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GOLPE DE ESTÁDIO (6)- Último

Toda a gente sabia que Pinto da Costa vivia do futebol e essencialmente do seu clube,
mas ninguém se arriscava a comentar o facto publicamente. Não se lhe conhecia mais
nenhuma actividade e muito menos tinha fortuna pessoal, mas não obstante estes factos,
vivia como um milionário. Comprava apartamentos de grande luxo para familiares e
denunciava sinais exteriores de riqueza. A sua vida era um mistério que ninguém ousava
desvendar.
Numa reunião de direcção, Pinto da Costa colocou com toda a frontalidade o seu
problema económico. Ele tinha consciência de que aquilo que impunha era aceite, e ninguém
ousava comentar.
Já passava das 22 horas, quando entrou pela sala de reuniões. À sua frente estendia-se
uma mesa larga e comprida com os cantos arredondados. Á sua volta estavam sentados oito
dirigentes discutindo entre si vários problemas de menor importância, mas quando sentiram a
porta a abrir-se, viram Reinaldo Teles com o puxador na mão a dar passagem a PC, que
entrou com um sorriso nos lábios, logo seguido do irmão de Reinaldo, cuja postura física e
comportamento se assemelhavam aos de um gorila. Toda a gente se levantou para
cumprimentar o presidente. Reinaldo tropeçou na alcatifa e, não fora a acção rápida de Ilídio
Pinto, a segurá-lo pela gola do casaco, ter-se-ia enfiado por debaixo da mesa.
PC largou um sorriso, e em tom de brincadeira comentou:
-Reinaldo, estão a tirar-lhe o tapete?
Toda a gente riu, mas Reinaldo é que não achou piada nenhuma.
Todos se sentaram, e Pinto da Costa apresentou de imediato a sua proposta:
-Meus senhores, aqui neste clube os vencimentos vão ser atribuídos conforme as
responsabilidades. A pessoas mais responsável é sem dúvida o presidente. Concordam?
Os presentes na reunião olharam-se entre si e, sem perceberem muito bem o que PC
queria dizer, acabaram por concordar, muito embora se mostrassem hesitantes. Mas, ao
aperceber-se da situação, Reinaldo fez da sua voz a de toda a gente:
-Claro que ninguém tem dúvidas que a maior responsabilidade pertence ao presidente.
Como ninguém se atreveu a contestar tal afirmação, PC, sem mais delongas, expôs a sua
posição:
-A partir de agora, o presidente vai ganhar sete mil contos por mês, o treinador seis mil
e depois seguem-se os vencimentos dos jogadores, sem luvas e prémios, está claro.
Os presentes estavam à espera de tudo, menos de uma situação como aquela, e dois
«vices», sem soltarem uma única palavra, levantaram-se da mesa e saíram. PC não se
preocupou com o facto, tinha-os na mão e sabia que ninguém tinha tomates para falar.
Enfrentando os que ficaram, não deu hipótese a que ninguém mais recuasse:
-Então, como este ponto está aprovado, passemos a outro!
Ouvia-se a chuva que batia nos vidros. Reinaldo bem tentou dar vida à reunião, mas o
seu vocabulário não lhe permitiu ir além de uns monossílabos completamente
desenquadrados de toda aquela situação:
-Bem...hum...hum...pois...
A reunião, por motivos óbvios, acabou depressa. Um raid de comandos não seria mais
fulminante.
O suporte económico de PC estava a consolidar-se. Sabia-se da sua ligação camuflada à
agência de viagens, da sua comparticipação nos lucros e actividade da Olivedesportos e
ultimamente até tinha comprado um jornal, um elemento indispensável para dar a cobertura
nacional necessária aos seus mais variados negócios. A corrupção era uma fonte de receita
inesgotável e sem impostos. Mas como não assumia publicamente - nem o podia fazer -
nenhum destes negócios, tinha sérias dificuldades em explicar de onde lhe vinha a fortuna.
Não se preocupava muito com isso. Ele sabia que tinha várias espécies de argumentos para
fazer calar quem ousasse pedir explicações. Era um homem com a resposta sempre na ponta
de uma viperina língua.
Tudo estava devidamente controlado e de nada adiantava aos clubes da capital lutar
pelo poder dentro das estruturas do futebol. PC sabia, há muito, que a força do dinheiro
combatia tudo, e as lutas regionais e clubistas superavam-se com facilidade, com sexo e com
dinheiro. E nestas áreas estava tudo mais que garantido.
Nos momentos decisivos de eleições federativas, era ele quem controlava todas as
situações, tendo com referência a ajuda preciosa de Adriano Pinto, um estratego de alto nível
e um exímio jogador de sueca. Adriano Pinto era homem para deixar o adversário sem vazas,
mesmo quando este só tinha trunfos, passe o exagero.
Adriano e PC escolhiam os lugares que mais garantias lhes davam para a continuidade
dos seus vários negócios, mas, como não podiam escolher todos os lugares, autorizavam
mesmo que alguns mais importantes caíssem nas mãos de dirigentes ligados aos seus mais
directos rivais.
Não seriam necessários mais de dois meses após o acto eleitoral federativo para que se
tornasse claro que os dirigentes indicados pelos clubes da capital já estavam do lado de PC.
Mestres na arte da corrupção, proporcionavam vidas faustosas aos dirigentes inimigos(?), e a
clubite era de imediato esquecida. Era normal ver-se um presidente federativo ao lado do
clube de Pinto da Costa, quando este tinha de enfrentar algumas dificuldades e, sabendo-se
que esse dirigente se afirmava de determinado clube da capital, nunca ninguém se espantou
por ele nunca aparecer ao lado do clube das suas cores para o defender. Pelo contrário, até
surgiu um presidente lisboeta que se tornou mais nortenho que um galego!
Os pontos chave estavam todos controlados, para que a manobra fosse absoluta.
Exageraram, no entanto, em algumas situações. A sede do poder subiu à cabeça de Pinto da
Costa, e os ataques ao Governo fizeram-se sentir com grande intensidade quando verificou
que no campo político não era possível ter tanta cobertura como no futebol.
A Procuradoria da República colocou a Polícia Judiciária em campo, e acção contra a
corrupção no futebol desenvolveu-se de uma forma intensa. Durante vários meses, Reinaldo
Teles e Jorge Gomes foram vigiados de perto, e os seus telefones ficaram sob escuta.
Passado um mês, os agentes encarregados desta função já não tinham qualquer dúvida em
relação à corrupção e aos negócios de Reinaldo Teles, mas as investigações continuaram.
Os agentes testemunharam vários encontros de árbitros com Reinaldo e Jorge Gomes.
Ouviram várias conversas em código, mas que entendiam perfeitamente. A rede estava bem
montada e tudo indicava que, mais tarde ou mais cedo, Reinaldo e os seus pares iriam cair
nas várias armadilhas que lhes estavam a ser montadas.
Pinto da Costa estava fora dessa investigação. Não era fácil atacar-se um homem com o
seu poder. A polícia tinha de atacar por baixo para chegar lá acima, mas juridicamente o
grupo estava bem organizado e bem escorado.
Jogavam, de uma forma invulgar, com carências que a Lei apresentava no combate à
corrupção. Seria fácil para a polícia chegar à conta bancária de qualquer um deles e pedir
justificações para o movimento semanal de verbas tão volumosas. Mas tal não era possível.
Os agentes encarregados da investigação viviam desesperados por não poderem provar
aquilo que viam com os seus próprios olhos. Por isso, atrasaram as investigações, esperando
uma melhor oportunidade que nunca surgia. Eles sabiam que, no momento que pedissem
contas ou justificações, bastava um deles negar-se a fazê-lo para que o processo não
avançasse. Eles sabiam, também, que quem tinha que provar que o dinheiro nas suas contas
bancárias era ilegal era a polícia e não os acusados.
Estavam de mãos atadas.
Os agentes destacados para a investigação conheciam o terreno que pisavam e não
estavam nada optimistas em relação às provas que poderiam vir a encontrar. Isto apesar de
terem assistido a vários encontros e conversas que indiciavam a existência de actos
corruptos.
Um dia, resolveram seguir Reinaldo Teles e acabaram num bar de alternos perto do
Marquês. No seu interior estavam dirigentes de um clube, em amena cavaqueira, e que
tinham lá ido para se encontrar com um árbitro que lhes ia apitar o jogo da próxima jornada.
O espectáculo estava a começar, e no meio da pista exibia-se um travesti com farta
cabeleira longa encaracolada e um vestido coberto de lantejoulas vermelhas que lhe descia
pelas pernas até ao tornozelo, abrindo uma enorme racha que se prolongava pela coxa
esquerda. Cantava em play-back uma canção de Maria Betânia. O árbitro, sentado numa
mesa próxima da pista, coçava a sua careca, enquanto alisava os poucos cabelos que lhe
sobravam e que lhe cobriam apenas as têmporas. Levou o copo de whisky aos lábios e
pousou-o quase de imediato para aplaudir a actuação do travesti.
Quando lançou um olhar sobre a entrada viu surgir Reinaldo Teles. Uma das putas
levantou-se com ligeireza e foi cumprimentá-lo, enquanto as outras a olhavam com inveja e
diziam:
-Se a Luísa sabe desta merda, vem aí e dá-lhe uma tareia que a fode.
Reinaldo, sem perder o seu habitual fair-play, afastou a mulher e, quando ela se virou,
mostrando um cu arrebitado e comprimido numas calças de licra, não resistiu a dar-lhe uma
palmada, enquanto lhe dizia:
-Tens o melhor cu da Europa.
O árbitro assistiu a toda a cena e cumprimentou Reinaldo com um ligeiro aceno de
cabeça. Os dirigentes ganharam coragem, levantaram-se e foram falar com o árbitro, que os
conhecia e já esperava a investida. Após os cumprimentos tradicionais, o árbitro esperou pelo
primeiro ataque, e logo que lhe referiram o jogo de domingo disse apenas:
-Não percam tempo. Esses negócios não são tratados comigo. Se querem alguma coisa,
falem com Reinaldo Teles. Ele chegou agora, falem com ele.
Os agentes da PJ nem queriam acreditar no que ouviam. Estavam perto e escutaram a
conversa. Esperaram pela reacção dos dirigentes, e estes, sem perderem tempo, pediram
licença para se sentar na mesa de Reinaldo.
Só ouviram Reinaldo dizer:
-Apareçam amanhã para falarmos desse caso.
Tinham voltado à estaca zero, quando julgavam que estava em perspectiva a flagrante
que tanto desejavam.
Era difícil arranjarem-se provas para deter Reinaldo e Jorge Gomes. Eles rodeavam-se de
cuidados dignos de grandes profissionais. O inspector que comandava a operação chegou a
dizer:
-Isto não vai ser fácil. Ou temos a sorte de os apanhar em flagrante, o que é
tremendamente difícil, ou então temos de utilizar a táctica de Al Capone.
-A táctica de Al Capone? - perguntou um dos agentes, sem entender muito bem o que o
seu chefe queria dizer.
-Eu explico. Toda a gente sabia que Al Capone era um gangster de primeira categoria.
Matava, corrompia e só tinha negócios ilícitos, mas como ninguém podia provar nada, muitas
vezes até passou por bom rapaz, negando descaradamente os seus crimes. Temos neste
caso o exemplo disso mesmo.
Todos temos a certeza que Pinto da Costa e Reinaldo Teles estão envolvidos em casos
de corrupção, mas como ninguém pode provar nada, quando alguém os acusa, ainda corre o
risco de se transformar num difamador. Ao Al Capone meteram-no na cadeia por fuga aos
impostos, e a estes só lhes podemos pegar pelo mesmo motivo, muito embora o sistema
fiscal do nosso país não nos dê muita margem de manobra para isso. Doutra forma, só
mesmo se um dos árbitros corruptos falar, e isso não é muito provável.
A corrupção atingia quase todos os sectores do futebol, e não havia dúvidas de que
existia uma organização perfeita por trás de toda esta situação.
Os mais altos dirigentes federativos recebiam luvas da Olivedesportos para ultrapassar
regulamentos, dar exclusivos sem concursos públicos ou marcar jogos seguindo as
conveniências horárias da televisão. A PJ seguiu alguns desses dirigentes e verificou que
estes no final de cada mês passavam pelos escritórios da Olivedesportos e nunca ninguém
acreditou que eles fossem apenas cumprimentar ou desejar um bom final de mês a Joaquim
Oliveira. Mas, apesar de toda esta evidência, de que algo de anormal se passava, e não haver
dúvidas de que existia corrupção, não se conseguia prender ninguém. Quando existia mesmo
a possibilidade de se poderem arranjar provas de um crime, elas eram imediatamente
abafadas, sem ninguém saber como.
Mas um jogador que foi contactado por Jorge Gomes para facilitar um resultado fez
questão de dar com a língua nos dentes e transformou o seu caso num escândalo nacional.
Prometeu contar toda a verdade. Porém os casos caíam sempre na mão de quem sabia como
lhes dar destino. Numa primeira abordagem, esse jogador teve medo de contar toda a
verdade. Foram apontadas testemunhas para esse caso que poderiam ser o início da
derrocada da organização, mas mais ninguém foi ouvido sobre essa questão. O processo
desapareceu como o fumo, levando o caminho de tantos outros: arquivado por falta de
provas. É que, quando elas existiam ou se perspectivava o testemunho dos factos, surgia
logo uma misteriosa corrente no sentido de fazer as coisas caírem no esquecimento. O
império resistiu ao movimento das catacumbas.
A televisão gastava milhões em transmissões televisivas. O responsável por essas
negociações comprou a dinheiro, misteriosamente, uma casa no valor de 50 mil contos.
Todos sabiam que meses antes ele não tinha possibilidades de efectuar tal negócio. Era mais
que evidente que estava a receber luvas da Olivedesportos, mas ninguém lhe pediu contas.
O descaramento era tal neste tipo de negócios, e a cobertura de tal forma forte, que a
Olivedesportos, uma empresa instalada num modesto T1, com dois empregados e uma
mulher de limpeza, fazia frente e vencia as estações de televisão mais fortes em estruturas e
com grande peso político e religioso.
Fomentaram-se guerras, desmascaram-se situações, mas a organização tinha tal poder
que nem sequer foi minimamente abalada. Ninguém compreendia aquele fenómeno. Um
escudo invisível parecia proteger a coutada de PC.
Por trás das outras empresas, havia gente com grande peso político, ex-ministros e até
ex- primeiros-ministros, mas estas empresas esbarravam sempre no gnomo Joaquim Oliveira,
o tal que meia dúzia de anos antes era apenas o proprietário de um bar de alternos com
putas ranhosas e que até as cuecas tinha penhoradas.
A televisão era um enorme fonte de receita. O segredo do negócio não residia como se
tentava fazer crer, na negociação da exclusividade das transmissões, mas no sistema
camuflado de publicidade estática.
Tudo isto formava uma teia bem tecida e organizada.
Por seu lado, o irmão de Oliveira, quando deixou de jogar futebol, dedicou-se à
actividade de treinador, mas apesar de todas as ligações comerciais com PC, nunca se deixou
envolver pelo sistema. Treinou sempre clubes de pequena nomeada, e era evidente a sua
grande capacidade de comando e leitura de jogo. António Oliveira era inteligente e conhecia
como ninguém o futebol por dentro, mas nunca foi um grande amante do trabalho. Treinar
um clube e ter de se levantar todos os dias de manhã para exercer essa actividade, ou
radicar-se numa cidade pequena para poder laborar, nunca esteve nos seus horizontes, e daí
o seu êxito não ter tido uma dimensão à altura do seu talento.
A solução para o seu problema estava na selecção. Trabalhava de três em três meses, e
como capacidade e talento eram coisas que não lhe faltavam, este era um emprego à sua
medida.
Pinto da Costa controlava todas estas áreas, e não havia dúvidas de que era ele quem
mandava no futebol. A Polícia incomodava toda a gente, procedia a investigações, fazia
buscas residenciais a várias personalidades, que toda a gente sabia serem satélites de PC,
mas nele ninguém tocava. PC, surgia sempre acima de toda a suspeita e com uma porta
aberta para sair em defesa dos seus protegidos e dar-lhes a cobertura necessária. O Grande
Líder tinha consciência daquilo que valia e do poder que tinha. Sabia que os mais altos
dirigentes políticos lhe vinham mendigar apoio nos momentos cruciais. O escândalo não o
afectava; a contínua suspeita que caía sobre ele e os seus sócios não tinha grandes efeitos
sociais, como se toda a gente aceitasse pacificamente que o futebol era um antro de
negócios marginais. O certo é que, apesar de todos os hinos cantados à inocência, quando
surgia uma suspeita de corrupção ligada ao futebol, a direcção era sempre a mesma e atingia
sempre as mesmas pessoas.
Ninguém podia pensar numa perseguição injusta, como fazia crer, porque isso seria até
um insulto a Pinto da Costa e à sua reconhecida capacidade de gestão de problemas.
-Eles que venham comer o milho à minha mão - sussurrava PC, enquanto abria mais
uma edição do «Independente», de novo com a sua foto na capa.
A Polícia Judiciária estava no auge das suas investigações. Tinha acumulado provas
substanciais, o que levava a brigada a pensar que já havia dados mais que suficientes para
começar a prender pessoas. Mas cantaram demasiado cedo o grito da vitória. Não
acreditavam na força que a organização tinha e acabaram por ser surpreendidos, isto não
obstante terem mesmo chegado a ser passados vários mandatos de busca a casa dos
maiores suspeitos.
Pinto da Costa tinha conhecimento das investigações que estavam a ser efectuadas e
avisou Reinaldo Teles para que este se rodeasse de maiores cuidados nos negócios que
efectuava. Aos poucos, foram retirando de suas casas documentos que poderiam indiciar a
sua actividade marginal. Começou a haver um maior cuidado nos movimentos bancários, mas
o negócio não parou. Quando tinham dúvidas sobre como deveriam actuar sem deixar rastos
que mais tarde os pudessem comprometer, consultavam um dos seus advogados com fama
de grande especialista em crime e avançavam com todas as medidas de precaução. As
despesas eram muitas, e acabar com o negócio seria o princípio do fim. Alguém tinha de
saldar as dívidas e repor o dinheiro mal aplicado.
Num dos momentos de maior pressão, tornou-se necessário negociar o resultado de um
jogo com um árbitro portuense. O preço estabelecido foi de três mil contos e foi marcado
encontro com esse juiz na segunda-feira seguinte no bar de Reinaldo.
Nessa noite, o primeiro a chegar foi Jorge Gomes e só mais tarde apareceu Reinaldo, um
tanto desconfiado, olhando para todos os cantos da sala com a nítida intenção de identificar
todos os seus clientes e classificar os suspeitos. Nem sequer cumprimentou Jorge Gomes, e
este, um tanto admirado, não entendendo o que se estava a passar, acabou por perguntar
entre dentes:
-O que é que tens. Está cá alguém da Judite?
-Estou a ver se descubro alguém suspeito. Olha aqueles dois ali ao canto. Conheces?
Jorge Gomes rodou sobre os calcanhares com tal velocidade que até entornou o whisky
que tinha na mão, marcando-lhe o príncipe-de-gales. Reinaldo, irritado com tal atitude, não
se conteve:
-És mesmo burro. Se eles forem da Judite, dás logo a perceber que estás comprometido.
-Oh, pá, fiquei assustado! Tens razão, mas não te preocupes com aqueles dois. Eu
conheço-os. São cabritos.
Reinaldo Teles respirou fundo e comentou com Jorge Gomes o jogo do dia anterior e o
investimento dos três mil contos.
-Viste ontem? Foi tão fácil. Ele controlou o jogo como quis, não houve escândalos e hoje
a Imprensa não faz grandes críticas. Assim é que é bom ganhar dinheiro.
Jorge Gomes não perdeu a oportunidade para perguntar quando é que os três mil eram
entregues, assim como a comissão deles, e Reinaldo Teles explicou-lhe o seu plano com uma
certa vaidade:
-O homem ficou de vir cá hoje entregar o dinheiro, e o árbitro também vem cá buscá-lo.
Devem estar aí a chegar.
-Mas, não é perigoso? Ele devia ter sido pago antes, como os outros. O chefe não nos
avisou para termos cuidado, porque estávamos a ser seguidos?
-Não te preocupes, eu tomei as minhas precauções...
Reinaldo nem sequer teve tempo para acabar a frase, pois o árbitro cumpriu
escrupulosamente o horário e estava, nesse momento, a entregar o seu sobretudo no
bengaleiro. Após receber a ficha de depósito, dirigiu-se para uma mesa, cumprimentando
Reinaldo de esguelha. O empregado abeirou-se do cliente, e este pediu um whisky com Coca-
Cola e muito gelo.
Não passaram mais de 10 minutos e entrou o dirigente que levava os três mil contos. Tal
como o árbitro, entregou o seu sobretudo ao porteiro e dirigiu-se para outra mesa, fazendo
também um leve aceno de cabeça a cumprimentar Reinaldo que, de imediato, lançou um
olhar cúmplice a uma das suas miúdas. Esta, sem perder tempo, foi sentar-se na mesa do
dirigente, e minutos depois já saltava a rolha da primeira garrafa de champanhe, enquanto a
empregada lhe mordia o lóbulo da orelha e lhe prometia uma noite de sonho.
O árbitro acabou de sorver o seu whisky, chamou o empregado, pagou e dirigiu-se para
o bengaleiro, a fim de levantar o seu sobretudo, que lhe foi entregue de imediato. Saiu,
metendo uma nota de cinco mil na mão do porteiro.
Jorge Gomes, que seguiu todos estes movimentos em silêncio, acabou por perguntar a
Reinaldo:
-Então o gajo foi-se embora e não levou a pasta? Viste a gorja que ele deu ao porteiro?
-És um principiante nestas andanças.
Jorge Gomes ficou a olhar para Reinaldo Teles, sem perceber muito bem o que este
queria dizer, mas a explicação veio de seguida num tom que denunciava uma certa vaidade:
-Quando o árbitro entrou, entregou o sobretudo no bengaleiro, não foi?
-Foi, eu vi.
-Depois, quando chegou o «pato», fez exactamente a mesma coisa. Só que no sobretudo
dele vinha um pacote com os 3 mil, e o Chico Manco - o homem do bengaleiro - já tinha
instruções para passar os três mil de um sobretudo para o outro. Por isso, quando o árbitro
saiu, já tinha no bolso a fruta. Desafio o mais esperto a provar que alguém lhe deu aqui
dentro o que quer que fosse.
Jorge Gomes ficou de boca aberta, sem dizer palavra, e Reinaldo enchendo o peito não
resistiu a comentar:
-Ainda não entendeste? És mesmo burro. A isto chama-se a táctica do sobretudo.
As investigações intensificavam-se, o cerco apertava-se e Reinaldo Teles começou a
beber uns copos a mais. Num dos seus momentos de delírio, devido ao exagero de
alcoolemia, deu consigo a pensar no passado. Viu-se no centro do ringue, de luvas
levantadas, gritando vitória. Lembrou as patrulhas que fazia em Santos Pousada, quando era
necessário controlar as suas putas. Os momentos difíceis e as lutas travadas. E chorou.
Agora, graças ao futebol, era um empresário de sucesso.
Sozinho, sentado na secretária que tinha a um canto do seu escritório, entrou num
momento de tristeza. Algumas lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto, enquanto o ranho
se lhe soltava pelo nariz.
Entabulando um diálogo consigo próprio, reviveu o passado:
-Tenho a agradecer muito ao PC, mas também, se não fosse eu, se calhar ainda hoje ele
andava a vender fogões.
Soltando um palavrão ao mesmo tempo que atirava o copo para o chão, foi justificando
as suas atitudes como se procurasse no infinito a razão para as suas acções.
-Temos o dinheiro que nos apetece. Isso é crime? Nós fazemos parte do espectáculo.
Somos nós que montamos a tenda. Somos nós que damos a alegria ao povo. Ganha quem a
gente quer. Fazemos muita gente feliz. Temos de ser bem pagos por isso. Somos os
maiores!...
Este último grito alertou o porteiro, que foi avisar Luísa. Esta largou o balcão,
entregando a gestão das operações à sua grande amiga Geny, uma mulata que não
escondia, o seu gosto pelas mulheres. Luísa entrou no escritório deparando com Reinaldo a
cambalear e a tentar encontrar a cadeira da sua secretária.
Luísa fechou de imediato a porta e comentou com ar de desprezo:
-Já viste a cena que estás a fazer. Olha se alguém te via nesse estado. Deita-te mas é aí
a dormir, para ver se isso te passa até fecharmos.
Reinaldo olhou Luísa e voltou a lembrar-se do passado. Também ela o tinha ajudado a
triunfar, e prometeu:
-Se nos safarmos desta, podes ter a certeza que vou acabar com esta merda do putedo.
Não quero mais putas a trabalhar para mim. Vou abrir um bar decente. Já chega! Agora sou
um senhor. O primeiro-ministro até me quis condecorar, mas quando soube que eu tinha esta
merda, recuou. Acabaram-se os alternos. Lembra-te que até posso vir a ser presidente do
nosso clube.
Ao ouvir isto, Luísa torceu o nariz e respondeu:
-Com que grande bebedeira tu estás.
-O quê... não acreditas? Olha que continuo a ser o número dois do nosso clube, e alguns
candidatos políticos até já me pedem apoio para as eleições. No fundo, eles são como nós.
Com putas ou sem putas, é quem mais se orienta. Não vês o nosso presidente. Os grandes
políticos vêm todos ao beija-mão. O futebol é que comanda este país, e o resto é treta.
Luísa não lhe deu muita conversa e ajudou Reinaldo a deitar-se num pequeno sofá,
tirando-lhe a garrafa do whisky da mão:
-Hoje, já não bebes mais. Dorme um bocadinho, que isso passa-te.
Quando tomou a sua posição no balcão, viu entrar Pinto da Costa e ficou assustada. Se
ele visse o estado em que estava Reinaldo, era capaz de ficar aborrecido. Por isso, chamou-o
para o cumprimentar e sem lhe dar tempo para perguntas disse:
-O Reinaldo teve de sair, mas deve estar aí a chegar. Sente-se ali numa mesa que eu
mando-lhe já boa companhia.
PC sorriu, e acabou por dizer:
-Confio nos seus gostos. Estou mesmo a necessitar de uma coisa boa para me divertir,
porque problemas já eu tenho com fartura.
-Passadas duas horas, PC já estava todo lambuzado de bâton. Luísa tinha-lhe colocado
na mesa uma das bailarinas que fazia parte do show e, como uma boa profissional que era,
esta fez PC esquecer o tempo.
Luísa entrou novamente no escritório, e Reinaldo roncava que nem um porco. Abanou-o
para o acordar, e este, estremunhado, abriu os olhos e começou a gritar:
-Eu estou inocente, o PC é que tem a culpa de tudo...
Luísa deu-lhe um estalo, ao mesmo tempo que dizia:
-Está calado. Não faças cenas, que eu não sou da Judite. O PC já está lá fora há duas
horas. Arranja-te, que eu vou buscar-te um café. O homem parece que quer falar contigo
ainda hoje.
Reinaldo entrou na casa de banho, molhou a cara, penteou-se, esperou pelo café e só
depois foi ter com PC.
-Então presidente! Quer falar comigo?
- Quero.
As olheiras de Reinaldo não passaram despercebidas a PC, e este, desconfiado, não
resistiu a perguntar:
-Foi a algum lado em especial?
-Tive de tratar aí de umas coisas.
Olhando para a bailarina que se enroscava no pescoço de Pinto da Costa, Reinaldo
piscou-lhe o olho, enquanto lhe dizia:
-Está na hora de te preparares para o show.
A mulher entendeu perfeitamente a mensagem e, com um beijo, despediu-se de PC.
Este não esteve com mais delongas e atacou no primeiro impulso:
-Temos de ter atenção, porque os gajos estão a preparar o ataque final. Ninguém pode
cometer erros, e atenção ao Jorge Gomes, porque ele não é muito certo. Temos de ter
cuidado com o tipo.
Mas, presidente, agora que estamos no final do campeonato, é quando isto dá mais.
Como é que vamos fazer para satisfazer os nossos clientes?
Há que ter muito cuidado e fazer os negócios com mais segurança. Agora só se trabalha
com um ou dois clubes, no máximo, o resto já está definido, e não podemos andar a fazer
mais promessas. Segundo as informações que tenho, eles estão precisamente à espera do
final do campeonato para entrarem em acção, mas ninguém sabe quem é que vai ser
incomodado. Penso que ninguém nos vai tocar.
Reinaldo ficou um pouco assustado e lembrou-se de Jorge Gomes. Tinha de o avisar,
mas deixou essa diligência para o dia seguinte, lamentando-se a PC:
-Quem tem a culpa disto tudo são esses filhos da puta dos jornais. Andam para aí a
levantar a suspeição e não nos deixam trabalhar à vontade. Se pudesse, matava-os a todos.
Nem fodem nem deixam foder.
Nessa noite, Reinaldo quase nem dormiu a pensar no que lhe podia acontecer.
Depois de Reinaldo ter falado com Jorge Gomes e lhe ter explicado a conversa que tivera
com o presidente, avisando-o dos cuidados a ter, numa primeira reacção, este começou a
tremer, assustado, mas acalmou-se quando o seu raciocínio o levou a pensar que para
tocarem nele tinham de tocar em PC.
-O homem tem muita força. Ninguém lhe chega. Nós estamos protegidos.
Reinaldo abanou a cabeça, concordando com a sua análise, mas deixou na mesma o
aviso:
-Temos de ter cuidado. As coisas não estão fáceis.
Jorge Gomes tinha compromissos assumidos. Longe iam os dias em que vivia numa ilha,
tinha de mijar num penico e, para necessidades mais sólidas, percorrer 50 metros e ficar em
fila de espera à porta de uma retrete que servia os restantes 20 inquilinos. Já tinha largado o
pesado martelo de bate-chapas, estava habituado a bons apartamentos e a passar férias no
estrangeiro em bons hotéis. Necessitava de solidificar a sua pequena fortuna, porque, se a
organização se desmoronasse, estes hábitos ficavam seriamente comprometidos.
Jorge Gomes não olhava a meios para atingir fins. A vigarice estava-lhe no sangue. O
sentido de amizade e reconhecimento, para ele, simplesmente não existiam, e em vez dos
cuidados a que fora aconselhado, começou a fazer os seu negócios vigarizando alguns dos
seus melhores clientes.
A acção de Jorge Gomes chegou ao conhecimento de PC, e este não ficou nada contente
com a situação. Mandou chamar Reinaldo e ordenou-lhe o despedimento da criatura:
-Não o quero ver mas ao serviço do nosso clube. Esse gajo é um filho da puta de um
vigarista. Não conhece ninguém, e é capaz de nos comprometer seriamente. Rua com ele!
-Mas presidente... se ele dá com a língua nos dentes?
-Fica sem ela! Safa-te da forma que quiseres. Foste tu que o trouxeste, agora arruma
tudo com ele.
Reinaldo saiu do gabinete de PC sem saber muito bem o que devia fazer, mas duma
coisa tinha a certeza: o Gomes era mesmo um indivíduo sem escrúpulos.
Logo que o encontrou, fez-lhe saber que o presidente o queria na rua:
-Não tiveste juízo, acabou aqui a tua história.
Jorge Gomes sorriu com cinismo e disse sem mais delongas:
-Vocês não julguem que se livram de mim com tanta facilidade. Se eu cair, vocês caem
comigo, principalmente tu Reinaldo. Lembra-te que nos orientámos muitas vezes em
negócios que o presidente nem sonhava que se faziam, e se me mandarem embora, chibome.
Reinaldo ficou assustado e, sabendo que Jorge Gomes era mesmo capaz de cumprir a
sua promessa, resolveu dar a volta doutra forma à situação.
-Eu vou falar com o presidente novamente, mas tu tens de me prometer que vais
cumprir as ordens que te damos e não vais andar para aí a fazer mais merda.
Virou-lhe as costas e entrou no seu carro a pensar como é que se poderia livrar daquela
encrenca. Só havia realmente uma saída: obrigar o presidente a recuar na sua acção.
Naquela mesma noite, encontrou-se com Pinto da Costa e pediu-lhe para repensar a sua
posição:
-Ó presidente, o Jorge está arrependido do que fez. Vamos dar-lhe outra oportunidade...
-Nem penses nisso. Esse gajo já fez merda de mais para continuar ao nosso serviço. Ele
pode comprometer toda a nossa acção. Rua com ele... Não há contemplações.
Reinaldo ficou entalado e sem palavras. Olhou a alcatifa do gabinete de PC, sem saber
muito bem o que havia de fazer. Com a biqueira do sapato começou a raspar o desenho que
nela estava inserido e resolveu arriscar, quando disse:
-Presidente! Se ele for embora, eu também vou.
PC saltou da cadeira e não queria acreditar no que estava a ouvir. Sabia que, naquele
momento, não podia prescindir dos serviços de Reinaldo e era demasiado perigoso deixá-lo
fora da organização. Era a primeira traição do seu dilecto amigo. Do seu confidente. Do
homem da sua confiança.
Sem saber muito bem o que devia fazer, PC sentiu que estava a ser refém dos monstros
que criara e resolveu actuar com mais precaução:
Ele é assim tão teu amigo? Não estás a confiar demasiado num gajo que não vale nada?
Reinaldo não respondeu, e PC, passeando-se pelo gabinete, esperou alguns minutos até
pronunciar a sua sentença. Sabia que não podia perder autoridade e tinha de arranjar uma
solução.
-Vou pensar no assunto e depois digo-te alguma coisa. Mas ficas a saber que te vou
responsabilizar por toda a merda que esse gajo fizer.
Reinaldo saiu do gabinete mais descansado, enquanto PC registava a primeira traição do
seu maior amigo. Jorge Gomes aguentou-se no seu primeiro round.
Dias depois, a Polícia Judiciária entrava em acção. Os grandes problemas foram
esquecidos, porque, tal como tudo tinha começado há vinte anos atrás, o slogan
revolucionário continuava a ter a mesma força: «Só unidos venceremos...».
O resto todos sabem.

GOLPE DE ESTÁDIO (5)

PC já tinha vários apoios associativos e alguns conselheiros na mão, e caso o presidente
do CA não se deixasse influenciar, este já sabia que tinha os dias contados. Poucos foram os
que conseguiram gerir com independência o sector. PC estava consciente da força que tinha
e das alianças que possuía. Arrastava atrás de si uma grande força popular, argumentando
com bandeiras políticas regionais; mas o que o seguiam de perto iam-se afastando, logo que
verificavam que aquela bandeira servia apenas para encobrir os seus negócios e não perder o
poder popular tão útil em situações menos favoráveis.
PC era capaz de tudo para ganhar. Para ele, não existiam barreiras nem personalidades.
Habitou-se a esmagar quem se lhe atravessasse no caminho. Duas semanas antes de um
jogo entre gigantes (Porto-Benfica) e onde se iria discutir o título, teve um encontro com o
presidente do Conselho de Arbitragem, naquela altura um homem isento e honesto, mas com
a consciência de que tinha de ter uma certa flexibilidade em algumas situações. A nomeação
do árbitro para esse jogo era extremamente importante, e o assunto foi discutido entre os
dois:
-Que árbitro é que lhe agradava para fazer o seu jogo?
PC não respondeu. Pensou um pouco, pegou num papel e escreveu o nome de um
árbitro de Setúbal(Carlos Valente), entregando o papel ao presidente do CA. Este analisou-o e
concordou com a situação, até porque o árbitro tinha qualidade e não era daqueles que
normalmente negociavam nos bastidores.
O clube rival acabou por saber quem era o árbitro e também quem o tinha escolhido. O
responsável pelo futebol desse clube, homem muito traquejado e capaz de fazer frente a PC,
colocou um plano em marcha. Desconfiado de que PC já tinha o árbitro controlado, contactou
com um dos seus fiscais de linha e negociou com ele o resultado do encontro.
Tudo se passou nos arredores da capital no campo de um clube de escalão inferior, onde
esse fiscal de linha treinava habitualmente com outros árbitros. Só que, no dia em que o
responsável do clube da capital se foi encontrar com o tal fiscal de linha, o encontro foi
presenciado por alguém que também tratava da sua forma física. Este, desconfiado, no dia
seguinte ligou para Pinto da Costa.
-Queria falar com o Senhor Pinto da Costa.
-Da parte de quem? - responderam do lado de lá da linha.
-Diga-lhe por favor que fala Maciel Feijoca.
Bzzz, click...
-Olá, está bom? Então o que é que manda? - perguntou PC do lado de lá do fio.
-PC, ontem vi o Gaspar Ramos a falar com um dos fiscais de linha do árbitro que vos vai
apitar no domingo. Ponha-se a pau.
-Ah, sim! Esse gajo está fodido comigo! Vou já tratar do assunto.
Depois de desligar o telefone, PC, lívido de raiva, ordenou que lhe fizessem uma
chamada para o presidente do CA. Logo que este lhe surgiu do lado de lá do fio, entrou a
matar:
-Tem de me mudar o árbitro do nosso jogo!
-Então não foi você que o escolheu?
-Pois escolhi, mas soube agora que o Gaspar Ramos já contactou com um dos seus
fiscais de linha.
-Isso pode não querer dizer nada, e a faltarem três dias para o jogo não vou substituir o
árbitro. Isso seria um escândalo.
-Mas tem de ser, senão eu vou fazer um barulho dos diabos.
-Faça aquilo que quiser, desde que seja você a assumir essa responsabilidade. Pode até
dizer aos jornais que sabe desse encontro. A responsabilidade é sua.
Sentindo a inflexibilidade do presidente do CA, ligou de imediato a Adriano Pinto, o
homem que o socorria nos momentos de maior aflição, mas nem este conseguiu demover o
presidente do CA da sua atitude.
Pinto da Costa colocou então em movimento uma outra estratégia e, através dos meios
de comunicação social, criticou aquela nomeação, levando, como era seu hábito, o assunto
ao rubro. O certo é que no dia do jogo confirmaram-se as suspeitas, e o tal juiz de linha que
fora visto a ser contactado pelo dirigente do clube adversário não se portou nada bem,
prejudicando o clube de PC. Para agravar, um habitual suplente (César Brito) da equipa
adversária até bisou, dando a vitória e o título à sua equipa. Pela primeira vez, o assalariado
de PC que treinava a equipa (Artur Jorge) deixou o verniz estalar, chorando baba e ranho na
cara do dito juiz de linha.
À saída, os árbitros setubalenses levaram uma grande sova, e o chefe de equipa,
coitado, sem saber de nada, até levou porrada da mulher de Reinaldo Teles.
-Mas, meus amigos, eu não tenho nada a ver com isto, como vocês sabem - desabafava
o apitador, enquanto colocava pomada na zona atingida. - O que é que eu fiz para merecer
isto? Como é que vou explicar à minha mulher estas arranhadelas nas costas? - E, mesmo
sendo um homem valente, começou a choramingar...
Pinto da Costa teve durante toda essa semana de provar o sabor amargo de que, afinal
não conseguia controlar todas as situações. Sentiu que tinha de refinar os seus métodos e
mandou chamar Reinaldo Teles para discutirem os dois o problema.
Reinaldo Teles entrou envergonhado no gabinete do presidente. Não sabia o que dizer.
Ele que julgava que tinha o mundo da arbitragem na mão, que tinha inclusive aconselhado o
seu presidente a escolher aquele árbitro, e que acabou por ser traído.
Pinto da Costa quando viu o seu «vice» entrar no seu gabinete, de cabeça baixa, disse
num tom apaziguador:
-Não vale a pena estarmos agora a bater mais no ceguinho. Temos é de tomar medidas
para que uma coisa destas não volte a acontecer.
-Ó presidente, sabe que não controlamos os árbitros todos.
-Sei muito bem disso, mas a partir de agora, para estes jogos mais importantes, temos
de fazer com que sejam nomeados árbitros da nossa inteira confiança e que alinhem no
escândalo, se for necessário. O mais importante é ganharmos.
Reinaldo ficou mais animado com as palavras do presidente e lançou um alerta:
-Isto até é mau para o nosso negócio. Os outros árbitros começam a perder-nos o
respeito, e nós acabamos por perder não só o controlo da situação com também aquela
dinheirinho que entra todas as semanas.
-O povo é de memória curta, e com mais umas vitórias esquece o que aconteceu no
domingo.
Pinto da Costa e Reinaldo Teles gastavam dinheiro à grande e à francesa. A paixão de PC
pela Maria era cada vez mais forte, e isso trouxe-lhe custos exagerados, porque ela sempre
se revelou uma mulher de gostos caros e tinha de garantir o futuro da filha de ambos,
amealhando alguns cobres. E Reinaldo estava cada vez mais viciado no jogo. Em cada cidade
que parava não resistia a uma visita ao casino local. O vício pelo jogo era tremendo. Até
parecia castigo de Deus.
Tinha entrado nos casinos para lavar dinheiro para os seus negócios pouco claros e
acabou por ficar agarrado à roleta. Reinaldo sonhava com Las Vegas, e não havia quem o
convencesse que não muito longe ficam os precipícios do Grand Canyon...
-Mas no meu caso não vai ser assim. O dinheirinho que entra todas as semanas há-de
dar para estas coisas e muito mais. O futebol é um grande negócio e, agora, que temos a
arbitragem na mão, não nos via faltar dinheiro - dizia Reinaldo a Jorge Gomes, na tentativa
de o convencer a não o aborrecer mais com aquelas conversas de que ele andava a arriscar
dinheiro de mais no jogo. - Quem não arrisca, não petisca! - gostava de repetir Reinaldo,
especialmente quando desperdiçava umas milenas no preto para ver sair o vermelho, ainda
para mais o vermelho...
-Olha, essa merda do jogo ainda há-de ser a tua desgraça. Faz mas é como eu. Vou
investindo nuns apartamentos. Pelo menos fico com o futuro garantido - dizia-lhe Jorge
Gomes.
-Não te preocupes com isso. O negócio vai melhorar. O presidente tem aí um projecto
em vista que vai mudar isto tudo - respondia Reinaldo.
Tornava-se muito arriscado tentar servir vários clubes ao mesmo tempo. As pessoas já
falava muito nessas histórias e qualquer dia rebentava um escândalo medonho. PC reuniu-se
com Reinaldo, e ambos discutiram a nova forma de ganhar dinheiro com a arbitragem, mas
com a situação completamente controlada ou, pelo menos, mais controlada.
O futebol continuava a ser a guarida dos homens endinheirados à procura de promoção
social. Ter muito dinheiro não bastava. Eles gostavam de ser conhecidos, e nada melhor que
o futebol para promover socialmente os novos ricos. Reinaldo Teles sabia melhor que
ninguém quais eram os empresários que manifestavam grande disponibilidade financeira. A
maior parte deles eram seus clientes e deixavam no seu bar muitas centenas de contos
através das suas raparigas contratadas. Era só arranjar uma forma de lhe aliviar um pouco
mais a bolsa, e o futebol era o melhor meio para isso. O desporto-rei servia de capa para o
mais variado tipo de situações. Era só saber aproveitá-lo. Servia para lavar dinheiro e
principalmente para fazer esquecer certos preconceitos sociais. O exemplo de Reinaldo era o
que mais evidenciava essa situação.Chegou ao Porto para servir na tasca do tio, foi um dos
mais conhecidos chulos da cidade, continuava a viver à custa da exploração de carne branca,
e as famílias mais conceituadas esqueciam-se disso tudo para o apoiar até à vice-presidência
de um dos clubes mais prestigiados da Europa. A sua mulher, que palmilhou noites seguidas
na Rua de Santos Pousada, era agora uma senhora bem colocada e apaparicada por todos
aqueles que rodeavam o clube, não obstante continuar a ser a dona de um bordel.
O futebol é um fenómeno social, e era necessário saber retirar o devido proveito desse
facto.
Pinto da Costa tinha vindo de boas famílias, mas era criticado pelos seus parentes,
devido ao relacionamento que tinha no mundo da bola. A sua inteligência não deixava
dúvidas e, unindo esse factor à facilidade com que Reinaldo se movimentava no mundo do
crime, formava com Teles uma dupla quase imbatível.
Reinaldo Teles só possuía a cultura adquirida na tasca do seu tio, e o seu discurso só
tinha êxito no bas-fond da cidade. As entrevistas que ia dando só podiam ser concedidas a
jornalistas da sua confiança, para que a sua ignorância não se manifestasse com tanta
evidência, mas era eficiente nas jogadas de bastidores, e era nessa qualidade que Pinto da
Costa o aproveitava. Não podia, porém, nem responder nem servir de escudo para os
ataques vindos de outros clubes cujos dirigentes conheciam muito bem a sua actividade. Para
além de não possuir a capacidade de PC, tinha muitos rabos de palha, e quando surgia em
maior evidência nunca consegui retirar muitos efeitos mediáticos. A sua grande mágoa era
ainda não ter podido encontrar um negócio que lhe desse tanto dinheiro como os alternos.
Muitas vezes lamenta-se com os seus amigos.
-Tenho de acabar com esta merda. Até os colegas dos meus filhos na escola dizem que
eu vivo das putas, que sou um chulo.
Mas o dinheiro ganho com facilidade sempre superou essas mágoas e também não podia
prescindir dos serviços da sua mulher, pois ela era uma expert no assunto e o segredo do
êxito do bar de alternos.
-É que isto de lidar com putas não é tarefa fácil para ninguém. Ou temos os olhos bem
abertos ou somos comidos indecentemente. A minha mulher conhece o negócio como
ninguém e todos os truques. Já não é comida com facilidade - consolava-se Reinaldo, nas
noites de maior angústia, quando tentava ler uma obra de Eça de Queirós.
Quem não dava muita importância a essa situação era Pinto da Costa. Para ele, até era
bom que o seu amigo de maior confiança tivesse boas putas. Quantas mais ele tivesse, mais
ele comia, e o bar sempre era um local de bom chamamento para os seus negócios menos
lícitos.
Pinto da Costa já tinha tido dissabores com alguns desses negócios, e os da arbitragem
começavam a ser muito denunciados, mas como o dinheiro desse sector era muito e fazia
falta, havia que se estabelecer um novo plano de ataque.
As despesas eram muitas e, depois de falidas as empresas em que ele tinha gasto tantos
milhões, quase toda a gente já sabia que ele viva somente à custa da influência que o seu
clube lhe fornecia para certos negócios. De vendedor de fogões a empresário falido, PC tinha,
porém, a certeza de que o mais importante estava feito: o seu clube ia na crista da onde, e o
cartão de crédito que tinha no bolso não tinha tecto. Afagando-o, PC acabou por adormecer
embalado por um pensamento reconfortante: «Antes um bom Visa que um bis».
Reinaldo Teles trabalhava no mundo da arbitragem com um certo à vontade. Comprava
e vendia com a maior das facilidades. Sentia-se seguro e acabava por cometer erros que,
acumulados, se iam tornando perigosos, não obstante usufruir de uma grande cobertura
judicial, desportiva e política, situações que eram consubstanciadas através de favores
concedidos em todas estas áreas, tendo como referência o poder do seu clube.
A bandeira do Norte era içada defendendo um regionalismo recheado de hipocrisia. Esta
era a forma de arregimentar a força do povo nortenho quando era necessário fazê-lo sair em
defesa de interesses meramente pessoais. Pois se os títulos e os golos eram importantes para
os fervorosos adeptos do seu clube, eram muito mais para eles, porque era essa força que
servia de suporte aos negócios marginais.
Pinto da Costa tinha consciência de que no futebol eram autorizados, por parte dos
adeptos, alguns jogos obscuros de bastidores. A vitória era importante e combatia-se dentro
e fora dos relvados. Alguns adeptos até denunciavam um certo gosto pela habilidade nata
com que alguns dos seus dirigentes se movimentavam nos bastidores, mas também se sabia
que nenhum deles aprovava que se retirassem benefícios em proveito próprio e muito menos
utilizando o seu clube para isso. Mas como o clube ia ganhando...
Começaram a surgir algumas denúncias, e uma maior cautela era a medida a tomar com
uma certa urgência. Andar a negociar árbitros a retalho era perigoso de mais. Os movimentos
multiplicavam-se, e os riscos aumentavam. Alguns jornalistas não se deixaram dominar pelo
medo e acabaram por sofrer emboscadas, sendo presenteados com alguns socos como
medida de intimidação(entre eles o autor deste livro, Marinho Neves). Reinaldo Teles foi
avisado e não parava de pensar como é que o negócio teria de ser conduzido para se
acabarem com alguns boatos que começavam a tornar-se perigosos. Nem sequer
equacionava poder vir a acabar com um comércio tão rentável. Tinha de encontrar uma
solução mais eficaz e menos notada. Já se habituara a ganhar algumas centenas de contos
semanalmente, e o seu vício pelo jogo no casino requeria grandes proventos.
A ideia acabou por surgir através de um dirigente de outro clube que se tornara um
grande cliente e que começou a entender a complexidade do negócio e a dificuldade em
acudir a todos os pedidos.
-Porque é que vocês não se dedicam a um ou dois clubes em vez de andarem a acudir a
todos os fogos. Façam contas e vão verificar que o negócio se torna mais rentável, é mais
seguro e não gera tantas confusões.
Reinaldo Teles ouviu com atenção a observação, e, como dizia, a sua mioleira acendeuse
como um cockpit no momento da aterragem. Para arrefecer as ideias, pediu ao seu
empregado que lhe trouxesse mais um whisky.
-Mas com muito gelo.
Saboreou durante largos minutos a sua bebida, elaborando mentalmente um novo plano
de ataque. Olhou à sua volta e, ao verificar que uma das suas prostitutas se despedia de um
cliente depois de lhe ter sacado duas garrafas de champanhe, fez-lhe um sinal e chamou-a.
Ela olhou admirada e colocando o dedo indicador no meio do peito nu, bem dentro de
um decote que ameaçava fazer-lhe saltar as mamas a qualquer momento, interrogou-se,
encolhendo os seus lábios vermelhos e carnudos:
-Eu?!
Reinaldo passou a mão pelo rosto, fez rodar o copo entre os dedos para agitar o gelo e
acenou com a cabeça, confirmando o chamamento.
Rebolando a anca, atravessou a pista de dança e dirigiu-se a Reinaldo.
-Senta aí.
-Mas que luxo! Ser convidada para a mesa do patrão!
-Cala-te e ouve. O Jorge Gomes dormiu contigo esta noite?
-Já sabe que sim. Ou ainda não lhe disseram que ando com ele.
-Sei muito bem que andas com ele, e quero é saber onde o posso encontrar agora...
neste momento.
-Como ainda é cedo, deve ter passado por casa. Mas ele disse-me que vinha cá hoje.
-A que horas?
-Ai, isso não sei! Mas deve estar a chegar.
-Se por acaso estive ocupado na altura em que ele chegar, diz-lhe que eu quero falar
com ele com urgência.
-OK! É só isso? - disse a empregada antes de se retirar, ao mesmo tempo que puxava as
mamas para cima e deitava o olho a um novo cliente.
Reinaldo Teles dirigiu-se para o balcão onde estava a sua mulher a chamar a atenção de
uma das suas empregadas.
-Estás aqui para trabalhar e não para namorar. Estiveste na mesa daquele gajo e nem
um copo lhe sacaste.
Reinaldo Teles ia a pedir um pouco de calma à sua Luísa, quando viu Jorge Gomes a
entregar a sua gabardina ao porteiro. Fez-lhe logo sinal com a mão e, após uma breve troca
de olhares, dirigiram-se para uma mesa mais recuada e sem barulho de música.
Reinaldo apresentou-lhe a sua ideia para se avançar com uma nova forma de negócio.
Ao fim de alguns minutos, estava tudo resolvido. Iam trabalhar com três ou quatro clubes de
divisões inferiores e com um ou dois de primeira categoria, prometendo-lhes a manutenção.
Desta forma, a acção não colidia com os interesses do seu clube muito pelo contrário, podia
até sair beneficiada.
Reinaldo estava tão entusiasmado com o negócio, que deixou Jorge Gomes
embasbacado quando lhe disse:
Isto não tem nada que saber. Vamos deixar de trabalhar jogo a jogo. Para correr tudo
bem, necessitamos de tempo e organização. O clube que quiser subir contacta-nos com
tempo, fazemos o preço e temos todo o campeonato para tratar do assunto. Desta forma,
podemos jogar com algumas falhas e colmatá-las com outras jogadas e outros intervenientes.
Jorge Gomes ouviu com atenção, mas ficou desconfiado, pois não lhe passava pela
cabeça vir a perder dinheiro. Além do mais, ficava sem campo de acção para algumas das
suas jogadas em que prometia levar o dinheiro a alguns árbitros e nem sequer os contactava.
Mas Reinaldo descansou-o.
-O teu papel continua a ser o mesmo. Nós temos de trabalhar todas as semanas, temos
de fazer os nossos contactos, só que desta forma a massa vem dos clubes antecipadamente.
No início do campeonato estabelecemos um preço de subida e, como em negócios destes não
há crédito, eles dão-nos o dinheirinho adiantado e nós é que gerimos a situação.
-E já tens algum cliente? Estamos a mais de meio do campeonato, e até ele acabar não
vamos ganhar mais nenhum? - perguntou Jorge Gomes, preocupado e ainda confundido com
esta nova situação.
Mas Reinaldo não perdeu tempo, expondo-lhe novos pormenores do negócio:
-Estamos em Março, e é a partir de agora que começam as grandes confusões. Estive a
falar com o presidente de um clube que está à rasca. Não quer descer e, como dinheiro é
coisa que não lhe falta, vamos arrancar com esse negócio. Amanhã vais falar com ele,
apalpas a situação e, se o vires interessado, combina com ele um encontro aqui no bar, que
depois eu faço o resto. Trata disso sem falta amanhã, que eu agora vou até ao casino
aumentar a minha fortuna.
-Já vais foder o dinheiro todo nessa merda. Assim, não há negócio que resista -
lamentou-se o Jorge.
Na tarde seguinte, Jorge Gomes fez o seu contacto; falou com o presidente do tal clube
que não queria descer e, vendo que este se mostrou interessado no negócio, marcou
encontro para essa noite.
Reinaldo Teles escolheu duas das suas melhores mulheres, avisou Luísa de que naquela
noite iria aparecer um bom cliente e deu instruções para que nada faltasse, porque estava
em perspectiva um bom negócio.
Quando ia a sair, disse a Luísa para ela falar com as duas empregadas, avisando-as de
que, se fosse necessário, elas sairiam com esse cliente.
-É que ele gosta de ter mais que uma mulher na cama, e é bom que ele saia daqui
satisfeito.
Nessa noite, Reinaldo Teles chegou atrasado ao bar, mas fê-lo de propósito, para que as
suas duas empregadas tivessem tempo de levar o cliente ao ponto que ele queria. Quando
fez a sua entrada, a situação já estava a ser controlada por Jorge Gomes.
-Ele está no ponto de rebuçado.
-É assim mesmo que eu o quero.
Após estas palavras, Reinaldo dirigiu-se para a mesa do seu convidado e disse, com um
ar de não total inocência:
-O presidente está bem acompanhado!
Ambos trocaram um sorriso e compreenderam que tinha chegado a altura de ficarem
sozinhos para tratar de negócios. As duas mulheres, após um ligeiro sinal, levantaram-se da
mesa sob o argumento de que tinham de ir à casa de banho recompor a maquilhagem, mas
prometendo voltar logo que se acendesse a luz verde...
Reinaldo Teles começou a falar da situação aflitiva em que estava o clube do seu
interlocutor, passando de imediato àquilo que mais interessava e que tinha proporcionado
aquele encontro.
-Estive ontem a pensar na vossa situação e cheguei à conclusão de que, se não houver
um trabalho a sério, vocês vão direitinhos.
-Nós também temos consciência disso.
-Ainda ontem um presidente veio ter aqui comigo para ver se eu o ajudava a sair de uma
situação como a vossa, mas eu não lhe disse nada até falar consigo. Se vocês quiserem,
prefiro ajudar o vosso clube. Sempre é da nossa associação(Porto).
-Claro que queremos, mas também não temos muito dinheiro para gastar.
-Estive a fazer contas e penso que, com 50 mil contos, podemos controlar a situação até
ao final do campeonato. Mas, atenção, que este dinheiro também é para ser investido no
campo do adversário.
-Com 50 mil contos, vocês garantem-nos a manutenção?
-Quase a 100 por cento.
-Quase?
-Sim, quase, porque a bola, que eu saiba, continua a ser redonda...
-E como é que vamos pagar esse dinheiro?
-Em três tranches. Dez mil agora e mais duas de vinte mil quando virmos que é
necessário o investimento.
-Está combinado. O Jorge Gomes pode passar lá amanhã pelo meu escritório e já traz o
cheque dos 10 mil.
Estava em curso uma nova forma de negociar, e pelos vistos mais segura, para além das
vantagens que isso trazia. Com aqueles 50 mil contos podia fazer-se muita coisa, uma das
quais era tentar atrasar os mais directos adversários do clube de Reinaldo Teles. Quando
estes fossem jogar com o clube que tinha pago os 50 mil contos, investia-se nessa situação.
Com um tiro matava dois coelhos: o seu clube adiantava-se em termos de pontos, e o seu
cliente ficava bem servido.
Só que o egoísmo levou-os a cometer novos erros. O dinheiro era fácil e gastava-se
ainda mais facilmente. Reinaldo pedia cada vez mais e investia cada vez menos. Estava ciente
do poder que tinha e jogava com algumas promessas de árbitros em termos de classificação
no ranking final, pagando cada vez menos em dinheiro e fazendo prevalecer outras situações
de favor. Alguns árbitros contentavam-se com isso, mas outros arriscavam e, sabendo que
eles estavam a ganhar dinheiro com os seus favores, exigiam a quota parte deles. Surgiram
então algumas ameaças de despromoção, e não faltaram desentendimentos, assim como
processos de pura chantagem, ao melhor estilo de um filme que Jorge Gomes um dia alugou
no clube de vídeo da esquina, O Padrinho.
Mas como o tempo não parava e a bola se revela teimosamente redonda, as coisas
complicaram-se, até que se chegou ao final do campeonato, e o clube que tinha investido 50
mil contos para não descer jogava a sua última cartada em 90 minutos de futebol.
Reinaldo Teles multiplicou-se em acções, jogando em vários campos, mas era tarde de
mais para controlar todas as situações. Havia que investir em vários jogos, e o dinheiro tinha
sido gasto no casino e noutros negócios. Mesmo assim, ainda tentou outras soluções, mas os
adversários mais directos não andavam a dormir e também tomaram as suas precauções.
Já depois dos 90 minutos regulamentares, uma das equipas, não incluídas no seu
«pacote», e que jogava a norte, marcou o golo que lhe garantia a permanência. A aposta de
Reinaldo Teles tinha falhado. Jogadores, treinadores e dirigentes nem queriam acreditar, e o
presidente do clube que tinha dado os tais 50 mil contos para não descer evaporou-se
durante mais de três semanas.
Claro que depois choveram as desculpas e inventaram-se as maiores jogadas para
encobrir o desastre. Reinaldo Teles, depois da tempestade, prometeu que na época seguinte
esse clube subiria - e de facto, subiu, muito embora com um investimento menor. Era
necessário salvaguardar a imagem para que o negócio não se perdesse, mas para tapar esses
buracos houve outros investimentos que falharam.
Por exemplo, numa tentativa de subida da 2ª Divisão B à Honra, fez-se também um
grande investimento que, tal como o outro, não resultou precisamente na última jornada.
Havia dois clubes com possibilidades de serem promovidos. Um deles estava a ser protegido
por Reinaldo Teles e a sua organização, o outro vivia da habilidade de alguns dos seus
dirigentes que se mexiam bem no seio da arbitragem e conheciam por dentro o negócio.
Na última jornada, o clube que estava protegido por Reinaldo ia jogar a casa de um
adversário cujo resultado já não contava para nada. O árbitro desse jogo tinha a promessa de
que iria ser internacional, e Reinaldo garantiu que este estava controlado. O presidente do
clube que queria subir prometeu mesmo uma prenda à mulher de Reinaldo Teles, caso o seu
clube fosse promovido:
-Ofereço-te um BMW novinho em folha. Eu sei que gostas deste carro, e o Reinaldo não
se importa que eu te dê esse prenda.
Luísa arregalou os olhos de contentamento e não mais deu descanso ao seu homem:
-Vê lá o que andas a fazer. Ele tem que subir. Eu quero aquele BMW.
Só que os outros não andavam a dormir. Tinham a situação controlada para o jogo que
iam disputar em casa e a aposta tinha de ser feita no jogo com o outro adversário candidato
à subida.
Na semana que antecedeu esse jogo, já se sabia quem iria ser o árbitro do encontro. Era
do Alentejo, terra onde abundam sobreiros e cortiça, e tal como o tal clube era de uma terra
onde se fabrica muita rolha; através de um emissário foi dada uma palavrinha ao tal árbitro,
mas a proposta no valor de 10 mil contos, foi prontamente recusada. Este foi o sinal de que o
árbitro já estava feito com Reinaldo Teles, porque me relação à sua honestidade não havia
rolhas que tapassem o fedor que ali se guardava...
Só havia uma solução para combater a estratégia de Reinaldo Teles. Os homens da
cortiça contactaram o clube a quem o resultado pouco interessava e, como os seus jogadores
tinha os vencimentos em atraso, ofereceram-lhes 20 mil contos para ganharem. Era muito
dinheiro, e ninguém resistiu à proposta.
No dia do jogo, os homens da cortiça lá estavam com a verba combinada: 10 mil contos
em dinheiro, trocado no dia anterior no casino por cheques e outros 10 mil em papel com
garantia de altos dirigentes federativos da zona centro do País. Ávidos pelo dinheiro que lhes
estava a ser oferecido, os jogadores nem pensaram duas vezes, e as habilidades do árbitro
não foram suficientes para combater toda aquela (falta de) ambição...
Reinaldo Teles tinha perdido mais uma aposta. Tinha falhado mais uma promoção. Fez,
no entanto, os seus negócios e ganhou dinheiro com isso. Só mesmo a Luísa é que ficou sem
o seu BMW.
-Puta que te pariu, Reinaldo! Como se não bastasse o facto de não me foderes, ainda me
fazes andar de Opel! - gritou Luísa, depois de mais uma «nega» do marido, numa noite,
ainda para mais, de lua plena...
-Desculpa, filha, acho que bebi de mais!- adiantou Reinaldo, antes de rolar os olhos
rumo a um sono sem sonhos, os seus preferidos.
Apesar de falhas bem visíveis na organização, Reinaldo Teles continuava a usufruir de
uma excelente reputação no negócio das arbitragens. A máquina estava bem montada, e os
perdedores eram levados a acreditar que era praticamente impossível controlar todas as
situações de forma a garantirem a vitória. Reinaldo defendia-se afirmando que, se o processo
não fosse falível, acertava todas as semanas no totobola. As pessoas conheciam os
pormenores da organização e sabiam que o risco de erro era mínimo, mas existia...
Reinaldo Teles controlava várias áreas adjacentes ao mundo do futebol e sempre era
melhor estar de bem com ele do que tentar lutar contra a sua estrutura. O negócio de
corrupção já há muito tinha ultrapassado a arbitragem, encontrando-se instalado noutros
sectores. Por vezes, controlar o árbitro não chegava e também era verdade que, nem todos
os árbitros se deixavam enredar na teia bem urdida por Reinaldo e Jorge Gomes e, por isso,
tornava-se necessário alargar o campo de acção a outros sectores e a alguns jogadores que,
na ânsia de arranjar melhores contratos, alinhavam em favores extra. Valia tudo para se
servir o melhor possível o cliente.
Reinaldo e Jorge Gomes tornaram-se especialistas na tramóia. Tinham toda a cobertura
possível do clube que representavam. Aos poucos, os dirigentes dos outros clubes ficavam
dependentes da sua acção e dos seus serviços. No início de cada época, era elaborada uma
lista de jogadores a emprestar pelo clube de Reinaldo, e os primeiros a ter acesso a essa lista
eram aqueles que se comprometiam a ser os melhores clientes, depositando milhares de
contos nos cofres da organização. Destes dividendos, o clube não via nem um tostão, e por
isso é que alguns dirigentes com maior estatura moral, ao aperceberem-se que alguns
parasitas viviam à conta do seu clube, abandonavam as suas posições, não deixando de
comentar:
-Isto é impossível. Um clube com tanta dignidade vive rodeado de chulos. É quem mais
se orienta.
-É preciso ser-se maluco para depender exclusivamente de um pé-descalço e de um
mentecapto.
-O melhor é sair do barco, senão ainda vamos ao fundo com ele e se isso acontecer já
ninguém nos arrancará do lodo...
Até o Ilídio, que já tinha investido milhares de contos no clube do seu coração, deixou de
acreditar que, algum dia, poderia vir a ser «vice» do futebol profissional e deixou de
contribuir quando era chamado a apagar alguns fogos de ordem económica. E gabava-se
disso, sem tentar esconder a sua posição:
-Deixei de ser burro. Era o que faltava, andar aqui a ganhar honestamente o meu
dinheiro para sustentar estes chulos. Se falta dinheiro, que o ponha lá quem o ganha à custa
do clube. Se derem 10 por cento do que ganham à nossa custa, já podem acudir a alguns
fogos. Sempre é melhor deixarem o dinheiro no clube que os sustenta que deixá-lo no casino.
-Ilídio sabia que tinha peso entre os adeptos, pelo menos desde o dia em que resolveu
pedir a sua demissão de dirigente e, ao contrário de que aconteceu a outros, Pinto da Costa
se apressara a fazer com que ele regressasse. Gostava de ser campeão todos os anos, mas
não apoiava os processos utilizados por Reinaldo e muito menos, ao contrário de outros,
deixava que a sua mulher se misturasse com a Luísa nas viagens ao estrangeiro.
Reinaldo Teles ganhava apoiantes entre aqueles que comiam algumas migalhas do seu
bolo. Como era conveniente, controlava alguns delegados técnicos, montando um sistema de
protecção aos árbitros que com ele colaboravam. Servia-se do seu clube para se insinuar
perante os membros do Conselho de Arbitragem, deixando no ar promessas que raramente
eram cumpridas.
A chantagem era o trunfo mais utilizado na intimidação das pessoas que se deixavam
levar por alguns processos menos claros e que, depois de entenderem que pouco ganhavam
com isso, manifestavam a intenção de sair da organização. Esses processos, na maior parte
das vezes, eram utilizados contra jogadores que se deixavam corromper e que, depois de se
sentirem enganados com falsas promessas, se recusavam a aceitar um segundo negócio.
Também havia aqueles que, não querendo alinhar no sistema de corrupção, quando
contactados, se recusavam a tal. Esses eram constantemente ameaçados e só com muita
dificuldade arranjavam novos clubes depois de terminarem os seus contratos. Era a política
do medo que se exercia sobre jogadores e dirigentes. Quem contrariasse Reinaldo, sentia que
estava a contrariar PC, e o resultado era quase sempre funesto.
As pessoas sentiam que lhes estavam a sonegar dinheiro, mas não tinham coragem para
se impor. Sabiam por experiência que não era muito saudável alguém voltar-se contra quem
manda no futebol.
A arrogância com que a dupla PC-Reinaldo actuava e a ditadura que impunham
provocava até situações ridículas, mas nada era feito ao acaso. Um dos exemplos disso
estava num dos anúncios transmitidos semanalmente pelo totobola. Nesse anúncio surgiam
golos de várias equipas, e como o clube de PC tinha sido esquecido, o próprio presidente
contactou a Santa Casa e fez saber que, se não incluíssem num desses anúncios um golo do
seu clube, ele mesmo faria uma campanha anti-totobola.
A chantagem valia para tudo, mas PC era também mestre na simpatia, e quando lhe
convinha atingir determinado objectivo, se fosse necessário, tornava-se até subserviente.
PC e Reinaldo tinham personalidade muito idênticas que se dividiam entre o anjo e o
demónio, e por isso é que se entendiam bastante bem e existia uma confiança sem limites
entre ambos.
PC era o mentor, e Reinaldo o executor. Jorge Gomes queria imitá-los, mas as suas
limitações não lhe permitiam longos percursos nessa área. Explodia com muita facilidade e,
como não tinha a noção do ridículo, deixava cair a máscara e denunciava a sua real
personalidade. Também era verdade que lhe cabia assumir os papéis de maior desgaste.
A organização era superiormente constituída e soberbamente organizada. Escolhia os
árbitros de personalidade mais frágil para patrocinarem os escândalos nos jogos onde era
necessário vencer a qualquer preço e, depois de utilizados, quando já não possuíam qualquer
tipo de credibilidade, esses mesmos árbitros eram abandonados e abatidos ao efectivo.
Alguns treinadores também se deixaram possuir pela vida fácil de arranjar emprego,
entregando toda a sua carreira à responsabilidade de Reinaldo Teles. Ele é que os colocava,
mas sempre com o objectivo de conseguir novos clientes. Muitos deles sujeitavam-se ao
desemprego durante meses a fio, para esperarem a oportunidade e a ordem dada por
Reinaldo.
Quando surgia um elemento endinheirado à cabeça de um clube, Reinaldo não perdia
tempo. A carreira desse clube começava a sofrer oscilações, até que o presidente era
aconselhado, através de um sinal subtil de boa vontade, a mudar de treinador. O acaso
proporcionava encontros programados à distância com elementos ao serviço de Reinaldo:
-Com esse treinador não vai a lado nenhum. Arranje outro enquanto é tempo.
-Não é assim tão fácil como isso. Não há por aí treinadores aos pontapés, e também é
necessário pagar-lhes - reagia o presidente, em situação de desespero.
-Ó homem, fale com o Reinaldo que ele arranja-lhe um gajo com capacidade. Ele é que
controla isto tudo. Estou a ser seu amigo, não ganho nada com isso!
Muitos desses presidentes não agiam de imediato, mas, como os bons resultados
teimavam em não aparecer, acabavam por seguir o bom conselho daquele amigo tão
providencial. Caíam que nem patinhos na teia que lhes tinha sido estendida.
Depois de contactado, Reinaldo colocava a máscara do amigo, do proteccionista que age
sem qualquer tipo de interesse. Um autêntico bom samaritano.
-Vou arranjar-lhe um treinador de cinco estrelas. Não se preocupe que a partir de agora
vai correr tudo muito melhor - garantia aos presidentes mais conhecidos, nos intervalos de
algumas beijocas e outras tantas mamadas de algumas especialistas pagas a peso de ouro.
Uma semana depois de o novo técnico estar ao serviço desse clube, surgia o conselho
tão desejado para os presidentes mais inexperientes:
-Tem de começar a aparecer no bar do Reinaldo mais vezes. Ele é um gajo porreiro. E lá
é que se resolvem todas as situações.
Tentando rentabilizar o investimento que já tinha feito, o «homem» era recebido como
um marajá. Luísa encarregava-se de lhe colocar na mesa um ou duas das suas melhores
mulheres. Reinaldo dava ordem para que o serviço de bebidas não falhasse e, para não dar
nas vistas, naquele primeiro dia a conta era arredondada para baixo e elevados os carinhos
proporcionados pelas raparigas. O dirigente saía satisfeito, e até comentava com os seus
colegas:
-O Reinaldo é um gajo porreiro. Meteu-me duas mulas na mesa boas como milho, e no
final a conta foi uma merdita.
O pior acontecia nas visitas seguintes. Iludido com tamanha amizade, o dirigente
tornava-se cliente assíduo e, para não parecer mal andar no putedo, sempre tinha a desculpa
de que ia tratar de negócios com Reinaldo. Este, por seu lado, só tinha de esperar até que a
vítima ficasse definitivamente presa.
As bebedeiras sucediam-se, e alguns chegavam até a mijar-se pelas pernas abaixo para
descontentamento as mulheres que os tinham de aturar, mas Reinaldo não tinha
contemplações quando alguma das suas empregadas se queixavam que já não aguentavam
mais micções ou vomitados daqueles pacóvios que estavam ligados ao futebol.
-Coitados, nunca saíram de casa e agora bebem dois copos e cagam-se todos.
Reinaldo Teles não gostava desse tipo de comentários e cortava-os pela base:
-Se não queres trabalhar, fala ali com a Luísa que ela faz-te as contas e vais com a
Nossa Senhora.
As putas bem se lamentavam, porque com os dirigentes do futebol as suas comissões
diminuíam, pelo menos nos primeiros tempos, dado que a intenção não era esmifrá-los, como
faziam aos outros clientes, mas cativá-los para operações bem mais proveitosas para o...
patrão.
-Estás a mangar? O que ele quer é embebedar os perus...
-Não tenho pena deles. Tenho mais pena de mim. Ando aqui a dar tudo o que tenho, e o
que ganho com esses pavões nem dá para a cabeleireira.
-Tem paciência, Vaninha. Pode ser que ainda venhas a casar com um jornalista
desportivo, como eu...
As putas já estavam resignadas.
Chegada a hora de o abutre picar sobre a carcaça, Reinaldo começava a gerir a situação,
dando toda a cobertura ao clube cujo treinador lá tinha colocado. As tabelas eram feitas
mediante os escalões em que os clubes militavam e, como normalmente as coisas
melhoravam de imediato, toda a gente se sentia satisfeita. O presidente tornava-se um bom
cliente, diminuindo o orçamento para a contratação de jogadores e aumentando a verba de
despesas confidenciais que iam direitinhas para os bolsos de Reinaldo. A qualidade do futebol
decrescia também, porque já não era necessário investir-se em bons profissionais, mas sim
nas habilidades e manobras de bastidores.
Os dirigentes não escondiam essa situação:
-Que importa ter bons jogadores se não ganhamos!...
À parte tudo isto, os treinadores colocados por Reinaldo também alinhavam em várias
jogadas, principalmente nos finais de campeonato. Quando não estava em causa o resultado
para uma das equipas cujo treinador fazia parte da carteira de Reinaldo, era fácil pedir-se-lhe
a derrota para beneficiar um outro cliente. Todos ganhavam dinheiro com isso.
O sector do futebol júnior também foi transformado num grande negócio através do
empréstimo de jogadores e, por isso, logo cobiçado pelos familiares de Reinaldo. Os clubes
que eram beneficiados com esses empréstimos, para além de usufruírem de imediato de
proteccionismo relativamente às arbitragens e de terem de pagar magros vencimentos aos
atletas, tinham de passar cheques cujas verbas iam até aos 5 mil contos sempre em nome de
Reinaldo Teles e nunca em nome da colectividade.
O clube que se tornou melhor cliente de Reinaldo andava já há algumas épocas a tentar
a subida à 1ª Divisão e já tinham investido muitos milhares a partir do bar gerido pela Luísa.
Mas depois de ver frustradas as suas acções e de ter gasto muito dinheiro, um dos seus
dirigentes resolveu ter uma conversa com Reinaldo Teles e, sem preâmbulos, foi direito ao
assunto:
-Já andamos há algumas épocas a investir e ainda não conseguimos nada. Desta vez tem
de ser. Digam lá quanto é que é necessário para subirmos de divisão.
Reinaldo Teles afagou o bigode, pensou, e só depois disse num murmúrio de grande
cumplicidade:
-Se vocês querem mesmo subir; vamos ter de apostar forte.
-E essa força quanto nos custa.
-Não é esta a altura para vos dar uma resposta. Vamos estudar o problema e depois
falamos.
Reinaldo Teles teve então uma conversa com Pinto da Costa, colocou-lhe o problema, e
este não esteve com meias medidas:
-Se eles querem subir, vão ter de pagar bem por isso. Naquela zona há muito dinheiro.
Anda tudo bem calçado. Estabelece uma verba de 250 mil contos e divide isso em quatro ou
cinco tranches.
-Mas, presidente, isso não é muito dinheiro?
-Não, não é, atira com essa verba e se eles não forem na fita baixa um pouco a fasquia,
mas não muito.
Reinaldo e Jorge Gomes marcaram encontro com os interessados e, após uma curta
discussão, ficou acordado que essa verba seria de 200 mil contos divididos em quatro
tranches de 50 mil contos. O certo é que, após vários escândalos - jogos houve nos quais
foram marcadas três grandes penalidades... - , esse clube acabou por subir ao grande palco
do nosso futebol, e ninguém fez menção de fazer segredo de que os grandes responsáveis
por essa subida foram Reinaldo e PC.
Aqui o segredo nem sequer era a alma do negócio, muito pelo contrário, era necessário
que toda a gente soubesse para incentivar novos clientes. Uma autêntica operação de
marketing.
-Reinaldo, isto é muito melhor que jogar na roleta! - atirava PC, enquanto se deliciava
com mais um extracto bancário.
-Sem dúvida, presidente, mas agora que falou nela, já me está a dar um formigueiro nas
mãos.
-Oh, não!...

GOLPE DE ESTÁDIO (4)

Pinto da Costa tinha a consciência de que era ele quem mandava no futebol. Aos poucos,
apoderou-se dos centros de decisão mais importantes, oferecendo lugares a pessoas da sua
inteira confiança cuja personalidade era marcada pela ausência de escrúpulos, dignidade e
vergonha, transformando-as em autênticas marionetas.
A Olivedesportos e a agência de viagens(Cosmos) sobrefacturavam tudo o que estava
ligado ao futebol, e ninguém se queixava. Os contratos federativos eram assinados sem que
a concorrência fosse levada em linha de conta, e como Pinto da Costa falira todas as suas
empresas, queimando milhares de contos ganhos à custa do seu clube, tinha de apostar forte
nesta sua nova estrutura financeira. Mas os inimigos que fora deixando atrás de si,
principalmente aqueles que discordavam da forma pouco honesta como ele geria esta
situação, procuravam todas as provas com o sentido de o desmascarar. Devido às imensas
vigarices que fez, Pinto da Costa estava impedido de passar cheques e constituir qualquer
empresa, mas rodeou-se de gente da sua inteira confiança para lhe dar cobertura para os
seus negócios e não deixar rastos para qualquer acusação.
Já tinha organizado o seu braço armado, cuja chefia do sector entregou ao irmão de
Reinaldo Teles. O medo silenciava os que tinham vontade de falar. Constituiu depois o braço
jurídico, rodeando-se de advogados de poucos escrúpulos, mas peritos em matéria de crime,
que lhe davam todos os conselhos necessários à gestão da situação, bem como as fórmulas
para camuflar todas as provas capazes de pôr a nu os processos marginais utilizados para a
soma dos dividendos. A cobertura política fechava o círculo.
Pinto da Costa achava-se cada vez mais forte e impenetrável. A sua vaidade levou-o
mesmo a pensar que, pelo menos, no Norte, ninguém tinha mais poder do que ele, e o certo
é que, mesmo sabendo-se dos negócios ilícitos e ligações a pessoas como Reinaldo Teles,
numa sociedade discriminatória e preconceituosa, toda a gente vergava a espinha na
tentativa de poder servir o dono do futebol.
O facto de Reinaldo Teles ser o seu homem de confiança e de estar fortemente envolvido
em tráfico de carne branca, com a importação maciça de prostitutas brasileiras para o seu
bar e para outros, enquanto alguns dos seus familiares surgiam envolvidos em negócios de
droga, não tinha o mínimo peso no conceito das grandes famílias. Reinaldo Teles ganhou
peso e prestígio, e mesmo a sua mulher, Luísa, apesar de se conhecer a sua responsabilidade
na gestão do putedo do seu bar, era acolhida no seio do clube e na sociedade nortenha como
uma grande dama, merecendo, inclusive, por parte das mulheres de outros vices do clube,
com muito maior peso moral e sem passado na Rua Santos Pousada, um acolhimento fora do
vulgar. Esta empatia, dizia-se, ficava a dever-se a algumas festas livres organizadas por Luísa
nos quartos de hotéis durante as viagens do clube ao estrangeiro. Luísa já há muito que tinha
perdido o gosto pelos homens. E as mulheres começaram a ser a sua grande paixão.
Reinaldo Teles não parava de subir na estrutura do clube e na consideração de PC. O
jovem que muitos anos antes tinha vindo servir na tasca do tio, estava em verdadeira
ascensão. Já ninguém o conseguia parar. O trabalho que desenvolvera durante cerca de três
anos a levar prendas aos árbitros e familiares em dias de aniversário fizera com que
angariasse grandes amizades no sector, que se foram prolongando em visitas ao seu bar.
Reinaldo Teles sabia como gerir essa situação:
-Presidente, há duas coisas a que os homens não resistem: mulheres e dinheiro.
-Eu que o diga. Só de me lembrar que andei 40 anos in vitro, até me dá agonia. Foste tu
que me deste a conhecer a vida e que me ensinaste a tirar partido dela.
-Reinaldo Teles tinha em mente um plano que antevia ser bastante rentável e discutiu-o
com o presidente.
-A maior parte dos árbitros está na minha mão. Tenho-lhes arranjado umas gajas, e no
meu bar nenhum deles paga copos. Penso que chegou a altura de rentabilizar esse meu
investimento, e podemos dividir os lucros.
Pinto da Costa ouviu com atenção o plano de Reinaldo, mas não respondeu logo.
Levantou-se da sua secretária, dirigiu-se a um gabinete ao lado, tropeçou no fio do telefone e
quando voltou disse com uma calma impressionante:
-Esse assunto é muito delicado e perigoso. Eu não posso aparecer nem sequer ser
suspeito. Não quero o mínimo de contactos com qualquer árbitro. Trata tu dessa situação e
vais-me informando de como tudo se está a passar. Ah!... Não te esqueças dos lucros.
-Não se preocupe presidente. Vou tratar das coisas à minha maneira.
O negócio do bar de Reinaldo Teles estava em completa ascensão. As mulheres
contratadas eram seleccionadas entre as melhores e quem fosse amigo do patrão não tinha
de pagar tanto champanhe para poder usufruir de uma boa companhia. Alguns dirigentes de
futebol tornaram-se clientes assíduos do bar de Reinaldo e começaram a reparar nos
estreitos laços de amizade que existiam entre os árbitros e Reinaldo.
Ia começar mais uma sessão de strip-tease, quando o empregado colocou uma garrafa
ainda intacta de whisky velho sobre uma mesa. Encheu dois copos, perguntou aos clientes se
queriam muito gelo, e um deles, acenando com a cabeça, pediu coca-cola para misturar.
Quando o empregado se preparava para rodar sobre os calcanhares, o outro pediu:
-Diga por favor ao Reinaldo Teles se pode vir aqui à mesa tomar um whisky comigo.
-Dou já o recado ao patrão - disse o empregado, enquanto se dirigia para o balcão.
Reinaldo olho por cima das mesas para verificar quem o tinha convidado, e viu que se
tratava do presidente e o chefe de departamento de futebol de um clube nortenho.
Largou um sorriso disfarçado e fez sinal de que ia já lá ter.
Começou o strip-tease e, na parte final, o presidente do tal clube já tinha esquecido o
futebol, concentrando-se noutras jogadas.
-Mas que ricas mamas a gaja tem!
-Quando o Reinaldo vier cá, vamos mandá-la vir para a nossa mesa.
Vinte minutos depois, Reinaldo Teles sentava-se na mesa dos dois elementos que o
tinham convidado, e o tal presidente, sem esquecer as mamas da striper, perguntou de
imediato:
-A gaja não pode vir para a nossa mesa?
-Quem? A striper?
-Essa mesmo.
-Deixe-se disso. Tenho aqui coisa muito melhor, e de qualquer forma não é possível
chamá-la porque ela tem outro espectáculo no «Pérola Negra» e já se foi embora.
Reinaldo Teles olhou para trás, fez um gesto ao seu empregado para se aproximar,
falando-lhe no ouvido. Dois minutos depois estavam a sentar-se na mesa duas belas
raparigas.
-Diga se isto não é muito melhor.
Os dois comparsas olharam-se de frente e concordaram em surdina. Veio champanhe
para a mesa, e as carícias das mulheres fizeram esquecer por completo o que tinha motivado
os dois elementos a chamarem Reinaldo.
Discretamente, Reinaldo saiu da mesa e foi juntar-se a outros clientes.
No dia seguinte, os mesmos indivíduos lá estavam a marcar presença:
-Desta vez temos mesmo de falar com o homem, por causa do árbitro de domingo -
disse o presidente, afundando os dedos nas coxas de uma rapariga.
O chefe de departamento de futebol, enquanto concordava com a ideia, lançava um
sorriso à miúda do dia anterior.
Não esteja com essas merdas. Hoje vamos falar de coisas sérias.
O empregado trouxe a garrafa com o whisky que sobrara do dia anterior e levou o
mesmo recado ao patrão.
Reinaldo Teles sentou-se novamente na mesa dos clientes do dia anterior e não deixou
de perguntar:
-Então, gostaram do material de ontem?
-Gostamos, mas hoje queremos outra coisa...
-Isso arranja-se. Há ainda coisa melhor.
-Não é disso que estamos a falar.
-Ai não? Então de que é?
-Você é amigo de tantos árbitros e nós no domingo precisamos de ganhar. Podia falar
com o António Batista... e é só dizer quanto quer.
Reinaldo não respondeu logo, mas passados uns segundos levou aos lábios o copo que
trazia na mão e acabou por dizer:
-Amanhã falo com ele, sem falta. Deixe isso comigo.
-Quanto é que temos de dar?
-Depois combina-se isso.
No dia seguinte, Reinaldo estava a telefonar para o emprego do árbitro.
-Ó pá, no domingo vais apitar um jogo dum gajo muito meu amigo. Não quero pedir
favor nenhum, mas pelo menos não o prejudiques.
-Ele pode ficar descansado, e se for necessário, até se dá uma ajudazinha. Sem
escândalos, para não haver merdas.
-Isso é o ideal. Porta-te bem, que vais receber uma boa prenda.
-Fica à vontade, que eu trato do resto.
Radiante com a situação, Reinaldo viu logo que aquilo era um negócio dos diabos. Não
tinha dúvidas, eram favas contadas.
Telefonou ao presidente do tal clube e não esteve com meias medidas.
-Está tudo resolvido. Não vai ser por causa do árbitro que vocês vão perder. Ele diz que
vai dar uma ajuda, mas não entra em escândalos. Os vossos jogadores que se esforcem, que
caiam na área, que de resto não vai haver problema.
-E quanto é que temos de dar ao homem?
-Hoje, sem falta, venham ao meu bar e tragam 800 dele, que eu é que me encarrego de
dar o bolo ao homem.
-Reinaldo, está combinado.
Nesse dia à noite lá estavam os dois com o cheque, que entregaram directamente a
Reinaldo Teles. Reinaldo estava com Jorge Gomes, seu amigo de todos os dias e das grandes
farras. Gomes era o homem da sua confiança e o pombo-correio das notícias que mais
interessavam.
Reinaldo Teles resolveu abrir-se com o amigo.
-O Mesquita, o presidente do clube...
-Já sei quem é. Aquele que esteve um dia destes aí - atirou Jorge Gomes.
-Veio falar comigo para eu combinar com o árbitro do jogo dele de domingo. Já está
tudo acertado. O homem entregou-me agora 800 contos, mas tenho um problema! No
domingo jogamos fora e não vou poder estar nesse jogo. Tu é que podias ir lá e entregar o
dinheiro ao árbitro no final do jogo. Vais jantar com ele. Ninguém te topa e entregas-lhe a
pasta. Mas não é todo. Ele leva quinhentinhos, e o resto é para mim e tu também tens a tua
parte.
Conforme o combinado, no domingo lá estava o Jorge Gomes. O jogo correu às mil
maravilhas, e o clube ganhou sem dificuldades. Verificando que aquilo tinha sido fácil de
mais, Jorge Gomes começou a pensar que era uma dor de alma estar a dar ao árbitro os 500
contos, e a partir daí tomou uma resolução. Encontrou-se com o árbitro no final da partida,
foi jantar com ele e os fiscais de linha, pagou a conta e no final disse:
-Amanhã, passem pelo bar do Reinaldo para beberem um copo, que ele tem lá uma
prenda para vocês.
O árbitro ficou todo contente e Jorge Gomes também.
Na segunda-feira de tarde passou por uma ourivesaria, comprou um relógio de ouro que
custou 200 contos e foi ter com Reinaldo já no final da tarde.
-Então, correu tudo bem ontem? - perguntou Reinaldo.
-Às mil maravilhas. Mas não dei a pasta aos homens.
-O quê? Não deste a pasta aos árbitros? Porquê?
-Tem calma, não te irrites. Aquilo foi simples de mais. O árbitro quase não teve de fazer
nada para dar a vitória aos gajos. No final fui jantar com os árbitros e disse-lhes para eles
passarem por cá hoje e que tu lhes darás uma prenda.
-E o que é que lhes vou dar?
-Já tratei de tudo. Fui comprar um relógio de ouro. Está aqui. É bonito, não é? Custou
200 contos, e agora guardas o resto. Não te preocupes, que ele vai ficar todo contente. Eu já
me apercebi disso ontem.
Quando o árbitro entrou no bar, Reinaldo não estava nada à vontade. Mas, quando lhe
ofereceu o relógio de ouro e viu o árbitro de olhos esbugalhados, começou a ficar mais
calmo. O Jorge Gomes afinal tinha razão. Ele ficou todo contente.
-Isto é para você não se atrasar na corrida para internacional - disse Reinaldo ao árbitro
em questão.
-Obrigado, amigo, e já sabe que pode contar comigo todos os segundos - agradeceu o
homem que se sentava no outro lado da mesa, já agarrado a uma miúda que era a novidade
da noite.
Mais adiante, Reinaldo pôde finalmente falar a sós com Jorge Gomes.
-Mas que grande negócio, este!
-Das oitocentas broas ficamos com seiscentinhos sem trabalho nenhum, e ainda por cima
o presidente telefonou-me ao princípio da tarde a agradecer-me. Mas que grande negócio!
Jorge Gomes tinha mostrado eficiência, e a partir daquele momento já não se colocava a
hipótese de ele poder vir a ficar de fora de novos negócios.
-Tens começar a trabalhar comigo. Deixa lá isso do jornalismo, que eu vou falar com o
presidente e vamos arranjar-te um lugar.
Jorge Gomes, que tinha ficado com 150 contos do bolo, aceitou logo o convite, e
passados alguns dias já estava ao serviço do clube de Reinaldo e a colaborar directamente
com Pinto da Costa, que entretanto tinha tido conhecimento dos predicados do rapaz. O
negócio estava montado e era necessário dar um melhor andamento à situação. O presidente
que tinha dado os 800 contos passou a ir mais vezes ao bar e a ter mais encontros com
Reinaldo.
-Você é um tipo porreirinho. Quando quisermos mais um favorzito voltamos a falar
consigo, doutor. OK?
-O que quiser. Vocês já sabem que faço isto desinteressadamente. Estou sempre
disposto a ajudar os meus amigos.
Discrição é coisa que não existe no seio dos dirigentes de futebol, e Reinaldo sabia muito
bem disso. Por isso, a notícia correu em rastilho rápido e depressa se ficou a saber que quem
quisesse uns favores no mundo da arbitragem só tinha de falar com o Reinaldo.
-Ele é um espectáculo. Conhece toda a gente.
O bar do Reinaldo começou a ser mais frequentado por dirigentes do nosso futebol. O
volume de negócios aumentou e os pedidos não se fizeram esperar. Jorge Gomes estava
dentro de todo o sistema, e os dirigentes já falavam também com ele. Parecia um mundo de
apostas clandestinas, mas era evidente a desorganização do sistema. Não havia, no entanto,
grande problemas, porque tudo era feito num círculo muito restrito.
Reinaldo Teles estava a apalpar terreno, não sabendo muito bem até onde podia ir e
com que árbitros podia negociar à vontade. Alguns deles, principalmente árbitros da capital,
passaram, entretanto, a frequentar o seu bar nas deslocações que faziam ao Norte. Um
deles, durante uma daquelas visitas de cortesia em dia de aniversário, pediu mesmo a
Reinaldo que meses mais tarde fosse padrinho da sua filha que iria nascer. Começava a ficar
tudo controlado. As noites de orgia sucediam-se nos fins-de-semana mais quentes, e o
negócio prosperava.
-Isto é o que eu sempre disse. Ninguém resiste às mulheres e ao dinheiro - filosofava
Reinaldo, do alto do seu banco do bar, mexendo os cubos de gelo e deitando um olhar de
paxá ao seu harém, então em plena laboração, quer na pista quer nos locais menos
iluminados do bar.
Luísa Teles, por sua vez, também estava entusiasmada com o negócio. Era dinheiro que
entrava, sem impostos, e ela sabia como escolher as melhores mulheres para os árbitros,
deixando-os agarrados a grandes momentos de felicidade. Reinaldo Teles estava a tornar-se
num expert em arbitragem e nos seus negócios marginais. E acabou por cimentar a sua fama
quando, em vésperas de um jogo internacional no qual o seu clube participava, lhe coube,
como sempre, a missão de proporcionar à equipa da arbitragem momentos de grande prazer.
O trio de arbitragem para esse jogo era escocês, e esse foi um pormenor que passou a
Reinaldo, que estava longe de pensar que o facto de os homens usarem sais pudesse
transformar a sua virilidade. Por isso, preparou para os visitantes três miúdas de estalo, com
a particularidade de uma delas se assumir como especialista na «tripla», fazendo também
cenas lésbicas.
Quando lhes apresentaram três bonitas raparigas, os fiscais de linha ficaram de olhos em
bico e começaram logo a babar-se, mas o árbitro fez má cara e mostrou a intenção de se
retirar. Reinaldo foi chamado à pressa para resolver aquela situação e, em menos de 20
minutos, foi a uma discoteca sua conhecida, trouxe um barman de bom porte atlético e ar de
machão latino. Com bigode descaído nos cantos, cabelo liso e tez morena e com um gosto
muito especial em comer machos, a presa cumpriu na perfeição os desejos do caçador
escocês.
O episódio foi muito comentado, e Reinaldo esteve duas horas a receber telefonemas de
parabéns. No seu gabinete, com a gata ao colo, Pinto da Costa sorria e pensava para os seus
botões:
-É deste tipo de pessoas que eu gosto. Capazes de resolver as mais intrincadas situações
e no mais curto espaço de tempo.
Era a afirmação em absoluto de Reinaldo Teles no mundo da arbitragem.
O bar de Reinaldo começou a ser ponto de encontro para aqueles que queriam usufruir
dos favores da arbitragem. Dirigentes e árbitros encontravam-se assiduamente no local, mas
nunca tinham um contacto directo, uma situação que foi sempre muito bem controlada, para
que não houvesse fugas de informação, tanto em relação a favores como aos preços
estipulados.
Lentamente, foi criada uma bem organizada rede de corrupção na arbitragem gerida, por
cima, por Reinaldo Teles, contando este com um assistente directo: Jorge Gomes. Os árbitros
das mais variadas regiões, logo que pisavam o chão da cidade, iam de imediato ao encontro
de Reinaldo. Não pediam nada, e muito menos ofereciam qualquer tipo de favor;
aguardavam antes, pacientemente, por uma abordagem. No início, estabeleceu-se uma certa
confusão promíscua no negócio, e esta situação não era a mais aconselhável. As pessoas
começavam a falar de mais, pois já nada passava despercebido, e Reinaldo Teles teve de
reorganizar o negócio, colocando as cartas na mesa de Pinto da Costa.
-Eles parecem moscas a cair no meu bar. A coisa já está a dar muita bronca.
-Que coisa?
-Aquele negócio dos árbitros. Começou a insinuar-se que eu era capaz de resolver tudo,
e os gajos não me largam. São os dirigentes de um lado e os árbitros do outro. Nunca pensei
que esta situação pudesse atingir este nível. Uns só querem vitórias; e os outros, dinheiro...
-Deixa lá. Ao menos, fica toda a gente satisfeita. Esse negócio tem de começar a se
gerido de uma forma mais segura. Isso vai dar muito dinheiro, mas é necessário saber fazer
as coisas. Roma e Pavia não se fizeram num dia.
Estava dado o mote para o arranque de uma organização mais capaz e eficiente, e o
plano foi colocado em marcha. Havia receptividade de parte, a parte e isso já era um bom
avanço. O tempo em que o clube gastava dinheiro para controlar algumas arbitragens já
tinha passado. Os árbitros sabiam exactamente onde estava o poder e como se chegar a ele,
e, se, em paralelo, se podia ganhar dinheiro, muito melhor.
Pinto da Costa estava consciente de que todos o temiam. Não tinha o mínimo de
pruridos quando queria esmagar um inimigo. Não fazia ameaças, mas os que se mostrassem
contra o seu poder podiam ter a certeza de que obteriam uma resposta de acordo com a
situação e sem qualquer tipo de contemplações. Perante tal quadro, era muito mais
proveitoso estar ligado a Reinaldo Teles. Para além do dinheiro que podiam ganhar, tinham
toda a cobertura possível dentro do Conselho de Arbitragem, área onde Pinto da Costa e os
seus pares se moviam com bastante à-vontade, contando com a colaboração de um
presidente da sua inteira confiança. Pinto da Costa gostava de evidenciar de uma forma
discreta esse poder. Era uma forma de fazer saber que quem mandava era ele. Quem
estivesse sob a sua protecção tinha as melhores nomeações e as melhores classificações. E
protegia quem se aliasse a ele, incentivando a aproximação dos mais indecisos.
PC queria uma organização perfeita e o controlo absoluto sobre todas as situações. Mas
os jornalistas eram indiscretos e perigosos para o negócio. Não era muito saudável que se
levantassem muitas suspeitas, e esse sector tinha também de começar a ser muito bem
controlado. Pinto da Costa sabia insinuar-se e cativar. Quando lhe convinha, promovia
encontros com directores de jornais e, de uma forma desinteressada, começava a gabar-lhes
os feitos e o trabalho. Incentivados pela guerra estabelecida pela concorrência e sabendo que
quem obtivesse maior número de informações junto dos grandes clubes era quem mais
vendia, ninguém se negava a esses encontros. Era impossível, porém, controlar toda a gente
e, através de algumas acções de intimidação, estabeleceu-se um clima de medo para os que
teimavam em mostrar-se independentes.
Normalmente às quartas-feiras, o presidente reunia-se com os jagunços e indicava-lhes
qual o jornalista que tinha de ser encostado e insultado. Nos dias dos jogos, os contratados
passeavam livremente pelo camarote da Imprensa e, através de insultos e ameaças,
exerciam uma tremenda pressão sobre alguns jornalistas. A intenção era clara: promover o
medo e o consequente silêncio. Durante a semana, quem tivesse o atrevimento de não
analisar uma situação conforme lhes convinha podia ter a certeza que tinha à sua espera na
primeira oportunidade alguém com o seu jornal na mão a ameaçar que o fazia engolir aquele
pedaço de papel.
Pinto da Costa era mestre na política da divisão, e ao longo dos tempos foi criando
divisões entre os jornalistas, porque tinha consciência do perigo que representavam quando
todos se resolvessem unir e impor os seus direitos. A organização era-lhe favorável, e ele
sabia como jogar todos os seus trunfos. Um negócios implantado no seio da arbitragem era
exactamente aquilo que lhe faltava. A Olivedesportos e a agência de viagens «Cosmos»
estavam a facturar como nunca. Tinha conseguido vários exclusivos que lhe permitiam
efectuar o mais variado tipo de operações, sobrefacturando sem medo de poder ser
contestado. Tinha o presidente federativo na mão, e até nem foi muito difícil conseguir isso.
Dava-lhe gozo colocar os da capital a trabalhar para a sua organização. Um cartão de crédito
sem limite e umas viagens oferecidas ao casal que comandava as operações federativas
bastaram para que pudesse facturar alguns milhões. Pinto da Costa estava adiantado em
relação a todos os outros. Já há muito que tinha entendido que o futebol era a indústria que
mais rendia em 90 minutos.
Mas PC não era infalível. Também cometia os seus erros. Quando, através do, agora,
grande amigo e sócio camuflado, Joaquim Oliveira, ofereceu um cartão de crédito sem limite
ao federativo e à sua mulher, nunca lhe passou pela cabeça que a mulher deste, numa das
viagens da nossa selecção, se lembrasse de utilizar o respectivo cartão em compras pessoais,
gastando quase dois mil contos. O cartão foi de imediato cancelado. Numa viagem a
Liechtenstein, principado onde o clube de PC foi disputar um jogo particular, um emigrante
português, que se dedicava à pintura de automóveis e também fazia uma perninha como
empresário de jogadores de futebol, conseguiu criar uma grande amizade com PC e Reinaldo.
O indivíduo tinha boa pinta e falava várias línguas. Era inteligente e mostrou-se conhecedor
do ramo. E como era necessário preencher a vaga de Luciano D´Onofrio, a solução estava
mesmo ali à mão. José Veiga tinha todos os predicados para entrar na organização e, num
ápice, apareceu em Portugal como sócio de Joaquim Oliveira. Grande jogadores começaram a
passar pela sua mão. Ganhou prestígio, mas a sua ligação aos Oliveira limitava a sua acção.
PC estabeleceu então uma nova estratégia:
-O José Veiga tem-se mostrado competente e capaz. Tem-nos dado muito dinheiro a
ganhar, mas está na hora de se desfazer a sociedade.
Joaquim Oliveira não entendeu onde o presidente queria chegar e não hesitou em
perguntar:
-Mas não estou a entender. Se ele nos está a dar bom dinheiro, porque é que vamos
desfazer a sociedade?
PC tinha acordado mal-disposto e, ainda por cima, a sua gata, logo pela manhã, tinhalhe
derramado leite sobre as calças. Olhando a nódoa mal disfarçada junto à carcela, explicou
o seu plano:
-Se desligarmos o José Veiga da nossa organização, simulando um desentendimento, ele
fica mais livre para poder trabalhar com outros clubes, nomeadamente com os nossos
maiores adversários. Com esta acção, para além dos lucros que daí podemos retirar, ficamos
com a possibilidade de minar os nossos adversários por dentro. Ficamos com o campo livre
para lhes vendermos jogadores com rótulo dourado, mas fora de prazo, e também podemos
vender os seus melhores jogadores para clubes estrangeiros, criando, assim, focos de
instabilidade ao mesmo tempo que se lhes diminui a força.
Joaquim Oliveira nem queria acreditar no que ouvia. Aquele homem era de facto um
manancial de inteligência. Dois dias depois, estava desfeita a sociedade e, tal como fora
previsto, José Veiga tornou-se num dos empresários mais conceituados da nossa praça.
Mas a completa organização do sector da arbitragem, era o negócio que agora fazia
perder mais tempo a PC. Reinaldo Teles tinha descoberto o ovo de Colombo e revelado jeito
para controlar a situação.
Com um tiro podia matar com facilidade dois coelhos. O seu clube não tinha dinheiro
para andar a gastar em arbitragens, e a sua política nunca foi a de gastar, mas sim a de
cobrar. Toda a gente sabia que ele não era homem endinheirado, e alguns dos que, nos
primeiros anos, ainda ajudaram o clube quando se tornou necessário, agora fugiam a essa
situação, porque se sentiam traídos com os negócios efectuados por PC. Era a velha filosofia
de que era possível enganar toda a gente durante muito tempo, mas não sempre. Como
gostava de dizer, «não corre mais o que caminha, mas sim o que mais imagina». Por isso,
tornava-se necessário pensar sempre em novas estratégias.
Quem emprestava dinheiro queria garantias, e o clube ia ficando hipotecado a essas
situações, perdendo algum património sem que ninguém levantasse a voz para travar esse
tipo de situações. Pinto da Costa sentia-se inatingível. Estava acima do poder e até o
desafiava, sem ser punido por isso. Tinha a força do seu clube por trás. As vitórias, os golos e
as alegrias. Tudo era feito em nome do futebol.
Pinto da Costa sabia que tinha muitos inimigos, e não podia falhar dentro do relvado. O
controlo sobre árbitros era a solução que mais garantias dava para que se continuasse a
somar títulos, e Reinaldo Teles tinha a solução na mão, sem gastar dinheiro com isso, muito
pelo contrário, ganhando milhares. Reinaldo limitou-se a deixar germinar o negócio. Não era
necessário movimentar-se. As pessoas vinham ter com ele para estabelecer o primeiro
contacto. Já não se negociava com prendas, mas com dinheiro vivo. Foi mesmo estabelecida
uma tabela, mas Jorge Gomes não estava muito de acordo.
-Isso das tabelas não tem jeito nenhum. Os jogos têm de valer pela importância que
têm. -
És capaz de ter razão, mas aqui no bar está a dar muita barraca. Temos de falar como
presidente.
Pinto da Costa já se tinha apercebido da situação e também não andava muito satisfeito
com a exposição pública. Havia que evitar um devassa que, de dia para dia, se tornava mais
fácil de empreender, principalmente da parte dos inimigos do costume. Ele mesmo era cliente
assíduo do bar e não queria ser visto no local na companhia de árbitros e muito menos
envolver-se directamente no negócio.
-Vamos «lavar» a imagem que está a passar lá para fora. Esta situação tem que ser
alterada. Muito embora utilizes o teu bar para o primeiro contacto, combinas depois os
encontros para o restaurante do teu primo. O local é mais decente, menos visto, e não é tão
frequentado por gente do futebol. E sempre tem ao lado um bom jardim que dará sempre
para meditar um bocadito...
-Também acho que essa é a posição mais acertada. Vamos mudar isto, e já - concordou
Reinaldo.
Com uma organização mais eficiente, Reinaldo Teles elaborou uma carteira de árbitros
seleccionados por preços, acessibilidade, categoria e forma de actuar. O prémio de cada favor
era estabelecido conforme a importância do jogo, e de início, Reinaldo cobrava apenas um
terço do estabelecido, mas, mais tarde, quando verificou que os seus favores eram cada vez
mais requisitados, passou a cobrar 50 por cento.
Ninguém discutia preços nem duvidava do empenhamento de Reinaldo Teles, que
sempre que lhe era possível marcava a presença no jogo onde estabelecera o seu melhor
negócio.
Mas o volume de pedidos cresceu tanto, que Jorge Gomes começou a ser mais
requisitado, entrando no negócio a todo o vapor. Enquanto Reinaldo assumia os seus
compromissos e as suas responsabilidades no negócio, Jorge Gomes estava mais virado para
o lucro fácil. Fazia-se intermediário, cobrava a respectiva verba e nem sempre os árbitros
viam a fracção combinada, o que dava origem a alguns protestos rapidamente silenciados
com as ameaças do costume.
Jorge Gomes foi mais longe. Com a ambição de ganhar tudo, a maior parte das vezes
nem sequer falava com os árbitros e esperava simplesmente que os resultados fossem
favoráveis para ficar com a respectiva verba. O negócio até era muito mais rentável na 2ª
Divisão. Os jogos eram menos vistos, os árbitros estavam menos expostos e toda a gente
queria subir. Foi num negócio entre duas equipas de 2ª Divisão que Jorge Gomes foi pela
primeira vez desmascarado nas suas vigarices.O árbitro era alentejano, mas tinha um
compadre no Porto, proprietário de um restaurante. O lugar era típico e até se cantava lá o
fado. Um representante de um dos clubes foi falar com o dono desse restaurante, levando
uma proposta em carteira.
-Sabemos que és compadre do João Cravo, e ele vem apitar, no domingo. Não podemos
perder. Tens de nos ajudar.
-Está bem, eu falo com o homem.
-Quanto é que achas que lhe podemos dar?
-Mil contitos, mas 200 são para mim.
-Tudo combinado. Trata do negócio.
Passados poucos dias, o mesmo elemento desse clube surgiu no restaurante do
compadre de João Cravo para lhe dizer:
-Não trates de nada, porque o meu vice e o meu presidente foram falar com o Reinaldo
Teles, e ele garantiu que tratava do assunto todo. Para tratar disso, já ficou lá com dois mil
contos.
-Mas eu resolvia isso com mil.
-Oh, pá, nem me quero meter nessa merda! Mandaram-me falar contigo e foram ao bar
do gajo e ele sacou-lhes dois mil contos. Fiquei bera com isso e obriguei-os a prometeremme
que os teus 200 contos estão garantidos.
-Tudo bem, não há problema. O Reinaldo que me telefone que eu trato do encontro. O
homem vem de véspera e janta no meu restaurante.
Na véspera do tal jantar, Jorge Gomes telefonou ao dono do restaurante e combinou o
encontro com o árbitro. Quando este chegou, foi logo posto ao corrente do que se estava a
passar e esperou até quase de madrugada por Jorge Gomes. Como esta não aparecia,
acabaram por desistir, embora mantendo a esperança de que ele telefonasse. Mas até à hora
do jogo... nem um telefonema nem uma palavra.
O clube que entregou os dois mil contos a Reinaldo ganhou, mas sem qualquer
interferência do árbitro. No final, de regresso ao restaurante do seu compadre, o árbitro
voltou a falar no assunto.
-O Jorge Gomes não me ligou nem disse nada.
-São uns filhos da puta. Ficaram com os dois mil contos e nem sequer se dignaram a
falar comigo. Esses gajos são burros como portas. Andam a dar dinheiro a esses chulos.
De facto, os dois mil contos ficaram na posse da organização de Reinaldo, sem que este
tivesse o mínimo trabalho ou interferência no desenrolara do jogo. E o dono do restaurante
nunca mais viu os tais 200 contos.
Jorge Gomes sabia jogar com a situação e tinha consciência de que, como não se podia
falar abertamente destes negócios, dificilmente se descobriria este tipo de vigarice.
Uma outra vez, no final de um jogo em que o árbitro foi um internacional nortenho, o
presidente do clube que venceu acompanhou, no final da partida, esse árbitro ao seu
automóvel e pelo caminho disse-lhe abertamente:
-O Jorge Gomes já falou consigo?
-Comigo? Não. Porquê?
-Eu dei-lhes três mil contos para si e ele garantiu-me que já lhos tinha dado.
De súbito, começou a chover e, no momento em que o presidente desse clube saltava
um charco de água e abria o guarda-chuva para abrigar o árbitro, ambos verificaram que
Jorge Gomes, embrulhado numa gabardina, se dirigia a eles.
O árbitro não hesitou, e mesmo ali agarrou-o pelos colarinhos, enquanto lhe dizia:
-Ó meu filho da puta, andas a governar-te à minha custa!
-Tem calma, eu vinha agora trazer-te o dinheiro.
O presidente resolveu então intervir, para evitar que aquilo se transformasse num
escândalo.
-Tenham calma. Vamos resolver isso civilizadamente. Você ainda me disse ontem que já
tinha dado os três mil contos a este homem.
-É que ainda não tive oportunidade de o encontrar.
-Tem aí o dinheiro? - perguntou o presidente.
- Não.
-Então avise o Reinaldo Teles que amanhã vou ao bar dele e se não me devolverem os
três mil contos, armo um escândalo que nem vos passa pela cabeça.
Foram muitos os casos como este. Jorge Gomes estava a comprometer o negócio com as
suas vigarices, mas o certo é que Reinaldo lhe aparava todos os golpes, e PC começou a
desconfiar que eles estavam feitos, muito embora não revelasse o facto para não perder a
confiança de Reinaldo, muito menos agora, que ele lhe tinha apresentado a Maria. Uma
rapariga por quem se estava a apaixonar e para a qual até arranjou um emprego no clube.
Semanalmente, eram muitos os milhares de contos que se movimentavam em negócios
com os árbitros. Reinaldo Teles e Jorge Gomes já evidenciavam sinais exteriores de riqueza.
Os negócios eram realizados em dinheiro vivo, mas, quando isso não acontecia, também não
havia problema para controlar a situação e não deixar vestígios. Reinaldo recebia os cheques,
trocava-os no casino, levantava dinheiro na troca de fichas e entregava em cash aos árbitros.
Não deixava qualquer tipo de vestígio.
No entanto, esta situação levou-o a viciar-se no jogo. Com alguns montes de fichas na
mão, começou a não resistir à tentação de arriscar algum na roleta e perdeu muitas centenas
de contos, desde logo. Jorge Gomes não gostou da situação e por diversas vezes tentou fazer
com que o seu amigo deixasse o jogo.
-Não gastes dinheiro nessa merda. Não vês que ninguém ganha, e quando ganha, no dia
seguinte deixa-se o dobro.
-Deixa lá. Isto dá-me gozo, e o dinheiro é dos camelos. Eu controlo a situação, - Posto
isto, apostou tudo o que tinha no preto. E ganhou.
-O que é que eu te dizia, Jorge?...
Pinto da Costa e Reinaldo Teles tinham encontrado nos escalões inferiores as suas
melhores fontes de receita nas negociatas directamente relacionadas com processos de
corrupção da arbitragem. O nível dos dirigentes era mais baixo, e a vaidade dos
endinheirados empresários que procuravam o futebol para evidenciarem a sua posição social
estava a ser soberbamente explorada.
Pinto da Costa esfregava as mãos.
-Como é fácil ganhar dinheiro no futebol. Quando assumi a presidência do clube, nunca
imaginei poder chegar a esta situação e ganhar tanto dinheiro.
-Mas, desta vez, veja lá se tem mais cuidado com os investimentos que faz. Siga o meu
exemplo; gasto algum no jogo, mas estou sempre bem de vida - juntava Reinaldo Teles,
sempre prudente.
-Isso não é de admirar. O teu negócio dá sempre. Agora estás a ver-me a gerir uma casa
de putas? Toda a gente me caía em cima.
-Não é bem assim. Vejam o meu exemplo. Não é segredo para ninguém que sempre vivi
à custa da prostituição. Sim, porque não tenho as gajas para andarem a fazer cócegas aos
clientes e eu não ganhar nenhum. Ninguém vai ao meu bar beber um copo porque o whisky
de lá é muito bom ou a música óptima.
-Nisso tens razão. A maior parte do whisky que lá vendes até está marado! Só mesmo as
gajas é que são boas. Por falar nisso, já há muito tempo que não me apresentas uma
novidade.
-E a Maria?
-Adoro aquela gaja. Pelo menos agora tenho-a junto a mim mais tempo e sem ninguém
desconfiar de nada. Mas isso não quer dizer que não vá provando uma daquelas novidades
que vão aparecendo.
-Estou à espera aí de umas gajas novas que vêm da Rússia e hei-de arranjar-lhe alguma
coisa. Mas, voltando à conversa anterior, não concordo muito consigo quando me diz que ter
um bar de alternos é mau e que não dá prestígio. Você é testemunha de que esses gajos
todos não me largam e estão fartos de dizer que sou um tipo porreiro. Até me querem fazer
uma festa de homenagem. Não vê, nas viagens ao estrangeiro que fazemos com o clube, as
mulheres deles a juntarem-se à minha sem qualquer tipo de preconceito. Toda a gente sabe
que é a minha mulher que gere as putas, que lida com elas todos os dias e, sabe uma coisa,
mulheres dos nossos vices e de alguns dos acompanhantes que habitualmente nos seguem,
fizeram-se grandes amigas dela e algumas até puxam conversa para saberem como é o
ambiente no bar. Isto é um mundo de hipocrisia, e o que é necessário é saber viver nele.
-Então eu não sei disso!? Eu levo muitas vezes a tua mulher aos jantares que os clubes
estrangeiros nos oferecem, enquanto tu ficas com os jogadores.
-Bem, mas aí eles não conhecem a Luísa. E ela até tem boa pinta.
Pinto da Costa ouviu o telefone tocar, levantou-se do maple onde estava sentado e foi
atendê-lo na sua secretária.
-Tudo bem, obrigado.
Após uma curta pausa para ouvir o seu interlocutor, PC puxou uma folha de papel e
escreveu um nome.
-Já sabia que ele nos ia nomear esse árbitro. Fui eu que lho pedi pessoalmente. Sabe, o
jogo é importante e não podemos arriscar... OK! Até logo e obrigado. Era o Adriano Pinto -
disse PC.
-Ele está a ajudar-nos bastante.
-Que remédio ele tem. Se não fosse assim, tirava-lhe o tapete.
-Mas ele ajudou-nos bastante no início e pode ajudar-nos ainda mais.
-Sei perfeitamente que tenho aprendido muito com ele. No início, foi o Adriano que me
abriu os olhos e me ensinou que caminhos devia percorrer para ganhar os títulos que
ganhámos. Mas agora quem manda no futebol sou eu. A força está do nosso lado, e se ele
não fizer o que mandamos, não tenhas dúvida que lhe tiro o tapete, e ele sabe disso.
Reinaldo Teles lembrou-se do quanto Adriano Pinto era importante em toda a estratégia
estabelecida. Só a sua amizade já era bom para o negócio que começou a ser montado.
Pinto da Costa tinha uma visão extraordinária em relação ao futuro e começou a urdir a
sua organização. Reinaldo Teles e Jorge Gomes continuavam a dar todo o apoio nos negócios
com os árbitros, apostando na ajuda a clubes de escalões inferiores. Com esta acção, iam
ganhando algumas centenas de contos semanalmente e tinham cada vez mais os árbitros na
mão, não sendo necessário, por isso, gastar nem um tostão quando esses árbitros viessem
apitar o seu clube.
Entrava-se num ciclo vicioso. Os árbitros ficavam de tal forma hipotecados a Reinaldo
Teles que, quando fossem nomeados para os jogos com o seu clube, não tinham força moral
para o trair e nem sequer era necessário comprá-los. Mas nem tudo corria da melhor forma,
e Reinaldo teve consciência de que não dominava o sector conforme julgava, quando, por
diversas vezes, saiu derrotado em acções por ele desenvolvidas.
Em 1992, na última jornada do campeonato da 2ª Divisão, Reinaldo Teles foi contactado
no seu bar por um clube que tinha hipóteses de subir de escalão e que ia jogar com outro
que se não ganhasse seria despromovido. O negócio ficou acertado, comprometendo-se
Reinaldo a entregar ao árbitro três mil contos, garantindo outro tanto para si. O árbitro era
da capital e, depois de contactado num dos grandes hotéis da cidade por Jorge Gomes e
Reinaldo, comprometeu-se a fazer o frete e a ir receber a verba combinada no domingo à
noite ao restaurante do primo de Reinaldo.
O clube protegido por Reinaldo era o visitante, e ao intervalo já estava a ganhar por 3-0
com uma arbitragem verdadeiramente escandalosa. A ameaça de invasão de campo estava
iminente, mas nem isso assustou o árbitro da partida. Mas, perante tal situação, o presidente
do clube visitado, sabendo que o negócio tinha sido feito por Reinaldo e conhecendo o
montante da verba combinada, no interregno da partida entrou na cabina do árbitro e, com o
descaramento que provinha do desespero, fez directamente a sua proposta ao árbitro e
fiscais de linha.
-Sabemos que Reinaldo Teles vos ofereceu três mil contos e vocês podem sair daqui
mortos.
Retirando uma pequena pasta de debaixo do braço, puxou de um grande maço de notas,
colocou-o em cima da mesa que estava na cabina do árbitro e apostou forte quando disse:
-Estão aqui cinco mil contos e queremos ganhar. A vossa protecção está garantida.
Saiu da cabina do árbitro e esperou pacientemente pelos últimos 45 minutos. O
inevitável acabou por acontecer: o árbitro deu de tal forma a volta á situação, que o jogo
terminou com um resultado de 4-3.
Reinaldo Teles tinha sido derrotado na sua estratégia e prometeu vingança ao árbitro. O
certo é que esse árbitro abandonou o ofício mesmo antes de atingir o limite de idade.
Reinaldo Teles sabia que tinha de ser duro na sua acção para não perder o controlo da
situação, e Pinto da Costa avisou-o muitas vezes.
-É necessário ser duro e inflexível.
Ambos se recordavam bem de um caso passado uns anos antes com um árbitro
alentejano que foi apanhado com a «boca na botija».
Desde que tinha sido promovido ao primeiro escalão, Francisco Silva revelou uma grande
ambição pelo dinheiro, aceitando negociar sempre que possível com Reinaldo Teles. Mas
depressa verificou que era ele quem dava a cara e sofria a consequência dos escândalos a
que ficava obrigado.
Reinaldo ganhava tanto como ele e, por vezes, até mais. Este árbitro tinha falado várias
vezes com os presidentes dos clubes que favorecia, e eles acabavam por confessar quanto
tinham dado a Reinaldo ou a Jorge Gomes. Achou que aquilo era uma exploração e resolveu
actuar por conta própria.
Pinto da Costa teve conhecimento da situação e avisou Reinaldo Teles do perigo que
aquela atitude constituía.
-Vamos tratar da saúde desse gajo, para que não haja mais fugas. Quando souberes de
um contacto directo, avisa-me que eu trato do resto.
Reinaldo Teles assentou com a cabeça em sinal de concordância e saiu do gabinete do
presidente a pensar na forma como deveria actuar.
Jorge Gomes estava à espera dele e, depois de discutirem o assunto, não teve
contemplações.
-Vamos fodê-lo. Mandamos dar-lhe uma tareia, para ver se ele aprende.
Reinaldo não respondeu logo, e passados alguns segundos acabou por dizer:
-Dar-lhe uma tareia não é solução. O presidente garantiu que tinha outra estratégia. Só
temos de estar atentos e avisá-lo quando soubermos de algum negócio directo.
A oportunidade não tardou a chegar. Francisco Silva pedia que nem um cego, e a
informação tão desejada acabou por chegar.
-O presidente do Conselho de Arbitragem (Lourenço Pinto) era da total confiança de
Pinto da Costa e deu-lhe a informação tão esperada.
-Temos o homem na mão. Ele telefonou ao Rocha (Manuel Rocha, presidente do
Penafiel) e pediu-lhe dois mil contos pelo jogo de domingo. Vamos fazer-lhe uma
emboscada.O Rocha leva um gravador quando lhe for entregar o dinheiro, e depois entramos
nós em acção.
-Sigam com a operação, mas lembrem-se que temos de ficar sempre de fora.
Quando se viu desmascarado, o Silva chorou, pediu perdão, mas não adiantou nada.
Tinha sido feito. Houve ainda algumas hesitações não sabendo bem se devia levar o assunto
para a frente ou apenas pregar um tremendo susto ao Silva, mas o escândalo rebentou e não
foi possível segurar a situação.
PC e Reinaldo mais uma vez saíam ilibados do problema gerado, assumindo o papel de
anjinhos, mas a força que detinham foi bem evidenciada. Para os outros árbitros, o aviso
surgia sempre na forma de um «lembrem-se do que aconteceu ao Silva, que fugiu à nossa
protecção, quis fazer os seus negócios sozinho e acabou por se espalhar; mais vale ganhar
menos mas estar devidamente protegido».
O sistema voltava a estar sob controlo, e a submissão da maior parte dos árbitros a
Reinaldo era cada vez mais forte. Ele sabia que não podia perder aquele negócio. A árvore
continuou a dar os seus frutos, mesmo fora de época.
O restaurante do seu primo transformou-se num autêntico estabelecimento cambial, tal
era o volume de negócios que ali se desenvolvia. Os cheque voavam de mesa para mesa,
desaparecendo debaixo dos pratos de feijoada.
José Silveira, um árbitro transmontano com algumas dificuldades na vida, devido aos
maus negócios que tinha efectuado na sua empresa, necessitou, entretanto, de comprar uma
carrinha Passat e falou com Reinaldo para lhe emprestar três mil contos para efectuar o
negócio. Reinaldo levou-o ao presidente, e este não hesitou em passar-lhe o respectivo
cheque para a compra da carrinha, mas exigiu ao árbitro que este lhe passasse um outro
cheque da mesma importância, mas com um prazo mais alongado. Ambos concordaram, e o
árbitro levou os três mil contos.
Quando Reinaldo regressou ao gabinete do presidente, perguntou, um tanto espantado:
-Não é um risco muito grande emprestar dinheiro a este gajo?
-Claro que é sempre um risco, mas não vamos ficar sem esse dinheiro. Isso foi apenas
um investimento. Nós vamos precisar dele.
Passadas poucas semanas, o clube de Pinto da Costa lutava pelo título com o seu
principal rival (perigosamente próximo, nessa temporada), e havia uma deslocação difícil
mais a norte do País. PC chamou Reinaldo e explicou-lhe a situação:
-No domingo, vamos jogar o título. Temos de ganhar, de qualquer maneira, e as coisas
não estão nada fáceis. Chegou a altura de pedir contas ao teu amigo árbitro de Trás-os-
Montes.
Reinaldo entendeu logo o que o seu presidente queria; pegou no telefone e discou o
número do árbitro.
Do lado de lá atendeu uma voz grossa e bem timbrada que Reinaldo identificou de
imediato:
-Olá, estás bom?
-Quem fala?
-É o Reinaldo. O presidente mandou-me falar-te, porque precisa daquele dinheiro que te
emprestou.
-Mas agora não tenho essa verba...
-Mas tu prometeste!!!
-Claro que prometi, mas as coisas correram mal.
-Sabes que o presidente tem um cheque?
-Sei. E o que é que ele vai fazer?
-Nada, se tu te portares bem.
-Olha que porra. Até parece que ando a portar-me mal.
-Não é isso. Vais ser nomeado para fazer o nosso jogo de domingo e nós temos de
ganhar de qualquer maneira. Não interessa como, temos é de ganhar.
-Já sabes que comigo não há problema. Diz ao presidente que pode contar comigo. Mas
vê lá se me toca alguma coisa.
-Deixa isso comigo. Faz a tua parte, que nós depois cá nos entendemos.
No dia desse jogo, o árbitro transmontano passou pela maior vergonha para dar a vitória
ao clube de PC, inventando um penalti que nunca existiu, com a agravante de tudo isto se
passar em casa do adversário, situação que lhe originou uma penosa fuga pelas traseiras.
Mas ele já estava muito batido nestas «saídas à comandante», assim baptizadas porque
normalmente aconteciam no jeep do comandante da GNR.
Os jornais, a rádio e a televisão comentaram o escândalo, mas o título foi assegurado.
Dias depois, o árbitro transmontano, que de bruto só tinha o aspecto físico, foi em busca
do cheque dos três mil contos que tinha passado a Pinto da Costa, mas este nem sequer o
recebeu, mandando recado por Reinaldo:
-O presidente disse que aquele dinheiro nada tinha a ver com o empréstimo que te fez.
São negócios diferentes. Nós fizemos-te um favor e tu retribuíste com outro.
-Mas já viste o que passei no domingo para não ganhar nada com isso?
-Tem calma que vais recuperar esse dinheiro. Eu disse-te que não havia problemas, não
disse? E vais ver que não há.
-Como é que então vais resolver essa situação?
-É fácil. Vou arranjar-te uns joguinhos e clientes para te pagarem o frete. Nós ficamos
com o dinheiro e abatemos à dívida.
-Isso não é justo - disse o árbitro, ao mesmo tempo que dava um murro na mesa.
-Não te enerves, porque a situação não é tão injusta como tu julgas. Já sabes que
connosco podes ganhar muito dinheiro e vais até superar com toda a certeza essa merda dos
três mil contos. Deixa isso connosco, que nós arranjamos-te jogos para cobrir isso e muito
mais. De facto não faltaram jogos a José Silveira. Reinaldo não se cansava de lhe arranjar
nomeações e pedir os respectivos fretes, mas a devolução do cheque é que nunca foi
efectuada, tendo sido utilizado várias vezes para exercer sobre o árbitro o vais variado tipo
de chantagem.
Os escândalos foram-se avolumando, e o árbitro transmontano ficou de tal modo
hipotecado à situação que mais tarde teve de fugir para o estrangeiro para evitar a prisão.
Algures no golfo Pérsico, onde tentava montar um negócios de camelos, o pobre árbitro
transmontano dizia mal da sua vida:
-Grandes cabrões, servem-se de uma pessoa e quando ela já não é necessária lançamna
pela borda fora. Mas eles não vão perder pela demora!
José Silveira era apenas um exemplo de como alguns árbitros estavam agarrados a
Reinaldo Teles e eram obrigados a executar todos os seus planos, muito embora, no meio de
toda esta estratégia, surgissem algumas falhas no sistema. O certo é que os árbitros que
mais dinheiro ganhavam com os negócios de Reinaldo Teles eram aqueles que apareciam
mais vezes a apitar os jogos do seu clube, sendo-lhes exigidos favores à troca de nada.
Quanto mais egoísta era o árbitro e mais gastador se mostrava, mais hipotecado ficava.
Quando queriam montar negócios ou necessitavam de dinheiro para cobrir algumas despesas
da sua vida particular, telefonavam a Reinaldo Teles, e este, salvo raras excepções, nunca se
fazia rogado na execução dos empréstimos, mantendo sempre em sua posse alguns
documentos comprovativos.
Reinaldo Teles sabia bem avaliar a potencialidade dos empréstimos e quanto essa verba
lhe iria render. Presos pelas dívidas, os árbitros em causa tinham de se submeter às ordens
emanadas por Reinaldo ou Jorge Gomes, uma figura que, aos poucos, se foi transformando
no braço direito do seu dilecto amigo. Os empréstimos eram abatidos mediante os jogos
efectuados, mas a verba descontada na dívida era sempre muito inferior à que Reinaldo
cobrava aos respectivos dirigentes que com ele contactavam.
Alguns árbitros estavam fartos de ser explorados e começaram a surgir algumas fugas.
Contactados pelos clubes adversários dos protegidos de Reinaldo, traíam os objectivos e
colocavam-se do lado contrário, para dessa forma levaram algum dinheiro. A organização era
rígida e não perdoava tais veleidades. Reinaldo estava fora de si e, descontrolado, até
insultava os árbitros em público.
-És um ingrato, mas vou tratar-te da saúde. Este ano já te dei a ganhar mais de 10 mil
contos e tu traíste-me. ` Tás fodido comigo.
O árbitro, tentando arranjar desculpa para disfarçar o negócio que tinha feito, ainda
ripostou:
-Não podia fazer mais do que aquilo que fiz, senão era um escândalo.
-Era um escândalo, o caralho!!! Não viste, há três jornadas atrás, o que fez o Chico?. Foi
preciso marcar três penaltis para ganharem, e ele marcou-os. Aconteceu-lhe alguma coisa?
Claro que não. Ele está sob a nossa protecção.
-Ó Reinaldo, desculpa lá, não me fales dessa merda de desonestidades nem de
ingratidões! Para eu ter ganho mais de 10 mil contos, tu ganhaste o dobro ou mais. Eu
também estou fodido contigo, porque no jogo que fiz anteriormente ajudei o clube que me
pediste e não vi nem um tostão. Não me venhas, por isso, com a conversa de que ele te
pregaram o mico. Eu soube que eles te deram o dinheiro, e eu não ando aqui a fazer fretes
de graça, ou para ganhares só tu.
-Está bem, está bem. Vais ver o que te vai acontecer!
E aconteceu mesmo: esse árbitro, que tinha subido ao primeiro escalão no ano anterior,
acabou por ser novamente despromovido.
Reinaldo não perdeu a oportunidade para lançar o aviso sobre os outros:
-Estão a ver o que acontece a quem nos tenta foder e não quer colaborar connosco?
Abram os olhos, comigo é que ganham dinheiro!