O TEMPO CERTO

"Façamos um pouco de história. Em 2003-2004 Luisão chegou ao plantel benfiquista com três rondas já decorridas, demorando algum tempo (e alguns pontos) a adaptar-se. Em 2005-2006 chegaram Miccoli e Karagounis sobre o fecho do mercado, já o Benfica tinha perdido cinco pontos. No ano seguinte foi o “fica-não fica” de Simão Sabrosa até ao último dia de inscrições, com consequências no modelo de jogo adoptado por Fernando Santos, e com cinco pontos perdidos nos primeiros quatro jogos. Em 2007-2008 saíram Simão e Manuel Fernandes às portas da primeira jornada, entrando Cristian Rodriguez e Maxi Pereira, com o Campeonato em andamento, e já com quatro pontos desperdiçados. Em 2008-2009 saiu Petit e entrou Reyes em pleno Agosto, e mais tarde ainda chegaria David Suazo, quando já tinham voado quatro pontos. Em 2010-2011, chegou tardiamente Sálvio para colmatar a também tardia saída de Ramires, e no dia em que o argentino se estreou estávamos já a seis pontos de distância do primeiro lugar.

Se repararmos bem, nestes últimos tempos, apenas em duas temporadas o plantel benfiquista ficou definido atempadamente: 2004-2005 e 2009-2010. Em ambas entramos muito bem no Campeonato (treze pontos nos primeiros cinco jogos), em ambas nos viríamos a sagrar campeões.

Devido a uma anacrónica calendarização, a Liga Portuguesa começa a jogar-se algumas semanas antes do fecho do mercado de transferências – cuja data está em sintonia com os ricos campeonatos espanhóis e italiano, que só têm início em Setembro. Esse é um problema que tem afectado de forma significativa o Benfica, que raramente tem conseguido evitar uma indefinição bem para lá dos limites do desejável.

Dizem todas as estatísticas que o campeonato português se decide, por norma, nas primeiras jornadas. Nessas, o Benfica entra muitas vezes desfalcado, indefinido e à procura de uma equipa tipo. Quando a encontra, lá para Novembro ou Dezembro, quase sempre já vai tarde. Quantas vezes não vimos nós este filme? Quantas desilusões não sofremos já com ele?

No âmbito da identificação de factores a melhorar no futebol do nosso clube, creio que um redobrado cuidado com este tipo de situação é aspecto a ter em conta. Os timings de construção de uma equipa ganhadora não são, de todo, coisa de somenos. Planear uma temporada com o plantel fechado, com todas as unidades devidamente distribuídas, é o primeiro passo para o sucesso dos meses seguintes.

Como a história recente nos tem ensinado, não basta colocar um novo jogador (por maior que seja a sua qualidade) no lugar de quem sai (e, como é óbvio, só se vendem os bons) para que a máquina colectiva continue a carburar sem falhas – é preciso tempo de adaptação, mecanização, e automatismos, coisas que não se conseguem de um dia para outro, nem de uma semana para outra, nem de um mês para outro, nem, por vezes, de um ano para outro.

É verdade que um clube de um país periférico, como o nosso, está limitado nas suas acções de mercado, dependendo muitas vezes dos ritmos e vontades de terceiros. A forma de contrariar essa dependência passa por um planeamento rigoroso de todas essas acções, de modo a diminuir, ao mínimo, o grau de incerteza com que se iniciam os trabalhos. Seria desejável que, a cada época, no máximo em finais de Julho, tudo estivesse absolutamente definido. Sei que isto é muito mais fácil de dizer, ou de escrever, do que de levar à prática, particularmente num mundo onde as pressões (para vender, para comprar, para manter) surgem de todos os lados, e com crescente vigor à medida que as janelas de mercado se aproximam do fecho. Mas é precisamente nesses tabuleiros que se joga o êxito das operações, das temporadas, e, consequentemente, dos próprios clubes. É esse um dos nossos desafios.

Sendo os mercados de destino condicionados externamente, a lógica a privilegiar deve ser a de, tanto quanto possível, decidir previamente quem vender, e encontrar antecipadamente alternativas que tornem essas saídas indolores, e inconsequentes na harmonia colectiva da equipa. É essa ideia - a de um fio condutor, a da máquina continuamente ligada a que nunca podem faltar peças - que deve presidir à nossa gestão desportiva.

Uma equipa de futebol é um todo, é um conjunto, e também uma identidade. Se lhe retiramos uma parte, e só depois tentamos substituí-la, perdemos tempo, perdemos ritmo, e damos avanço aos rivais. Se isso acontece com duas ou três partes, temos a máquina empenada, e os trabalhos fortemente condicionados. Se tal sucede tardiamente, temos as ambições de uma temporada irremediavelmente comprometidas.

Num momento em que se define o plantel encarnado, e numa pré-época complicada, que envolve Copa América, Mundial de Sub-20, e pré-eliminatória da Liga dos Campeões, seria importante que esta perspectiva não fosse de modo algum ignorada, pois os riscos que pendem sobre nós são enormes. Estando o principal adversário obrigado a reconfigurar-se, a nossa vantagem poderá residir precisamente na estabilidade. Não a podemos desperdiçar. E não podemos falhar."

LF no jornal "O Benfica" de 01/07/2011

5 comentários:

Anónimo disse...

Concordo. Tenho dificuldades em perceber porque é que o nosso Clube, que em outras áreas muito tem melhorado nos últimos tempos, não consegue, neste ponto, melhorar o que parece óbvio.
Saudações Benfiquistas.

Ricardo F. disse...

LF,

concordo totalmente com os argumentos.

Mas acho que está a racionalizar para evitar a ilação mais óbvia: só planear as coisas em dois de dez anos com esta direcção é demasiada incompetência.

Os acontecimentos deste ano provam-no à exaustão; abordar uma pré-época desta maneira, com dois centrais de segunda, miúdos chamados à última, fracassos negociais repetidos, etc, é faltar ao respeito aos milhares que, como eu, gastam paixão mas tb muito dinheiro com o Benfica.

Não assumir isso não é ser honesto e é prejudicar o Benfica, bem mais do que discutir as opções do treinador no jogo X ou Y.

frank disse...

Muito bem visto e analizado por LF concordo na integra mas os culpados disto tudo desculpem-me se sou um ma lingua mas sao evidentemente a nossa direcao que cometem os mesmos erros ano apos ano e nao aprendem nada com om eles eu que sempre senti um carinho especial por LFV e seus pares por terem arrancado o Benfica das garras de qem o queriam destruir grato por isso mas desde alguns a anos a esta parte estou contra eles por estarem sempre a insistir nos mesmos erros,tambem e verdade como dizia Lf que e mais facil falar ou escrever do que por as coisas em pratica mas e por demais evidente que lhes falta um bocadinho de inteligencia para governarem bem o nosso clube como a maioria de nos deseja.

Peter disse...

Finalmente o meu caro Lf começa a descolar e a ter um espirito critico , concordo em absoluto e devo acrescentar so que todos os aspectos que referiu as pessoas que mandam no Benfica ja deviam ter aprendido que nao e assim que se faz e ha muito tempo que deveriam ter aprendido.

Bruno Pereira disse...

Concordo a 100%, defendo esse ponto de vista à já algumas épocas e espero acima de tudo que este ano seja diferente. Analise-se também a anormalidade de pontos que o Benfica perde na 1ª Jornada...
Ainda o ano passado a pré-época é feita em 4-3-3 sem inúmeros jogadores e o 1º jogo oficial muda-se para 4-1-2-1-2 pois alguns tinham acabado de chegar...há que ter tudo definido e aproveitar o facto de partirmos antes dos outros para acelerar rotinas e forma física.