A CRÓNICA DE UM FRACASSO ANUNCIADO

Um verdadeiro benfiquista não pode enterrar a cabeça na areia quando alguma coisa está manifestamente a correr mal. Identificar falhas, apontar caminhos, discutir estratégias, é algo de que, quem vive o Benfica, quem sofre com o Benfica, e quem chora pelo Benfica, jamais poderá abrir mão. Muita coisa está a correr bem (a área comercial, a Btv, as modalidades, e as infraestruturas, são apenas alguns exemplos), mas o epicentro do clube, o dínamo que o faz rodar, aquilo que o tornou popular e mobiliza milhões de pessoas espalhadas pelo mundo, não tem correspondido às exigências. E é isso – que se traduz numa frase que bem poderia ser a mãe de todos os lemas da casa  “ser campeão nacional de futebol” – que leva a um sentimento de angústia que não pode ficar refém de qualquer silêncio cúmplice.
Estamos ainda a alguns dias do Natal, e o Benfica já perdeu a Supertaça, já foi eliminado da Taça de Portugal e está praticamente afastado da luta pelo Campeonato Nacional. Partindo do pressuposto que ganhar a Champions League é tarefa quimérica, e que um eventual triunfo na Taça da Liga seria mero paliativo para as dores, facilmente se conclui que a época está perto de se considerar perdida. E, a ser assim, não encontro outra palavra para a definir que não seja: fracasso.
Quando, no último verão, a direção benfiquista anunciou a adoção de um novo "paradigma”, assente numa crescente “aposta na formação”, confesso que senti um arrepio na espinha. Infelizmente, os meses decorridos estão a dar razão ao meu ceticismo.
A não renovação de contrato com Jorge Jesus – justificada tacitamente por esse “novo paradigma” – representava o fim de um ciclo, e o princípio de uma nova era, na qual o Seixal assumia preponderância (aliás, é preocupante o histórico de treinadores campeões empurrados do Benfica, de Mortimore a Toni, de Trappatoni a Jesus).
Até aceitaria o propósito, não viesse o Benfica da conquista de um Bi-Campeonato, totalmente assente no anterior “paradigma” (ou lá o que se lhe queira chamar), e nas ideias ganhadoras do agora treinador do Sporting. Então, nesse velho "paradigma” , o que interessava era ser campeão, independentemente dos nomes, idades, caras, cores, nacionalidades ou penteados dos jogadores que entravam em campo. Agora, com o novo "paradigma”, parece haver uma subversão de prioridades. O que interessa é formar jogadores, e lançá-los. Primeiro na equipa, depois no mercado. Os títulos? Logo se vê. Se esta não é a verdade, anda lá próximo.

Para protagonizar esse novo “paradigma”, foi contratado um treinador cujo cartão-de-visita consistia precisamente no lançamento de jovens jogadores na equipa principal do Vitória de Guimarães. O facto de se tratar de um clube sem responsabilidades de lutar por títulos, de os resultados não terem sido empolgantes, e de tais jogadores, com uma ou outra exceção, se terem perdido entretanto no anonimato, não foi tido em conta. Foi prometido, na altura, que o novo técnico teria à sua disposição meios idênticos aos usufruídos pelo anterior, promessa que de forma alguma foi cumprida – o que, pelo menos em parte, até iliba o pobre Rui Vitória dos onze pontos já desperdiçados no Campeonato, da derrota na Supertaça, e da eliminação da Taça de Portugal.
Aceitaria o argumento de que esta alteração abrupta e inoportuna de uma política desportiva que se revelava altamente ganhadora (e financeiramente rentável) tivesse sido imposta por circunstâncias externas, impossíveis de contornar (colapso do BES?). Ou seja, tal não teria constituído uma opção estratégica voluntária, mas sim uma necessidade premente, ditada pela tesouraria, ou qualquer outra questão semelhante e inultrapassável. A ser o caso, e tomando de barato algumas contratações estranhas e caras (porquê, e para quê, aquele "pack-dez"? porquê, e para quê, trazer jogadores com o perfil e o histórico de Taarabt?), a situação carecia de uma explicação cabal, frontal e exaustiva, onde não faltasse um redimensionar de expetativas em baixa, capaz de satisfazer uma massa associativa cada vez mais jovem, cada vez mais letrada e esclarecida, e cada vez mais exigente quanto a todos os aspetos da vida do clube que ama…e que paga. Esse exercício não foi feito, o que abre naturalmente o espaço à crítica. À construtiva – como pretende ser esta -, mas também à daqueles que estão sempre na linha da frente para usar, exponenciar e alimentar os fracassos do futebol encarnado, com fins alheios, e nada inocentes.
O erro estratégico é evidente, e pode detalhar-se em onze parâmetros de análise. Tantos quantos os jogadores de uma equipa de futebol. A saber:
1)      Tendo a equipa sofrido um colossal desinvestimento no verão de 2014 (só para recordar: Oblak, Garay, Siqueira, Markovic, Matic, André Gomes, Enzo Perez, Cardozo e Rodrigo…), não foi relevado o indiscutível mérito do treinador na conquista da Liga de 2014-15. De uma manta de retalhos, de um plantel dizimado e substancialmente mais fraco que o do principal opositor, Jorge Jesus conseguiu o milagre de vencer quinze dos primeiros dezassete jogos do campeonato, embalando a equipa para mais um título nacional (o terceiro em seis anos). Foi a dinâmica imposta pelo treinador, a sua base de trabalho, e o seu modelo de jogo, que ganharam uma competição que, no papel, se antevia como quase impossível por quem, em agosto de 2014, olhasse os factos com alguma lucidez. Na hora de festejar, muitos rostos apareceram. Mas se o campeonato de 2013-14 tinha sido de Luís Filipe Vieira (honra lhe seja feita), o último foi claramente de Jesus. E por muito mal que possamos pensar do homem, do seu caráter, da sua teimosia, da sua má educação, das suas atitudes ou declarações, da forma extemporânea com que bateu com uma porta que lhe haviam entreaberto, manda a verdade reconhecer que só talvez José Mourinho esteja hoje no mesmo patamar de competência técnica e de capacidade ganhadora. Ou seja, tínhamos o ouro, e demo-lo ao bandido.
2)      Foi e continua a ser sobrevalorizada a relevância do Centro do Seixal como potencial alimentador de jogadores para a equipa A. Por muito que se tente demonstrar o contrário, desde o tempo de Rui Costa (vá lá, com boa vontade, talvez de Manuel Fernandes) que não surge na formação benfiquista um jogador capaz de se afirmar na equipa principal, e desde logo fazer a diferença, ou trazer benefícios (é disto que se trata, pois pô-los a jogar é fácil, ganhar com eles, nem tanto). Aliás, independentemente das infraestruturas criadas (mérito indiscutível desta direção), está por demonstrar que o Seixal, em termos de know-how e de resultados práticos, represente por ora uma mais-valia relativamente aos principais rivais. Podíamos falar de Gelson Martins, de Matheus Pereira, de André Silva ou de Ruben Neves (ao nível dos quais talvez não haja ninguém entre os jovens da Luz). Mas, também, de um FC Porto campeão nacional de Juniores, de um Sporting campeão nacional de Iniciados, ou da classificação das equipas B na corrente Liga de Honra (onde o Benfica B de Hélder Cristóvão corre riscos de descida). Aliás, por falar em Juniores, o Benfica tem apenas um campeonato ganho nessa categoria nos últimos doze anos. É verdade que há argumentos em sentido oposto (maior número de convocados para as seleções jovens, ou presenças na Youth League), mas aqueles também são válidos. No global, creio que o deve e o haver se equilibram, logo, essa mais-valia não existe, não traduzindo, em linguagem empresarial, qualquer vantagem comparativa notória face aos rivais.
3)      Pelé ou Maradona à parte, jovens de 18 ou 19 anos não têm, nem podem ter, o perfil competitivo que se exige a uma equipa que quer vencer todas as competições em que participa, e que carrega o peso dessa responsabilidade perante milhões de seguidores. Por muito talento que exista, os erros de posicionamento e de passe, as inconsistências técnicas, táticas e físicas, a falta de capacidade de choque e de frieza na hora da decisão, a ansiedade perante os grandes momentos, para além de um eventual, fácil e pernicioso deslumbramento, são razões mais do que suficientes para ter cautelas na hora de lançar um novo jogador para o estrelato. O desenvolvimento de futebolistas não pode ser feito à custa de derrotas. No Vitória de Guimarães, talvez. Na equipa B, certamente. Na equipa principal do Benfica, nunca. Nomes como Gonçalo Guedes, João Teixeira, Nuno Santos, Nélson Semedo, Lindelof, Clésio, Victor Andrade ou Renato Sanches têm futuro, mas não podem ser eles a alicerçar o presente do futebol encarnado. É um peso excessivo nos seus ombros, e um perigo para eles próprios e para a equipa. Em condições normais, seriam emprestados, para um dia voltarem – então sim – em condições de se tornarem verdadeiras mais-valias. Foi assim, num passado mais distante, com Diamantino. Foi assim com o próprio Rui Costa (cujo empréstimo ao Fafe, ele próprio o admitirá, foi muito importante para a sua carreira). Há bons exemplos também noutros clubes (William Carvalho, Adrien Silva, João Mário...). Outra alternativa seria constarem de um plantel que, para além deles, tivesse mais 20 jogadores feitos e de grande qualidade, capazes de suprir todas as posições nos momentos capitais, sobrando para os mais jovens o espaço da Taça da Liga, da Taça de Portugal, ou de alguns minutos em jogos disputados na Luz com resultado já definido. Aos poucos iam assumindo maior responsabilidade e protagonismo. Iam crescendo e, a seu tempo, se aproveitassem essas oportunidades, afirmar-se-iam como titulares. Pode argumentar-se, com alguma razão, que o anterior treinador nunca se preocupou com isso. Mas…nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
4)      A este propósito, é importante questionarmos quantos são, e quem são, os jogadores da formação na equipa principal do Real Madrid, do Bayern de Munique, do Manchester City, do Manchester United, da Juventus, do Paris Saint-Germain, do Chelsea, da Roma, do Liverpool, ou do Inter. Pode falar-se, é certo, do Barcelona, mas essa é a exceção (fundamentada num poderio financeiro que permite manter todas as jóias em casa) e não a regra. Mesmo em Camp Nou, o número de jogadores da cantera têm diminuído à medida que se vai esbatendo a prodigiosa geração dos Valdés, Puyol, Xavi e Iniestas. Messi, como um dos melhores jogadores mundiais de todos os tempos,  é um caso singular. Mas, por exemplo, Piquê andou emprestado até se fixar na equipa. Serve isto para dizer que raramente existem clubes simultaneamente formadores e ganhadores. No campo dos primeiros, poderia mencionar o West Ham, o Ajax, o Southampton, o Dínamo de Zagreb, o Auxerre, o Espanyol, ou o Sporting das últimas décadas. Nenhum serve de exemplo às ambições do Benfica, tal como eu as entendo, e como a esmagadora maioria dos benfiquistas exige.
5)      Nos tempos de Nené, Shéu, Humberto Coelho, Chalana ou Bastos Lopes, qualquer júnior aspirava fazer carreira na equipa principal. Estes conseguiram-no, outros não tiveram o mesmo destino, mas o objetivo era comum: chegar ao plantel principal, ganhar lugar no onze, e ficar no clube até pendurar as chuteiras. A realidade de hoje é substancialmente diferente, e qualquer adolescente, realizando dois ou três jogos com o Manto Sagrado, logo sonha ser transferido para um Chelsea ou para um Real Madrid, de forma a enriquecer depressa e bem. A vulnerabilidade ao parasitismo dos empresários é total. Bernardo Silva, Ivan Cavaleiro, João Cancelo e André Gomes já foram vendidos (nada a opor a negócios milionários como estes), sendo que se tratavam das maiores promessas da academia benfiquista. Renato Sanches, Nélson Semedo ou Gonçalo Guedes apenas esperam a primeira oportunidade para dar o salto. Se os melhores rapidamente saem, quem ficará? Daqui se conclui ser impossível alicerçar uma equipa competitiva, a médio prazo, com base em jogadores da casa – como acontecia nos anos setenta. O futebol de hoje é composto por grandes multinacionais, é extremamente volátil, e o romantismo do amor à camisola pertence a um passado cada vez mais distante. Não adianta lutar contra a chuva, pois ela continuará a cair. Um clube, mesmo com a dimensão do Benfica, tem pouca margem para alterar as regras de um fenómeno global, que veio para ficar – goste-se muito, pouco ou nada dele.
6)      De um modo mais genérico, coloco também grandes reticências ao perfil do jogador português lactu sensu, seja ele oriundo do Seixal, de Alcochete, do Olival ou de Carrazeda de Anciães. Não fosse Cristiano Ronaldo (caso raro, apenas com paralelo no Rei Eusébio), e a Seleção Nacional estaria hoje num nível paupérrimo, bem abaixo do potencial natural que existe por cá. O padrão do jogador português saído das academias está recheado de características negativas. Normalmente traz-nos jovens talentosos sim, mas também algo mimados, demasiado preguiçosos, muito dados a vedetismos precoces e a presenças reluzentes nas revistas cor-de-rosa. Veja-se o contraste com jovens argentinos, colombianos ou uruguaios, e note-se a diferença em termos de atitude guerreira, de trabalho físico, e mesmo de humildade. Acresce que, demasiados jogadores portugueses num plantel, num universo altamente mediatizado como é o futebol profissional dos dias de hoje, com a pressão social e comunicacional inerente, é meio caminho para fugas de informação, desestabilização jornalística, e casos passíveis de minar por dentro qualquer balneário saudável. Nada como um exército de sul-americanos concentrado num condomínio fechado, vivendo em circuito interno, longe dos prazeres da noite, da pressão dos fãs, e da curiosidade jornalística, para manter a disciplina e a coesão de um grupo ganhador.
7)       “Estrutura” foi talvez a palavra mais ouvida e lida nos dias que se seguiram à saída de Jorge Jesus. Com essa palavra mágica, tudo se resolveria. Mas a verdade é que o pilar de qualquer estrutura futebolística é o treinador principal, e ao mexermos nessa peça, todo o edifício abana. Por analogia com a vida política, uma boa constituição e um bom presidente da república, não fazem, por si só, com que um governo seja bem sucedido. O enquadramento ajuda, mas não é tudo. O futebol português ofereceu-nos um caso em que, suportado por uma certa "estrutura" (chamar-lhe-ia antes "sistema"), qualquer treinador triunfava. Mas aí, no FC Porto dos anos noventa, não só a metodologia era dúbia (perdoe-se-me o eufemismo) , como a oposição era fraca. Tal não é passível (nem desejável) de ser reproduzido no Benfica dos tempos de hoje. Aliás, nem o atual FC Porto resiste a uma má escolha para o seu comando técnico, conforme se tem visto ultimamente.
8)      Não podendo, ou não querendo, manter o técnico, talvez se justificasse, pelo menos, um maior esforço na manutenção do onze titular, e campeão, da época anterior. A verdade é que, à fatalidade de Salvio, juntaram-se as evitáveis perdas de Maxi Pereira e Lima. Quanto a reforços, ficaram em falta (no mínimo) um lateral-esquerdo e um médio-centro, para fazer esquecer nomes como Siqueira e Enzo Perez. Não sei porque saiu Ruben Amorim, e, dada a referida lesão do extremo direito argentino, também não se entende a guia de marcha simultânea para Ola John e Sulejmani, seus substitutos naturais no plantel campeão. Já que se fala no plantel, relembremos as dez contratações feitas no mercado de verão. Os nomes falam por si: Ederson, Diego Lopes, Pelé, Dálcio, Taarabt, Carcela, Marçal, Léo Natel, Francisco Vera e Murillo. Depois ainda vieram Raúl Jimenez (demasiado caro para o valor que tarda em demonstrar) e Mitroglou (o único reforço que, enfim, mesmo sem deslumbrar, com um golito aqui, outro ali,  lá tem cumprido o seu papel). Por fim, uma dúvida: o que aconteceria se, além de Luisão, também Jardel se lesionasse, ou, acidentalmente, visse um qualquer cartão vermelho? Quem acompanharia Lisandro no eixo da defesa?
9)      Perante tudo isto, pode dizer-se que, ao invés de um novo ciclo, estamos sim perante uma inversão de ciclo, na qual o Benfica tomou lamentavelmente o papel do Sporting e vice-versa. O vizinho de Alvalade apostou na formação durante décadas, com os resultados que se conhecem, e que quase levaram ao fim do clube - enquanto emblema ganhador. O Benfica deu um salto competitivo gritante a partir de 2009, fruto de um forte investimento em jogadores de qualidade, mas, sobretudo, da escolha sagaz de um treinador com perfil adequado, e competência singular. Foi imposto um crescente grau de exigência a todos os jogadores no treino e no campo, foi feita uma aposta na experiência e na segurança, visando a redução do erro a níveis mínimos, e com isso conquistaram-se vários títulos. Manteve-se o espírito ganhador quando, em 2013, o presidente Luís Filipe Vieira percebeu que um pontapé fortuito do improvável Kelvin não podia relativizar uma época futebolisticamente espantosa. Infelizmente, em 2015 não houve a mesma perspicácia (ou a mesma resistência a pressões internas, movidas mais por aspetos de relacionamento pessoal, do que por interesses desportivos do clube).
10)   Um grupo acessível, e uma vitória também fortuita, em Madrid, perante um adversário claramente superior, permitiu ao Benfica ultrapassar o seu grupo europeu, e iludir, até ver, uma temporada que corre o risco de se aproximar do desastre. Ao contrário do discurso que entretanto se foi ouvindo e lendo, importa porém lembrar que os resultados europeus de 2010 a 2015 se saldaram por um enorme êxito, com duas finais e umas meias-finais da Liga Europa, uns quartos-de-final da Liga dos Campeões, e a ascensão até ao quinto lugar do Ranking da UEFA. Neste período estivemos sempre presentes na fase de grupos da principal prova de clubes do mundo (seis presenças consecutivas, tantas quantas no total dos quinze anos precedentes). Temo seriamente que também esse “ciclo” venha a terminar em breve. Oxalá me engane.
11)    Por fim, importa relembrar o único motivo pelo qual o Benfica existe, e mantém milhões de adeptos espalhados pelo mundo. Esse motivo reduz-se a uma palavra: TÍTULOS. E, de entre os títulos, o Campeonato Nacional de Futebol é a expressão máxima do triunfo. Conquistar títulos tem de ser o lema absoluto, e único, de todos os que trabalham no clube, do cortador de relva ao presidente. Tudo o resto é paralelo. Tudo o resto é acessório. Formação, infraestruturas, patrocínios, mercado, comunicação, expansão da marca ou direitos televisivos são aspetos importantes para o presente e futuro do clube, mas não passam de meios para alcançar o fim último. O fim último, e único, é ganhar títulos. Novos paradigmas, velhos paradigmas, apostas estratégicas, novos ciclos, não passam de folclore retórico se não estivermos no Marquês de Pombal, em maio, a comemorar campeonatos. É isso o Benfica, e é para isso, apenas e só para isso, que ele serve. É isso que os adeptos pagam, é nisso que os patrocinadores investem, é disso que consta a nossa história. No museu Cosme Damião não estão negócios, nem resultados operacionais, nem patrocinadores. Estão troféus. Não pode haver anos zero. Ano zero foi 1904 (e, vá lá, também 2001). E se é um erro hipotecar o futuro em nome do presente, maior erro será hipotecar o presente em nome de um futuro incerto. Não tenho a certeza de que toda a gente que trabalha no clube pense deste modo. A profissionalização trouxe vantagens e desvantagens. Admito que em maior medida as primeiras do que as segundas. Percebo também algum vício profissional de quem vem de áreas de negócio (quase todas, exceto o futebol) onde as prioridades são outras. Nesta SAD o principal não é o lucro. O objetivo é vencer, e há que sofrer por isso. Creio que talvez faltem lágrimas nalguns setores do clube. Lágrimas como as que tantas vezes nós, adeptos, derramamos na hora da derrota, ou na hora da vitória. 
Dito tudo isto, e na convicção de que este leite está derramado, importa agora que os benfiquistas apoiem jogadores e treinador, pois nem uns nem outro têm qualquer culpa de ali estar em nosso nome. E percebam que também os dirigentes têm o direito a errar – sobretudo depois de tantas e tão grandes realizações ao serviço do clube. Há que contribuir para terminar a época com dignidade, e dentro dos melhores resultados possíveis. Insultos ou protestos gratuitos não levam a nada, e apenas empurram a equipa ainda mais para baixo. Além de que, neste caso, são imerecidos por quem os ouve.
Não me recordo de qualquer momento da temporada em que me tenha ficado a sensação de que quem estava em campo não estivesse comprometido com o jogo e com a vitória. Nem mesmo nesta última partida. O problema desta equipa não é falta de atitude ou de trabalho. É falta de qualidade. E não vai resolver-se do pé para a mão. É mais fácil destruir uma equipa do que construí-la. Mas não será com jovens imberbes que a reconstrução se poderá fazer rapidamente. As soluções só podem vir do mercado, e não da Liga de Honra ou do Campeonato de Juniores.
Ou me engano muito (e tanto que desejo ter de engolir todas estas palavras…), ou o tempo que irá demorar até se desistir desta ideia, ou deste “paradigma”, será menor do que aquele que resta até à conquista do 35º campeonato. 

FACILIDADE: ZERO!


Em 13 jogos realizados contra equipas portuguesas, o Zenit venceu 8, empatou 3 e perdeu apenas 2. Com o Benfica, ganhou 3 das 4 partidas que disputou. Quem espera facilidades de uma equipa cujo orçamento é astronomicamente superior ao nosso, cujo principal patrocinador é também um dos grandes parceiros da UEFA (valha isso o que valer), e cujo treinador tão bem conhece o futebol luso, desengane-se: nos Oitavos-de-Final da Liga dos Campeões, o adversário que nos calhou em sorte é favorito a passar a eliminatória.

Podia ser pior? Sim, muito pior. Se o Zenit ainda nos permite acreditar numa surpresa (sim, numa surpresa), face a equipas como Barcelona, Real Madrid ou Bayern, nem mesmo sonhar nos seria consentido. Há que reconhecer que o Benfica, apesar do peso histórico que detém, é hoje um outsider nesta prova, e, um alvo apetecível para a maioria dos emblemas presentes em qualquer sorteio. Por isso, todo o optimismo deverá ser contido. A Liga dos Campeões é isto mesmo: a partir de determinada fase (sobretudo não se sendo cabeça-de-série), as hipóteses variam entre o extremamente difícil e o quase impossível. Saiu-nos a primeira versão.

É claro que alguma comunicação social, de forma pouco inocente, vai empurrar o Benfica para a pressão de ter de vencer. Não nos deixemos embarcar na cantiga. Vamos jogar, tentar ganhar, mas, no presente contexto do futebol europeu, nenhuma equipa portuguesa está obrigada a ultrapassar este Zenit. Se o conseguirmos, se chegarmos aos Quartos-de-Final, isso sim, será um feito digno de realce. Até porque a obrigação (chegar até aqui) já foi cumprida.

À GRANDE E À BENFICA

1 - Quatrocentos milhões de euros! Impressionante!
Enquanto outros se entretinham a vociferar diariamente na comunicação social, o nosso presidente assinava o maior negócio de sempre do desporto português, mostrando, por um lado, a sua já conhecida sagacidade empresarial, e por outro, a força cintilante da marca Benfica.
No momento em que escrevo, não são ainda conhecidos todos os detalhes deste negócio milionário. Mas o que se sabe é mais do que suficiente para afirmar estarmos perante um passo muito importante rumo à sustentabilidade futura do Clube – que também se reflectirá, mais tarde ou mais cedo, na competitividade das nossas equipas.
Sabemos que irão surgir tentativas de desvalorizar o que está em causa. Já há quem se mostre particularmente empenhado nessa tarefa. Tal não passa de dor de cotovelo de quem inveja a dimensão do Benfica – a qual não tem paralelo em Portugal.
Não me importa que canal transmite os jogos, até porque normalmente os vejo no estádio. Importa-me, sim, que o Clube rentabilize ao máximo a sua força mediática, e é isso que esta direcção tem vindo a fazer de forma brilhante. Em relação aos direitos televisivos, e não só.

2 – Ao que parece, FC Porto e Sporting estão empenhados em regressar ao Ciclismo. Gostaria que também o pudéssemos fazer. Ostentamos uma roda no emblema, e devemos uma parte importante da nossa implementação nacional aos tempos em que, ainda com pouco futebol, José Maria Nicolau levava a camisola vermelha (ou amarela, mas de águia ao peito) aos locais mais recônditos do país. Talvez esta seja uma boa oportunidade para se pensar no assunto.

O REI VAI NU

Mediante as movimentações ocorridas no defeso, já se antevia uma temporada futebolística marcada pela polémica. Porém, as piores expectativas estão a ser superadas.
O Sporting sente a necessidade imperiosa de ser campeão. E parece não olhar a meios para alcançar esse desiderato.
O investimento foi gigante, e a estratégia de altíssimo risco. Sem champions, sem patrocínios, e sem vendas de jogadores, um título de campeão é a única possibilidade que resta aos nossos vizinhos para equilibrar os deves e haveres, sem colocar seriamente em causa o equilíbrio futuro - quando não houver perdões bancários que lhes valham.
Daí, toda uma campanha de condicionamento da arbitragem nunca antes vista, a qual, há que reconhecer, vai tendo sucesso.
A facilidade com que se marcam penáltis a favorecer o Sporting contrasta com a dificuldade que os juízes encontram em vislumbrar faltas evidentes na sua área, bem como na área dos adversários do Benfica. Os casos vão-se somando. Em Braga, mais um penálti ficou por sancionar, agora sobre Pizzi, desta vez sem consequências.
Nos três dérbis já disputados, e independentemente do futebol que cada equipa jogou, a verdade é que ficou sempre uma grande penalidade por assinalar dentro da área sportinguista (sobre Gaitán no Algarve, sobre Luisão na Luz e em Alvalade). Podemos lembrar também o que se passou nos jogos Tondela-Sporting, Arouca-Sporting, Benfica-Moreirense ou Arouca-Benfica. Qualquer aritmética daria uma classificação bastante diferente da actual.

Até podemos fechar a boca. Mas não podemos fechar os olhos. E o que se vai passando não é bonito de se ver.

EM NOME DA JUSTIÇA

Para o Benfica, perder é sempre mau. Perder com o Sporting, pior ainda. Perder três vezes com o Sporting, deixa-nos profundamente frustrados e magoados.
Na hora de fazer uma análise, a frustração e a mágoa não são boas conselheiras. E, a frio, há muita matéria a ter em conta antes de avançar com qualquer acusação extemporânea e injusta.
Centremo-nos no jogo de sábado. O Benfica perdeu em Alvalade, após prolongamento, com o líder do campeonato, frente a um treinador que conhece muito bem as nossas forças e fraquezas, com uma arbitragem infeliz (para ser brando), tendo os jogadores lutado até à exaustão por um resultado diferente. Pergunto eu: será uma derrota desta natureza, e nestas circunstâncias, motivo para, de um momento para outro, colocar tudo em causa? Não creio.
Há que reconhecer que o plantel encarnado revela hoje carências que só o mercado pode solucionar. Rui Vitória tem feito os possíveis, mas perante um adversário que tão bem as conhece, torna-se muito difícil disfarçá-las.
O meio-campo e as faixas laterais da nossa equipa têm pouco a ver com os tempos de Maxi Pereira, Fábio Coentrão, Matic ou Enzo Perez. A verdade é que, por vários motivos, ainda não foi possível dar ao novo treinador as condições de que dispôs o anterior. Acredito que isso venha a acontecer, e ainda a tempo de alcançar o principal objectivo da temporada: o tri-campeonato. Em Janeiro teremos Nélson Semedo e Sálvio. E talvez mais alguém.

Para já, há que apoiar incondicionalmente estes jogadores, e este técnico, que estão a trabalhar seriamente para que os resultados apareçam. O balanço far-se-á no fim.

À VITÓRIA

Amanhã há Taça, e talvez estejamos perante o primeiro dérbi lisboeta da última década em que o favoritismo pende para o lado de lá.
Três ordens de razões concorrem para tal. Em primeiro lugar (com menor grau de importância) o factor “casa” sempre confere a quem dele beneficia uma certa vantagem relativa - basta consultar as estatísticas históricas. Em segundo lugar, há que dizer que teremos pela frente o líder do Campeonato, com toda a confiança que esse estatuto lhe confere, enquanto nós, com muita juventude na equipa, ainda andamos à procura de um ritmo cruzeiro que se enquadre na identidade competitiva que recentemente adoptámos. Por último, e com grande relevo num “tête-à-tête” desta natureza, teremos de admitir que vai estar do lado oposto um técnico que conhece as forças e fraquezas da nossa equipa como a palma das suas mãos, aspecto que, a meu ver, pesou decisivamente, quer no jogo da Supertaça, quer na partida da Luz para o Campeonato, com os resultados que conhecemos.
Partir com menos favoritismo pode influenciar as casas de apostas, mas não deve inibir o Benfica de jogar para ganhar. Um dérbi é um dérbi, e o Benfica é o Benfica.

A quem já venceu no Vicente Calderón (onde o favoritismo do adversário era muito mais acentuado), tudo é possível. Recorde-se também a excelente primeira parte feita no Dragão, à qual só faltaram os golos. Jogando com a intensidade evidenciada nessas ocasiões, contando com a inspiração dos principais artistas (falo de Gaitán e Jonas), e tendo do nosso lado a pontinha de sorte que protege os campeões, creio que ultrapassaremos esta eliminatória.