Diante de um adversário frágil e (ainda mais) cansado, o Benfica aproveitou a ocasião para oferecer uma bela tarde europeia aos mais de trinta mil espectadores que, num dia de temporal e a horas de trabalho, não quiseram mesmo assim deixar de acompanhar a equipa.
O espectáculo foi muito agradável, o jogo foi fluído, e os golos foram aparecendo com naturalidade. Durante dois terços do tempo o Benfica foi uma equipa demasiado forte para um Hertha sem argumentos. A inspiração de Di Maria e Fábio Coentrão fez do corredor esquerdo um inferno para a defesa alemã, que desde cedo deu a sensação de apenas pretender que o calvário terminasse o mais rapidamente possível. A meia-hora do fim Jesus decidiu que já chegava, retirou Aimar, Di Maria e Saviola, e o jogo acabou. Ficou posta de parte a hipótese de uma goleada histórica, mas a exigência dos próximos compromissos não deixa espaço para grandes romantismos.
Se este jogo era um teste à capacidade física do Benfica, a verdade é que a resposta foi muito positiva. Apesar das debilidades do Hertha, o Benfica jogou um futebol veloz, criativo e, a espaços, empolgante, à imagem e semelhança do que protagonizou nos melhores momentos da temporada.
Se há unidades em sub-rendimento (apesar do golo, o sumaríssimo a Javi Garcia vem mesmo a calhar, e Saviola, embora mais activo, está ainda longe do seu melhor), também há outras em excelente momento de forma. Para além dos dois jovens alas-esquerdos, Cardozo regressou aos golos, e Aimar mostrou alguns rasgos da sua genialidade, enquanto na linha defensiva os centrais continuam em alta. Globalmente a exibição foi pois de bom nível, deixando água na boca para os próximos e importantes jogos.
Mesmo perante a presença anunciada de Michel Platini, o árbitro holandês mostrou dualidade de critérios e falta de categoria. Complicou o que pôde, mas a diferença entre as equipas era demasiado grande para que os efeitos da má arbitragem se fizessem sentir. Em consequência do Europeu 2000 (castigos a Paulo Bento, Nuno Gomes e Abel Xavier), do Mundial 2002 (agressão de João Pinto a um árbitro) e do Mundial de 2006 (o célebre Portugal-Holanda), as equipas portuguesas têm andado na mira das arbitragens internacionais. Golos como o do FC Porto frente ao Arsenal só acontecem com o FC Porto, pois isto do G14, e de muitos anos na Liga dos Campeões traz alguma protecção. O Benfica (tal como Sporting e restantes clubes), andando há alguns anos longe dos grandes filmes, sofre inevitavelmente as consequências correspondentes.
Segue-se provavelmente o Marselha. Ou me engano muito ou essa eliminatória representará o fim da linha para s encarnados nesta Liga Europa, onde já cumpriram os mínimos, ganharam uns trocos e subiram no ranking aquilo que podiam subir. O campeonato é a prioridade máxima e absoluta, e não vejo como seja possível enquadrar mais quatro jogos internacionais (caso os franceses sejam ultrapassados) no meio das grandes exigências da batalha interna, que implicam total enfoque físico e, sobretudo, emocional. Jogadores como Saviola, Aimar ou Ramires não poderão ser submetidos a maior desgaste, sob pena do seu rendimento se ressentir dramaticamente no campeonato. Há quatro anos, Fernando Santos perdeu tudo por não saber fazer a escolha que a dada altura se impunha, e por muito que me custe a admiti-lo (e acreditem que custa bastante), não creio que este Benfica tenha presentemente condições para apostar fortemente numa grande caminhada europeia. A partir de agora há pois que poupar os principais titulares na Liga Europa, e dar oportunidades a outros elementos do plantel (Ruben Amorim, Carlos Martins, Airton, Weldon, Sidnei, Nuno Gomes, Felipe Menezes, Kardec, Eder Luís, Miguel Vítor, Roderick etc), motivando-os para que façam o melhor possível. Se der para mais alguma coisa, óptimo. Caso contrário, haverá certamente condições para sair com dignidade. Escreve uma pessoa que preza muitíssimo as provas europeias, que aprendeu o benfiquismo nas inesquecíveis noites da antiga Luz, mas cuja paixão não pode, nem deve, sobrepor-se à frieza de análise que as circunstâncias exigem.