HUMILDADE E CONCENTRAÇÃO

"Poucas vezes na história do futebol português terá existido uma tão grande diferença de atributos, capacidades e expectativas entre os tradicionais rivais lisboetas como a que nos é dada a observar neste momento. Enquanto o Benfica caminha sobre os carris da esperança, o Sporting navega nos mares da depressão; enquanto o Benfica alardeia a glória resgatada, o Sporting afunda-se no poço do desengano; enquanto o Benfica empolga as suas gentes, o Sporting carrega o fardo do abandono. É neste contexto que os dois clubes se vão defrontar uma vez mais na próxima segunda-feira, e é, paradoxalmente, esse mesmo contexto que nos deve fazer desconfiar da ocasião.
Seria quase uma piada de mau gosto vermos a nossa grande equipa sair derrotada de Alvalade, onde, em nove jogos, o Sporting só ganhou três, todos eles de forma tangencial e sofrida. Provavelmente também não serão muitos os sportinguistas que, perante tamanha disparidade de valores, acreditam honestamente no êxito do seu clube perante o velho rival. Nenhum adepto do futebol com algum bom senso apostará um pau de fósforo queimado em como um grupo de jogadores moribundo, com a sua alma destroçada, enleado em equívocos, sem ambições nem rumo, seja capaz de se superiorizar a um conjunto fortíssimo que, além de ostentar o escudo de campeão nacional nos seus ombros, vem de um período de sucessivas e reluzentes vitórias, e parece definitivamente reencontrado com o vasto potencial do seu extraordinário plantel.
Porém, em futebol – e é justamente essa a sua magia -, este tipo de horizonte repleto de facilidades acaba frequentemente por tomar a forma de precipício. Os fracos puxam pelo orgulho ferido, os fortes afrouxam as suas guardas, e a correlação de forças fica virada do avesso. Desde os tempos em que o pequeno soldado israelita David derrotou um gigante filisteu chamado Golias, sabemos que este tipo de combate (à partida muito desigual) é sempre passível de reservar desfechos inesperados. Do casamento entre a humildade de uns e a sobranceria de outros nasce a surpresa, e rapidamente se torna tarde demais para inverter o rumo iniciado.
Pese embora todas as insuficiências que têm manifestado ultimamente, os jogadores do Sporting irão fazer das tripas coração para vencer este jogo, proporcionar uma grande alegria aos seus apaniguados – a maior de todas elas, como se sabe -, e mostrar a si próprios que não são afinal tão débeis como os pintam. Esta será uma oportunidade única para o nosso adversário inverter o seu ciclo de maus resultados, lançando assim uma pincelada de cor viva na época a preto e branco que tem vindo a realizar. Longe dos dois primeiros lugares, ganhar ao Benfica será, ainda mais vincadamente do que é comum, a forma do Sporting salvar o que resta da época, que mais não seja pela perspectiva de poder ser ele a puxar os pés do grande rival, colocando-o igualmente fora da carroça do título. Não duvidemos que é este o raciocínio que por lá se faz. Não duvidemos que o grande objectivo do Sporting no campeonato 2010-2011 será agora, fundamentalmente, o de complicar a nossa vida. Interrompendo a sequência de triunfos do Benfica, vendo-o definitivamente afastado do bi-campeonato, muitos sportinguistas poderão então suspirar de alívio, aliviando com esses suspiros a própria atmosfera em redor da sua equipa.
O optimismo e a auto-confiança não nos põem em perigo. A sobranceria sim, sobretudo se passar das bancadas para o balneário - coisa que, deve dizer-se, Jorge Jesus não costuma permitir.
Há que preparar este jogo com toda a cautela, percebendo que vamos defrontar uma equipa motivadíssima para nos derrubar. Se o Benfica for igual a si próprio, se fizer da humildade uma das suas armas, estou certo e seguro de que irá superiorizar-se com naturalidade, pois tem melhor equipa, melhores jogadores, melhor treinador, e transpira confiança por todos os seus poros. Se, pelo contrário, entrar em campo convencido de que, mais cedo ou mais tarde, o golo acabará por surgir, se esperar encontrar um adversário dócil e resignado, se pretender passear pelo relvado trajado de gala e de ar altivo, é muito provável que as coisas acabem por correr bastante pior do que todos esperamos, e que seja então o nosso pobre rival a viver o seu dia de glória.
Dérbi é dérbi, e por definição não aceita grandes favoritismos. Há até quem pense que a equipa momentaneamente mais fragilizada sai mais vezes vencedora deste tipo de batalha. As estatísticas históricas não permitem confirmar a tese, mas o que constitui verdade insofismável é que os dérbis não se ganham por decreto, e exigem um investimento anímico suplementar. É precisamente esse suplemento anímico que o Benfica necessita para garantir os três pontos em disputa, e manter de pé o seu sonho.
O Benfica terá pois diante de si, nesta segunda-feira, dois adversários: um Sporting que lhe é claramente inferior, e o fantasma da sobranceria que, esse sim, o pode derrotar. Conseguindo vencer o segundo, o primeiro fatalmente tombará."
LF no jornal "O Benfica" de 18/02/2011

6 comentários:

No.Worries disse...

Excelente.
É de facto claro para todos que o scp vai fazer o "jogo da vida", mas mesmo assim penso que o Benfica só não ganha o jogo se um 3º fantasma (não referido no texto) não deixar: artur soares dias.
Tenho praticamente a certeza que só ele pode impedir a derrota dos da casa.

Manuel disse...

No.Worries, desculpa lá mas estás a fazer precisamente aquilo que o LF diz para os adeptos benfiquistas não fazerem. A última frase é infeliz, porque só os jogadores do Benfica "podem impedir a derrota dos da casa". Se os jogadores benfiquistas entrarem determinados a ganhar o árbitro não terá qualquer possibilidade de o impedir. Esta é a minha convicção.

Será que já nos esquecemos da 1ª parte do jogo com os alemães?

RC disse...

A frase até pode ser infeliz, mas não deixa de ser verdade. Esse 3º fantasma existe e é real. Acredito pouco em coincidências, muito menos na coincidência de enviarem um árbitro do Porto para um dérbi de Lisboa.
Quanto ao resto, lá está na primeira parte dos alemães, não vi o jogo dessa forma. Acontece que em jogos desses quem joga fora no primeiro jogo faz sempre o mesmo jogo, retranca e chuto para a frente parar correr e marcar e a equipa que joga em casa, joga com medo de sofrer. Quando isso deixa de ser real, a equipa apostou tudo no ataque e mais uma vez com a ajuda do tal 3º fantasma iam conseguindo os seus intentos.
Basta veres o jogo de Sevilha, para perceberes como é que um treinador tira 2 avançados e mete 1 avançado e um médio defensivo e ganha o jogo. Pontapé para a frente e corram.

No.Worries disse...

Manuel,
podia dar-te outros exemplos, mas dou-te o exemplo do jogo deste campeonato em guimarães, apitado pelo olegário.
Acho que nesse jogo o Benfica entrou altamente determinado, mas o àrbitro impediu a vitoria (e o empate).

RC disse...

E como podes ver Manuel, o 3º fantasma está de volta... cartões amarelos à dúzia para os jogadores do Benfica. O amarelo ao Maxi e o primeiro do Sidnei são uma aberração... é este o 3º fantasma que achas que não pode impedir a derrota... ele está a tentar...

Manuel disse...

Ok, têm alguma razão, mas o facto é que o Benfica não deu quaisquer hipóteses ao árbitro, apesar das tentativas deste. O mais importante foi a determinação e a atitude dos jogadores. Quando estas existem, desde que a componente física assim o permita, os árbitros não têm qualquer hipótese. Embora eu ache que as arbitragens tenham prejudicado escandalosamente o Benfica.

No princípio da época, quando fomos prejudicados pelos árbitros, nem o Benfica teve a atitude correcta nem os mecanismos da equipa permitiram jogar de modo a não dar quaisquer possibilidades aos árbitros de adulterar o resultado dos jogos. Havia jogadores que não estavam com a equipa.