Quando estamos à beira de mais uma final do Campeonato do Mundo, é altura de recordar outras finais, e outros Mundiais, em mais uma viagem pelos alçapões da memória.
Esta competição representa, e sempre representou, o topo da hierarquia do futebol, e a sua história confunde-se com a história da própria modalidade. As grandes estrelas foram, com poucas excepções, as estrelas dos Mundiais, e durante muito tempo todas as inovações tácticas e estilísticas ocorriam justamente nesta prova, acima da qual não existia, nem existe, de facto, mais nada.
Também para mim, acima dos Mundiais só…o Benfica. Desde criança que me apaixonei pela grande gala do futebol internacional, até porque ainda me lembro de ser esta a única ocasião em que a televisão transmitia jogos em dose suficente para satisfazer a minha gula.
O primeiro Mundial de que me recordo, e de forma razoavelmente nítida, foi o da Argentina em 1978.
ARGENTINA 78
Lembro-me, um por um, dos vários jogos transmitidos pela RTP, numa altura em que apenas a final da Taça dos Campeões e a final da Taça de Inglaterra (sim, estou a dizer bem), chegavam aos nossos ecrãs.
Não me perguntem por tácticas nem modelos de jogo. Com 8 anos, o que me impressionou foram os papelinhos que cobriam as bancadas do Estádio do River Plate, e provocavam um efeito visual espectacular, e infelizmente, não mais repetido em Mundiais.
Argentina e Holanda foram os finalistas. A selecção europeia chegava à sua segunda final consecutiva, mas, francamente, não alcanço nem uma simples frame do Mundial anterior.
Vi o jogo a preto e branco, como era próprio da altura. Mas, curiosamente, uns meses mais tarde, numa montra de electrodomésticos na Rua Morais Soares, assisti pela primeira vez na vida a uma exibição de TV a cores, (re)vendo justamente esta final. Foi um problema para me arrancarem de lá…
O jogo começou atrasado porque o árbitro não gostou de uma ligadura num braço de um dos irmãos Van der Kerkhof, que na altura eram titulares da selecção holandesa.
Na primeira parte , golo de Kempes. Na segunda, já perto do fim, empate por Nanninga de cabeça. À época, não dei muita importância ao caso, mas a verdade é que, com 1-1 no marcador, Rensenbrink atirou uma bola ao poste que daria o título mundial aos holandeses. O extremo do Anderlecht era, aliás, a grande estrela a sua selecção, na ausência de Cruyff, cujo motivo na altura não entendi, uns anos depois lá me explicaram, para recentemente deixar novamente de perceber. Quanto não vale ser criança?
O melhor jogador do mundo era, para mim, Mário Kempes. Foi ele que marcou os dois primeiros golos do jogo de todas as decisões, um dos quais já no prolongamento. Além disso tinha estampa de craque, com um cabelo esvoaçante, meias em baixo, e cara de matador.De Maradona só ouvi falar um ano depois, através das páginas do “Onze”.
“Onze”, ainda bem que falo nele. Em 1978 era uma palavra mágica para mim, de tanto maçar os meus pais para o comprarem. O primeiro número que tive, e ainda guardo, era justamente o da apresentação das equipas para este Mundial, integralmente traduzido em português (creio que só a partir daí foi vendido entre nós). O segundo, que também ainda tenho, e já sem tradução, foi um fantástico álbum fotográfico da competição, que vi e revi centenas…milhares…milhões, de vezes, e conheço praticamente de cor. A dita revista, ensinou-me mais francês - especialmente palavras como “but” ou “pelouse” - que todos os professores da língua que tive na escola.
Com o triunfo argentino terá nascido, por esses dias, o meu fascínio pelo país do tango, que infelizmente ainda não tive oportunidade de conhecer. Maradona faria o resto.
Aqui vai a equipa argentina, que consigo escrever sem qualquer consulta ou hesitação: Fillo, Olguin, Galvan, Passarella, Tarantini, Ardiles, Gallego, Kempes, Bertoni, Luque e Ortiz. Quanto à Holanda, lembro-me de Krol, Rep, os irmãos Vander Kerkhof, Nanninga (que marcou o golo) e Rensenbrink. Ah, e também o Janssen e um guarda-redes sui-generis, que sofria golos sem se mexer, chamado Jongbloed.
ESPANHA 82
Se do Argentina 78 nem todos se recordam, creio que o Mundial Espanha 82, pelo contrário, marcou fortemente a minha geração, e terá sido um dos melhores, senão o melhor, de sempre.
Já
aqui evoquei o Brasil-Itália (2-3) que eliminou a selecção que praticava o mais bonito futebol que alguma vez vi na vida.
Mas este Mundial teve mais do que um dos melhores Brasis de todos os tempos. Foi também uma impressionante parada de estrelas que coincidiram no tempo, como, além de Zico, Sócrates e Falcão, também Maradona, Rummenigge, Platini, Paolo Rossi, Dino Zoff, Kempes, Boniek, Lato, Breitner, Keegan, Dassaev, Roger Milla, isto para referir aqueles que me vêm à cabeça no imediato. Os grandes jogos sucederam-se, e alguns deles figuram ainda hoje na galeria dos grandes clássicos de todos os tempos.
A final foi marcada pela ausência do…Brasil, com quem toda a gente contava. Ainda assim, o Itália-Alemanha foi uma grande final, à altura do resto da competição, com os italianos, orientados por Enzo Bearzot, a darem sequência a uma série de excelentes exibições (Argentina, Brasil, Polónia e Alemanha), quase sempre coloridas com golos de Paolo Rossi, depois de uma fase de grupos apagada, com três empates e apuramento por número de golos marcados.
Já havia televisão a cores no país, mas em minha casa só mais tarde, por alturas do Europeu de França, em 1984, teria direito a tal luxo. Vi todo o Mundial a preto e branco, e vibrei mais com ele do que com qualquer outro, o que para mim é prova suficiente de que a tecnologia não traz felicidade.
Também me lembro bem do onze da Itália, sem necessitar de qualquer consulta,: Zoff, Gentile, Scirea, Collovatti, Cabrini, Oriali, Tardelli, Antognioni, Conti, Grazziani e Rossi.
Que saudades…
MÉXICO 86
Para os portugueses México 86 lê-se “Saltillo”. Deixarei essas recordações para outra oportunidade, e direi que este foi, para mim e para muita gente, o último dos mundiais da era, eu diria, neo-romântica.
Possivelmente graças a Maradona, talvez também à qualidade de muitos dos jogos – não repetida nos eventos seguintes -, mas em larga medida porque nos anos noventa as transmissões televisivas de futebol tomariam de assalto o nosso quotidiano, retirando ao Campeonato do Mundo a exclusividade que então tinha nessa matéria.
Para mim, pessoalmente, existiu também o factor idade. Com 16 aninhos, este foi o último Mundial da minha inocência, e em breve as prioridades seriam outras, depois de uma infância e pré-adolescência totalmente dedicadas ao futebol, e de vários anos ao longo dos quais quase não me lembro de brincar com nada que não fosse, de algum modo, relacionado com bola, jogo, cromos, campeonatos de caricas (lá está, sem a tecnologia dos vídeo-jogos, mas com igual entusiasmo) ou revistas com jogadores.
Depois de vários one-man-shows protagonizados por Diego Maradona (o ás dos ases da minha memória futebolística), chegou o dia da grande final: Argentina e a crónica Alemanha, num domingo ao final da tarde (em Portugal).
Maradona não marcou nesta partida, o que causou um ligeiro desencontro com a história. Mas a Argentina ganhou 3-2, num jogo empolgante, em que depois do 2-0 os alemães, em dois pontapés de canto, chegaram ao empate, para depois, a passe do mestre, Burruchaga evitar o prolongamento e dar o segundo título ao país das pampas.
À medida que a idade avança, um estranho mecanismo deixa a memória um tanto mais turva. Já não consigo dizer toda a equipa campeã sem me engasgar. Talvez isso também suceda pelo facto de toda ela se poder enunciar apenas num nome: Diego Maradona. E fiquemo-nos por aqui.
ITÁLIA 90
Foi provavelmente o pior Mundial de todos os tempos, e foi também aquele que vivi com menor entusiasmo, fruto das circunstâncias da idade: 20 aninhos, já mais ou menos bem vividos.
Assisti ainda assim a bastantes jogos, entre eles, claro, a final.
O jogo foi pobre, defensivo e violento, como a maioria dos que o antecederam. Deste Mundial salvou-se um ou outro pormenor de Maradona (já longe do fulgor mexicano), a brilhante e empolgante selecção dos Camarões (com Milla a fazer das suas), a eficácia alemã (data desta altura a célebre frase de Lineker, dos onze contra onze), e pouco, ou nada, mais.
Muitos empates, muitos zero a zeros, cenas feias (como a cuspidela de Rijkaard a Voller), vários jogos decididos por penáltis, estrelas sem brilho – e não posso deixar de referir Van Basten, o melhor ponta-de-lança que me lembro de ver jogar, e que partia para a competição no auge da sua carreira, deixando a Itália sem honra nem glória.
No fim, como dizia Lineker, ganharam os alemães. E, embora tenham sido a melhor equipa ao longo da prova (ou pelo menos a menos má), a forma como venceram foi equívoca: um penálti muito duvidoso nos momentos finais da partida, convertido por Brehme.
Da selecção campeã recordo apenas as principais estrelas: Matthaus (ainda assim o homem da prova), Klinsmann e o referido Brehme, todos eles jogadores do Inter de Milão.
ESTADOS UNIDOS 94
Realizar um Mundial num país pouco dado a futebóis foi um risco que a FIFA decidiu assumir. E saiu-se bem, pelo menos em termos organizativos e financeiros.
Dentro das quatro linhas as coisas correram melhor que quatro anos antes. Foi pena que a final não correspondesse às expectativas, acabando decidida por penáltis, depois de um bocejante 0-0.
Este foi o último Mundial de Maradona, que, mesmo marcando um golo, acabou por sair pela porta pequena, confrontado com uma análise de doping positiva.
Da final, que era também o tira-teimas entre Romário e Roberto Baggio para se perceber quem era o melhor, recordo que foi justamente a estrela italiana a falhar o penálti decisivo, depois de Baresi (outro dos esteios da equipa) ter também falhado na sua vez.
Ayrton Senna tinha morrido havia pouco tempo, e o Escrete dedicou-lhe o triunfo. 24 anos depois, o Brasil voltava a ser campeão. Era agora tetra-campeão.
Vamos ver se me lembro da equipa toda. Ora aqui vai: Taffarel, Jorginho, Aldair, Márcio Santos, Leonardo, Dunga, Mazinho, Raí, Zinho, Bebeto e Romário.
FRANÇA 98
Estava destinado a ser o Mundial de Ronaldo (não este, mas o outro). Foi o Mundial de Zidane, e duma pátria que, jogando em casa, aproveitou para enaltecer as virtudes da imigração.
Da selecção francesa faziam parte vários “aculturados”, e foi o argelino quem mais brilhou, inclusivamente na final, marcando os dois primeiros golos.
Muito se falou duma misteriosa doença que terá afectado o “fenómeno” brasileiro na manhã antes da final. Nunca percebi o que se passou, embora tenha as minhas deconfianças.
O certo é que a constituição das equipas chegou a ser dada sem o número 9, embora ele acabasse por alinhar de início. Debalde, o dia era da França, que, com uma excelente exibição, conseguiu ser campeã pela primeira vez.
Para a história ficaram as excelentes prestações da Croácia e da Holanda, eliminadas nas meias-finais. A qualidade geral da prova foi aceitável, e nem a ausência de Portugal me retirou o entusiasmo que, com 28 anos, e uma série de assuntos resolvidos, começava a voltar paulatinamente aos níveis da infância.
JAPÃO/COREIA 2002
Se exceptuarmos o Itália 90, este será provavelmente o pior dos Mundiais que recordo.
Além da triste prestação portuguesa – com uma selecção cheia de equívocos, com um seleccionador incompetente, muito amadorismo e indisciplina -, a prova ficou marcada pelos gravíssimos erros de arbitragem, sobretudo nos jogos da selecção da Coreia do Sul, levando a equipa da casa ao colo até às meias-finais.
Foi o primeiro Mundial transmitido pela Sport Tv, o que significa que muitos jogos não tiveram cobertura em sinal aberto. Embora já tivesse Sport Tv em casa, por motivos de vida pessoal e profissional tinha de me deslocar bastante na altura, o que me impediu de ver alguns dos jogos.
A final quase salvou o campeonato, pois foi um bom jogo, e teve um vencedor justo: o Brasil de Scolari, e de…Ronaldo (que reapareceu em grande, depois de uma longa lesão, como que resgatando a aura perdida quatro anos antes).
ALEMANHA 2006
Todos se lembram bem dele. Portugal, ainda na ressaca do Euro 2004, e com Scolari ao leme, chegou às meias-finais pela segunda vez na sua história, feito que nem toda a gente soube reconhecer devidamente.
Obviamente que a forma como vivi o Mundial foi totalmente marcada pela prestação portuguesa, e nunca esquecerei o sofrimento de jogos como os dos oitavos-de-final (com a Holanda), e quartos-de-final (com a Inglaterra).
A final foi ganha pela Itália, mas não correu da forma que eu pretendia. Zidane havia sido o melhor jogador da prova, e aquela era a ocasião para o coroar como rei, como melhor jogador da era pós Maradona. A coisa até começou bem, com um penálti à Panenka, mas depois o homem estragou tudo. Cabeçada em Materazzi, expulsão e, talvez por tudo isso, derrota nos penáltis com uma Itália um pouco mais ofensiva do que habitualmente.
Apesar dos jogos não terem sido maus, não houve nenhuma equipa que deslumbrasse.
Na África do Sul, não tem sido bem assim…