O REGRESSO DO 4-4-2

Apesar do Luís Freitas Lobo me ter “roubado” a ideia, e apresentar hoje em “A Bola” uma coluna sobre o tema, não queria deixar passar em claro uma conclusão que, ao fim de quase quarenta jogos, já é possível tirar deste Mundial no que aos aspectos tácticos diz respeito.
Depois de um Coreia/Japão marcado por uma tendência de 3-5-2 (ou 5-3-2 que é quase a mesma coisa), desde logo utilizado predominantemente entre os quatro semi-finalistas da competição (Brasil de Scolari, Alemanha, Coreia do Sul e Turquia), bem como em muitas outras equipas com desempenhos interessantes na competição, o Mundial da Alemanha está, para já, a consagrar o velhinho 4-4-2 em todas as suas variantes, como o sistema táctico de referência para a generalidade das selecções que se apresentam com maiores ambições.
Do lote de equipas potencialmente presentes nos oitavos-de-final, pode-se afirmar que dois terços delas tem optado preferencialmente por modelos alicerçados em 4-4-2, quer em losango, quer com linhas bem definidas e alas bem abertos. Selecções como o Brasil, Alemanha e Itália, até há bem pouco tempo entusiastas dos modelos com três defesas e dois alas de profundidade, renderam-se agora ao 4-4-2
No caso brasileiro, o sistema do “quadrado mágico”, partindo de uma filosofia de 4-4-2, evolui em campo mais para um 4-2-4 ou um 4-2-2-2 onde a necessidade de compatibilizar as suas fabulosas individualidades parece, até agora, ter sufocado qualquer ideia estratégica de jogo colectivo.
Na selecção italiana Marcello Lippi tem demonstrado querer assimilar como fonte inspiradora o Milan de Ancellotti, colocando Perrotta a fazer de Seedorf e Totti no lugar de Kaka, edificando assim um losango com tanto de combativo como de criativo.
A Alemanha, depois de alguns anos de fidelidade ao 3-5-2, também se rendeu agora a um 4-4-2 tradicional, com um médio mais defensivo (Frings) e uma linha de construção onde a mobilidade dos alas e o dinamismo de Ballack tem servido de suporte a uma dupla de pontas de lança rápida e eficaz - Klose é o melhor marcador do campeonato, e está já situado entre os melhores de sempre em mundiais.
Na Inglaterra o 4-4-2 não é obviamente novidade. Modelo tipicamente britânico, o 4-4-2 foi rei e senhor absoluto em terras de sua majestade durante décadas, e só a entrada de treinadores estrangeiros para os principais clubes da premiership o foi capaz de pôr em causa. Curiosamente é um técnico estrangeiro que, na selecção, o tem utilizado incessantemente. Todavia a Inglaterra debate-se com o problema da difícil harmonização entre Lampard e Gerrard, as suas mais proeminentes figuras, e que desempenham papéis semelhantes ao longo do ano nos seus clubes. Veremos até que ponto Eriksson consegue debelar esta aparente incoerência no seu modelo (a saída de um dos pontas de lança e o avanço de Joe Cole já tem sido uma solução ensaiada, mas apenas por alguns minutos).
Também Equador, Suécia, Gana, Ucrânia e Suiça, para referir apenas equipas apuradas ou com possibilidades de apuramento, se encontram entre as que privilegiam o 4-4-2 como sistema de jogo.
As excepções a esta tendência encontram-se nas selecções de Portugal - desde há muito fiel a um 4-2-3-1, que sem dúvida favorece as principais virtudes dos seus jogadores mais talentosos ; de França, com um modelo semelhante, onde todavia Thierry Henry (sua unidade de maior relevo) parece algo amordaçado a um papel de ponta-de-lança mais ou menos fixo que não é, de todo, aquele em que se sente mais confortável ; de Espanha, que apresenta um 4-3-3 já pouco comum, no qual o três da frente é integralmente constituído por verdadeiros pontas-de-lança (Torres, Villa e Luís Garcia) e não alas como é mais frequente, e um triângulo de médios de tipologia predominantemente de contenção ; e finalmente a Holanda, com um 4-3-3 tradicional onde Robben e Van Persie surgem bem abertos nas alas, servindo um Van Nistelrooy em cunha entre os centrais, enquanto Van Bommel e Sneijder povoam o meio campo uns passos à frente de Philip Cocu, veterano capitão de equipa e unidade mais recuada da linha média.
Mas o caso táctico mais interessante de analisar (e por isso o deixei para o fim) é justamente o da selecção que se tem mostrado mais afirmativa e pujante nestes primeiros jogos.
A Argentina apresenta-se neste Mundial com um sistema bastante dinâmico, no qual sem bola assume uma faceta de 4-4-2 (também ela), mas assim que a conquista desenvolve-se numa espécie de 3-4-3, ou mais precisamente 3-4-1-2, com a subida de Sorin no corredor esquerdo e a consequente basculação de Heinze, lateral esquerdo no Manchester United. Quer em processo ofensivo, quer em processo defensivo, o seu meio campo apresenta-se densamente povoado, o que lhe permite um controlo absoluto do jogo. Na frente Riquelme pauta o ritmo do ataque azul-celeste, enquanto Crespo se fixa na área e Saviola (em grande forma) se movimenta constantemente em toda a linha ofensiva criando os desequilíbrios. A combatividade e rigor táctico dos médios Cambiasso e Mascherano, bem como a versatilidade de Maxi Rodriguez, garantem uma rigorosa ocupação dos espaços, e situações de superioridade numérica em série.
Até agora a selecção do país das pampas defrontou equipas de fisionomia táctica semelhante, pois Costa do Marfim e Sérvia e Montenegro incluem-se no extenso lote de interpretes do 4-4-2 nesta prova. O seu jogo de hoje com a Holanda poderá trazer novas indicações acerca deste modelo, nomeadamente sobre a sua capacidade de fazer face a extremos rápidos e criativos, e desse modo constituir um importante elemento de análise para Luiz Felipe Scolari, caso Portugal se veja na necessidade de enfrentar desde já nos oitavos-de-final a, ao que parece, poderosa máquina compressora que tem sido esta Argentina, ardentemente desejosa de voltar às glórias que desde a saída de cena do astro Diego Maradona lhe têm passado longe da porta.