«TÍTULO DO FC PORTO É UM TRIBUTO DOS ÁRBITROS»
- Quando faltam resultados é normal alguma desilusão e descontentamento, mas o que temos visto vai um pouco além disso, temos assistido, nas últimas semanas, nomeadamente no último sábado, a alguma contestação. Como comenta essa contestação?
- A crítica e a contestação são sempre legítimas, fazem parte de organizações que são democráticas, e desse ponto de vista temos de respeitar, perceber e, em alguns casos, aproveitar algumas dessas críticas. Neste clube, a unanimidade não se alcança, como em outros clubes, pela intimidação daqueles que discordam, ou que pensam diferentes, isso são práticas instituídas e assumidas noutras paragens.
- Quer concretizar a acusação?
- Creio que o Miguel Sousa Tavares ou próprio Rui Moreira estarão em melhores condições do que eu para fazer esse exercício, mas como estou aqui para falar do Benfica, vou tentar não me desviar. Hoje somos o clube que somos, exactamente por termos sabido construir a nossa história na diversidade de opiniões. É isso que nos diferencia de outros. Mas, atenção, também temos de saber diferenciar a crítica séria, da crítica oportunista. Aqueles que repetidamente aparecem apenas quando há uma conjugação de dois factores: ano eleitoral e resultados menos bons, esses senhores não são críticos, são oportunistas.
- Mas é normal que num ano eleitoral apareçam projectos alternativos?
- É normal e desejável, e todos beneficiam com isso, porque é evidente que há projectos e pessoas válidas fora da actual Direcção, mas o que já não é normal é que algumas pessoas já passaram pelo Benfica, que o afundaram, que, inclusive, foram responsáveis por abrir as portas a Vale e Azevedo, e com isso comprometeram anos da nossa história, pessoas que passaram por outros clubes e os deixaram à beira da falência e com ordenados em atraso, se apresentem agora como cinderelas imaculados, como se não tivessem passado. O problema é que o passado persegue-nos sempre, para o bem e para o mal.
- Está a referir-se a José Veiga, que criticou, duramente, Luís Filipe Vieira?
- Por acaso não era a ele que me estava a referir, mas José Veiga também tem um problema mal resolvido com o seu passado e o seu passado a nível de gestão também não é propriamente o mais recomendável, mas se ele acha que tem um projecto para o Benfica, vai ter tempo para o apresentar, o que não vale a pena é estar atirar pedras e a esconder a mão, porque esse tipo de comportamentos tem um nome...
- Está a dizer que a contestação a que temos assistido nos últimos jogos, nomeadamente no sábado, é manipulada?
- Tenho poucas dúvidas. Mas há uma coisa que vale a pena esclarecer, qualquer generalização é perigosa e os jornalistas muitas vezes caem nessa tentação. Não se pode tomar uma parte pelo todo, nem assumir que o comportamento de alguns representa todo o universo benfiquista, aliás viu-se claramente que não é assim, mas muitas vezes é a ideia que passa. As regras da democracia são claras, há quem critique a quem apoie, é tudo uma questão de escala. Temos manifestações de mais de 100 mil pessoas no Marquês de Pombal e depois vemos que as sondagens continuam a dar maioria aos partidos de governo. Sabe porquê? Porque a decisão pertence a mais de 8,5 milhões de eleitores e não a 100 mil pessoas. No Benfica é igual, o universo eleitoral é de mais de 200 mil sócios, independentemente de alguns serem mais ruidosos ou mais artistas com pinturas murais.
- Jorge Jesus é um dos principais alvos de contestação.
- A diferença entre as expectativas que havia e os resultados alcançados explica essa equação. Jorge jesus devolveu ao Benfica um futebol de qualidade como há muito já não víamos, trabalha bem os jogadores, tem uma marca, conseguiu fixar, nestes últimos anos, o Benfica na luta pelo acesso a meias-finais e finais das provas da UEFA, mas infelizmente não conseguimos o objectivo principal que era ganhar o título da Liga esta época. Nestas alturas temos sempre tendência para desvalorizar tudo aquilo que se conseguiu e maximizar o que não se conseguiu. É evidente que tudo seria diferente se tivéssemos ganho o campeonato, mas neste caso em concreto, não temos de mudar de treinador, temos é de mudar de árbitros.
- Jorge Jesus não parte fragilizado para a próxima época?
- O fundamental é que os níveis de ambição não tenham diminuído e tenho a certeza de que desse ponto de vista a ambição de Jorge Jesus é a mesma. Curiosamente acho que parte menos fragilizado que o treinador que ganhou o campeonato nacional, o que não deixa de ser um contra senso. Os treinadores dependem e sempre continuarão a depender de resultados e é evidente que Jorge Jesus será o primeiro a estar insatisfeito por não ter conquistado o campeonato, mas também é verdade que tem valor em tudo aquilo que foi feito nos três últimos anos e acho que as pessoas reconhecem isso.
- Mas também contou com o maior investimento de sempre nível do futebol?
- Isso é um elogio à gestão desta Direcção, porque se esse investimento foi possível é porque se trabalhou bem. Há uns anos isso não teria sido possível. Qual foi o investimento do Real Madrid o ano passado? E a quantos pontos ficou do Barcelona? E no entanto o Mourinho o investimento do Manchester City o ano passado? Podia dar muitos mais exemplos.
- Também alinha no discurso de que a arbitragem é responsável pela perda do título deste ano?
- Diria de outra forma. O título de campeão deste ano é um tributo da arbitragem ao FC Porto e o convite a Pedro Proença para apitar o jogo de sábado (FC Porto - Sporting) foi uma justíssima homenagem. A partir de um determinado momento foi evidente que o Benfica passou a ser prejudicado. É curioso que o ano passado o ataque verificou-se logo nas primeiras jornadas do Campeonato, este ano sucedeu o contrário, aconteceu tudo na parte final, mas tudo o resto foi exactamente igualmente descarado. Acho que a agressão ao Aimar na grande área da Académica ser transformada em falta atacante é um monumento ao descaramento.
- Vítor Pereira, o treinador do FC Porto, diz que esse tipo de justificações é assobiar para o lado.
- É uma afirmação tão válida como dizer que ele continuará a ser o treinador do FC Porto na próxima época. Assobiar para o lado é ignorar o que se passou nesta fase final do campeonato com algumas arbitragens.
- Acredita na intencionalidade desses erros?
- Há uma coisa em que não acredito: em coincidências. Um ano e meio depois de Olegário Benquerença ter feito o que fez em Guimarães, na época passada, volta a apitar um jogo do Benfica e fazer vista grossa de dois penalties que são verdadeiros casos de atropelamento e fuga na área do Rio Ave, não é coincidência. Dois anos depois do Pedro Proença ter transformado uma simulação descarado do Lisandro em penalty, no Dragão, ter, este ano, validado um golo em fora-de-jogo na Luz – mas atenção que não é um fora-de-jogo de centímetros, é de metros – outra vez num jogo contra o Porto. Tudo isto tem de começar a ser motivo para os responsáveis da arbitragem se interrogarem e começarem a fazer uma limpeza séria, isto se estiverem interessados em trazer verdade ao nosso futebol.
- Mas não há outro tipo de responsabilidade internas que tenham contribuído para isto?
- Seguramente que há, também houve erros que o treinador já reconheceu, mas por muito bom que um nadador seja, não consegue aguentar muito tempo a nadar contra a corrente e o que assistimos neste último terço do campeonato foi uma corrente demasiado forte.
- Os árbitros também têm direito ao erro, isso faz parte do futebol.
- O erro faz parte do futebol. Todos temos direito a errar, é a natureza humana, mas quando se erra prejudicando sempre os mesmos, isso já não são erros é manipulação. Portanto, repito o que já tinha dito há um mês, a classificação deste Campeonato está aldrabada e quando se concentram em pouco mais de cinco jogos tantos erros temos efectivamente de nos perguntar: como é possível?
- Está a sugerir uma acção concertada?
- Acho que como em tudo na vida há bons e maus profissionais, mas creio que o verdadeiro responsável por esta situação, não contando com o fraco carácter de algumas pessoas, é a Justiça portuguesa, porque efectivamente, há um par de anos, escancarou as portas à ideia de que valia tudo, de que algumas pessoas beneficiam de total impunidade e a verdade é que essas pessoas assustaram-se numa determinada altura, mas entretanto parece que tudo voltou a ser como era dantes. Faz sentido haver árbitros, a seguir a Guimarães, que nas reuniões técnicas, antes dos jogos, ameaçavam os responsáveis do Benfica?
- Ameaçavam como?
- Ameaçar talvez não seja a palavra certa. Intimidavam talvez seja a forma mais adequada de caracterizar a atitude de que, pelo menos, dois árbitros tiveram a seguir a Guimarães, nessas reuniões técnicas com os responsáveis do Benfica. Mas acho que essa deve ser uma preocupação, mais uma, que o senhor Vítor Pereira deve ter. É a ele que devem perguntar.
- Foi uma das pessoas envolvidas verbalmente nos incidentes da primeira volta no Estádio da Luz, no jogo com o Sporting. Já passou bastante tempo, como é que estão as relações com o Sporting?
- Apetecia-me dizer que estão em lume brando, mas elas efectivamente não existem e a culpa não é nossa. Não acredito que a maioria dos sportinguistas se revejam no que foi o comportamento de algumas pessoas responsáveis pelo clube na semana que antecedeu o jogo e no próprio dia do jogo. Não vi em San Mamés nenhum incómodo por parte dos adeptos que foram acompanhar a equipa com a rede atrás da qual assistiram ao jogo. Mas já agora, o mais estranho é que já passaram seis meses e o Conselho de Disciplina continua mudo.
- Mas houve uma decisão do Conselho de Disciplina.
- Apenas em relacção às responsabilidades do Benfica e onde fomos ilibados, mas em relação aos prejuízos e as respectivas sanções para os responsáveis por tudo o que sucedeu, nada, zero e já lá vão, como lhe disse, seis meses. Isto não é normal e coloca em causa a estabilidade da competição e a confiança dos agentes desportivos num órgão que devia julgar com celeridade. Essa é, aliás, uma das principais razões para a existência de órgãos de jurisdição desportiva.
- O Benfica espera uma sanção pesada para o Sporting?
- O Benfica esperava que o Conselho de Disciplina agisse, mas pelos vistos pedir muito. Vou dar-lhe um exemplo: na Grécia, e já não falo de Espanha ou Inglaterra ou Itália, houve incidentes semelhantes num Panatinaikos-Olympiakos, em Março. Em menos de uma semana os órgãos jurisdicionais da federação grega decidiram. O Panatinaikos perdeu pontos, foi obrigado a pagar uma pesada multa e a jogar alguns jogos à porta fechada. Tudo isto na Grécia, aqui parece que a única preocupação real do Conselho de Disciplina foi punir o Aimar com dois jogos. E é assim que querem erradicar a violência no futebol?
João Gabriel, entrevistado por Nuno Paralvas, in A Bola
...não podia estar mais de acordo com tudo o que aqui é dito.