A CRÓNICA DE UM FRACASSO ANUNCIADO
Um verdadeiro benfiquista não pode enterrar a cabeça na areia quando alguma
coisa está manifestamente a correr mal. Identificar falhas, apontar caminhos,
discutir estratégias, é algo de que, quem vive o Benfica, quem sofre com o
Benfica, e quem chora pelo Benfica, jamais poderá abrir mão. Muita coisa está a
correr bem (a área comercial, a Btv, as modalidades, e as infraestruturas, são apenas
alguns exemplos), mas o epicentro do clube, o dínamo que o faz rodar, aquilo
que o tornou popular e mobiliza milhões de pessoas espalhadas pelo mundo, não
tem correspondido às exigências. E é isso – que se traduz numa frase
que bem poderia ser a mãe de todos os lemas da casa “ser campeão nacional de futebol” – que leva
a um sentimento de angústia que não pode ficar refém de qualquer silêncio
cúmplice.
Estamos ainda a alguns dias do Natal, e o Benfica já perdeu a Supertaça, já foi
eliminado da Taça de Portugal e está praticamente afastado da luta pelo
Campeonato Nacional. Partindo do pressuposto que ganhar a Champions League é
tarefa quimérica, e que um eventual triunfo na Taça da Liga seria mero paliativo
para as dores, facilmente se conclui que a época está perto de se considerar perdida. E, a ser assim, não
encontro outra palavra para a definir que não seja: fracasso.
Quando, no último verão, a direção benfiquista anunciou a adoção de um novo "paradigma”, assente numa crescente
“aposta na formação”, confesso que senti um arrepio na espinha. Infelizmente,
os meses decorridos estão a dar razão ao meu ceticismo.
A não renovação de contrato com Jorge Jesus – justificada tacitamente por
esse “novo paradigma” – representava o fim de um ciclo, e o princípio de uma
nova era, na qual o Seixal assumia preponderância (aliás, é preocupante o histórico de treinadores campeões empurrados do Benfica, de Mortimore a Toni, de Trappatoni a Jesus).
Até aceitaria o propósito, não viesse o Benfica da conquista de um
Bi-Campeonato, totalmente assente no anterior “paradigma” (ou lá o que se lhe
queira chamar), e nas ideias ganhadoras do agora treinador do Sporting. Então,
nesse velho "paradigma” , o que interessava era ser campeão, independentemente
dos nomes, idades, caras, cores, nacionalidades ou penteados dos jogadores que
entravam em campo. Agora, com o novo "paradigma”, parece haver uma
subversão de prioridades. O que interessa é formar jogadores, e lançá-los. Primeiro
na equipa, depois no mercado. Os títulos? Logo se vê. Se esta não é a verdade, anda lá próximo.
Para protagonizar esse novo “paradigma”, foi contratado um treinador
cujo cartão-de-visita consistia precisamente no lançamento de jovens jogadores na equipa principal do Vitória de Guimarães. O facto de se tratar de um clube sem responsabilidades de lutar por títulos, de os resultados não
terem sido empolgantes, e de tais jogadores, com uma ou outra exceção, se terem
perdido entretanto no anonimato, não foi tido em conta. Foi prometido,
na altura, que o novo técnico teria à sua disposição meios idênticos aos usufruídos
pelo anterior, promessa que de forma alguma foi cumprida – o que, pelo menos em
parte, até iliba o pobre Rui Vitória dos onze pontos já desperdiçados no Campeonato,
da derrota na Supertaça, e da eliminação da Taça de Portugal.
Aceitaria o argumento de que esta alteração abrupta e inoportuna
de uma política desportiva que se revelava altamente ganhadora (e
financeiramente rentável) tivesse sido imposta por circunstâncias externas,
impossíveis de contornar (colapso do BES?). Ou seja, tal não teria constituído uma
opção estratégica voluntária, mas sim uma necessidade premente, ditada pela tesouraria, ou qualquer outra questão semelhante e inultrapassável. A ser o caso, e tomando
de barato algumas contratações estranhas e caras (porquê, e para quê, aquele "pack-dez"? porquê, e para quê, trazer jogadores com o perfil e o histórico de
Taarabt?), a situação carecia de uma explicação cabal, frontal e exaustiva, onde não
faltasse um redimensionar de expetativas em baixa, capaz de satisfazer uma
massa associativa cada vez mais jovem, cada vez mais letrada e esclarecida, e
cada vez mais exigente quanto a todos os aspetos da vida do clube que ama…e
que paga. Esse exercício não foi feito, o que abre naturalmente o espaço à
crítica. À construtiva – como pretende ser esta -, mas também à daqueles que estão sempre na linha da frente para usar, exponenciar e alimentar os fracassos do futebol
encarnado, com fins alheios, e nada inocentes.
O erro estratégico é evidente, e pode detalhar-se em onze parâmetros de análise. Tantos quantos os jogadores de uma equipa de futebol. A saber:
1)
Tendo a equipa sofrido um colossal desinvestimento no verão de 2014 (só para recordar: Oblak, Garay, Siqueira,
Markovic, Matic, André Gomes, Enzo Perez, Cardozo e Rodrigo…), não foi relevado o
indiscutível mérito do treinador na conquista da Liga de 2014-15.
De uma manta de retalhos, de um plantel dizimado e substancialmente mais fraco que o do principal opositor, Jorge Jesus conseguiu o milagre de vencer quinze dos
primeiros dezassete jogos do campeonato, embalando a equipa para mais um título nacional
(o terceiro em seis anos). Foi a dinâmica imposta pelo treinador, a sua base
de trabalho, e o seu modelo de jogo, que ganharam uma competição que, no papel,
se antevia como quase impossível por quem, em agosto de 2014, olhasse os factos
com alguma lucidez. Na hora de festejar, muitos rostos apareceram. Mas se o
campeonato de 2013-14 tinha sido de Luís Filipe Vieira (honra lhe seja feita),
o último foi claramente de Jesus. E por muito mal que possamos pensar do homem, do seu caráter, da sua teimosia, da sua má educação, das suas atitudes ou declarações,
da forma extemporânea com que bateu com uma porta que lhe haviam entreaberto, manda
a verdade reconhecer que só talvez José Mourinho esteja hoje no mesmo patamar
de competência técnica e de capacidade ganhadora. Ou
seja, tínhamos o ouro, e demo-lo ao bandido.
2) Foi e continua a ser sobrevalorizada a relevância do Centro do Seixal como
potencial alimentador de jogadores para a equipa A. Por muito que se tente
demonstrar o contrário, desde o tempo de Rui Costa (vá lá, com boa vontade, talvez de Manuel
Fernandes) que não surge na formação benfiquista um jogador capaz de se afirmar
na equipa principal, e desde logo fazer a diferença, ou trazer benefícios (é disto que se trata, pois pô-los a
jogar é fácil, ganhar com eles, nem tanto). Aliás, independentemente das
infraestruturas criadas (mérito indiscutível desta direção), está por
demonstrar que o Seixal, em termos de know-how
e de resultados práticos, represente por ora uma mais-valia relativamente aos
principais rivais. Podíamos falar de Gelson Martins, de Matheus Pereira, de
André Silva ou de Ruben Neves (ao nível dos quais talvez não haja ninguém entre os jovens da Luz). Mas, também, de um FC Porto campeão nacional de
Juniores, de um Sporting campeão nacional de Iniciados, ou da classificação das
equipas B na corrente Liga de Honra (onde o Benfica B de Hélder Cristóvão corre riscos de descida). Aliás, por falar em Juniores, o Benfica
tem apenas um campeonato ganho nessa categoria nos últimos doze anos. É verdade que há
argumentos em sentido oposto (maior número de convocados para as seleções jovens, ou
presenças na Youth League), mas aqueles também são válidos. No global, creio
que o deve e o haver se equilibram, logo, essa mais-valia não existe, não traduzindo, em linguagem
empresarial, qualquer vantagem comparativa notória face aos rivais.
3) Pelé
ou Maradona à parte, jovens de 18 ou 19 anos não têm, nem podem ter, o perfil
competitivo que se exige a uma equipa que quer vencer todas as competições em
que participa, e que carrega o peso dessa responsabilidade perante milhões de
seguidores. Por muito talento que exista, os erros de posicionamento e de passe, as
inconsistências técnicas, táticas e físicas, a falta de capacidade de choque e
de frieza na hora da decisão, a ansiedade perante os grandes momentos, para além de um eventual, fácil e pernicioso
deslumbramento, são razões mais do que suficientes para ter cautelas na hora de
lançar um novo jogador para o estrelato. O desenvolvimento de futebolistas não
pode ser feito à custa de derrotas. No Vitória de Guimarães, talvez. Na equipa B, certamente. Na equipa principal do Benfica, nunca. Nomes como Gonçalo Guedes,
João Teixeira, Nuno Santos, Nélson Semedo, Lindelof, Clésio, Victor Andrade ou Renato Sanches têm
futuro, mas não podem ser eles a alicerçar o presente do futebol encarnado. É um peso excessivo nos seus ombros, e um perigo
para eles próprios e para a equipa. Em condições normais, seriam emprestados, para um dia voltarem –
então sim – em condições de se tornarem verdadeiras mais-valias. Foi assim, num passado mais distante, com
Diamantino. Foi assim com o próprio Rui Costa (cujo empréstimo ao Fafe, ele próprio o admitirá, foi muito importante para a sua carreira). Há bons exemplos também noutros clubes (William Carvalho, Adrien Silva, João Mário...). Outra alternativa seria
constarem de um plantel que, para além deles, tivesse mais 20 jogadores
feitos e de grande qualidade, capazes de suprir todas as posições nos momentos
capitais, sobrando para os mais jovens o espaço da Taça da Liga, da Taça de
Portugal, ou de alguns minutos em jogos disputados na Luz com resultado já
definido. Aos poucos iam assumindo maior responsabilidade e protagonismo. Iam crescendo e, a seu tempo, se aproveitassem essas oportunidades, afirmar-se-iam como titulares. Pode argumentar-se, com alguma
razão, que o anterior treinador nunca se preocupou com isso. Mas…nem tanto ao
mar, nem tanto à terra.
4) A
este propósito, é importante questionarmos quantos são, e quem são, os
jogadores da formação na equipa principal do Real Madrid, do Bayern de
Munique, do Manchester City, do Manchester United, da Juventus, do Paris
Saint-Germain, do Chelsea, da Roma, do Liverpool, ou do Inter. Pode falar-se, é certo, do Barcelona, mas essa
é a exceção (fundamentada num poderio financeiro que permite manter
todas as jóias em casa) e não a regra. Mesmo em Camp Nou, o número de
jogadores da cantera têm diminuído à
medida que se vai esbatendo a prodigiosa geração dos Valdés, Puyol, Xavi e Iniestas.
Messi, como um dos melhores jogadores mundiais de todos os tempos, é um caso singular. Mas, por exemplo, Piquê
andou emprestado até se fixar na equipa. Serve isto
para dizer que raramente existem clubes simultaneamente formadores e
ganhadores. No campo dos primeiros, poderia mencionar o West Ham, o Ajax, o
Southampton, o Dínamo de Zagreb, o Auxerre, o Espanyol, ou o Sporting das
últimas décadas. Nenhum serve de exemplo às ambições do Benfica,
tal como eu as entendo, e como a esmagadora maioria dos benfiquistas exige.
5) Nos
tempos de Nené, Shéu, Humberto Coelho, Chalana ou Bastos Lopes, qualquer júnior aspirava fazer carreira na equipa principal. Estes conseguiram-no, outros não tiveram o mesmo destino, mas o objetivo era comum: chegar ao
plantel principal, ganhar lugar no onze, e ficar no clube até pendurar as
chuteiras. A realidade de hoje é substancialmente diferente, e qualquer adolescente, realizando
dois ou três jogos com o Manto Sagrado, logo sonha ser transferido para
um Chelsea ou para um Real Madrid, de forma a enriquecer depressa e bem. A vulnerabilidade ao parasitismo dos empresários é total. Bernardo Silva, Ivan Cavaleiro, João Cancelo e André Gomes já foram vendidos (nada
a opor a negócios milionários como estes), sendo que se tratavam das maiores
promessas da academia benfiquista. Renato Sanches, Nélson Semedo ou Gonçalo
Guedes apenas esperam a primeira oportunidade para dar o salto. Se os melhores
rapidamente saem, quem ficará? Daqui se conclui ser impossível
alicerçar uma equipa competitiva, a médio prazo, com base em jogadores da
casa – como acontecia nos anos setenta. O futebol de hoje é composto por grandes
multinacionais, é extremamente volátil, e o romantismo do amor à camisola pertence a um passado cada
vez mais distante. Não adianta lutar contra a chuva, pois ela continuará a
cair. Um clube, mesmo com a dimensão do Benfica, tem pouca margem para alterar
as regras de um fenómeno global, que veio para ficar – goste-se muito, pouco ou nada dele.
6) De
um modo mais genérico, coloco também grandes reticências ao perfil do jogador
português lactu sensu, seja ele oriundo do
Seixal, de Alcochete, do Olival ou de Carrazeda de Anciães. Não fosse Cristiano
Ronaldo (caso raro, apenas com paralelo no Rei Eusébio), e a Seleção
Nacional estaria hoje num nível paupérrimo, bem abaixo do potencial natural que existe por cá. O padrão do jogador português saído das academias
está recheado de características negativas. Normalmente traz-nos jovens
talentosos sim, mas também algo mimados, demasiado preguiçosos, muito dados a vedetismos
precoces e a presenças reluzentes nas revistas cor-de-rosa. Veja-se o contraste
com jovens argentinos, colombianos ou uruguaios, e note-se a diferença em termos de atitude
guerreira, de trabalho físico, e mesmo de humildade. Acresce que, demasiados jogadores
portugueses num plantel, num universo altamente mediatizado como é o futebol profissional
dos dias de hoje, com a pressão social e comunicacional inerente, é meio
caminho para fugas de informação, desestabilização jornalística, e casos
passíveis de minar por dentro qualquer balneário saudável. Nada como um exército de
sul-americanos concentrado num condomínio fechado, vivendo em circuito interno, longe dos
prazeres da noite, da pressão dos fãs, e da curiosidade jornalística, para manter a disciplina e a
coesão de um grupo ganhador.
7) “Estrutura” foi talvez a palavra mais ouvida e lida nos
dias que se seguiram à saída de Jorge Jesus. Com essa palavra mágica, tudo se
resolveria. Mas a verdade é que o pilar de qualquer estrutura futebolística é o
treinador principal, e ao mexermos nessa peça, todo o edifício abana. Por
analogia com a vida política, uma boa constituição e um bom presidente da república, não fazem, por si só, com que um governo seja bem sucedido. O enquadramento ajuda, mas não
é tudo. O futebol português ofereceu-nos um
caso em que, suportado por uma certa "estrutura" (chamar-lhe-ia antes "sistema"), qualquer treinador triunfava. Mas aí, no FC Porto
dos anos noventa, não só a metodologia era dúbia (perdoe-se-me o eufemismo) ,
como a oposição era fraca. Tal não é passível (nem desejável) de ser reproduzido no
Benfica dos tempos de hoje. Aliás, nem o atual FC Porto resiste a uma má escolha
para o seu comando técnico, conforme se tem visto ultimamente.
8) Não
podendo, ou não querendo, manter o técnico, talvez se justificasse, pelo menos, um maior
esforço na manutenção do onze titular, e campeão, da época anterior. A verdade
é que, à fatalidade de Salvio, juntaram-se as evitáveis perdas de Maxi
Pereira e Lima. Quanto a reforços, ficaram em falta (no mínimo) um lateral-esquerdo e
um médio-centro, para fazer esquecer nomes como Siqueira e Enzo Perez. Não
sei porque saiu Ruben Amorim, e, dada a referida lesão do extremo
direito argentino, também não se entende a guia de marcha simultânea para Ola John e Sulejmani, seus substitutos naturais no plantel campeão. Já que
se fala no plantel, relembremos as dez contratações feitas no mercado de verão.
Os nomes falam por si: Ederson, Diego Lopes, Pelé, Dálcio, Taarabt, Carcela,
Marçal, Léo Natel, Francisco Vera e Murillo. Depois ainda vieram Raúl Jimenez
(demasiado caro para o valor que tarda em demonstrar) e Mitroglou (o único
reforço que, enfim, mesmo sem deslumbrar, com um golito aqui, outro ali, lá tem cumprido o seu papel). Por fim, uma
dúvida: o que aconteceria se, além de Luisão, também Jardel se lesionasse, ou, acidentalmente, visse um qualquer cartão vermelho? Quem acompanharia Lisandro no eixo da defesa?
9) Perante
tudo isto, pode dizer-se que, ao invés de um novo ciclo, estamos sim perante
uma inversão de ciclo, na qual o Benfica tomou lamentavelmente o papel do Sporting e
vice-versa. O vizinho de Alvalade apostou na formação durante décadas, com os
resultados que se conhecem, e que quase levaram ao fim do clube - enquanto emblema ganhador. O Benfica deu
um salto competitivo gritante a partir de 2009, fruto de um forte investimento
em jogadores de qualidade, mas, sobretudo, da escolha sagaz de um treinador com
perfil adequado, e competência singular. Foi imposto um crescente grau de exigência a todos os
jogadores no treino e no campo, foi feita uma aposta na experiência e na segurança, visando a redução do erro a níveis mínimos, e
com isso conquistaram-se vários títulos. Manteve-se o espírito ganhador quando,
em 2013, o presidente Luís Filipe Vieira percebeu que um pontapé fortuito do improvável Kelvin não podia relativizar uma época futebolisticamente espantosa.
Infelizmente, em 2015 não houve a mesma perspicácia (ou a mesma resistência a pressões internas, movidas mais por aspetos de relacionamento pessoal, do que por interesses desportivos do clube).
10) Um
grupo acessível, e uma vitória também fortuita, em Madrid, perante um
adversário claramente superior, permitiu ao Benfica ultrapassar o seu grupo
europeu, e iludir, até ver, uma temporada que corre o risco de se aproximar do desastre. Ao contrário do discurso que entretanto se foi ouvindo e lendo, importa
porém lembrar que os resultados europeus de 2010 a 2015 se saldaram por um enorme êxito, com duas
finais e umas meias-finais da Liga Europa, uns quartos-de-final da Liga dos
Campeões, e a ascensão até ao quinto lugar do Ranking da UEFA. Neste período
estivemos sempre presentes na fase de grupos da principal prova de clubes do
mundo (seis presenças consecutivas, tantas quantas no total dos quinze anos precedentes). Temo seriamente que também esse “ciclo” venha a terminar em breve. Oxalá me engane.
11)
Por fim,
importa relembrar o único motivo pelo qual o Benfica existe, e mantém milhões
de adeptos espalhados pelo mundo. Esse motivo reduz-se a uma palavra: TÍTULOS.
E, de entre os títulos, o Campeonato Nacional de Futebol é a expressão máxima
do triunfo. Conquistar títulos tem de ser o lema absoluto, e único, de todos os que
trabalham no clube, do cortador de relva ao presidente. Tudo o resto é
paralelo. Tudo o resto é acessório. Formação, infraestruturas, patrocínios, mercado, comunicação, expansão da marca ou direitos televisivos são aspetos importantes
para o presente e futuro do clube, mas não passam de meios para alcançar o fim
último. O fim último, e único, é ganhar títulos. Novos paradigmas,
velhos paradigmas, apostas estratégicas, novos ciclos, não passam de folclore retórico se
não estivermos no Marquês de Pombal, em maio, a comemorar campeonatos. É isso o
Benfica, e é para isso, apenas e só para isso, que ele serve. É isso que os adeptos pagam, é nisso que os patrocinadores investem, é disso que consta a nossa história. No museu Cosme Damião não estão negócios, nem resultados operacionais, nem patrocinadores. Estão troféus. Não pode haver anos zero. Ano zero foi 1904 (e, vá lá, também 2001). E se é um erro hipotecar o futuro em nome do presente, maior erro será hipotecar o presente em nome de um futuro incerto. Não tenho a
certeza de que toda a gente que trabalha no clube pense deste modo. A
profissionalização trouxe vantagens e desvantagens. Admito que em maior medida as
primeiras do que as segundas. Percebo também algum vício profissional de quem vem de áreas de negócio (quase todas, exceto o futebol) onde as prioridades são outras. Nesta SAD o principal não é o lucro. O objetivo é vencer, e há que sofrer por isso. Creio que talvez faltem lágrimas nalguns setores do
clube. Lágrimas como as que tantas vezes nós, adeptos, derramamos na hora da
derrota, ou na hora da vitória.
Dito tudo isto, e na convicção de que este leite está derramado, importa agora que
os benfiquistas apoiem jogadores e treinador, pois nem uns nem outro têm
qualquer culpa de ali estar em nosso nome. E percebam que também os dirigentes têm o direito
a errar – sobretudo depois de tantas e tão grandes realizações ao serviço do
clube. Há que contribuir para terminar a época com dignidade, e dentro dos melhores resultados possíveis. Insultos ou protestos gratuitos não levam a nada,
e apenas empurram a equipa ainda mais para baixo. Além de que, neste caso, são imerecidos por quem os ouve.
Não me recordo de qualquer momento da temporada em que me tenha ficado a sensação
de que quem estava em campo não estivesse comprometido com o jogo e com a
vitória. Nem mesmo nesta última partida. O problema desta equipa não é falta de atitude ou de trabalho. É
falta de qualidade. E não vai resolver-se do pé para a mão. É mais fácil
destruir uma equipa do que construí-la. Mas não será com jovens imberbes que a
reconstrução se poderá fazer rapidamente. As soluções só podem vir do mercado, e não da Liga de Honra ou do Campeonato de Juniores.
Ou me engano muito (e tanto que desejo ter de engolir todas estas palavras…), ou o tempo que irá demorar até se desistir desta ideia, ou deste “paradigma”, será menor do que aquele
que resta até à conquista do 35º campeonato.