“Os erros individuais foram, de facto, determinantes, mas o Benfica revelou nesta partida gravíssimos problemas de organização global, e, no meu ponto de vista, também de estratégica de jogo.Comecemos justamente pelos aspectos estratégicos. Os encarnados entraram no campo do adversário, num jogo importante da Liga dos Campeões, como se estivessem a jogar na Luz com o Paços de Ferreira. Procuraram fixar-se no meio campo contrário sem acautelarem minimamente as transições defensivas. Deixaram partir o jogo, quando – sendo o empate um excelente resultado – o deveriam ter tentado fechar. Eu também gosto de futebol de ataque, e compreendo que uma grande equipa não pode alicerçar o seu jogo no medo. Mas creio, por outro lado, que todas as grandes equipas começam a sê-lo precisamente na segurança com que vestem o seu futebol. O Benfica - que, a quem não soubesse, parecia precisar de recuperar de uma larga desvantagem - nunca, nesta partida, se mostrou uma equipa segura. Nunca soube perder a bola, deixando que cada transição ofensiva adversária causasse o pânico perto da baliza de Roberto. Nunca conseguiu controlar os ritmos do jogo, deixando-o transformar-se numa roleta que dificilmente o poderia favorecer. Assim, torna-se relativamente natural que os erros aconteçam, e, pior que isso, que sejam fatais. O primeiro passo para se ser forte é ter-se noção das próprias fraquezas. O Benfica, esta noite, não conseguiu conviver com as suas debilidades, nem pareceu entender as virtudes de um adversário que talvez tenha subestimado. Há também aspectos organizativos que não estão bem nesta equipa. Se na direita o fantasma de Ramires continua a conviver com a incapacidade de todos os possíveis substitutos darem, por um lado, o apoio de que Javi Garcia necessita, e por outro, conferirem a acutilância ofensiva que o "queniano" ainda assim garantia, na esquerda, Fábio Coentrão, sendo (desafortunadamente) apenas um, não é suficiente para fechar o corredor, sobretudo quando não tem nas costas um defesa seguro e consistente, como, no plantel, só ele próprio poderia ser. Ruben Amorim talvez representasse, no primeiro caso, uma solução interessante para esta partida. Infelizmente, estava em Lisboa.”
Podia ser esta a crónica do jogo de Lyon.
Na verdade, foram palavras que eu próprio escrevi há umas semanas atrás, após a derrota na Alemanha. E, como se vê, nem Jorge Jesus, nem a equipa, parecem ter aprendido muito com aquele desaire.
As infelizes declarações do técnico encarnado na conferência de imprensa antes do jogo já faziam antever o pior. Aquilo a que uns chamam audácia, eu chamo fanfarronice, pois ganhar em Lyon não é normal para nenhuma equipa do mundo, muito menos para um Benficazinho a léguas da equipa que, na época passada, encantou o país e também a Europa.
Este era provavelmente o jogo mais complicado do grupo, e só com muita humildade (e sorte) os encarnados poderiam evitar uma anunciada derrota. Era um jogo no qual um empate seria um óptimo resultado, e como tal uma ocasião merecedora das maiores cautelas, do máximo rigor, e de muita frieza competitiva.
O que se viu? Um Benfica a subir no terreno de forma suicida com seis, sete, oito unidades, expondo-se ao terrível contra-ataque francês; um Benfica sobranceiro, displicente e desastrado, mesmo em zonas recuadas do campo; um Benfica, em bicos de pés, a querer exibir o que não tem; um Benfica sem estofo nem forças para superar, ou pelo menos disfarçar, as suas (não poucas) debilidades. Tudo isto perante um adversário fortíssimo, coeso e muito experiente, que acabou por passar ao lado de uma goleada histórica, tais as facilidades que encontrava sempre que se aproximava da baliza benfiquista – onde Roberto foi evitando aquilo que pôde.
O grande erro do Benfica na noite de Lyon consistiu pois, uma vez mais, numa estratégia de jogo totalmente desadequada às circunstâncias. Na Liga dos Campeões não se vê ninguém jogar daquela forma. Nem gigantes como Real Madrid, Inter ou Chelsea, cuja maturidade os torna fortes precisamente por saberem adaptar-se a diferentes contextos – mesmo àqueles em que o melhor ataque é a…defesa. Aliás, a grande carreira do Benfica na Liga dos Campões de 2005-06 foi justamente alicerçada em estratégias de contenção face a adversários mais poderosos, procurando surpreendê-los pelas costas, e nunca enchendo o peito alarvemente nas suas barbas. Assim se joga na Champions, assim venceu Koeman o Liverpool e o Manchester United, e Jorge Jesus faria bem em rever os videos dessas históricas partidas.
Não falo necessariamente na constituição do onze inicial (embora partir para um jogo destes em 4-4-2, com Aimar e Gaitán como alas, seja o primeiro passo para o abismo). Falo sobretudo na forma errática, romântica, e sempre incipiente, como a equipa quis atacar (quer com onze, quer com dez, não fez um único remate à baliza), e na forma imprudente como pensou ser possível travar as transições do Lyon. Falo numa atitude despida de humildade, e de qualquer noção dos próprios limites. Não quero um Benfica a jogar sempre fechado na defesa. Quero um Benfica capaz de responder, a cada momento, às exigências do jogo, como uma grande equipa europeia, que, na verdade, pelo que se vê, está longe de ser. Infelizmente, mais longe do que estava há apenas uns meses atrás.
A diferença entre este Benfica e o da época passada é gritante. As razões para essa diferença davam para várias páginas de texto, e vão desde as saídas de jogadores absolutamente fundamentais (e ou me engano muito ou em todos os jogos da Champions, sobretudo nestes, iremos lembrar-nos aflitivamente de Ramires e Di Maria, cada um deles um enorme buraco por preencher na equipa), às lesões (Cardozo e Amorim seriam claramente titulares), ou ao estado de forma de alguns jogadores nucleares. Neste último aspecto há dois que sobressaem pela negativa, e nem sequer estiveram no Mundial: David Luíz e Javi Garcia. Duvido que para o caso do primeiro exista uma alternativa credível no plantel (Sidnei estancou o seu crescimento). Já o médio espanhol tem em Airton um substituto à altura, pelo que, dadas as reiteradas más exibições, justificava plenamente uma cura de banco. Em Lyon foi um verdadeiro fantasma, e quase parecia jogar de olhos vendados, tal o desacerto posicional que, a cada lance, ia revelando.
Olhando para a classificação, e para o calendário, nada está perdido. O Benfica depende apenas de si próprio, e duas vitórias e um empate até talvez possam chegar para a qualificação. O problema está mais nas fragilidades futebolísticas evidenciadas, não só nesta partida como na de Gelsenkirchen, e que deixam pouca margem de esperança em alcançar os imprescindíveis pontos. Ou seja, e para começar, duvido muitíssimo que este Benfica seja capaz de ganhar a este mesmo Lyon já no próximo dia 2 de Novembro. E não ganhando esse jogo, a continuidade na prova será uma miragem.
Muito honestamente, creio até que a Liga Europa talvez seja a melhor porta de saída para uma equipa que na época passada ameaçava vir a tornar-se muito forte (mesmo na cena internacional), coisa que esta Liga dos Campeões - pondo a nu as carências provocadas pelas saídas dos seus dois melhores jogadores - tem desmentido de forma eloquente. Na Liga Europa, contra Gents e Rapids, talvez ainda seja possível mostrar alguma garganta, e jogar um futebol abertamente ofensivo. Na milionária Champions, manifestamente, não é.