Quem queira perceber o que se passa com o Benfica 2023-24, não precisa de se interrogar muito. Basta pesquisar aquilo que escrevi no início da temporada, e mesmo antes de ela se iniciar. Não por ser um visionário, não por pretender perceber mais de futebol do que qualquer outro adepto, mas apenas por estar atento, e ter já quase meio século de benfiquismo. Talvez também por saber algumas coisas sobre dinâmicas de grupo e liderança, aspetos que não se esgotam no mundo do desporto, mas também fazem parte dele.
É claro que há problemas com Roger Schmidt, com a sua gestão do plantel, com a sua leitura de jogo (que nem os jogadores parecem entender), e com algumas teimosias a roçar a obstinação. Apesar de tudo, no outro lado da balança, o técnico alemão ganhou um campeonato, uma supertaça, realizou uma excelente campanha europeia na época passada, e ganhou três dos quatro jogos que disputou com o FC Porto. Tem por isso ainda algum crédito (enfim, não será para sempre, nem para muito mais tempo...), o que nos obriga a olhar também para outras questões. Dito de outra forma, Schmidt poderá fazer parte do problema, poderá ter potenciado o problema (e tanto uma, como a outra afirmação são, quanto a mim, verdadeiras), mas não esgota o problema.
Decorreu já tempo suficiente para podermos dizer que o mercado de verão foi uma catástrofe. Escrevi-o aqui várias vezes. Disse-o também noutros contextos, frequentemente perante quem insistia "estás louco, a equipa manteve-se e ainda foi bastante reforçada!". Ora o problema reside precisamente aí: em ter sido bastante "reforçada".
Há uma velha máxima que importa lembrar, e que nos diz que "em equipa que ganha, não se mexe". Não é só no futebol, é válida para qualquer empresa ou organização. E a verdade é que o Benfica mexeu, e mexeu demasiado.
Entre contratações desnecessárias (Trubin é bom, mas Odysseas chegava; Kokçu não complementa, antes se sobrepõe a João Neves; Di Maria tem 35 anos e demasiado estatuto para o que corre e ganha mais dinheiro do que outros que corriam e agora deixaram de o fazer) e contratações completamente falhadas (Jurasek e Arthur Cabral, vamos ver Bernat...), a SAD encarnada introduziu peças que não encaixam no grupo, criando uma caldeirada de talentos, equívocos, desequilíbrios salariais e insatisfações num plantel campeão que, de um momento para o outro, se viu descaracterizado. Tudo absolutamente desnecessário, quando bastava, à equipa do ano passado, substituir Gonçalo Ramos e Grimaldo (que, com o que se pagou por Jurasek, até talvez tivesse sido possível convencer a ficar).
As equipas de futebol são, antes de mais, grupos de homens. Com os seus ânimos e desânimos, com as suas ambições, insatisfações e inquietações. O que se vê nos jogadores do Benfica é um grupo de homens inquietos, descrentes, a duvidar uns dos outros, de si próprios e do seu líder. Quem já lá estava parece olhar com desconfiança para quem chegou. Quem chegou não consegue, não pode, ou não sabe, integrar-se. O resultado vê-se em campo, e não passa de zero.
Talvez Pep Guardiola resolvesse isto. Roger Schmidt, que a pouco e pouco tem colecionado conflitos (Odysseas terá certamente amigos no plantel, a mulher de Morato deu-lhe voz nas redes socias, Neres mostra o que sente quando é injustamente preterido, João Victor foi publica e desnecessariamente exposto, Florentino anda decerto infeliz), não parece conseguir fazê-lo.
A Champions está morta e enterrada. Mesmo a Liga Europa é difícil. E até o fantasma dos zero pontos começa a pairar. Talvez duas vitórias internas (Casa Pia e Chaves) permitam alguma estabilidade emocional para enfrentar o Sporting, naquele que continua a ser o principal objetivo da época: o Campeonato. E não vai ser fácil sequer empatar com a bem organizada equipa de Ruben Amorim.
Depois, há que aguentar até janeiro, e aí tentar minimizar os estragos de verão (vender Jurasek, Kokçu, João Victor, Arthur Cabral, Tengstedt, devolver Bernat e deixar Di Maria partir para a sua terra, contratando um lateral e um ponta-de-lança). Talvez desse modo ainda fosse possível salvar a época.
Numa equipa em que apenas dois jogadores correram (João Neves e Tiago Gouveia), onde João Mário e Rafa são sombras de um passado recente, onde não há um ponta-de-lança (nem um lateral-esquerdo) de qualidade, vai ser preciso muita ginástica e imaginação para resgatar um pouco de ânimo do fundo do poço.
Neste momento, a minha expetativa para o resto da época está em linha com a classificação da Champions: zero!