A GALINHA DOS OVOS DE OURO


Encerra no próximo dia 31 a pomposamente chamada “janela” de transferências.
Era suposto tratar-se de um período para ajustamento dos plantéis, para cobertura das necessidades desportivas das equipas, para colocação de excedentes, tudo na medida certa, e com uma calendarização compatível com a inteligência humana. E que não trouxesse nova investida em Janeiro, com mais uma violenta dose de mercantilismo, no que de pior a palavra pode conter.
Na verdade, estas “janelas” são períodos em que o futebol, a sua história, a sua cultura, a sua identidade, os seus adeptos, a sua alma, são deitados para o lixo, em nome da negociata, dos interesses, dos intermediários, dos agentes, da ganancia, dos fundos, das off-shores, e, muitas vezes, do mais puro banditismo. Tudo com as competições a decorrer.
A paixão que leva milhões de pessoas a amar um símbolo, a deslocar-se aos estádios, a pagar quotas e lugares cativos, não é compatível com situações completamente surrealistas, como as de um clube que vende Di Maria para comprar James Rodriguez, apenas – é a única razão que encontro – como forma de fazer circular dinheiro num e noutro sentido, fazendo pingar comissões, sabe-se lá para quem.
Noutros sectores, percebeu-se tarde demais o efeito de uma desregulação desenfreada. No futebol, há de se chegar lá. Provavelmente, também tarde demais, quando os estádios estiverem vazios, quando as transmissões televisivas valerem menos, quando as pessoas, enfim, se fartarem disto, e voltarem as costas a quem as usa como peças descartáveis de uma máquina de movimentar milhões.
Adoro futebol. Ou adorava. Já nem sei. O que tenho certo é que estes meses deprimem-me enquanto adepto, e enojam-me enquanto cidadão. Depois de um Mundial fantástico, nada pior do que este rodopio de notícias de jogadores que partem daqui, de jogadores que chegam dali, de traições, de vendilhões de todos os templos, a mostrar, com indiferente soberba, que o futebol se transformou num esgoto.
Por agora, está a acabar. Por agora…
 

TACUARA

Muitos motivos justificam a venda de Óscar Cardozo ao Trabzonspor: uma lesão grave nunca inteiramente debelada, e, porventura, de duvidosa reabilitação; o sub-rendimento quase penoso que a partir daí o jogador evidenciou; um salário elevado, acima das limitações colocadas pelos novos tempos, e acima daquilo que, neste momento, poderia acrescentar à equipa; e, talvez mais importante que tudo o resto, a parcela do passe afeta ao Benfica Stars Found, que obrigaria a SAD a desembolsar uma verba considerável (4 milhões?) caso tencionasse manter os serviços do goleador.
Tendo em conta estas circunstâncias, ninguém de bom senso poderia atar um jogador de 31 anos ao seu passado. Perante uma boa proposta (para ele e para o clube), havia que abrir a porta.
Dito isto, não posso deixar de manifestar a minha tristeza por ver partir o melhor, o mais eficaz, e o mais marcante ponta-de-lança do Benfica neste século XXI.
Cardozo nunca gerou unanimidades. Dele chegaram a dizer que “só” marcava golos. Coisa pouca, portanto.
Para quem, como eu, dispensa fintas, toques de calcanhar, malabarismos e números mais ou menos circenses, gostando antes de ver futebol prático, com remate pronto e certeiro para dentro das balizas, ele foi um ídolo. Era ele que me fazia levantar da cadeira. Foi ele, com os seus quase 200 golos, que mais alegrias me proporcionou ao longo destes anos.
Tacuára marcou 13 golos ao Sporting, 7 ao FC Porto, 34 nas competições europeias. Sai como o melhor marcador estrangeiro da história do clube, e um dos dez melhores em termos absolutos (emparceirando, na lista, com nomes como Eusébio, Águas, José Augusto, Arsénio, Julinho, Rogério, Nené ou Torres). Só o tempo fará perceber aos mais cépticos a importância e a dimensão histórica que um ponta-de-lança com estes números tem para um clube.
Teria de sair um dia. Esse dia chegou. Da minha parte, fica o eterno agradecimento por tudo quanto nos deu. E a esperança que consigamos rapidamente encontrar alguém capaz de o fazer esquecer.

INEVITÁVEL


Olhando friamente para o que foi sendo noticiado na imprensa relativamente a cada um dos casos, e deixando de lado os estados de alma originados por uma pré-época desoladora, é de concluir o seguinte:
Oblak saiu pela cláusula de rescisão, contra a vontade do clube, e com uma atitude pouco digna das qualidades que revela na baliza. Nada a fazer.
Siqueira terá sido convidado a ficar, colocando exigências salariais incompatíveis com o mercado português. É natural que preferisse actuar no vice-campeão europeu, numa liga com muito maior visibilidade. Pouco ou nada a fazer.
Garay tinha apenas mais um ano de contrato. Terá sido convidado a renovar, e não aceitou a proposta, pelo que, em breve, poderia sair a custo zero. Tinha um dos mais elevados salários do plantel. O Benfica detinha apenas metade do passe. Pouco ou nada havia a fazer.
André Gomes e Rodrigo haviam sido vendidos em Janeiro, num acto de gestão que então suscitou os mais rasgados elogios, e que permitiu ao Benfica encaixar uma verba considerável, contando ainda com os préstimos dos atletas na conquista dos títulos. A decisão havia sido tomada, e bem tomada.
Markovic saiu pela cláusula de rescisão. Apenas metade do passe pertencia ao Benfica, e a escolha não estaria na mão dos responsáveis encarnados. Nada a fazer.
Cardozo não chegou a recuperar do problema físico que o afectou há uns meses. Tinha um dos mais elevados salários do plantel. Com uma percentagem do passe alocada ao Fundo, a SAD estaria obrigada a desembolsar cerca de quatro milhões de euros para o manter. Decisão bem tomada.
Contas por alto, e juntando aqui Matic, o Benfica terá arrecadado nos últimos meses mais de cem milhões de euros, verba importantíssima para fazer face aos constrangimentos decorrentes de uma crescente dificuldade na obtenção de crédito – à qual não serão alheios os conhecidos acontecimentos num dos pilares do sistema bancário português.
Nada disto foram boas notícias. Mas todas foram notícias que o Benfica dificilmente poderia ter evitado.

É SÓ FUMAÇA

Há um ano atrás, o Benfica perdia a Taça de Honra, tal como agora, perdia a Eusébio Cup, tal como agora, e perdia em Nápoles, tal como agora perdeu com o Marselha. A moral dos adeptos estava em baixa, e a comunicação social colocava Jorge Jesus a caminho da porta da rua, antecipando o caos. Depois, partimos para a melhor temporada futebolística das últimas décadas, coroada com a conquista do inédito “Triplete”, e com a presença em mais uma final europeia.
Em sentido contrário, todos nos recordamos de pré-temporadas altamente festivas, com vários triunfos em torneios amigáveis, aquisições sonantes, e encómios na imprensa, que mais tarde se derreteram em finais de época deprimentes, e em dedos apontados muito a torto e pouco a direito.
Não é preciso puxar pela memória para verificarmos quão enganadoras se revelam tantas vezes estas pré-temporadas, tal a inconsistência das suas promessas e ameaças. São importantes para o treinador e para os jogadores, como fases de um trabalho de preparação física e táctica. Não têm importância para mais nada, salvo para a satisfação da natural curiosidade dos adeptos em ver as caras novas do plantel, ou tão somente em apreciar os novos equipamentos.
Dia 10, em Aveiro, então sim, começará o futebol a sério. E uma semana mais tarde, iniciaremos, no nosso estádio, a defesa do título nacional tão brilhantemente conquistado há poucos meses atrás – competição que uma vez mais não poderá deixar de ser tida como a grande prioridade de todo o universo benfiquista.
Até lá, vemos jogadores que partem, jogadores que chegam, jogos-treino mais ou menos exuberantes, mais ou menos enfadonhos, cheios de substituições e erros, a ritmo de sandália, dos quais não irá rezar a história. E vemos uma equipa a preparar-se para enfrentar os mais difíceis desafios, com outras caras e outros nomes, mas com a mesma ambição de sempre.
Ser campeão da pré-temporada é título que bem podemos dispensar para outros. Queremos ser campeões, sim, mas em Maio, onde o 34º nos espera.