ÁGUA NA FERVURA

Tal como em todas as anteriores ocasiões em que Portugal se conseguiu apurar para fases finais de grandes competições internacionais, também desta vez a euforia está a tomar conta do país.
Em 1984, cinquenta e quatro anos após o primeiro mundial disputado no Uruguai, a selecção portuguesa apenas por uma ocasião (Eusébio e os magriços em 1966) havia disputado uma grande competição internacional. De então para cá, com quanto se tenha que reconhecer o enorme salto qualitativo em termos de metodologias de treino e atitude profissional dos atletas, foi sobretudo o constante crescimento do número de países participantes que permitiu a Portugal entrar mais frequentemente no lote dos apurados. Assim sucedeu, quer em mundiais, quer em europeus, em 1986, 1996, 2000, 2002 ,2004 (como organizador) e agora. Este será o nosso quarto mundial.
Se compararmos o palmares de Portugal em mundiais com o de países como a Suécia, Espanha, Rússia, Republica Checa, Hungria, Polónia ou México (do nosso grupo), verificamos o quão pequenos somos no histórico desta competição, e o quanto ela tem sido madrasta para as nossas cores, quer ainda em fases de qualificação (quase sempre), quer nas poucas fases finais disputadas, onde só por uma vez passámos da primeira fase (justamente a de 1966).
Em 1986 Portugal partiu para o México, depois de uma miraculosa qualificação (o célebre pontapé de Carlos Manuel em Estugarda), com a confiança que emanava da sua performance no europeu anterior onde havia chegado às meias finais (derrota com a anfitriã e campeã França de Platini, nos últimos minutos do prolongamento). Também na altura se dizia que Portugal ia disputar o título mundial, e num grupo em que se poderiam até qualificar três (na altura os melhores terceiros eram também apurados para os oitavos de final), como se veio a verificar, e onde teríamos pela frente Inglaterra (que vencemos logo no primeiro jogo), Polónia e Marrocos, ninguém lhe passaria pela cabeça que Portugal não ultrapassasse essa primeira fase, com uma equipa onde brilhavam Futre, Carlos Manuel, Gomes, Diamantino, Sousa, Rui Águas, Jaime Pacheco, Bento, João Pinto, Inácio ou Álvaro.
Aconteceu o que todos sabemos. O célebre caso Saltillo, graves e reiterados tumultos durante o estágio, ameaças de greve, polémicas entre jogadores e federação, e derrotas humilhantes perante a Polónia e Marrocos. Fomos o último classificado do grupo, e única equipa do mesmo a não se apurar para a fase seguinte.
Em 2002, também após um bem sucedido europeu, onde também chegámos às meias finais, também com a França (que também se viria a sagrar campeã e com quem também fomos derrotados apenas no prolongamento), a nossa selecção partiu para a Coreia com uma equipa recheada de estrelas, de Figo (melhor do mundo na altura) a Rui Costa, de Sérgio Conceição a Fernando Couto, passando por Vítor Baía, Paulo Sousa, Paulo Bento, Jorge Costa, Nuno Gomes ou Pauleta, e assumiu-se também claramente como candidata ao título. O grupo que nos saiu no sorteio, com Coreia, Polónia e Estados Unidos, fez a todos pensar que a primeira fase seria um mero passeio de preparação para os jogos seguintes.
Sabemos o que aconteceu. Derrotas com Estados Unidos e Coreia, casos de indisciplina, expulsões e uma eliminação sumária, com saída pela porta dos fundos, e um tumultuoso regresso a Lisboa, onde jogadores, técnicos e dirigentes não foram poupados à ira de adeptos sequiosos de explicações para a tragédia ocorrida a oriente.
A história não se repete, e neste momento há razões para acreditar que, pelo menos em termos disciplinares, nada do sucedido em 1986 e 2002 se venha a repetir. A maior dessas razões dá pelo nome de Luiz Felipe Scolari.
Todavia merece reflexão este passado fado português, onde todas as expectativas foram sempre criadas, e tão alto subiram como tão depressa caíram, envoltas em desilusão e drama.
Serve tudo isto para dizer que considero um abuso, perante o qual a comunicação social tem muitas responsabilidades, considerar-se neste momento Portugal como um dos candidatos ao título no mundial germânico. Dito de outra forma, seria uma tremenda surpresa, um escândalo quase, que Portugal viesse a ser capaz de conquistar um título mundial, até hoje ganho por apenas sete países, perante a concorrência que tem pela frente.
Portugal tem alguns excelentes jogadores (de topo mundial destacaria apenas Ronaldo, Figo, Pauleta, Deco e Ricardo Carvalho), tem uma equipa formada e um grande treinador, mas se olharmos para Brasil, Alemanha, Inglaterra, França, Itália, Argentina, ou mesmo Espanha, Holanda, Suécia e República Checa, chegamos à conclusão que, não só não temos nada a mais que eles, como também, que alguns deles (nomeadamente os sul-americanos) têm argumentos em qualidade e quantidade muitíssimo superiores aos nossos. Basta atentar ao plantel do Brasil, onde pontificam entre outros Kaká, Ronaldo, Robinho, Adriano, Emerson, Edmilson, Roberto Carlos, para não falar de Ronaldinho Gaúcho, ou ao da Argentina com Messi, Tevez, Riquelme, Crespo, Saviola ou Sorin, para se perceber o que são verdadeiros candidatos ao título mundial.
O que será então uma boa participação para o seleccionado nacional ?
Creio que a única coisa que se pode exigir à equipa de todos nós é a passagem à segunda fase, algo que, ainda assim, não será tão fácil como se pretende fazer crer (o México está praticamente ao nosso nível no ranking da Fifa, e o Irão é um desconhecido, do qual apenas se sabe que vai seguramente jogar com o “fanatismo” que o próprio presidente da república lhe pediu, e que será de certo modo também comum a Angola quando nos enfrentar).
Nos oitavos de final teremos provavelmente pela frente Holanda ou, o que seria de evitar a todo o custo, a Argentina. Quem pode falar em favoritismo ? Não será já motivo de regozijo se conseguirmos passar essa fase ?
E depois ? quem aparecerá ? o Brasil ? a anfitriã Alemanha ? a França ? bem... Trinitad e Tobago não será certamente, e a Arábia Saudita também não.
Este vai ser já o oitavo campeonato de mundo de que me lembro, e por muitas voltas que se dê, uma competição com este grau de exigência acaba sempre por pender para quem a ela está mais habituado.
Somos vice-campeões da Europa ? É verdade, mas não podemos esquecer que o fomos a jogar em casa, num clima fantástico de apoio que será absolutamente impossível de transpor para a Alemanha - mau grado todo o empenho das comunidades emigrantes – e que a selecção campeã desse europeu nem sequer estará presente no mundial, o que prova bem a diferente natureza e grau de exigência das duas competições.
Portanto há que ter os pés bem assentes no chão, e encarar o mundial com confiança, mas também com a humildade correspondente ao nosso pobre palmares. Só assim poderemos fazer uma surpresa. Caso contrário poderemos ver repetido o filme do México 86 ou do Coreia 2002, e a verdade é que já o conhecemos de cor.

4 comentários:

Anónimo disse...

Não estarás a ser demasiado modesto ?

Anónimo disse...

Acho que não.
É bom que os portugueses tenham a noção de que um mundial não é nada fácil de disputar, que há equipas mais fortes, que há várias equipas pelo menos tão fortes como a nossa, e que não somos muito experientes nestas competições.
Além do mais temos algumas limitações na equipa, o que conto analisar mais tarde, entre eles a lamentável falta de Jorge Andrade, a má forma de Costinha, Maniche e Nuno Valente, elementos nucleares no Euro 2004, e ainda as lesões de Nuno Gomes e Simão, que seriam soluções de banco bastante credíveis se se encontrassem a 100 %, e assim deixam algumas dúvidas sobre a sua capacidade de serem úteis.
E se Deco se lesiona, então será a tragédia total.
Não estou a ser derrotista, mas penso que temos uma boa equipa, apenas isso, uma boa equipa, que se as coisas correrem bem poderá fazer uma surpresa.
Não somos de modo algum favoritos a coisa nenhuma, excepto a passar aos oitavos de final.

Anónimo disse...

Mas quase todas as selecções têm problemas desses.

Anónimo disse...

hum...
tens alguma razão, nomeadamente quanto à Inglaterra, Itália ou Alemanha.
Mas por exemplo o Brasil e a Argentina, principais favoritos quanto a mim, estão com a força toda.
E a França não está ainda acabada.