Conforme prometido há uns dias atrás, segue-se um trabalho sobre a situação do futebol do Benfica, incidindo sobre aquelas que considero as dez principais razões para o facto do clube não conseguir chegar às glórias que o seu passado justificaria. Não são de agora, e grande parte delas tiveram origem há quinze anos atrás, quando, em poucos meses, Manuel Damásio e Artur Jorge destruíram um plantel campeão. Algumas têm sido atenuadas, mas a maior parte delas tem, de um modo geral, mantido os seus traços essenciais, triturando os sucessivos (e bons) treinadores que, ao longo destes anos, foram passando pela Luz – de José Mourinho a Jesualdo Ferreira, de Fernando Santos a Manuel José, de Paulo Autuori a Jupp Heynckes.
Para além destes, outros problemas possivelmente existirão. Só quem estiver do lado de dentro os poderá conhecer. Estes são, no fundo, aqueles que saltam à vista do adepto mais atento. E se pudessem ser ultrapassados, nem arbitragens, nem satelização de equipas, nem outras quaisquer situações menos claras impediriam o clube da Luz de lutar activamente pelos títulos.
Vamos a isto:
1- FALTA DE MÍSTICA E SENTIDO DE CONTINUIDADE
PROBLEMA: Desde 1995, quando foram dispensados, de uma assentada, jogadores como Veloso, Vítor Paneira, Neno, Isaías ou Mozer, que o Benfica tem tido grande dificuldade em encontrar referências para o seu plantel, ou seja, jogadores que sintam a camisola, que conheçam os cantos à casa, que, enfim, personifiquem a mística do clube, e a passem para aqueles que vão entrando.
Quando, uma década depois (entre 2004 e 2006) o Benfica voltou a conquistar troféus (Campeonato, Taça e Supertaça) e a brilhar na Europa (quartos-de-final da Liga dos Campeões), ainda chegou a dispor de um naipe de jogadores capazes de constituir uma interessante base para os anos seguintes. Quim, Moreira, Miguel, João Pereira, Ricardo Rocha, Luisão, Tiago, Manuel Fernandes, Petit, Nuno Assis, Nuno Gomes, Mantorras, Geovanni, Anderson, Miccoli, Léo e Simão Sabrosa (grande parte deles portugueses), foram, quer pelo seu talento, quer pela forma como chegaram e se afirmaram no clube, aquilo que, na última década, mais se terá aproximado de uma verdadeira equipa à Benfica. Nem todos jogaram juntos, mas eram, sem excepção, excelentes jogadores, que acabaram inexplicavelmente por sair, na maioria dos casos sem a devida contrapartida financeira. Este grupo, reforçado com um ou outro elemento (Katsouranis?, Rodriguez?, Cardozo?), poderia ter sido o ponto de partida para um grande Benfica nacional e internacional, e quando na altura Luís Filipe Vieira falou na conquista de um título europeu, tal parecia poder mesmo ser possível. Todos aqueles jogadores saíram, e dessa fase apenas restam, além dos guarda-redes, Luisão, Nuno Gomes e Mantorras.
SOLUÇÃO: Não é fácil construir, de um ano para o outro, um conjunto de jogadores de valor e identificados com o clube. É um processo que demora anos, ou mesmo décadas. Quando as referências existem, é fácil a quem chega adaptar-se e poder transformar-se, a prazo, em nova referência. Se não existem, quem vem de novo dificilmente se adaptará, e provavelmente nunca sentirá o clube como seu.
Quando surgem jogadores que mostram perfil para poder ganhar familiaridade com a mística clubista, há que os preservar como tesouros. O primeiro e decisivo passo é pois não deixar sair, de forma nenhuma, aqueles que possam interpretar esse papel. Sobretudo enquanto não existe, dentro do próprio plantel, e com idêntico grau de aculturação clubista, alguém que os substitua. Simão Sabrosa foi um caso paradigmático de um elemento que não era possível (como não foi) substituir, e por quem teria valido a pena abrir generosamente os cordões à bolsa. Tal como Lucho no F.C.Porto, ou Liedson no Sporting, era uma bandeira a segurar com unhas e dentes.
Neste momento há três grupos de jogadores no Benfica: os que já são, de certa forma, e por diferentes motivos, referências (Quim, Moreira, Luisão, Katsouranis, Nuno Gomes, e o caso especial de Mantorras), os que podem vir a sê-lo (Maxi Pereira, Sidnei, Miguel Vítor, David Luíz, Ruben Amorim, Yebda, Carlos Martins, Cardozo), e os que dificilmente o poderão alguma vez ser (os restantes). Do primeiro e do segundo grupo, parece-me absolutamente proibido deixar sair jogadores.
Não se podem repetir as razias de 2006 (João Pereira, Geovanni, Ricardo Rocha), 2007 (Anderson, Miccoli, Karagounis e Simão), e 2008 (Petit, Léo, Nelson, Cristian Rodriguez, Rui Costa, Nuno Assis), pois não haverá milhões que cheguem para colmatar tantas baixas. Se, como já se vai lendo por aí, o Benfica prescindir de Cardozo, Katsouranis, Luisão etc, é absolutamente seguro que dentro de um ano voltemos a estar aqui a dizer a mesma coisa.
2- DEFICIENTE POLÍTICA DE CONTRATAÇÕES
PROBLEMA: Para além da inexplicável forma como o Benfica prescinde, ano após ano, dos seus melhores jogadores, também muitas das contratações não têm tido o critério que se exigia.
Procuram-se, por um lado, estrelas, nomes sonantes, craques para fazer a diferença e encantar plateias. Por outro, jovens imberbes com vista a uma posterior venda, na perspectiva da mais-valia fácil. Gastam-se milhões com eles. Sem enquadramento colectivo, o rendimento é invariavelmente baixo, e, consequentemente, acabam por se desvalorizar desportiva e financeiramente.
Esquece-se que uma equipa não é uma simples soma de individualidades, e que não pode ser apenas feita de solistas. Esquece-se também que as receitas, as grandes receitas, vêm das vitórias, dos títulos - pois são eles que valorizam os jogadores - e não de negócios avulso com jovens sul-americanos. O resultado em campo é o que se vê: um conjunto desarticulado, desmotivado, pouco combativo (o que se revela dramático num campeonato com as características do português), e isso deve-se, não necessariamente à menor entrega ou profissionalismo dos jogadores, mas sim ao perfil dos mesmos, e à sua falta de enquadramento colectivo.
Faltam operários e atletas, sobram artistas e jovens inexperientes. Faltam mais Maxis Pereiras, Rubens Amorins, e sobejam Aimares, Di Marias ou Reyes. Faltam ideias colectivas, sobram talentos avulso.
SOLUÇÃO: Mais do que a habilidade dos jogadores, para vencer campeonatos é necessária uma equipa que funcione enquanto entidade colectiva. Mais do que estrelas, são necessárias peças para um puzzle que, ele sim, tem de apresentar harmonia e qualidade. Só assim é possível vencer, só assim é possível conseguir as valorizações dos passes dos jogadores contratados, e posteriormente, com uma (não mais) cirúrgica venda por época, garantir as receitas que a SAD tanto procura.
Esse puzzle tem que apresentar organização, disponibilidade e força, para o que são necessários jogadores com um perfil que corresponda, em termos físicos e mentais, às exigências de uma época de combate e de profundo desgaste.
Não se podem contratar jogadores para depois fazer uma equipa. Tem que se pensar uma equipa, e contratar jogadores em função dessa ideia, o que é substancialmente diferente. Por exemplo, para jogar em 4-4-2 não se teria contratado Aimar.
3- EXCESSIVA ESTRANGEIRIZAÇÃO
PROBLEMA: Em 1982-83, com um treinador estrangeiro acabado de chegar a Portugal, o Benfica realizou uma época extraordinária. Foi campeão, venceu a Taça, e chegou à final da Uefa. Tinha dez portugueses no seu onze, grande parte dos quais com sete, oito ou mais anos de clube. Foi a melhor equipa do Benfica do meu tempo.
Hoje o Benfica tem apenas sete portugueses em todo o plantel, dois dos quais guarda-redes, e chegou mesmo a utilizar, pela primeira vez na sua história, um onze exclusivamente estrangeiro (no jogo da Taça em Matosinhos). À excepção de Mantorras, Luisão e Katsouranis, nenhum dos estrangeiros do plantel encarnado está há mais de dois anos no nosso país.
Juntando esta realidade a um treinador recém-chegado, auxiliado por adjuntos igualmente estrangeiros, temos um grupo de trabalho francamente desfasado dos terrenos que pisa. E em muitos jogos isso fez-se sentir de forma dramática.
Pode argumentar-se que Chelsea, Arsenal, Liverpool e outros grandes clubes europeus funcionam como verdadeiras multinacionais e mantêm poucos jogadores dos respectivos países nas suas equipas. Contudo, para além das óbvias diferenças de qualidade do recrutamento, estamos a falar de estrangeiros que permanecem no clube quatro, cinco seis anos (Ronaldo, Drogba, Fabregas etc), e são sempre enquadrados por dois ou três elementos da casa (Scholes, Giggs, Lampard, Terry, Gerrard etc).
SOLUÇÃO: À partida seria simples resolver esta questão recorrendo ao mercado nacional para apetrechar a equipa. Acontece que grande parte dos clubes portugueses estão satelizados pelo F.C.Porto, o que dificulta a prospecção e a negociação. Cabe à direcção encarnada combater este estado de coisas, denunciando-o, mas também actuando no terreno. E não é com vinagre que se apanham moscas…
Enquanto esse longo processo não dá os seus frutos, a contratação de um treinador português poderia ajudar. Não há contudo por aí técnicos portugueses aos pontapés, capazes de gerar algum consenso entre os benfiquistas (Fernando Santos foi o melhor treinador do Benfica dos últimos anos e a contestação foi muita…). Em alternativa, impor um adjunto português, com larga experiência do nosso futebol, poderia ser uma boa opção. Álvaro Magalhães é o nome que me vem à cabeça, até porque foi campeão e o motivo da sua saída (José Veiga) entretanto dissipou-se.
4- DÉFICE DE CAPACIDADE ATLÉTICA
PROBLEMA: Estou plenamente convencido que um dos segredos do F.C.Porto passa por privilegiar a capacidade atlética quando decide contratações ou dispensas de jogadores.
Ainda na passada semana, observando ao vivo (e só assim essas coisas se percebem) um jogo de Hóquei em Patins, tive mais uma confirmação dessa ideia, ao verificar a gritante diferença de constituição atlética entre os jogadores do F.C.Porto e do Benfica, algo que creio ser comum a quase todas as modalidades e escalões. No Futebol acontece o mesmo, bastando comparar Cissokho, Cristian Rodriguez ou Hulk com Aimar, Di Maria ou Reyes para o perceber.
Por vezes não se trata apenas de uma diferença de altura ou peso. É uma diferença de atitude mental, de agressividade, de nervo, de combatividade. Há um perfil de jogador portista, que encontra as suas raízes em André, João Pinto, Frasco, Jaime Pacheco e outros, e que, grosso modo, se mantém vivo. E o resultado disto é uma presença física colectiva absolutamente impressionante, que marca todas as diferenças.
Veja-se a força e a combatividade com que Lisandro Lopez joga. Compare-se com qualquer um dos avançados do Benfica. Veja-se o ritmo de Raul Meireles, compare-se com o de qualquer médio benfiquista. Veja-se a agressividade de Bruno Alves, compare-se com a dos defesas encarnados. Só Maxi Pereira consegue aproximar-se da intensidade de jogo da maioria dos jogadores da equipa portista.
Enquanto para quem está sentado na bancada o futebol é apenas um espectáculo, dentro do relvado é, antes de mais, um desporto, onde os atletas mais fortes, mais rápidos, mais resistentes e corajosos quase sempre levam vantagem. Esta realidade torna-se particularmente evidente num campeonato como o português, disputado muitas vezes em campos pequenos, sobre maus relvados e diante de adversários ultra-defensivos, que fazem da combatividade – e mesmo da violência – as suas principais armas.
SOLUÇÃO: O Benfica deve privilegiar a contratação de guerreiros. Tem de basear a sua equipa em jogadores fortes física e mentalmente, corajosos, agressivos, disciplinados, cultos, de rendimento regular e pouco dados a lesões. Tem de ser este o perfil do jogador-Benfica, independentemente da maior ou menor capacidade técnica, da maior ou menor expectativa de valorização individual no mercado. Se for possível introduzir uma estrela que faça a diferença, tanto melhor, o que não se pode é pretender construir uma equipa de craques, até porque os verdadeiros fora-de-série, aqueles que realmente ganham jogos (Messis, Ronaldos, Ibrahimovics), não estão ao alcance dos clubes portuguêses.
Este aspecto cruza-se, creio, também com questões clínicas.
No futebol actual, ou de um modo geral, no desporto de alta competição, a medicina é uma área absolutamente central. Tão ou mais fundamental que o próprio treinador, até porque se trata de um tipo de funções muito mais especializado. O Benfica tem, aparentemente, ignorado esta realidade, laborando em lógicas de funcionamento muito próximas daquelas que eram as do futebol dos anos oitenta e noventa, onde o médico só servia para curar lesões. Não sou médico, pouco conheço das EPOS, ou das CERAS dos tempos modernos, nem defendo que o caminho seja esse, embora outros o sigam. Mas um departamento médico de um clube profissional, que pretende conquistar títulos, para além de não poder errar diagnósticos, nem demorar tanto tempo a tratar uma lesão muscular como se estivéssemos num qualquer centro de saúde do país, não pode também ignorar que todo o acompanhamento do rendimento dos atletas, e da capacidade atlética que apresentam em campo (inclusive, porventura, os índices de agressividade) passa por si.
5- FALTA DE UMA IDEIA DE JOGO
PROBLEMA: Enquanto o F.C.Porto e o Sporting apresentam um modelo de jogo solidificado e repetido desde há três ou quatro épocas, enquanto as grandes equipas europeias jogam praticamente da mesma forma ao longo de décadas (Manchester United, Barcelona, Arsenal, Milan, Bayern de Munique), o Benfica parece querer refazer, a cada início de temporada, toda a sua identidade de jogo, toda a sua estruturação colectiva, e esperar que decorridos apenas alguns meses, ou mesmo semanas, a sua equipa se imponha categoricamente a todos os adversários, e satisfaça adeptos cuja ambição ainda se situa em parâmetros construídos nos tempos de Eusébio. Esta lógica não é minimamente sustentável.
SOLUÇÃO: Há que definir um modelo de jogo que sirva de base de trabalho, e responda aos desafios do campeonato português. Para isso, e também por motivos de ordem económica, deve partir-se dos jogadores que existem, e verificar qual a melhor forma de os aproveitar e rentabilizar (losango?). Depois, introduzir uma ou outra peça, já de acordo com o modelo definido. Por fim, manter essa estrutura durante o maior período de tempo possível, de modo a criar automatismos e coesão colectiva. Ou seja, saber planificar, e saber esperar.
Grandes equipas europeias constroem plantéis para vários modelos e sistemas de jogo. Em Portugal, sobretudo por razões económicas, creio que tal não é possível, havendo que fazer esta definição prévia. Tanto o Sporting como o F.C.Porto apenas dispõem de jogadores vocacionados para a forma como habitualmente jogam, que está previamente definida. No Benfica, creio por exemplo que Suazo, Reyes e Aimar, talvez as três principais aquisições da época, são, nas posições onde mais rendem, tacticamente incompatíveis.
6- CARÊNCIA DE SOLIDEZ DEFENSIVA
PROBLEMA: Se os ataques ganham jogos, as defesas ganham campeonatos. Esta é uma máxima que não tem encontrado eco na gestão desportiva do Benfica.
Se nos últimos dois anos o Benfica gastou perto de sessenta milhões de euros em contratações, não mais de dez terão sido destinados ao reforço da sua linha defensiva (metade deles com Sidnei), que já em 2007, depois da saída de Ricardo Rocha e Alcides na mesma semana (e mais tarde de Anderson), era o principal problema da equipa, e esta época voltou a sê-lo – o Benfica tem mais golos sofridos do que a Académica, e quase tantos o Rio Ave, o Estrela da Amadora ou a Naval.
É verdade que os avançados são mais caros, mas pretender fazer toda uma época, e ser campeão, com apenas um lateral de raiz no plantel, parece uma ideia algo fantasiosa.
Mais do que os próprios elementos da linha defensiva, o Benfica tem denotado grandes dificuldades colectivas, em todo o campo, sempre que perde a bola, o que se deve à forma macia como os seus médios e avançados (não) fazem pressão sobre os adversários. A equipa surge muitas vezes partida entre os que atacam e os que defendem, o que nos remete para o futebol que se praticava há vinte anos atrás. Hoje, tanto os defesas têm que saber atacar, como os avançados têm que ser os primeiros a defender, mas no Benfica essa filosofia ainda não foi devidamente apreendida. Por exemplo Liedson, Lisandro, mas também Drogba, Rooney, entre outros, são autênticos defesas sempre que não têm a bola nos pés, qualquer que seja a zona do terreno que pisem, aparecendo a disputar bolas, tanto na sua área, como junto das bandeirolas de canto da sua zona defensiva.
SOLUÇÃO: Para dotar o Benfica de uma maior segurança defensiva há que garantir, para já, a continuidade de todos os defesas do plantel, e reforçá-lo com dois laterais fortes e capazes de fechar o espaço interior. Mas a equipa encarnada terá também que adoptar um modelo no qual o meio-campo permita menos espaços aos adversários (losango?) ou, em alternativa, encontrar extremos capazes de fazer as imprescindíveis compensações aos laterais e aos pivots, o que não é o caso daqueles de que dispõe. Tem por fim que educar os seus avançados a pressionar os adversários como se vê a qualquer grande ponta-de-lança do futebol europeu, e se tal não for possível, contratar avançados que o façam.
Creio que este aspecto está também interligado com o défice de capacidade física do plantel, já referido num dos pontos anteriores.
7- FALTA DE ACOMPANHAMENTO E PROTECÇÃO AOS JOGADORES
PROBLEMA: Um dos aspectos que mais me tem chocado no Benfica dos últimos anos é perceber que muitos dos seus jogadores não gostam de lá estar. Miguel, Tiago, Ricardo Rocha, Karagounis, Katsouranis, e mesmo Luisão, são os exemplos que no imediato vêm à memória. Todos eles manifestaram, de forma mais ou menos persistente, o desejo de sair, o que não parece normal num clube com a dimensão, prestígio e palmarés do Benfica.
Alguns destes casos terão a ver com questões salariais, que irão ser referidas no ponto seguinte, mas não creio que o acompanhamento dado à integração dos jogadores do Benfica - em particular os estrangeiros - no plantel, no clube e na cidade, seja a mais eficaz, nem que os jogadores tenham, da parte do clube, a protecção, e mesmo, porque não dizer, o carinho, que a sua importância justifica.
SOLUÇÃO: Não sei quanto custaria criar uma equipa de técnicos (psicólogos?) e funcionários especificamente destacados para acompanhar os jogadores no seu dia a dia, que assegurasse a sua integração plena na cultura do clube, mas também na cidade (procurando ao mesmo tempo evitar-lhes más influências, más companhias e maus hábitos, nunca esquecendo que estamos a falar de jovens, nalguns casos pós-adolescentes), que lhes desse apoio psicológico quando necessário, que, enfim, fosse uma voz do Benfica junto deles, não os deixando exclusivamente entregues a empresários e agentes com interesses frequentemente contraditórios face aos do clube. O salário de um dos jogadores mais bem pagos do plantel daria provavelmente para concretizar esta ideia.
Para além deste aspecto, importa também acabar de vez com as críticas públicas a jogadores ou ao seu desempenho, e estabelecer com eles uma relação de maior proximidade e amizade, de modo a que não olhem para a sua entidade patronal com o distanciamento que, por vezes, acabam por revelar. Se se tratarem os profissionais como meros empregados ou mesmo mercenários, será dessa mesma forma que eles se irão comportar. É a psicologia do desporto profissional, é a psicologia do ser humano, é a psicologia da vida.
São os jogadores as estrelas do clube. São eles que escrevem a sua história. São eles que interpretam o sonho dos adeptos. Todos sabem quem é, e o que fez, Eusébio, mas ninguém saberá quem era o presidente ou os directores do Benfica no tempo dele.
8- DESEQUILÍBRIOS SALARIAIS NOTÓRIOS
PROBLEMA: Ao contrário do que sucede no F.C.Porto e no Sporting, a folha salarial do Benfica carece de equilíbrio e equidade.
Não é preciso perceber de futebol para se saber que qualquer organização profissional terá grandes dificuldades em ser eficaz, caso alguns dos seus membros, com as mesmas tarefas, aufiram salários duas, três e quatro vezes maiores do que outros. Sobretudo se a essas diferenças não corresponder um maior rendimento no trabalho.
Enquanto no Sporting a folha salarial é nivelada por baixo, e no F.C.Porto se nota um extremo cuidado com o equilíbrio da mesma (a prova é que Bruno Alves e Pedro Emanuel estarão entre os mais bem pagos), na Luz os que mais ganham não são, provavelmente, nem os melhores, nem os mais importantes.
Pior que isso, a sensação que salta para o exterior é que o Benfica não tem qualquer preocupação com esta questão, limitando-se, em cada momento, a pagar o menos possível a cada um dos jogadores que contrata (o que até é natural) e que mantém (o que já se trata de um tremendo erro, sobretudo quando falamos de elementos fundamentais no conjunto, com provas dadas de rendimento e profissionalismo).
Os jogadores são profissionais e são homens. Desejam o melhor para si próprios, e se não estiverem satisfeitos, se não sentirem o seu trabalho valorizado, se olharem para o lado e virem outros serem injustamente recompensados, o seu rendimento irá necessariamente ressentir-se. À primeira oportunidade vão pretender sair.
SOLUÇÃO: Não se pode resolver esta questão de uma penada. Os contratos estão feitos, há que os cumprir. Por outro lado, não há dinheiro para nivelar todos os salários por cima.
Percebe-se todavia que jogadores como Ruben Amorim, Óscar Cardozo, Miguel Vítor e Maxi Pereira justificariam um salário melhorado, pois o seu rendimento tem suplantado aquilo que deles se esperava. Creio também que Katsouranis estaria provavelmente disposto a renovar o contrato se lhe fosse proposto um vencimento correspondente à sua importância na equipa (e que pode vir a ser muitíssima). O mesmo é válido para Luisão, e, por outros motivos, também para o capitão Nuno Gomes.
Pelo contrário, salários como os de Reyes, Aimar e Suazo não são compatíveis com o futebol português, inflacionam a folha total, e só se justificariam se pagos a um jogador que possa fazer a diferença, por si só e individualmente (por exemplo, Simão Sabrosa). Suazo não volta ao Benfica, Reyes também não deverá ficar. Havendo que realizar mais-valias, talvez a venda de Pablo Aimar (eventualmente para o mercado sul-americano) fosse uma boa solução a este nível.
9- FALTA DE DINÂMICA DE VITÓRIA
PROBLEMA: Sem a conquista de títulos, vai sendo alienada, ano após ano, a auto-confiança que é a base de uma dinâmica ganhadora. Os jogadores deixam de acreditar em si e na equipa, os treinadores perdem ambição, os adeptos não apoiam, os adversários galvanizam-se, as críticas externas acentuam-se, e precipita-se o caminho das derrotas. Tem sido este o trilho percorrido pelo futebol encarnado.
Na Luz perdeu-se o hábito de vencer. Em termos de futebol, o Benfica transformou-se, desde há uma década e meia, num clube perdedor. Essa é uma realidade que não adianta ocultar.
SOLUÇÃO: Para reverter esta situação não há outro caminho senão o das vitórias e dos títulos. Trata-se na verdade de uma "pescadinha-de-rabo-na-boca", pois sem vencer não se cria dinâmica, e sem ela não se vence. Mas ainda assim há algo que se pode e deve fazer.
O Benfica ganhou a Taça da Liga e, por inacção perante todo o folclore que se seguiu à final, ou por uma quase demente mania de grandezas que continua a afectar parte significativa da família benfiquista, não soube, ou não pôde, fazer dessa vitória uma bandeira e uma arma de estímulo para a equipa e para os jogadores.
Quando se ganha poucas vezes, há que explorar bem todas as vitórias, por curtas que sejam. É delas que se parte para outras vitórias e que se iniciam ciclos ganhadores. Não se pode, para este efeito, atirar uma Taça da Liga para o lixo, como muitos benfiquistas têm feito. Essa seria a missão dos adversários e rivais. Não a dos benfiquistas.
10- PRESSÃO EXACERBADA DOS SÓCIOS
PROBLEMA: Também os adeptos do Benfica têm pois algumas culpas na situação em que o futebol do clube tem caído.
Nascidos ou moldados numa realidade diferente, na qual o Benfica era uma das grandes equipas da Europa, e em que tinha um dos melhores jogadores do mundo nos seus quadros, os benfiquistas nunca se souberam redimensionar aos novos tempos, nos quais, queiram ou não, perderam a hegemonia nacional, perderam o comboio internacional, e têm todo um longo caminho pela frente até poderem recuperar a sua identidade, e ver o clube devolvido às glorias passadas.
Exige-se das sucessivas equipas do Benfica aquilo que elas não podem dar. Espera-se ópera onde só se poderão ouvir marchas militares, exigem-se vitórias categóricas quando 1-0 basta, desdenham-se títulos “menores” mesmo não conseguindo chegar aos "maiores". Maltratam-se treinadores e jogadores, como se eles pudessem fazer muito mais do que na realidade, e na maior parte dos casos, fazem.
Fernando Santos terá sido o exemplo paradigmático de um treinador que fez um trabalho extraordinário no clube, foi pouco menos que sabotado pelas indefinições constantes no plantel, ficou a dois pontos do título, qualificou-se para a Liga dos Campeões, chegou aos quartos-de-final da Taça Uefa, e ainda assim nunca deixou de ser assobiado pelos adeptos. Trappatoni, que foi campeão, foi também assobiado insistentemente, e viu lenços brancos em variadíssimas ocasiões. Koeman, que chegou aos quartos-de-final da Liga dos Campeões, teve o mesmo tratamento. Toni, Heycnkes, Jesualdo Ferreira, Souness, Camacho, nenhum obteve o consenso de um terceiro anel completamente desadaptado aos tempos modernos, e para o qual as vitórias têm de ser esmagadoras e acompanhadas de recitais de bom futebol.
Nem só os treinadores foram atropelados por estas desmedidas e irracionais expectativas. Desde Abel Xavier a Vítor Paneira, de Maniche a Miguel, de Fernando Meira a Nuno Gomes, e mais recentemente Tiago, Derlei, Quim ou Cardozo, muitos foram os jogadores apupados por “adeptos” do Benfica que, aparentemente, ainda vão para o estádio à espera de encontrar Eusébio, Coluna e Simões, e que não têm a noção de quanto estão a prejudicar o seu próprio clube com esses assobios.
Significativa é, por outro lado, também a forma distanciada como uma grande parte dos benfiquistas vive o clube. Ainda esta época, num jogo em que o Benfica poderia saltar para o primeiro lugar (frente ao Vitória de Setúbal), estavam na Luz pouco mais de vinte mil pessoas. Ninguém percebeu que se estava perante um momento importante, pois nesta altura da sua história, ser líder da classificação é um feito suficiente para aglutinar todos os adeptos em redor da equipa.. Mesmo em 2006, depois de vários anos de ausência, o Benfica – com seis milhões de adeptos ! - tinha no seu regresso à Liga dos Campeões frente ao Lille não mais de trinta mil pessoas na Luz. E os festejos da última Taça da Liga praticamente não se viram.
Há um claro hiato entre aquilo que é o verdadeiro poderio futebolístico do Benfica de hoje, e aquilo que grande parte da sua massa adepta, sonhadoramente, espera. Isso traduz-se, por um lado em alheamento, por outro em pressão negativa.
SOLUÇÃO: Apesar de ser de evitar, da parte dos dirigentes, um discurso que caia claramente fora daquilo que são as expectativas reais da equipa - mobilizar é uma coisa, vender ilusões é outra bem diferente, e na Luz nem sempre se conseguiu distinguir devidamente uma da outra –, a verdade é que, ultrapassar ou não a forma como esta pressão (ou falta de apoio) influencia negativamente a equipa, depende fundamentalmente dos próprios adeptos.
Independentemente das ambições de cada benfiquista, a realidade actual do futebol do clube é substancialmente diferente da que se vivia há trinta anos atrás, quando os encarnados dominavam as competições nacionais e eram um nome temido em toda a Europa. O Benfica tinha os melhores jogadores, fazia as melhores equipas, mantinha a sua forte mística num balneário onde era alimentada uma dinâmica ganhadora.
Por várias razões, umas de natureza externa, outras de âmbito interno, o Benfica foi adormecendo á sombra dessa superioridade. Durante muito tempo esteve parado e deixou que outros tomassem o seu lugar. Hoje, se continua a ser o maior clube português, há já muito que deixou de ter a melhor equipa de futebol portuguesa (está claramente atrás do F.C.Porto, atrás do Sporting, e pertence à terceira linha do futebol europeu). É dessa realidade que, com humildade, o clube tem de partir, e só dela tendo consciência, os benfiquistas a poderão contrariar. Não admitindo as evidências estarão a enganar-se a si próprios, e a dar o primeiro e mais perigoso dos passos atrás.
É pois necessária a máxima exigência face ao rigor do trabalho e do caminho seguido, mas também alguma tolerância para com os resultados. Os adeptos do Benfica têm de aceitar e perceber – nunca com resignação, mas sim com paciência e serenidade - os limites se lhes foram colocando, pois só assim, conhecendo-se bem, ignorando provocações exteriores e redimensionando as suas expectativas (ajustando-as à realidade), estarão efectivamente a apoiar a equipa, e a contribuir para que ela se torne mais forte e competitiva no futuro.
A grande força do Benfica é a sua popularidade, mas se não a fizer valer de forma positiva, de pouco ela lhe servirá.
Não seria de excluir, portanto, que a direcção encarnada assumisse, na próxima época, uma não candidatura ao título, de modo a permitir ao grupo de trabalho a tranquilidade necessária para, a dois ou três anos, formar uma equipa campeã, e capaz de discutir, então sim, a hegemonia do futebol português.
PS: Já depois de ter publicado este texto, li com espanto na imprensa que Luís Filipe Vieira e Rui Costa terão estado em Inglaterra a tentar vender Cardozo e Luisão, quanto a mim, conjuntamente com Katsouranis (também de saída), os melhores e mais importantes jogadores do Benfica.
Se esse negócio se vier a concretizar, é absolutamente seguro que, dentro de um ano, por esta altura, estaremos todos a reflectir, uma vez mais, acerca dos problemas do Benfica, depois de mais uma época frustrante.
Sendo a fonte a Cofina (Record), mantenho todavia a esperança de tudo não passar de especulação.