta do campeonato.
Vitória benfiquista por 2-1, golos de Vítor Martins e Chalana (este já perto do
fim), contra o golo de Manuel Fernandes. Foi a primeira vitória sobre o
Sporting de que me recordo, num jogo importantíssimo, que catapultou o Benfica
para o primeiro lugar da classificação, de onde não mais sairia até final do
campeonato. Ainda me lembro da capa da “Equipa” na quarta-feira seguinte – que
o meu pai me comprava na altura, e que, recheada de belas fotografias, fazia as
minhas delicias -, na qual surgia o Vítor Martins, com a braçadeira de capitão
(Toni não jogou), a festejar o primeiro golo.
Na época
seguinte, um empate a abrir o campeonato em Alvalade, na estreia dos
ex-benfiquistas Jordão e Artur pelos leões, jogo que me recordo perfeitamente
de ouvir pela rádio, numa noite de sábado na cozinha dos meus avós. Na segunda
volta, mais do que a vitória do Benfica por 1-0, ficou para a história uma das
mais caricatas situações de sempre vividas nestes jogos: a célebre rábula do
brinco perdido. Vítor Baptista, já enredado nas malhas da droga, era um caso
bicudo no balneário encarnado. Como se tratava de um grande jogador, de
características únicas no nosso país (avançado corpulento e bom cabeceador), as
suas inúmeras provocações foram sendo ultrapassadas com maior ou menor
tolerância. Esta era a sua última época no clube, pois meses depois, em
vésperas de um Benfica-Liverpool, decidiria unilateralmente regressar a Setúbal
e não mais jogar de águia ao peito. Pedira 500 contos de salário ao Benfica, e
tendo sido recusada a sua proposta decidiu rumar ao Sado para ganhar…100.
Morreu aos 50 anos, toxicodependente, vivendo numa barraca, depois de várias
detenções por roubo.
Naquela
tarde, ao marcar um único e fabuloso golo da partida (na foto abaixo já deixou
Augusto Inácio fora da jogada, matou no peito e prepara-se para fuzilar
Botelho), perdeu o brinco de brilhantes – foi o primeiro português que me
lembro de ver usar tal adereço, até então exclusivamente feminino -, não
hesitando em fazer parar o jogo para o procurar. Ao fim de alguns minutos,
perante a incredulidade de árbitro e adversários, Vítor – que se
auto-intitulava o maior jogador português a par de Eusébio – pôs Toni, Nené e
alguns outros colegas de joelhos no relvado, à procura da tal preciosa peça.
Diria ele depois que o prémio de jogo não dava para o pagar, e por isso se
justificava a interrupção. Não mais chegou a encontrar. Nem o brinco, nem a
vida.
Em Novembro
de 1978 teve lugar um dos derbys que recordo com mais entusiasmo. Numa bela
tarde de domingo martinheiro, na presença do General Eanes – numa altura em que
os políticos ainda olhavam o futebol de cima - o Benfica chegou ao intervalo a
vencer por 5-0 (!). Conta-se que o presidente Ferreira Queimado terá oferecido
um prémio suplementar ao intervalo por cada golo mais. Mas os jogadores não
corresponderam, o Sporting tentou dar alguma dignidade ao momento, e na segunda
parte nada mais aconteceu.
Apostara
com o meu avô sportinguista – é verdade, tinha um avô adepto moderado dos leões
-, suponho que vinte escudos, acerca do vencedor deste jogo. Ou seja, se o
Benfica ganhasse eu ganhava vinte escudos, se perdesse a coisa era esquecida.
Passei toda a primeira parte de volta dele, lembrando-o com um entusiasmo
esfusiante, a cada golo, da tendência da aposta. Ele nem queria acreditar no
que íamos ouvindo pelo rádio.
À noite
recordo-me de a RTP2 ter transmitido um resumo de vinte minutos dessa partida,
o que à época era um luxo. Os comentários eram de Joaquim Letria. Julgo ter
sido o primeiro derby do qual vi imagens televisivas. Nené e Alves bisaram,
Reinaldo marcou o outro golo.
Na mesma
época o Benfica venceu também em Alvalade. Numa tarde chuvosa, João Alves
marcou de penálti o golo solitário daquela que foi a primeira vitória fora que
recordo em derbys, após uma exibição que, tive oportunidade de confirmar anos
mais tarde numa visita pelos arquivos do jornal “A Bola”, se situou num plano
bastante frouxo.
Por falar
em televisão, um dos primeiros derbys televisionados de que me recordo, teve
lugar em Abril de 1982. Era a última hipótese que o Benfica tinha de discutir o
título de 81-82, para o que teria de ganhar em Alvalade. Era o jogo do ano e o
então presidente do Sporting João Rocha decidiu oferecer ao país a transmissão
directa – longe vinham os tempos em que o futebol não passaria sem TV. Logo nos
primeiros minutos Carlos Manuel marcou para o Benfica, num pontapé
de canto directo que originou alguma polémica, pois nunca se chegou a ter
a certeza de a bola ter mesmo entrado na baliza, uma vez que Marinho, louro
médio leonino, a cortou de cabeça, aparentemente sobre a linha - ainda não se
falava em chips. O Sporting empatou de penálti por Jordão, e assim se chegou ao
meio da segunda parte, quando, num lance dividido, Manuel Fernandes atingiu a
cabeça de Bento com os pitons. O guardião benfiquista, que não era para
brincadeiras, levantou-se como uma mola, e com a bola ainda nas mãos encostou o
ombro ao queixo do avançado leonino, que por acaso era seu vizinho na margem
sul. Este aproveitou a dádiva, e teatralizou uma agressão que fez o árbitro
expulsar o guarda-redes benfiquista e assinalar a respectiva grande penalidade.
Estava decidido o campeonato. Jordão ainda voltou a marcar, fazendo assim um
hat-trick frente à sua antiga equipa.
O Benfica
só voltaria a vencer em Alvalade na época 1983-84. Era Eriksson o treinador, e
já depois de Diamantino ter falhado um penálti, Nené converteu um segundo, já
nos minutos finais. Não me perguntem se foram bem ou mal assinalados – na
altura não me preocupava muito com essas coisas.
Eis-nos
chegados a Abril de 1986, precisamente um mês antes do episódio Saltillo. À
entrada da penúltima jornada, o Benfica tem um ponto de vantagem sobre o
F.C.Porto no topo da tabela classificativa. Os portistas jogam no Bonfim e, se
perderem e o Benfica vencer em casa, temos o campeão vestido de vermelho. Com
quem é que o Benfica joga ? Precisamente com o Sporting, que meses antes levou
mais cinco na Luz, desta vez numa eliminatória da Taça (numa quarta-feira à
tarde em que faltei às aulas para ouvir o relato).
Foi o meu
primeiro derby ao vivo, marcado pelo drama e pelas lágrimas.
O Terceiro
Anel já estava fechado. Numa obra que custara as saídas de Chalana, Stromberg e
Eriksson, o então presidente Fernando Martins transformara o Estádio da Luz num
dos maiores da Europa e do Mundo, dotando-o de uma capacidade de 120.000
espectadores. Como, sem cadeiras, cabia sempre mais um, chegaram a lá estar
140.000. Eu ví ! – não os contei, é certo, mas a quantidade de pessoas em cima
das escadas, apertada contra as portas, e mesmo nos corredores, sem
possibilidade de cortar o bilhete, não deixa muitas dúvidas de que num célebre
Benfica-Porto de 1987 - em que familiares meus ficaram no carro a ouvir o
relato com o bilhete na mão -, os números não andariam longe desse
impressionante record.
Neste
decisivo Benfica-Sporting, não estavam 140 mil, mas estariam, seguramente, um
pouco mais dos 120 mil da lotação oficial. Ou seja, o estádio estava
completamente cheio. Cheio sobretudo de benfiquistas ávidos de festejar um
título que na época anterior lhes escapara, em tempos nos quais isso ainda se
revestia de estranheza.
Fiquei no
novo terceiro anel. O sol era abrasador. Os jogadores lá em baixo
assemelhavam-se aos bonequinhos do “subbuteo”, e eu, na companhia do meu pai
(que muito tinha pressionado no sentido de me levar), e de mais um amigo dele,
delirava com o panorama de cores que se apresentava diante de mim.
Tudo
parecia correr bem, mas o Sporting não estaria de acordo com a festa. Enquanto
Futre - com um grande golo, em que correu quase 50 metros com a bola dominada -
dava a vitória ao F.C.Porto em Setúbal, uma equipa de leões onde avultavam
Jaime Pacheco, Sousa, Manuel Fernandes, Jordão, Oceano, e o inspiradíssimo guarda-redes
Vítor Damas, adiantava-se rapidamente no marcador pelo avançado de Sarilhos, e
pouco depois aumentava a vantagem pelo defesa central Morato. O Benfica, com um
bom onze mas com um plantel limitado, apresentava-se na fase final da temporada
com grande desgaste físico e anímico, sobretudo sentido a partir do momento em
que se despediu da Taça das Taças, em casa frente ao Dukla de Praga, sofrendo
um golo nos últimos minutos depois de se colocar em vantagem, jogo que me
causou uma das maiores amarguras da minha infância desportiva (chorei a bom
chorar), e que me fez, à revelia de todos, associar ao clube por minha conta e
risco.
A segunda
parte foi dramática. Ainda no primeiro quarto de hora, Manniche – o dinamarquês
de quem o médio do Atlético de Madrid retirou a alcunha - de cabeça, a
cruzamento de Diamantino, reduzia a diferença. Nos últimos 30 minutos
assistiu-se a um vendaval de ataque benfiquista, à procura do golo que
permitisse manter de pé a hipótese de depender de si próprio na última jornada,
em que se deslocava ao Bessa – anos mais tarde passar-se-ia algo parecido, mas
com final bem diferente. Vítor Damas estava no entanto em grande forma e foi
negando, uma após outra, todas as ocasiões de golo criadas pelo Benfica.
No final,
um terrivelmente decepcionante 1-2, e o quase adeus ao título – que seria
confirmado na semana seguinte com derrota no Bessa, e nova vitória portista,
agora diante do Sp.Covilhã. As escadarias do estádio eram um desolador e
fúnebre espectáculo. Gente, pequena e grande, de lágrimas nos olhos, grande
consternação, o drama do futebol na sua mais dolorosa faceta.
Aprendi
nessa tarde que nem todas as belas histórias terminavam com um final feliz.
Fica o onze encarnado, que ainda hoje sei de cor: Bento, Veloso, Oliveira,
Samuel, Álvaro, Carlos Manuel, Sheu, Diamantino, Wando, Rui Águas e Manniche.
Quem disse
que a história não se repete ? Um ano depois, eis-me no mesmo local, e na mesma
situação. Depois de ter perdido 7-1 em Alvalade, o Benfica chegava à penúltima
jornada novamente com hipótese de se sagrar campeão. Bastava vencer o rival,
pois uns minutos antes o F.C.Porto, em vésperas da valsa argelina de Viena,
perdia em Portimão e entregava todo o ouro ao (seu) bandido.
Era com
expectativa de vingar o ano anterior, de vingar os 7-1, mas acima de tudo
de comemorar o meu primeiro título em pleno estádio. Já um pouco mais
crescidote – sem o meu pai, e com amigos mais velhos – vivi esta jornada num
Maio quente e bonito, perante mais uma das grandes enchentes da história do
antigo Estádio da Luz - já depois do terceiro anel fechado, e antes do Mundial
de sub-20 (que obrigou a reduzir ligeiramente a lotação, para construir novos
camarotes de imprensa), e da aplicação de cadeiras que pôs alguma ordem na
coisa.
Desta vez,
o final foi mesmo feliz. Chiquinho e Nunes adiantaram o Benfica ainda na
primeira meia-hora. O golo de Marlon Brandão perto do fim, apenas serviu para
dar mais emoção a uma enorme festa, que começou com a invasão do relvado, e
terminou, para mim, num belo cherne grelhado, regado com um fantástico vinho
rosé (a primeira vez que bebi tal coisa), num restaurante setubalense chamado
“O Quintal”, que não faço ideia se ainda é vivo ou já entregou a sua alma ao
criador.
A partir
daqui, já mais independente, senão no aspecto económico, ao menos no plano
formal, comecei a marcar presença amiúde nestes grandes momentos, sozinho ou
acompanhado, de boa saúde, ou saído da cama, como veremos mais adiante.
Na mesma
época vi ainda pela televisão a final da Taça de Portugal, que pôs os rivais
lisboetas de novo diante um do outro, agora no Jamor. Foi uma sobremesa na
vingança já de certo modo servida com a conquista do título. Uma exibição
esplendorosa de Diamantino chegou para liquidar uma vez mais os leões. 2-1
novamente, e dobradinha para John Mortimore.
Em 1987-88,
em jogo com poucas implicações num campeonato já decidido a favor do eficaz
Porto de Ivic, assisti a uma das melhores exibições do Benfica em derbys. Aos
50 minutos de jogo já havia 4-1 (bis de Magnusson e Rui Águas), pouco depois
Mozer atirou à barra na sequência de um livre, e em poucas ocasiões a vingança
dos 7-1 terá estado tão próxima. Esse Benfica, com Toni ao leme, chegaria à
final da Taça dos Campeões em Estugarda. O Sporting vivia dias difíceis, com
uma equipa descaracterizada e recheada de brasileiros de qualidade duvidosa.
Desse jogo recordo ainda uma longa caminhada pedestre desde a Estefânia até à
Luz, e respectivo regresso. À excepção de uma ocasião em que, em Madrid, já
pela noite dentro, percorri um trajecto desde para lá de Castilla até à Porta
del Sol, não me recordo de alguma vez ter andado tanto a pé.
Em Dezembro
de 1988 novo derby, nova enchente, nova vitória. Perante um leão eivado de
unhas gonçalvistas (Douglas, Silas, Carlos Manuel, Ricardo Rocha, Eskilsson),
Magnusson e Pacheco resolveram um jogo também marcado pelo caso Hernâni, médio
que acusou a presença de cocaína no controlo anti-doping, que dava na altura os
primeiros passos na modalidade. Foi suspenso, mas na época seguinte ainda
voltaria a tempo de disputar a final da Taça dos Campeões, em Viena frente ao
Milan. Nunca se chegou a saber se era culpado, como as evidências pareciam
demonstrar, ou inocente, como ele insistia em clamar. A sua carreira e a sua
vida, daí em diante, seriam normais, e julgo que ainda joga futebol de praia.
O primeiro
derby a que assisti em Alvalade disputou-se nas primeiras jornadas da temporada
seguinte - a da final de Viena, portanto. Foi a única vez que me sentei na
bancada central daquele estádio, pois as companhias com que fui ao jogo eram
influentes e endinheiradas, e arranjaram-me um convite. O Benfica triunfou com
um golo solitário de César Brito a cruzamento do extremo angolano Abel Campos.
Entre os leões havia grande expectativa para essa temporada, fruto de
aquisições como a de Fernando Gomes, o bi-bota de ouro que saíra a mal das
Antas, ou do central internacional brasileiro Luisinho. Mas na equipa de
Eriksson, um Ricardo Gomes na defesa, um Valdo no meio campo, e um Magnusson na
frente -todos no auge das respectivas carreiras - davam poucas hipóteses à
concorrência e tornavam o futebol encarnado verdadeiramente demolidor. Esse
início de época foi marcado por várias goleadas e exibições espectaculares,
embora posteriormente a aposta europeia tenha acabado por deixar cair
o título nacional para um F.C.Porto de transição, onde agora actuava …Rui
Águas (não me esqueci, nem me esqueço !).
Após três
anos de ausência, voltei a um derby em Dezembro de 1993. Estava-se na famosa
temporada do título de Toni, que durante longos onze anos foi o “último”. O
famoso verão quente – não o gonçalvista, mas o benfiquista – tinha feito sair
da Luz Paulo Sousa e Pacheco a caminho do Sporting de Sousa Cintra. João Pinto
por pouco não lhes fez companhia, acabando resgatado em Torremolinos por Jorge
de Brito.
Ao
contrário do que se terá pensado no reino do leão, essa humilhação foi a força
maior do Benfica ao longo de toda essa temporada, que culminou com os 3-6.
Antes, na primeira volta, já com as duas equipas a disputar o primeiro lugar, e
na semana seguinte ao terrível acidente que roubou uma promissora carreira ao
russo Cherbakov, ao incompreensível despedimento de Bobby Robson na sequência
de uma eliminação europeia em Salzburgo, e à contratação de Carlos Queiroz, o
Benfica serviu a primeira dose da sua vingança. Venceu por 2-1, depois de Figo
(a primeira vez que o vi jogar) ter aberto o placar na sequência de um canto –
as bolas paradas eram então o ponto fraco dos encarnados -, de Yuran ter
empatado no início da segunda parte, e Isaías, com um forte remate de meia
distância, ter assegurado a vitória e a prenda de Natal dos benfiquistas. Não
foi pois o regresso que Paulo Sousa e Pacheco desejavam, numa equipa que tinha
também Paulo Torres, Peixe, Nelson, Cadete e Balakov.
Este jogo
foi para mim inesquecível - pela primeira vez (não única) vi um jogo do Benfica
directamente saído da cama, onde combatia uma terrível gripe e ardia em febre.
Perante a estupefacção e mesmo indignação da minha mãe, arranquei sozinho de
Évora para Lisboa, com muita roupa em cima, e os bolsos carregados de
analgésicos e antipiréticos, para não deixar de apoiar a equipa em tão delicado
momento. Valeu a pena, e até a doença me passou. Acabei na Portugália da
Almirante Reis – então única - a comemorar a vitória.
Depois
desse episódio, e dos 6-3, algumas épocas menos empolgantes fizeram-me falhar
cinco derbys seguidos na Luz. Nem por isso deixei de ir ao futebol, acabando
curiosamente por, neste período, assistir a alguns Sporting-Benficas em
Alvalade. Foi o caso do de 1994-95, em que um golo de Amunike afastou o Benfica
da corrida ao título, numa noite (1 de Dezembro de 1994) em que Preud’Homme fez
a melhor exibição que alguma vez vi a um guarda-redes, evitando uma humilhante
goleada. Fui ao jogo pelo simples motivo de, por razões profissionais, ter ido
esperar uns ingleses ao aeroporto, e não saber o que fazer com eles até à hora
de um jantar que estava marcado para Cascais, no qual, mau grado a derrota, nos
banquetearíamos com um repasto de luxo - por conta de outrem, claro. Eram
judeus, e adeptos do Manchester United. Torceram pelo Benfica – ai deles se assim
não fosse…- mas não gostaram de um jogo cheio de paragens e mau futebol. Desse
Benfica conheciam, além do guardião belga, o avançado argentino Cláudio
Cannigia.
Não
arranjei bilhetes para a célebre final do "Very-Light". Disputou-se
no Jamor em Junho de 1996. Benfica e Sporting tentavam desesperadamente salvar
a época, pois o F.C.Porto arrancara firmemente para a sua caminhada rumo ao
penta. Quando Mauro Airez (argentino que não fez história na Luz para além
desse momento) marcou o primeiro golo do Benfica, Hugo Inácio, membro (que se
tornou famoso) dos No Name Boys, atirou um very-light (expressão até aí
praticamente desconhecida), que por fatalidade, incúria ou descuido, aterrou na
bancada dos adeptos do Sporting, atingindo mortalmente um deles. Pintou-se de
luto o derby nesse dia . O Benfica venceu por 3-1, com mais uma grande exibição
de João Pinto, mas nem sequer houve entrega de taça.
Voltei a
Alvalade duas épocas depois, numa derrota tangencial com um golo do então
estreante Beto, numa partida marcada pelas expulsões de Jamir e Hélder. Era
Autuori o treinador benfiquista, e a equipa até ia bem no campeonato. Semanas
mais tarde acabaria no entanto por derrapar, terminando muito mal a temporada
já sob o comando de Manuel José. Neste jogo, tive de fugir de uma tremenda
confusão à saída, tendo sido essa a única ocasião em que senti problemas de
segurança em jogos com o Sporting – já com o Porto a história foi fértil em
acidentes, que talvez um dia aqui vos conte.
Como não há
duas sem três, no sábado de Carnaval de 1998 lá estava eu de novo em Alvalade
para mais um clássico. Eram os melhores tempos de Souness, e a equipa encarnada
levava várias vitórias consecutivas, sonhando ainda com uma aproximação ao
F.C.Porto que não se chegaria a concretizar. Como à terceira é de vez, depois
de duas derrotas seguidas, esta noite reservava-me uma retumbante vitória por
1-4, acompanhada de fantástica exibição. Poborsky (a estrela daqueles tempos),
Sousa, Brian Deane e João Pinto (saído do banco após lesão) fizeram os golos -
durante a segunda parte cheguei a pensar novamente nos 7-1. O médio Calado fez
o jogo da sua vida e foi o melhor em campo, lembro-me também que o treinador do
Sporting era Carlos Manuel – um dos meus ídolos de infância -, e um dos seus
comandados era um ainda muito jovem Simão Sabrosa, que vi jogar nesse dia pela
primeira vez. Tinha ficado em Lisboa à espera do jogo, mas ia passar o Carnaval
a Évora, para onde me dirigi de imediato. A viagem, apesar de solitária, foi
inesquecível, tal a enorme felicidade que juntava o início de um fim-de-semana
prolongado, com uma tão robusta vitória do Benfica em Alvalade. Até cantei…
Como muitas
vezes acontecia em jogos fora de casa, assisti à partida no meio dos No Name
Boys. A intensidade com que se vive o jogo no meio das claques é incomparável.
Por vezes, ainda hoje gosto de o fazer.
Este jogo
abriu uma sequência de três vitórias consecutivas (e cinco vitórias em sete
anos) do Benfica em Alvalade. Seguir-se-iam uma vitória por 1-2 com dois
auto-golos de Beto em noite de denso nevoeiro, em jogo a que não pude
assistir nem na televisão, e o célebre 0-1 em que um livre de Sabry adiou a
festa de um ansiado título, que o Sporting conquistaria na semana seguinte em
Paranhos. Este apenas vi pela televisão, tal como o de 2002 em que aconteceria
precisamente o mesmo, não fosse um penálti arranjado por Martins dos Santos
proporcionar a Jardel, no último minuto, o empate a um golo, depois de
Jankauskas ter aberto o activo para o Benfica já em plena segunda parte.
Curiosamente seria o Benfica, na semana seguinte, a devolver o título que tinha
retirado ao rival, vencendo o ainda campeão Boavista na Luz por 2-1, permitindo
ao Sporting festejar no hotel o seu segundo título em três anos.
O destino
tem destas coisas. Estive seis anos sem ver um derby na Luz, e depois, em
apenas um mês, vi…dois. Para o campeonato, um lisonjeiro 0-0, para a taça uma
derrota por 1-3, num jogo em que a chuva foi visita, e em que uma polémica
qualquer inviabilizou a transmissão televisiva. Estávamos em Janeiro de 2000, e
meses depois, esse forte Sporting (de Acosta, Di Franceschi, André Cruz,
Duscher, Vidigal etc) conquistaria o tal título que via fugir-lhe havia dezoito
penosos anos.
Os dois
últimos derbys a que assisti no antigo estádio da Luz foram, cada um de sua
maneira, absolutamente inesquecíveis. Um determinou a saída de Mourinho do
Benfica para não mais voltar – ao vencer por 3-0, com uma grande exibição, e
com uma proposta do Sporting no bolso, exigiu, sem sucesso, a Manuel Vilarinho
a renovação do contrato, batendo assim com a porta. Acabaria por não entrar em
Alvalade pois, sabe-se-lá porquê, num impressionante serviço prestado ao clube,
a claque Juve Leo boicotou-o, mobilizando-se para inviabilizar a sua
contratação. Foi para Leiria e o resto da história é conhecido.
Nessa
noite, numa equipa onde despontavam Fernando Meira, Marchena, Miguel, Maniche
entre outros, mas que ficaria pela primeira e única vez na história do clube em
6º lugar, depois de somar três treinadores, João Tomás por duas vezes e Van
Hooijdonk de penálti (que teve de ser repetido) marcaram os golos. Foi o
regresso de João Pinto à Luz, e tal como Paulo Sousa e Rui Águas alguns anos
antes, foi objecto de impressionante vaia sempre que tocava na bola.
No último
derby da velhinha Luz, foi o árbitro o protagonista. Duarte Gomes expulsou de
forma exagerada o médio Andrade, assinalou um penalti duvidoso a favorecer o
Benfica, perdoou um cartão vermelho a João Pinto, mas pior que tudo isso,
quando, já nos minutos finais, o Benfica vencia por 2-0, viu algo que mais
ninguém conseguiu ver: Jardel saltou com Marco Caneira (então de águia ao
peito) e lançou-se espalhafatosamente para o relvado. Em vez de lhe mostrar o
respectivo cartão amarelo, apontou para a marca de grande penalidade perante a
indignação geral. Jardel marcou, e dois minutos depois, em posição duvidosa,
faria de cabeça o golo de um empate com sabor a derrota, e das amargas. Quem
vencesse nesse dia dobraria o natal na frente. O empate favoreceu os leões
(também de Quaresma, Hugo Viana, João Pinto e Paulo Bento), que se sagrariam
campeões após 42 golos - dos quais 17 de penálti (!!!) - do então ainda Super,
Mário Jardel.
Esta foi a
época da “equipa maravilha” de Luís Filipe Vieira, que chegado à Luz,
contratou, em colaboração com José Veiga, e quase simultaneamente, Simão
Sabrosa, Mantorras, Zahovic, Drulovic, Argel, Caneira entre outros. Mas só três
anos depois o sucesso chegaria.
Nessa
partida, perante o fecho das portas das bancadas de sócios (já lotadas), tive
de entrar para o terceiro anel, do lado que nunca deixou de ser o
"novo". Vi-me aflito para conseguir lugar, e foi já muito perto do
apito inicial que me sentei na bancada. Vi o jogo rodeado de sportinguistas,
mas nem mesmo assim essa deixou de ser uma das raríssimas ocasiões em que não
resisti a lançar alguns impropérios ao juiz da partida. Saí do estádio como se
me tivessem roubado a carteira.
Já que
estive na despedida dos derbys na antiga Luz, não seria cortês não o fazer em
Alvalade. Foi em 2002, também em Dezembro – muitos foram os Sportings-Benficas
natalícios – mas desta vez saí com uma vitória por 0-2, golos ainda na primeira
parte de Zahovic e Tiago. Foi o segundo jogo de José António Camacho no Benfica
– recebera o Sp.Braga uma semana antes – e o último de Pedro Mantorras antes de
um longo calvário de dois anos sem jogar. Julgo ter sido a primeira vez que vi
jogar Cristiano Ronaldo mas, verdade se diga, não me impressionou muito.
Demoraria a fazê-lo, mas a partir do Euro 2004, obviamente rendi-me.
Na mesma
época, enquanto na Luz decorriam as obras, o Benfica recebeu os leões no Jamor.
Perdeu por 1-2 um jogo que pouco contava para o desfecho da Liga. Marcaram
Quaresma e João Pinto para o Sporting, enquanto Sokota reduziu para os
encarnados já perto do fim. Fui assistir ao jogo, e esse foi, sobretudo, um dia
para recordar todas as histórias que em criança o meu pai me contava sobre os
grandes jogos então disputados no Estádio Nacional, tendo assim a oportunidade
de viver um pouco dessas reminiscências.
Este jogo
abriu também uma sequência de maus resultados do Benfica em casa (ou casa
emprestada) diante do vizinho e rival. Em Janeiro de 2004, no primeiro derby da
nova Luz, e também em Janeiro, mas de 2006, o Sporting ganharia na Luz, em
ambas as ocasiões por 3-1. A primeira dessas derrotas deu-se com grande ajuda
de Pedro Proença, que descobriu dois penáltis – um claramente inexistente, o
outro duvidoso -, transformados por Rochemback e Sá Pinto, que, com golos de
Silva e Luisão pelo meio, selaram o resultado, no dia em que o Benfica estreou
o bonito equipamento centenário, do qual aliás guardo uma réplica.
Em 2006,
com Koeman, Simão ainda abriu o activo de penálti. Na segunda parte foi o
descalabro: após uma falta de Tonel sobre Nuno Gomes que Pedro Henriques não
viu, Sá Pinto, também de penálti, e Liedson por duas vezes, viraram o jogo do
avesso. Num sábado de chuva diluviana, estávamos nos primórdios do Sporting de
Paulo Bento, e era o tempo de um Benfica mais preocupado com as andanças
europeias - venceria em Anfield Road pouco depois.
Mas no meio
destas duas derrotas, muita coisa se passou. Em Alvalade, na estreia do novo
estádio do Sporting em derbys, um golo de Geovanni nos últimos instantes
colocou o Benfica no segundo lugar e na pré-eliminatória da Liga dos Campeões.
Grandes alegrias vivi eu nesses meses. Seguiu-se a vitória na Taça diante do
Porto campeão europeu, e depois o inesquecível Euro 2004. Em Maio de 2005 o
título. Treinava o Sporting Fernando Santos, e Moreira foi o melhor em campo.
Ao golo seguiu-se uma invasão de campo da claque leonina, que dirigentes do
Sporting e as forças policiais conseguiram a custo controlar. Lamentavelmente,
não arranjei bilhete para este jogo, e vi-o pela televisão.
Mas a minha
época mais profícua em derbys foi a de 2004-2005. Assisti a três. O primeiro em
Janeiro de 2005, em Alvalade a convite de um amigo que detinha dois cativos.
Ganhou o Sporting por 2-1, com dois golos de Liedson - regressado depois de um
polémico cumprimento de castigo frente ao Pampilhosa para a Taça, em jogo
propositadamente antecipado para as vésperas do derby. Foi o dia em que
Mantorras também regressou, curiosamente, quase no mesmo local onde tinha feito
o seu último jogo (o estádio é que já era outro).
Ainda nesse
mesmo mês de Janeiro, calhou em sorteio de Taça mais um Benfica-Sporting, agora
na Luz.
O Benfica,
com muitas lesões, vinha de uma série de derrotas, a última das quais com o
Beira Mar em casa. Seria campeão nesse ano, mas na altura poucos apostariam em
tal. Sentindo a importância da ocasião, e do meu apoio, repeti o que fizera em
1993 e no meio de uma virose, a poder de Brufens e Ben-u-rons, lá fui com
falhas respiratórias para a Luz, onde nessa noite deveriam estar não mais de
dois graus de temperatura. Deus recompensou-me e assisti a um dos melhores
derbys da minha vida: 3-3, após prolongamento, um espectáculo empolgante,
grandes golos e um happy-end no desempate por penáltis – Miguel Garcia atirou à
barra, dando a passagem ao Glorioso. Não serviria de nada, pois meses mais
tarde, no Jamor, um Benfica a ressacar do título conquistado, seria
ultrapassado por um Vitória de Setúbal aguerrido, em jogo que também presenciei.
Duas
semanas antes, em Maio, dia de aparições, foi Luisão a lançar a mais profunda
loucura que alguma vez vi num estádio de futebol, marcando o decisivo golo que
viria a valer, uma semana depois, um sofrido e ansiado título. Esse
jogo proporcionou, talvez, a maior alegria da minha vida desportiva. Até
agora...
Ao todo
vivi de perto mais de vinte derbys entre Benfica e Sporting. Pelas minhas
contas, recordo-me de mais de oitenta, contando todas as competições, e jogos
particulares entre ambos. Cada um tem uma história, cada um tem os seus heróis,
os seus casos. Sempre assim foi e sempre assim será.
No Domingo
se escreverá mais uma página desta bela história, que constitui
indubitavelmente um dos baluartes do desporto no nosso país. Como um
Lazio-Roma, um Inter-Milan, um Boca-River ou um Celtic-Rangers, este é um
daqueles confrontos que faz perceber o significado da palavra rivalidade, que
faz sentir que vale a pena ser adepto do futebol, e vibrar com estas emoções
que nos manipulam, que nos agarram a alma.
Que em
campo os jogadores saibam merecer o peso deste confronto, é aquilo que se pode
desejar. Depois...que ganhe o Benfica...
Viva o Derby !Viva
o Futebol ! Recordemos agora as imagens de alguns derbys ocorridos neste período:
TRÊS DERBYS MUITO ESPECIAIS
SPORTING-BENFICA,
7-1 (1986-87)
Se alguém
perguntar a um benfiquista qual a maior alegria desportiva da sua vida, a
resposta dependerá da idade, mas decerto corresponderá a um dos muitos títulos
conquistados, ou a alguma importante vitória internacional. Para um portista
não será muito diferente. Contudo, se a questão for posta a um sportinguista, é
certo e sabido que não hesitará em indicar de imediato o célebre
Sporting-Benfica de Dezembro de 1986, que terminou com o resultado de 7-1.
Foi um jogo
de campeonato, ainda na primeira volta da época 86-87, e que nada valeu em
termos de palmarés – o Benfica, que já então comandava a classificação,
sagrar-se-ia campeão com mais 14 pontos que os leões, que se quedaram pelo 4º
lugar, e venceria a Taça de Portugal derrotando-os na final por 2-1 -, mas a
rivalidade fratricida com que “lagartos” sempre olharam “lampiões” (muito mais
que o contrário, diga-se), faz com que para muitos deles, essa tarde, mais do
que uma simples jornada de felicidade, se tenha tornado na maior glória da
história centenária do seu clube, senão pelas suas consequências, pelo mórbido
prazer de ver o rival humilhado a seus pés.
Para quem,
como o autor destas linhas, estava do outro lado da barricada, a importância
atribuída a este jogo resulta algo estranha. Até porque, muito mais dolorosa do
que essa derrota tinha sido, por exemplo, a de meses antes em plena Luz também
frente ao Sporting, por 1-2, que a uma jornada do fim encaminhou o campeonato
para norte. Mas o futebol tem destas coisas, e vive também destes momentos
singulares.
Não estive
em Alvalade nessa tarde. Ainda bastante jovem só ia aonde me levavam, e nessa
tarde estava em Évora a assistir a um Lusitano-Imortal (se não me falha a
memória), local onde fui ouvindo pela rádio, com toda a atenção, o relato das
incidências do derby – anos mais tarde teria oportunidade de ver o vídeo do
jogo na íntegra, que aliás conservo em casa.
Desde cedo
se percebeu que o jogo não ia correr bem aos encarnados. O Sporting, orientado
por Manuel José, vinha de uma sequência de bons resultados, e entrou a todo o
gás na partida marcando ainda antes de cumprido o primeiro quarto de hora por
intermédio de Mário Jorge, numa recarga já dentro da pequena área, a defesa
incompleta de Silvino. Era um Sporting capaz do melhor e do pior,
irregularidade essa que acabou por custar a cabeça do seu treinador algum tempo
depois. Neste dia esteve em grande.
O Benfica
era uma equipa rigorosa mas pouco espectacular. Viria a sagrar-se campeão e
vencedor da taça mas nem isso impediu a substituição do seu técnico, o inglês
John Mortimore, no final da temporada, um pouco à semelhança do que aconteceria
anos mais tarde com Trapattoni. O clube da Luz ainda procurava o seu
reequilíbrio desportivo depois das saídas simultâneas no verão de 1984 de
Chalana, Stromberg , sobretudo, Eriksson, e só nas épocas seguintes conseguiria
enfim satisfazer os seus associados na plenitude, designadamente com duas
presenças na final da Taça dos Campeões em três anos.
Até final
da primeira parte não houve mais qualquer golo. Estava-se enfim, com 1-0 ao
intervalo, perante um derby normal.
Logo aos
cinco minutos da segunda parte, o Sporting confirma que o dia era seu, marcando
o segundo golo por Manuel Fernandes. Mas o Benfica reagiu, e pouco depois, aos
59 minutos, reduziu a diferença por intermédio do brasileiro Wando, que
correspondeu de cabeça a um cruzamento para a área, desviando a bola para o
fundo da baliza de Damas. O Benfica discutia de novo o jogo.
A 25
minutos do final da partida o marcador assinalava 2-1. O Benfica tinha de
arriscar tudo e procurou fazê-lo, mas o resultado foi caótico. Em apenas seis
minutos os leões marcam por três vezes (por Ralph Meade, de novo Mário Jorge, e
de novo Manuel Fernandes), elevando o placar para impressionantes 5-1. Parecia
vingada a derrota de nove meses antes na Luz, onde em encontro a contar para a
Taça de Portugal o Benfica vencera por 5-0, goleada construída nos últimos dez
minutos à entrada dos quais o marcador era apenas de 2-0.
Tudo saía
bem ao Sporting. O Benfica entrava em desnorte total, e cada bola que se
aproximava da sua área parecia levar fogo. Toda a equipa, mas sobretudo a
defesa, parecia completamente perdida, atónita. Aconteceria algo parecido,
treze anos depois, numa tristemente célebre noite em Vigo.
O Sporting,
empolgado por um Estádio de Alvalade em chamas, marcava ainda mais dois golos,
ambos por Manuel Fernandes, e se o jogo durasse mais tempo seguramente que as
contas não ficariam por aí.
7-1 era a
maior goleada de sempre entre os dois clubes. O Benfica, além do tal jogo da
taça, vencera em 1946 por 7-2, em 1979 por 5-0, mais duas vezes por 5-1, quatro
por 4-1. Em 1994 chegaria a vingança: em jogo decisivo para o título, no mesmo
cenário, o Benfica triunfaria por 3-6. Mas 7-1 nunca sucedera, nem nunca veio a
suceder depois.
Na bancada
queimam-se cachecóis e bandeiras do Benfica. Rasgam-se alguns cartões – há
sempre quem lhe custe mais a digerir estas coisas -, mas o Benfica mantém-se lá
bem na frente do campeonato.
Por mim,
desinteressei-me do jogo a partir daqueles seis fatídicos minutos. Os três
pontos estavam perdidos, e havia que seguir em frente.
Vinte dias
depois jogava-se na Luz um importantíssimo Benfica-F.C.Porto. Estariam quase
140 mil pessoas (números de “A Bola”) naquela que foi a maior enchente de
sempre num jogo de futebol em Portugal – o F.C.Porto seria campeão europeu
nesse ano, e trouxe nesse dia a Lisboa cerca de 40 mil pessoas. O Benfica
venceu por 3-1 (três golos de Rui Águas) e partiu para a conquista do título que
festejaria, curiosamente, diante dos leões, no jogo da segunda volta, com uma
vitória por 2-1, resultado que repetiria na final da Taça , consumando a
dobradinha, a última da história do clube.
Numa época
de glória benfiquista, ficou assim assinalado um dia de êxtase leonino.
SPORTING-BENFICA, 3-6
(1993-94)
13 de Maio
de 1994 – Estádio José Alvalade.
O derby de
Lisboa entre Benfica e Sporting é sem dúvida o jogo mais tradicional do futebol
português. A rivalidade de Benfica e F.C.Porto tem sido de há três décadas para
cá bem maior e mais doentia do que alguma outra, mas a tradição será sempre a
tradição e nada como um bom de um Benfica-Sporting para a redesenhar de cada
vez que as camisolas encarnadas se misturam com as verde e brancas nos
relvados. É assim em Portugal, é assim também em Espanha com o Real e Atlético
em Madrid, em Itália com o A. C. Milan e o Inter em Milão, e onde quer que dois
clubes da mesma cidade – no caso praticamente da mesma rua – se encontrem.
Ainda
recordo o tempo em que todas as mesas de matraquilhos – jogo que me é muito
querido – tinham Benfica e Sporting como protagonistas, antes ainda do
F.C.Porto tomar o lugar dos leões em muitas delas, espelho da sua ascensão ao
segundo lugar da hierarquia de títulos nacionais, e de seus feitos europeus em
nada menores que os que o Benfica havia conseguido na década de sessenta.
Os dois
grandes de Lisboa eram então os baluartes, não só do futebol, mas de quase
todas as modalidades desportivas que se disputavam no país, do hóquei ao
ciclismo, do basquete ao voleibol, do atletismo ao ténis de mesa, do andebol ao
râguebi – e que pena é que os leões tenham abandonado o seu outrora tão
proclamado ecletismo, que tantos títulos de carácter nacional e internacional
lhes valeu.
Foram
décadas e décadas de acesa disputa, que mais do que desportiva era também em de
algum modo de âmbito social, com os mais abastados predominantemente ligados ao
Sporting e os desfavorecidos torcendo naturalmente por um Benfica da cor do seu
sangue.
Não espanta
por isso que muitos Benficas-Sportingues tenham entrado como lendas para a
história do desporto nacional e perdurem inesquecíveis em todos aqueles que de
uma ou outra forma os vivenciaram.
De entre
todo um conjunto de momentos épicos protagonizados pelos dois clubes, há dois
derbys que, se me permitem, poderei considerar o pai e a mãe de todos os derbys
nacionais. Disputaram-se ambos em Alvalade, com uma vitória para cada lado, e
constituem momentos que os adeptos não se cansam de recordar: os 7-1 para o
Sporting de 1986 e o 3-6 para o Benfica de 1994, este último com a
particularidade de ter valido um importante título.
Lamentavelmente
não pude estar presente no estádio nessa tarde de Maio de 1994. Embora já
acompanhasse o Benfica com bastante frequência, foi se a memória não me
atraiçoa, por não ter conseguido bilhetes que faltei a essa determinante
partida – à semelhança do que aconteceu, por exemplo, na final da Taça de
Portugal de 2004 que marcou o regresso do Benfica aos títulos depois de um
prolongado jejum.
Vi o jogo
numa televisão de 33 cm e a preto e branco em casa de um colega de lides
universitárias, por sinal sportinguista, o que deu também acrescida
peculiaridade à situação.
Essa
temporada foi inesquecível. O defeso anterior ficou conhecido como o “verão
quente” (em alusão ao período revolucionário que o país viveu em 1975), pois
foi marcado pelas rescisões unilaterais dos contratos de Paulo Sousa e Pacheco,
que alegando salários em atraso na Luz rumaram até Alvalade. Falou-se ainda de
Rui Costa, Vítor Paneira, Isaías, Hélder e Neno como tendo sido aliciados pelo
Sporting a seguirem o mesmo caminho, embora acabassem por permanecer de águia
ao peito. João Vieira Pinto, o melhor jogador português da altura, chegou mesmo
a rescindir o contrato sendo contudo resgatado in-extremis pelo então
presidente e recentemente falecido Jorge de Brito em Torremolinos, quando tinha
tudo acertado com o Sporting para jogar em Alvalade. Um contrato amplamente
melhorado manteve-o na Luz, mas longe estávamos ainda de saber a importância
que esse momento teria no desenrolar da época.
Como se
pode imaginar, as relações entre Benfica e Sporting azedaram bastante e
gerou-se um clima de grande tensão, o que acabou paradoxalmente por favorecer o
clube da Luz, pois os orientados de Toni fizeram deste campeonato a causa de
uma vida e lutaram como nunca para resgatar o seu orgulho, tão ferido que fora
meses antes.
O Sporting
construíra uma grande equipa juntando os ex-benfiquistas aos campeões do mundo
de juniores Luís Figo, Peixe, Capucho, Nelson, Amaral, Filipe e Paulo Torres,
além de jogadores mais experientes como os internacionais Balakov, Cadete,
Valckx e Juskowiak. Todavia o Benfica, mesmo privado de Paulo Sousa e Pacheco,
para além da venda de Paulo Futre ao Marselha, tinha um plantel ainda mais
poderoso. Aos jogadores atrás referidos juntavam-se ainda o central brasileiro
Mozer, os também brasileiros William e Ailton, os portugueses Abel Xavier,
Veloso e Kenedy, o sueco Stefan Schwarz e os polémicos mas categorizados russos
Yuran, Kulkov e Mostovoi. A equipa benfiquista faria nesta temporada alguns dos
jogos mais espectaculares da história do clube, como este que agora se recorda,
ou um outro em Leverkusen (4-4) para a Taça das Taças cuja evocação ficará para
uma próxima oportunidade.
O F.C.Porto
falhara rotundamente no regresso de Ivic ao clube, e logo na primeira volta
perdeu vários pontos que o deixaram, sobretudo após perder na Luz na primeira
jornada da segunda volta, praticamente arredado do título. A luta cedo ficou
portanto resumida aos dois rivais lisboetas.
O Sporting,
depois de um início muito forte, veria um dos seus principais jogadores, o
jovem russo Cherbakov, ficar paraplégico na sequência de um dramático acidente
de viação nocturno. Na semana anterior (julgo que já em Dezembro), o impulsivo
presidente despedira o conceituado técnico inglês Bobby Robson devido ao
afastamento das provas europeias após uma derrota por 0-3 em Salzburgo. Robson
iria para o F.C.Porto, onde terminou bem a época vencendo a taça e alcançando
inclusive o segundo lugar do campeonato, vindo a ser campeão logo na época
seguinte. Para Alvalade seguiu o Professor Carlos Queiroz, técnico bi-campeão
mundial de sub-20 (selecção onde orientara muitos dos jogadores do Sporting), e
à data com um prestígio no país quase equivalente ao que hoje detém José
Mourinho.
Pouco
depois da estreia do novo técnico o Sporting joga na Luz em vésperas de natal,
mas depois de Figo abrir o marcador, o Benfica consegue a reviravolta na
segunda parte com golos de Yuran e Isaías, assumindo o comando isolado do
campeonato.
As duas
equipas foram prosseguindo a sua caminhada, com o Sporting sempre bem próximo
do rival, até que uma semana antes do derby da segunda volta o Benfica empata
em casa com o Estrela da Amadora e fica com apenas um ponto de vantagem sobre o
Sporting, que no mesmo dia ganha exuberantemente em Aveiro por 0-4. Os leões
apresentavam-se nessa fase em grande forma, ao contrário do Benfica que
evidenciava uma quebra resultante do desgaste que as provas europeias – onde
chegou às meias finais da Taça das Taças, perdendo então com o poderoso Parma.
Eis-nos
então chegados a Alvalade, a essa tarde de 13 de Maio em que tudo se decidia.
Faltavam
apenas mais quatro jornadas para terminar a prova e, assim sendo, quem vencesse
ficaria com o caminho aberto para o título.
Não se
tratava de um qualquer título. Era talvez o título nacional mais importante da
história do Benfica até então. Era o título do orgulho resgatado, depois de
quase se assistir ao desmantelamento da equipa e do próprio clube, que
continuava mergulhado num mar de dívidas e dificuldades organizativas diversas.
Por outro lado, o Sporting não vencia qualquer prova havia doze anos. Era
aquilo a que se pode chamar um jogo de vida ou de morte, e logo entre os
eternos rivais.
A tarde
estava chuvosa e o estádio a abarrotar. Recordo que até o pontapé de saída foi
rodeado de suspense, com o árbitro (o recentemente falecido Vítor Correia) a
mandá-lo repetir.
Os grandes
ausentes eram Peixe e Juskowiak castigados no Sporting e Rui Costa no Benfica
por opção de Toni. Foi talvez a única vez que Rui Costa ficou no banco em toda
a época, o que se entendeu pelo facto de o então jovem jogador atravessar uma
fase de grande desgaste físico.
O Sporting
entrou de forma avassaladora, dominando completamente a primeira meia hora de
jogo. Logo aos 10 minutos, Jorge Cadete corresponde a um cruzamento e bate de
cabeça o guardião Neno abrindo o activo. Pouco depois nova oportunidade desta
vez desperdiçada por Iordanov. O Benfica mal respira e teme-se o pior. Alvalade
ferve de euforia.
Aos 25
minutos de jogo surge João Vieira Pinto, que dá nesse momento início à mais
memorável exibição da sua carreira, e a um dos desempenhos individualmente mais
bem conseguidos da história do futebol luso. O jovem avançado ganha um ressalto
a Paulo Sousa, rodopia e estoira desde 30 metros de distância batendo
inapelavelmente um impotente Lemajic. Contra a corrente do jogo o Benfica
restabelecia a igualdade.
Foi sol de
pouca dura, pois alguns minutos mais tarde, na sequência de um canto, Luís
Figo, novamente de cabeça, faz o segundo golo dos da casa, devolvendo a loucura
às bancadas de Alvalade.
Mas João
Pinto parece cada vez mais decidido a entrar para a história, e pouco depois,
num extraordinário lance individual em que dribla dois defesas sportinguistas
já no interior da área, atira mais uma vez fora do alcance do guardião
jugoslavo. 2-2 num jogo cada vez mais empolgante.
A um minuto
do intervalo, num livre estudado Vítor Paneira desmarca-se e cruza para a área
onde Isaías ganha de cabeça, e novamente João Pinto, também de cabeça, faz um
inacreditável hat-trick, dando vantagem ao Benfica ainda na primeira parte,
poucos minutos depois dos encarnados parecerem estar à beira do KO.
Ao
intervalo de um jogo de loucos, com o resultado ainda completamente em aberto,
Carlos Queiroz faz uma substituição suicida, retirando o lateral esquerdo Paulo
Torres e colocando o extremo Pacheco em campo. O Benfica, mais experiente,
saberia a partir daí ganhar definitivamente vantagem no jogo, marcando todos os
restantes golos por esse flanco.
Logo nos
primeiros minutos do segundo período, Vítor Paneira escapa-se a Paulo Sousa,
cruza para a área, João Pinto salta por cima da bola , que sobra para Isaías
isolado que fuzila Lemajic fazendo o 2-4. Começava-se nesse momento a ver o
fundo do tacho deste jogo, pois pela primeira vez, e já na segunda parte, uma
das equipas ganhava vantagem de dois golos.
Por volta
do quarto de hora, João Pinto dá ainda mais brilho à sua prestação com uma
jogada individual extraordinária, que culmina com um drible sobre Paulo Sousa
já dentro da área (perfeita metáfora de tudo o que significara essa temporada),
e um passe soberbo a isolar novamente Isaías que bisa no jogo elevando o
resultado para 2-5. Os adeptos leoninos não queriam acreditar. A festa era
agora claramente do Benfica, que se sentia à beira do mais importante título
nacional até a esse momento.
Já em clima
de festival benfiquista, e já com Rui Costa em campo, mais uma vez Vítor
Paneira, mais uma vez pela direita do ataque encarnado, cruza para a entrada da
área onde Hélder, em acção ofensiva, remata em vólei para o 2-6 que cada vez
mais assumia a natureza de escândalo. Era a hipótese de vingar os 7-1 ali mesmo
sofridos oito anos antes.
João Pinto
entretanto era substituído, ficando a imagem do aperto de mão que Carlos
Queiroz, seu treinador nos sub-20, lhe fez questão de dar, como sinal do
reconhecimento do seu fenomenal trabalho nessa tarde.
O Sporting,
num último assomo de dignidade, ainda reduziu por Balakov de penálti, mas o
título estava entregue.
No dia
seguinte “A Bola” titulava “Céus ! 6-3 em Alvalade; Benfica sublime, empolgante
e aterrador”, e atribuía pela única vez na sua história a nota 10 a João Vieira
Pinto, que com uma exibição eusebiana garantira a vitória e o título para os
encarnados.
Naturalmente
a festa pelo país fora durou até às tantas.
Na semana
seguinte o Benfica selava em Braga a conquista matemática do campeonato, mas
foi nesse 13 de Maio que a “aparição” João Pinto dizimou o Sporting (onde viria
ainda a jogar) e resolveu a questão.
Inesquecível!
BENFICA-SPORTING,
1-0 (2004-05)
Ao longo de
mais de trinta anos de futebol muitas foram as alegrias, muitas foram as
decepções. Três finais europeias em que à frustração de uma derrota
corresponderam momentos de grande euforia ao longo da caminhada que as
antecedeu, outras tantas meias finais, títulos nacionais (dez ao todo),
diversas taças de Portugal, grandes vitórias em Portugal e n estrangeiro, sem
esquecer as alegrias dadas pela selecção nacional, quer com as qualificações
para as principais provas internacionais da última década, quer sobretudo pelas
duas últimas campanhas de que resultaram presenças na final do Euro 2004 e nas
meias finais do Mundial 2006.
Seria em
princípio difícil definir o momento mais feliz de todas essas fortes e emotivas
experiências, mas tendo de optar por algum, não hesitaria em escolher o título
de 2004-2005 conquistado pelo Benfica depois de um longo jejum de onze anos. Na
verdade não se trata de um momento mas sim de vários. De várias semanas ou
mesmo meses. De toda uma época, de uma fase de vida.
Foi um dos
títulos mais importantes da história do Benfica, pois os onze anos a seco
criaram uma pesada nuvem sobre o clube. Eu próprio cheguei a temer muitas vezes
que o Benfica não mais voltasse a disputar e vencer campeonatos, tal a dimensão
dos problemas que enfrentava, e a perda de dinâmica de vitória que lhe estava
cada vez mais associada. A forma como o campeonato decorreu fez sentir que se
poderia tratar de uma ocasião única e irrepetível. Ou se era campeão ali e se
tinha o futuro pela frente, ou talvez nunca mais fosse possível sê-lo –
recorde-se que o F.C.Porto fora campeão europeu e mundial, embolsara mais de
100 milhões de euros com as vendas de Deco, Ricardo Carvalho, Paulo Ferreira
etc, e aparecia como claro dominador do futebol luso.
Não sendo
possível relembrar todo esse inesquecível ano futebolístico – para mim, de
longe, o melhor campeonato das últimas décadas, tanto em emoção como em futebol
jogado -, centrarei a memória nas duas últimas jornadas. Efectivamente uma não
faria sentido sem a outra, e seria redundante tratá-las de modo autónomo.
Lembrarei
apenas que essa época foi marcada por uma constante agitação no topo da tabela,
que chegou a ser comandada por Porto, Sporting, Braga, Boavista, e na sua fase
inicial também por V.Setúbal e Marítimo. Foi um campeonato extremamente
equilibrado – recordo de já em plena segunda volta termos quatro equipas na
frente com o mesmo número de pontos -, e disputado por um lote fantástico de
equipas, do F.C.Porto campeão mundial em Tóquio ao Sporting finalista da Taça
Uefa, de um Braga em clara ascensão a um Boavista ainda no top do futebol
nacional, mais o melhor Rio Ave de sempre, o melhor Marítimo de sempre, a
melhor Académica, o melhor V.Guimarães e o melhor V.Setúbal dos últimos anos,
excelentes Belenenses, Nacional, Gil Vicente etc. Até o lanterna vermelha Beira
Mar ganhou na Luz e no Dragão. À inglesa! Um mimo de campeonato!
Depois de o
Benfica ter conseguido, a sete jornadas do fim, uma vantagem de seis pontos que
levou a sua imensa legião de adeptos – ávidos de glórias - a manifestações
impressionantes de fervor clubista nos vários estádios espalhados pelo país
onde a equipa jogava, uma derrota em Vila do Conde, um empate caseiro com a
U.Leiria, e nova derrota em Penafiel, colocaram o Sporting no topo da tabela em
igualdade pontual com as águias e com mais três pontos que os dragões. Faltavam
então apenas duas jornadas, a primeira das quais contendo um ultra-decisivo
Benfica-Sporting, e a última uma viagem ao Bessa.
Bastaria ao
Sporting empatar na Luz para poder tranquilamente festejar o título em sua casa
no derradeiro jogo frente ao Nacional. Ganhando sagrava-se de imediato campeão.
Havia ainda um elemento importante nesta partida: o Sporting disputaria quatro
dias depois a final da Taça Uefa em sua casa, vindo então a perdê-la frente ao
CSKA de Moscovo.
A equipa de
José Peseiro encontrava-se em grande momento de forma, podendo ganhar Liga e
Taça Uefa na mesma semana, depois de uma longa sequência de brilhantes
vitórias, emolduradas por exibições de fino recorte.
O Benfica
por seu turno teria de ganhar para manter acesa a hipótese de, não perdendo depois
no Bessa, conquistar o ansiado título. Se ganhasse por 1-0 ou por mais de um
golo e o F.C.Porto ao mesmo tempo não vencesse em Vila do Conde, o Benfica
também seria campeão logo nessa noite.
A equipa
encarnada, orientada por Trapattoni, era extremamente batalhadora, mas algo
carecida de opções. O banco era fraco, e o futebol que jogava, fruto do
realismo do experiente italiano, era de pouca posse de bola, procurando através
de contra-ataques quase sempre conduzidos por Simão Sabrosa, ou por via de lances
de bola parada, os poucos golos com que foi sedimentando a sua difícil
caminhada.
Dizia-se na
altura, e com alguma razão, tratar-se do jogo do século. Não me lembro de facto
de nas competições nacionais se ter jogado uma partida de tão dramática importância
– mesmo os 6-3 de Alvalade em 1994 foram a cinco jornadas do fim, e o Benfica
tinha sido campeão apenas três anos antes.
O ambiente
em redor deste derby foi algo de inesquecível. Apesar da derrota em Penafiel,
todos os benfiquistas acreditavam ter ali a sua oportunidade para resgatar anos
e anos de desilusão.
Nessa manhã
de sábado, viam-se inúmeras pessoas com as camisolas de ambos os clubes, e
grupos de jovens entoando cânticos, mesmo em zonas bem longe do estádio.
Muita gente
terá vivido esse dia com enorme ansiedade. Do lado do Benfica era a hipótese de
pôr termo ao longo e angustiante jejum. Entre os leões tratava-se basicamente
impedir que isso acontecesse, mas também de dar luz a uma época que
entusiasmara fortemente a nação sportinguista.
O estádio
estava naturalmente esgotado com vários dias de antecedência, o que foi a nota
dominante de quase metade deste campeonato sempre que o Benfica marcava
presença.
As equipas
alinharam da seguinte forma. O Benfica com Quim, Miguel, Ricardo Rocha, Luisão,
Dos Santos, Petit, Manuel Fernandes, Nuno Assis, Geovanni, Nuno Gomes e Simão
Sabrosa. O Sporting apresentava-se sem o goleador Liedson castigado com um
inoportuno e ingénuo (ou talvez não?) cartão amarelo nos últimos minutos do
jogo anterior. Peseiro fez alinhar: Ricardo, Miguel Garcia, Beto, Anderson
Polga, Rui Jorge, Custódio, Pedro Barbosa, Rochenback, Sá Pinto, Douala e
Pinilla.
O ambiente
no estádio era impressionante. Nunca em momento algum me recordo de ouvir tanto
barulho num qualquer jogo, mesmo quando o antigo estádio da Luz levava 120 mil
pessoas (efeitos da acústica). Ao mesmo tempo sentia-se uma enorme tensão. À
medida que o tempo ia passando o nervosismo adensava-se. O meu coração
resistia, o que me deixa absolutamente tranquilo quanto à inexistência de
problemas cardíacos, tal a intensidade com que vivi estes momentos.
O jogo foi
naturalmente muito táctico, e durante toda a primeira parte há apenas que
destacar um remate perigoso de Douala bem defendido por Quim.
No segundo
tempo, o Benfica entrou melhor, e criou nos primeiros minutos uma grande
oportunidade por Simão. O mesmo Simão, na sequência da melhor jogada de todo o
encontro, atirou a milímetros do poste da baliza de Ricardo quando eram
passados cerca de 65 minutos de jogo. Lembro-me de pensar que tinha ficado ali
o título.
A partir de
dada altura, com a entrada de Hugo Viana, o Sporting passou a dominar
claramente o jogo. Já dentro do último quarto de hora, o mesmo Viana e também
Rochenback puseram à prova Quim com excelentes remates de meia-distância. O
resultado mantinha-se em branco e o título parecia perdido.
Faltavam
sete minutos para os noventa quando o árbitro Paulo Paraty assinalou um livre
perigoso por falta de Pinilla sobre Ricardo Rocha. Petit bateu, a bola
sobrevoou a área leonina e eis que surge lá no alto Luisão, saltando com
Ricardo, a desviar a bola para dentro da baliza do Sporting.
A minha
primeira reacção foi olhar para o fiscal de linha. Confesso que só depois de
ver as imagens na televisão fiquei com a certeza de não ter havido falta.
Quando vi Paraty a apontar para o centro do terreno e os jogadores do Benfica a
festejarem efusivamente, até custei a acreditar.
Foi a
loucura generalizada no estádio. Dei comigo já fora do lugar, nas escadas, a
saltar agarrado a pessoas que não conhecia de lado nenhum. Estoiram foguetes,
lançam-se fumos e very- lights, 60 mil pessoas parecem tomadas por um acesso de
histeria absoluta. Teria sido interessante alguém se entreter a observar as
reacções àquele momento, com frieza de cientista. Viam-se pessoas a chorar,
pessoas ajoelhadas. Tudo!
Ainda havia
6 minutos para jogar, mais os descontos (seriam mais 5). Mas o Sporting
desnorteou-se. Beto foi expulso por protestos, sucederam-se as faltas, e
praticamente não se jogou mais. As bancadas registaram seguramente os 10
minutos de maior euforia da história do estádio.
Paraty
apitou para o final. Estava consumado o triunfo, mas como o F.C.Porto tinha
ganho ao Rio Ave a festa só poderia ser total no fim de semana seguinte no
Bessa. Os portistas tinham os mesmo três pontos de atraso, mas vantagem no
confronto directo – fruto do polémico jogo em que Benquerença não viu a bola
dentro da baliza de Baía. O Sporting estava matematicamente afastado do título.
No relvado a
festa assemelhava-se à conquista de um troféu. Sentia-se a importância do passo
que estava a ser dado rumo ao que todos ansiavam havia tanto tempo.
Depois de
dois ou três minutos de euforia, a minha preocupação voltou-se para a
necessidade de arranjar bilhetes para a última jornada. Tinha-os visto à venda
na véspera e no próprio dia do jogo, mas não tive coragem de arriscar. Os mais
baratos custavam 40 euros, e o Benfica corria o risco de ir ao Porto apenas
cumprir calendário. Agora, era imprescindível consegui-los.
Fui desde
logo para casa na expectativa de me levantar de madrugada prevendo uma enorme
afluência às bilheteiras. No trajecto até casa os contactos telefónicos
sucederam-se. Quem ia ao Bessa, quem não ia, quantos bilhetes eram necessários,
etc. Fui levantar dinheiro por duas vezes, à medida que me acrescentavam
interessados.
Já tinha
decidido prontamente ser eu a ir à Luz comprar os bilhetes. Nunca correria o
risco de deixar tal tarefa nas mãos de outra pessoa, mesmo sacrificando uma
noite de sono.
Eram 5.40 h
da manhã estava eu a chegar ao Estádio onde horas antes uma multidão vibrara
intensamente com o “jogo do século”. Cabe aqui um aparte para dizer que chega a
ser chocante a quantidade de lixo que deixa o jogo de futebol pelas imediações
do recinto. Estavam lá já mais de uma dezena de pessoas aguardando pelas 10.00
h, altura em que abriam as bilheteiras.
O tempo foi
passando entre a conversa e a leitura dos jornais desportivos (cada um comprava
jornais diferentes que depois iam circulando). Lá consegui os bilhetes.
A semana
passou com ansiedade e…medo. Depois de chegar ali, seria dramático perder
aquele campeonato.
Dia 22 de
Maio de 2005 o Benfica confirmaria o título, um dos mais saborosos de sempre.
Mas esse era já outro jogo.