PODERIA PICASSO ESCREVER UMA SONATA ?
Mesmo descontando o facto de o referido diário desportivo estar normalmente melhor informado do que se passa em Alvalade do que propriamente na Luz, a questão é pertinente e justifica alguma atenção.
Conheço muito bem Ricardinho, que já vi jogar variadíssimas vezes ao vivo e na televisão, e com quem inclusivamente já tive oportunidade de trocar umas breves palavras, embora não sobre esta questão. Acompanho com frequência outras modalidades – normalmente nos dois pavilhões da Luz -, e o futsal, depois de uma desconfiança inicial (fruto de alguma aversão a novidades), ganhou definitivamente a minha admiração desde há uns dois ou três anos, facto que não será também alheio à extraordinária equipa que o Benfica tem vindo a formar – falando-se de ataque ao título europeu já na próxima temporada.
Ricardinho é um fora-de-série, e talvez possa dizer que, à excepção de Maradona, e mais recentemente, Cristiano Ronaldo, não me recordo assim de repente de ver alguém fazer com uma bola o que este pequeno génio faz. Tem uma capacidade de drible impressionante, um passe preciso, um remate fulminante.
Será então de promover a sua passagem para o futebol ? Duvido !
As duas modalidades, embora aparentemente semelhantes, são contudo substancialmente distintas: Ricardinho nunca na sua carreira profissional terá jogado mais de quinze minutos seguidos, e os seus piques resumem-se a dez ou quinze metros num campo de pequena dimensão. A sua capacidade de passe em profundidade, que no futsal nos regala a todos, no futebol ficaria reduzida a uma curta distância, e o seu poderoso remate assenta numa especificidade técnica bem distinta de um bom remate num jogo de futebol. As movimentações tácticas são substancialmente diferentes de uma para outra modalidade, pouco ou nada conhecendo Ricardinho, naturalmente, do posicionamento que se exige a um futebolista profissional.
Tudo isto vale por dizer que para Ricardinho se adaptar ao futebol teria necessariamente de desenvolver um longo e difícil trabalho de adaptação, devendo nalguns casos “descer” ao nível da formação de modo a conseguir traduzir todo o seu talento para uma linguagem amplamente diferente. Pior que isso, seria necessário verificar da adaptabilidade física do jogador a um tipo de desgaste e exigência francamente maior, o que, atendendo até à sua morfologia, me levanta sérias reticências.
Em suma, uma iniciativa deste tipo corria o risco de transformar, a prazo, um dos melhores futsalistas da Europa e do Mundo, num futebolista mediano a exibir habilidades numa qualquer equipa de escalões secundários, onde possivelmente até teria de ser frequentemente substituído muito antes de os cronómetros atingirem os noventa minutos.
Devo dizer no entanto que ficaria extraordinariamente feliz se esta opinião se viesse a provar não passar de um equívoco, e assim pudesse ver em breve Ricardinho fazer no relvado da Luz aquilo que semanalmente faz no pavilhão ao lado. Era espectáculo garantido, e o futebol do Benfica ganharia uma cintilante estrela.