ÁS ARMAS !
Depois dos electrizantes espectáculos que proporcionaram em Eindhoven em 2000 e em Lisboa em 2004 para os respectivos Europeus, Portugal e Inglaterra voltam a defrontar-se, desta vez no Campeonato do Mundo.
A Inglaterra, berço do futebol, é tradicionalmente um adversário a ter em atenção em qualquer competição que dispute. Conta com grandes jogadores, acolhe aquela que é provavelmente a melhor liga nacional do mundo - o que reforça a competitividade das suas equipas e consequentemente da sua selecção -, é orientada por um treinador de top internacional, e é apoiada freneticamente por dezenas de milhares de adeptos em qualquer estádio onde jogue.
Neste Mundial, os ingleses apresentam-se com a ambição própria de quem, dispondo de elementos como Frank Lampard, Steven Gerrard, Joe Cole ou Wayne Rooney, e de rotinas de jogo adquiridas em seis anos de trabalho conjunto, não tem conseguido resultados à altura do prestígio do seu futebol. É a última oportunidade de Eriksson fazer aliar à sua enorme capacidade, resultados condizentes e capazes de satisfazer todo um povo ávido de vitórias.
Por todos estes motivos, a Inglaterra é um adversário temível e dispõe de condições para se bater com qualquer das selecções ainda em prova, sendo, como quase todos os outros, um sério candidato ao título mundial.
Frente a Portugal os ingleses não costumam no entanto ter muita sorte. Além dos jogos referidos no primeiro parágrafo deste texto, que resultaram ambos em vitórias portuguesas (3-2 e 2-2 a penáltis) e eliminações inglesas, várias foram as ocasiões em que equipas portuguesas se encontraram nos últimos anos com clubes ingleses, quer na Liga dos Campeões, quer na Taça Uefa, e os resultados têm sido esmagadoramente favoráveis ao futebol português. O F.C.Porto eliminou o Manchester United na Champions League em 2004 – ano em que se sagraria campeão -, e no ano seguinte venceu o Chelsea na fase de grupos. O Sporting, na sua caminhada para a final da Taça Uefa de 2005 ultrapassou com alguma facilidade o Middlesbrough e o Newcastle, enquanto que na última época o Benfica, na Champions, eliminou o Manchester United e o Liverpool (na altura detentor do título europeu), com a particularidade de ter vencido ambos os jogos com a equipa de Gerrard e Crouch sem ter sofrido qualquer golo. Até o Vitória de Guimarães, que desceu à segunda divisão portuguesa, empatou com o Bolton na Taça Uefa. Podemos recordar ainda as goleadas infligidas ao West Bromwich em jogos particulares (o Benfica ganhou 5-0 e o Sporting 3-0). Enfim, se a história recente jogasse, já estaríamos nas meias-finais.
É claro que este panorama não é exclusivamente obra do acaso. Há características na tipologia do futebol britânico com as quais os hábeis e rápidos jogadores portugueses se sentem bastante confortáveis.
Por muito que técnicos estrangeiros como Houllier, Wenger, Benitez, Mourinho ou Eriksson tenham procurado “continentalizar” o futebol do além-mancha, a verdade é que a genética do seu jogo não consegue fugir inteiramente a um estilo sempre bastante audaz, com marcações não muito incisivas e muito espaço dado entre as suas linhas e nas costas da defesa, e com uma largura de campo que, se os favorece em processo ofensivo, lhes causa alguns calafrios em situações defensivas.
Muitas equipas inglesas, e mesmo a selecção, quando as coisas não lhe correm de feição, não conseguem resistir a bombear bolas para a área adversária, numa reminiscência do tradicional “kick and rush” que era a imagem de marca do futebol britânico há alguns anos atrás. Embora pratiquem um jogo rápido e fisicamente poderoso, a sua criatividade não impressiona, nem mesmo ao nível das equipas de topo da sua fabulosa liga.
O jogador português precisa de espaço. Quando lho tiram, como os italianos normalmente sabem fazer, retraindo e juntando as linhas, subtraindo largura ao campo e dando a bola ao adversário, as equipas portuguesas ficam sem soluções. Com os ingleses, como com os holandeses, sentem-se como peixe na água, dispondo de espaço para fazer sobressair toda a capacidade técnica individual dos seus jogadores.
A equipa de Eriksson é a única de entre todos os quarto-finalistas que demonstra alguma indefinição no seu sistema de jogo. As lesões dos avançados – primeiro Owen, depois Rooney, e novamente Owen – e a constante nuvem de dúvidas que se foi levantando sobre as suas recuperações, culminando com o afastamento do ex-madridista, terão sido responsáveis pelo facto de Eriksson ser obrigado, já em pleno Mundial, a refazer, ou pelo menos repensar, a sua estratégia.
Desde há décadas que a selecção inglesa funcionava em 4-4-2, e mesmo no último Europeu, onde tive oportunidade de a ver jogar ao vivo em duas ocasiões (contra Portugal e contra a França), impressionou-me o extremo rigor das suas três linhas, onde a movimentação dos jogadores quase se assemelhava a uma marcha militar.
Não podendo contar com um dos pontas-de-lança referidos, Eriksson testou numa primeira fase a “girafa” Peter Crouch, com cerca de dois metros de altura, mas o efeito não foi convincente. Crouch é um elemento útil em certas circunstâncias de jogo, mas a sua presença em campo, com pouca mobilidade e não muito mais capacidade técnica, gera a tentação de um jogo directo buscando incessantemente que a sua cabeça resolva os problemas da equipa.
Outro dos dilemas que Eriksson tem custado a solucionar é a compatibilização entre dois fantásticos jogadores, que nos seus clubes ocupam precisamente o mesmo espaço: Lampard e Gerrard.
Como forma de atacar estas duas “dores de cabeça”, o técnico sueco decidiu testar um sistema de um único avançado (Wayne Rooney), dar alguma liberdade aos seus dois médios centro, e reforçar as suas costas com um quinto centro-campista, Hargreaves ou Carrick, capaz de garantir as compensações defensivas. Os alas Beckham e Joe Cole também respiram assim uma atmosfera mais arejada para poderem dar largas à sua criatividade ofensiva. A equipa resolve assim os seus problemas a meio campo, mas obviamente perde capacidade na área adversária, todavia julgo dever ser este o formato que Eriksson vá apresentar no próximo sábado.
A Inglaterra apresentaria assim a seguinte formação: Robinson, Neville, Terry, Ferdinand, A.Cole, Carrick, Beckham, Lampard, Gerrard, J.Cole e Rooney.
Enfrentando um Portugal com: Ricardo, Miguel, R.Carvalho, Meira, N.Valente, Petit, Maniche, Figo, Simão, Pauleta e C.Ronaldo
Que hipóteses tem Portugal ?
Julgo, com franqueza, que tem precisamente as mesmas de Inglaterra.
Deco, sobretudo, fará muita falta neste jogo, onde encontraria um adversário à medida do seu talento, e da sua constante e dinâmica movimentação. Com Figo no seu lugar, Portugal perde algum dinamismo, o que, aliado à eventualidade de reforço do meio campo inglês, nos pode trazer um jogo bem diferente dos últimos duelos entre estas selecções. Já Costinha me parece poder ser substituído por Petit sem grande abalo para o onze.
A chave da questão poderá estar no desempenho de Simão e Ronaldo nas faixas, quer em termos de construção ofensiva, quer na capacidade de manietar as subidas em desequilíbrio dos laterais ingleses. Mas é claro que estes são jogos cuja decisão passa normalmente por um erro, ou por um lance de génio de um dos muitos talentos em presença. Espero ardentemente que não seja a arbitragem a decidir o vencedor.
Arrisco aqui um palpite: 0-0 e decisão nas grandes penalidades, e...já agora que sejamos nós a vencer.
Viva Portugal !