Quando o Benfica está à beirinha de conquistar o seu 32º título, é altura para recordar outros campeonatos ganhos, e a forma como eles foram eles vividos por este vosso amigo, em mais uma viagem pelo passado.
Recordo-me de um total de nove títulos (este poderá ser o décimo). Desde 1977, tempos de Chalana, Nené e Mortimore, até 2005, já com Simão, Luisão e Nuno Gomes. Vamos então relembrá-los um a um:
1976-77
Depois de uma época marcada pela impressionante recuperação classificativa face ao Sporting (que na primeira volta chegou a dispor de seis pontos de avanço, que hoje equivaleriam a nove), o Benfica sagrou-se campeão a três jornadas do fim, em jogo com o Beira-Mar no Estádio da Luz.
A festa estava prevista apenas para a semana seguinte, mas as derrotas de Sporting e FC Porto anteciparam a decisão. 4-0 foi o resultado, a que se seguiu uma volta triunfal ao campo, carregando aos ombros o treinador inglês John Mortimore.
Recordo-me de vários momentos dessa temporada (as partidas com o Sporting e com o FC Porto, por exemplo), mas a memória que tenho do jogo do título, e desse dia, é algo difusa. Recordo-me de ouvir partes do relato (provavelmente o meu pai ouvia-o enquanto eu brincava), tomei conhecimento que o Benfica era campeão, mas nem me lembro de ter ficado particularmente eufórico com o acontecimento.
Na altura este era o 14º título em 18 anos, pelo que as comemorações seriam naturalmente comedidas.
A equipa-base dos encarnados era composta por: Bento, Pietra, Alhinho, Eurico, Alberto, Toni, Shéu, Vítor Martins, Nelinho, Nené e Chalana (que na sua primeira temporada como sénior foi a grande estrela da equipa).
1980-81Este sim, foi o primeiro título que vivi com verdadeiro entusiasmo de campeão. Pôs fim a três temporadas de jejum (uma eternidade para a altura), e foi obtido numa época quase perfeita dos encarnados, a qual incluiu também a Taça de Portugal, a Supertaça e umas meias-finais europeias. Foi também nesta temporada que assisti ao meu primeiro jogo no Estádio da Luz, precisamente
um Benfica-Altay Izmir para a 1ª eliminatória da Taça das Taças.
O treinador era o húngaro Lajos Baroti, e a conquista foi selada na penúltima jornada, com uma goleada ao Vitória de Setúbal (5-1), testemunhada por um Estádio da Luz a rebentar pelas costuras, e já preparado para as festividades. Julgo ter sido o último jogo da carreira de Toni, que já não era titular, mas entrou para os minutos finais.
Não estive lá (só bastante mais tarde me tornei presença habitual), pelo que foi mais um título que me chegou pela rádio. A partida ficou marcada por uma muito criticada, e totalmente desproporcionada, carga policial aos adeptos que apenas pretendiam invadir o campo para festejar a vitória. Meteu Assembleia da República, críticas ao governo e tudo.
A equipa-base era a seguinte: Bento, Veloso, Humberto Coelho, Laranjeira, Pietra, Carlos Manuel, João Alves, Shéu, Chalana, Nené e César.
1982-83Um maior distanciamento temporal vai permitir um dia perceber onde enquadrar a actual equipa de Jorge Jesus, entre as que melhor futebol praticaram no Benfica do pós-Eusébio. Deixando esse exercício para depois, entregaria o prémio, por agora, ao conjunto de 82-83, orientado por Eriksson (na sua primeira época), e que encantou o país e a Europa.
Foi uma temporada inesquecível, com vitórias no Campeonato, na Taça de Portugal, na Supertaça e uma caminhada épica até à final da Taça Uefa, perdida na Luz diante do Anderlecht. Mais do que os resultados, o futebol de ataque praticado em todos os campos (fosse em casa, fosse fora) ficou na retina de muita gente, catapultando o treinador sueco para uma carreira internacional de grande sucesso .
O título foi carimbado em Portimão (vitória por 0-1), com duas jornadas ainda por disputar, e, se não estou em erro, quatro dias depois da final da Uefa. A festa foi feita na semana seguinte, em casa diante do Sporting. Esperava-se uma goleada (na Taça tinham sido 3-0), mas a vitória ficou-se por um golo solitário de Chalana, numa partida em que Bento defendeu um penálti e…falhou outro (suponho que por ordem inversa, mas isso pouco interessa para o caso).
Equipa-base: Bento, Pietra, Humberto Coelho, Bastos Lopes, Álvaro, Carlos Manuel, João Alves, Shéu, Chalana, Nené e Filipovic
1983-84No ano seguinte, ainda com Eriksson, a superioridade benfiquista voltou a ser inquestionável. Numa temporada em que apenas cedeu oito pontos, o Benfica sagrou-se campeão na penúltima jornada, em casa, e uma vez mais diante do eterno rival.
Nem foi preciso vencer, pois, à mesma hora, o FC Porto perdia no Bessa, e como tal, bastou um empate a um golo com o Sporting, a que se seguiu a tradicional invasão do relvado.
A grande aposta dos encarnados, depois de alcançada a final da Uefa no ano anterior, era a Taça dos Campeões Europeus. O sonho acabou por morrer aos pés do…Liverpool, com uma derrota por…4-1 (daquela vez em plena Luz, depois do 1-0 de Anfield), o que, numa altura em que ser campeão era corriqueiro, acabou por deixar um travo ligeiramente amargo, que nem o título nacional apagou inteiramente.
Tal como era habitual, todas as grandes emoções do campeonato foram vividas pela rádio. Assisti contudo, no Estádio do Bonfim, à primeira jornada desta temporada, e ao último golo da carreira de Humberto Coelho – que se lesionaria com gravidade poucas semanas depois num treino da selecção, não mais voltando aos relvados -, numa partida que o Benfica venceu por 2-3, com as bancadas a abarrotar de gente, um sol abrasador e um calor quase insuportável, sobretudo para quem estava espalmado contra a vedação (como era o meu caso). Estávamos, afinal de contas, em pleno Agosto.
Equipa-base: Bento, Pietra, Bastos Lopes, Álvaro, Sheu, José Luís, Carlos Manuel, Stromberg, Chalana, Diamantino e Manniche.
Chalana e Stromberg seriam vendidos para França e Itália respectivamente, Eriksson também abraçaria o Cálcio, e esse desinvestimento (necessário para Fernando Martins completar o terceiro anel do estádio) revelar-se-ia fatal nos anos seguintes.
1986-87Depois de um bi-campeonato portista, com Artur Jorge, o Benfica voltou aos triunfos, aproveitando muito bem o enfoque dado pelos nortenhos à Taça dos Campeões Europeus, que venceriam em Viena com o calcanhar de Madjer.
O Benfica vinha de uma temporada aziaga, em que perdera tudo em poucas semanas, depois de uma caminhada empolgante. A inesperada eliminação europeia aos pés do acessível Dukla de Praga (com um golo fatal, sofrido em casa, nos últimos minutos da segunda mão), e, principalmente, o título perdido na penúltima jornada, em plena Luz, diante do Sporting (1-2, o primeiro derby a que assisti ao vivo), abriram feridas na confiança dos adeptos face à sua equipa. Mais feridas ainda deixou a histórica goleada sofrida em Alvalade -
os célebres 7-1 - e a relação com o regressado John Mortimore ressentiu-se de tudo isso, não mais voltando a ser a mesma.
Em 1986-87 a equipa foi muitas vezes assobiada, e desconsiderada, mesmo comandando a classificação durante quase todo o campeonato. Temia-se que acontecesse o mesmo que no ano anterior, até porque a penúltima jornada reservava novamente um Benfica-Sporting.
Só que a história não se repetiu. Desta vez, praticamente na mesma situação, e também com 120 mil nas bancadas, o Benfica ganhou por 2-1 (golos de Chiquinho e Nunes), conquistando o título nacional, ao qual iria juntar, alguns dias mais tarde, a Taça de Portugal. Foi a última dobradinha do clube da Luz até à data.
Este foi o primeiro dos dois títulos que festejei em pleno estádio (o outro seria o último, o de 2005). Fui ver esse derby, presenciei a invasão de campo, e toda a euforia que tomou conta da família benfiquista. Recordo-me, como se fosse hoje, de ir festejar com as pessoas com quem vi o jogo, a um restaurante de Setúbal chamado “O Quintal” (não faço ideia se ainda existe). Comi cherne grelhado, regado com vinho rosé. Tinha eu os meus fabulosos 17 aninhos.
Para a história desta temporada fica também o registo daquele que terá sido o jogo com maior assistência de sempre disputado no nosso país, e a que eu também tive o privilégio de assistir. Foi o Benfica-FC Porto (3-1, hat-trick de Rui Águas), e "A Bola" do dia seguinte falava em 140.000 pessoas na Luz. Não as contei, mas sei de muita gente que ficou à porta com o bilhete na mão, sem conseguir passar a densa barreira humana que entopia todas os buracos por onde entrar no estádio.
Equipa-base: Silvino, Veloso, Dito, Oliveira, Álvaro, Sheu, Nunes, Chiquinho, Diamantino, Rui Águas e Manniche
1988-89Terá sido dos títulos menos sofridos que a história recente do Benfica nos apresenta. Talvez por isso, talvez fruto do desencanto de uma eliminação europeia precoce (com o improvável Liegeois), talvez também por ter, à época, 19 anos, e nessa idade as prioridades estarem muito para lá do futebol (raparigas, noitadas, festas, raparigas, faculdade, raparigas, etc, etc), terá sido também dos que menos me entusiasmou.
Foi o ano das vitórias por 1-0 conseguidas no último minuto, com golos de Vata (o surpreendente Bola de Prata nessa época), em que a contratação falhada de Quinito como técnico do FC Porto (substituído depois de uma copiosa derrota em Eindhoven) cedo deixou o caminho livre aos encarnados. Ainda assim, diga-se que com o regresso de Chalana (já longe do fulgor dos primeiros anos), e com as contratações de Valdo, Ricardo e Magnusson, o Benfica tinha uma extraordinária equipa, cuja base esteve na origem de duas finais da Taça dos Campeões Europeus nos anos imediatamente anterior e posterior a este. É verdade que haviam saído Dito e Rui Águas (como resposta do FC Porto à contratação de Ademir, no qual os azuis-e-brancos estariam interessados), mas as ausências pouco se fizeram sentir.
Ainda assisti ao vivo a três jogos desse campeonato, mas não foi uma temporada que me tivesse proporcionado recordações particularmente intensas.
Curiosamente, estive em vias de presenciar ao momento da consagração. Foi em Setúbal, a três jornadas do fim, quando uma vitória poderia ser suficiente para fazer a festa. Um golo de Aparício, já nos momentos finais (estabelecendo o 2-2), retardou o título, e obrigou a multidão que enchia por completo o estádio do Bonfim a guardar as bandeiras e cachecóis para a semana seguinte.
Foi em casa com o Estrela da Amadora, que uma vitória por 3-0 selou as contas. Não faço a menor ideia onde estaria a essa hora, e nesse dia. Mas estava certamente feliz.
Equipa-base: Silvino, Veloso, Mozer, Ricardo, Álvaro, Sheu, Vítor Paneira, Valdo, Chalana, Diamantino e Magnusson.
1990-91Eriksson havia regressado, e na primeira temporada tinha levado a equipa à sétima final da Taça dos Campeões da sua história. Em parte por isso, em parte por influência de um sistema tentacular que já à época invadia a arbitragem, o campeonato de 89-90 fugiu para o FC Porto, que, com Bandeirinhas, Kikis, Demols, Tozés e Vlks, conseguiu bater o Benfica de Valdo, Thern, Magnusson e Ricardo. Foi esse, aliás, o primeiro dos campeonatos ganhos pelo FC Porto de forma imoral, e fruto da sua crescente influência na arbitragem.
Em 1990-91 os encarnados viram-se precocemente afastados da frente europeia, ao perder com a Roma logo na primeira eliminatória da Taça Uefa. E, dedicando-se em exclusivo ao campeonato, partiram para uma caminhada imparável rumo ao título, que teve o seu apogeu nos
célebres 0-2 das Antas, com dois golos de César Brito.
Lembro-me de ouvir o relato desse jogo (que a poucas jornadas do fim decidiu quase tudo), como me lembro, também via rádio, da partida que garantiu o título, no Funchal diante do Marítimo (vitória por 0-2, também).
Na última jornada, com o estádio cheio, o convidado para a festa do título foi o Beira Mar, que levou 3-0, dois dos golos apontados por Rui Águas (de regresso ao seu clube depois de uma incompreensível experiência nas Antas, que nunca lhe perdoarei), que assim conseguia destronar Domingos Paciência na luta pela Bola de Prata - um grupo de sócios portistas, alegando (sabe Deus porquê) que Domingos tinha mais um golo, decidiu então mandar fazer um troféu paralelo para entregar ao avançado do FC Porto, numa daquelas atitudes saloias que mostra bem o espírito, passado e presente, daquele clube.
Recordo-me que a RTP transmitiu em directo os últimos dez minutos da jornada final, e a festa que se lhe seguiu.
Este foi o último campeonato de um período em que o Benfica, ganhando ano sim, ano não, ainda mantinha, ou pelo menos repartia, a hegemonia do futebol português. Daí em diante só conquistaria mais dois títulos, ambos em circunstâncias muito especiais.
Equipa-base: Neno, José Carlos, Ricardo, William, Veloso, Jonas Thern, Vítor Paneira, Valdo, Pacheco, Isaías e Rui Águas.
1993-94
Depois de um verão muito quente, com Sousa Cintra a aproveitar-se alarvemente da crise financeira do rival, e a aliciar muitos dos seus principais jogadores (que tinham os salários em atraso, e, como tal, podiam rescindir facilmente os contratos), o Benfica partiu para a temporada futebolisticamente fragilizado, mas com o seu orgulho ferido. Isso revelar-se-ia determinante, até porque na luta pelo ceptro teve no Sporting o mais directo opositor.
Paulo Sousa e Pacheco mudaram-se para Alvalade, João Pinto foi resgatado in-extremis numa viagem do presidente Jorge de Brito a Torremolinos, e Rui Costa, Isaías e Neno foram também abordados, mantendo-se todavia na Luz. Futre tinha sido vendido para Marselha, mas ainda assim, os que ficaram, formavam uma grande equipa. Restava saber se haveria condições de retaguarda (desde logo financeiras) para levar a nau a bom porto. E nesse particular o trabalho desenvolvido por Toni foi fundamental, segurando pelas pontas um grupo muito talentoso mas desorganizado e indisciplinado, que tinha nos russos Kulkov, Yuran e Mostovoi as principais dores de cabeça.
A época haveria de reservar grandes momentos, grandes vitórias, estádios cheios, muitos novos associados, o que parecia permitir ao clube retomar o rumo correcto. Infelizmente foi sol de pouca dura, e os anos seguintes iriam evidenciar que as coisas estavam mesmo mal. Só onze anos depois o Benfica voltaria a ser campeão nacional, depois de aventuras que quase levaram à sua destruição.
O grande momento deste campeonato foi naturalmente
a vitória por 3-6 em Alvalade, jogo em que João Pinto, um dos protagonistas do defeso anterior, terá feito a exibição da sua vida. Mas o título só ficou seguro duas rondas depois, em Braga, numa partida com o Gil Vicente (numa altura em que ninguém se lembrava de reclamar por os clubes pequenos mudarem os jogos grandes para estádios onde pudessem obter maiores receitas), em que foi uma vez mais João Pinto a brilhar, marcando os dois primeiros golos de uma vitória por 0-3.
Na altura eu fazia parte de uma equipa (se é que se pode chamar-lhe assim) de futebol de cinco que, ainda disputou alguns torneios na região. O jogo de Braga foi durante a semana, num fim de tarde de, salvo erro, quarta-feira, e ouvi o relato durante um treino, som vindo do auto-rádio de um dos colegas que estacionara junto ao ringue. Quando o jogo acabou estava, recordo-me bem, a tomar banho, e seguiu-se naturalmente uma jantarada. Mas a maior dose de euforia tinha sido servida com o triunfo em Alvalade.
Na semana seguinte o Estádio da Luz encheu para receber os campeões. Era a penúltima jornada, e o adversário o Vitória de Guimarães. Não arranjei bilhete, e faltei à cerimónia. Nem a minha ausência, nem o empate a zero retiraram brilho às festividades.
Equipa-base: Neno, Veloso, Mozer, Hélder, Schwarz, Kulkov, Vítor Paneira, Rui Costa, Yuran, João Pinto e Isaías.
2004-05Obtido em circunstâncias particularmente difíceis, na sequência de um longo jejum, com um plantel muito limitado e uma concorrência extremamente forte (FC Porto campeão europeu, Sporting finalista da Uefa, Boavista ainda nos seus bons tempos, Sp.Braga a nascer para aquilo que é hoje), depois de um campeonato verdadeiramente espectacular (o melhor de que me lembro), este foi para mim o título mais reconfortante de todos os que vivi.
Cedo comecei a acreditar na equipa, e momentos houve em que me pareceu ser o único a fazê-lo. Levei a peito aquela equipa, aqueles jogadores, e aquela temporada. No fim, como nos filmes, tudo acabou em bem.
Foi, até hoje ,a temporada futebolística em que vi mais jogos ao vivo. Em casa não perdi nenhum, e fora fui a todo o lado onde pude ir. Muito sofri eu…
A decisão final foi apenas na última jornada, no Bessa, em tarde para recordar durante uma vida. A procissão de carros pela A1 acima, o leitão da Mealhada, em restaurante à pinha onde os cânticos slb,slb emergiam à medida que o vinho escorria pelas gargantas, o dramatismo de um jogo que, pela primeira e única vez na vida, quase me obrigou a sair da bancada, tal o estado de nervos que me tolhia o corpo e a alma. No fim foi o que se viu. Talvez tenha sido dos poucos benfiquistas a estar, nessa noite, no Bessa, no Aeroporto, e no Estádio da Luz, com um belo jantar pelo meio, e festa até de manhã. Só me deitei depois de ler “A Bola” de segunda-feira.
Este campeonato ficou porém desde logo alinhavado na semana anterior, no também inesquecível derby do golo de Luisão. Já
aqui recordei esses dois momentos.
Equipa-base: Quim, Miguel, Luisão, Ricardo Rocha, Dos Santos, Petit, Manuel Fernandes, Nuno Assis, Geovanni, Nuno Gomes e Simão.
Agora, venha o próximo…