EQUAÇÃO IMPOSSÍVEL

No comentário anterior já muito ficou dito sobre o momento do Benfica. Justa ou injustamente, correcta ou incorrectamente, Fernando Santos pertence ao passado, e os benfiquistas depositam agora as suas esperanças em José António Camacho, técnico carismático que deixou um rasto de competência e rigor aquando da sua primeira passagem pelo clube.
Aliás, diga-se a propósito que, ao contrário daquilo que parece, ambos os treinadores têm registos estatísticos muito semelhantes nas suas passagens pelo clube. 67% de vitórias, média de 2,2 pontos por jogo no campeonato, presenças razoáveis na Taça Uefa. Um apanhou um super-Porto pela frente, o outro teve de se debater com uma instabilidade interna fora do comum. Nenhum foi campeão.
Mas deixemos de olhar para trás, e vejamos o que espera Camacho no Benfica.
Se dúvidas ainda existem acerca do desequilíbrio do plantel encarnado, basta um pequeno exercício (e convido o leitor a fazê-lo também) para as dissipar de imediato. Trata-se de tentar escolher um esquema táctico para este plantel, e os respectivos jogadores para o desenvolver. Vejamos como se trata de uma equação bem difícil:

4-4-2 Losango – Era o sistema para o qual Fernando Santos tinha idealizado a temporada, e que aliás já vinha a ser desenvolvido desde o ano transacto. Foram contratados dois avançados (Cardozo e Bergessio) de modo a ter sempre uma dupla na frente de ataque, mas…
Se a falta de um central é gritante em qualquer que seja o desenho escolhido (o engenheiro contaria decerto com Anderson), o problema maior encontra-se no meio-campo, e é decorrente das saídas de Simão e, neste caso, sobretudo, de Manuel Fernandes. Para apresentar quatro homens na linha intermediária o Benfica teria de dispor de, pelo menos, seis médios no seu plantel. Com as saídas daqueles dois importantíssimos elementos, o plantel encarnado ficou reduzido a quatro centro-campistas de raiz (Petit, Katsouranis, Rui Costa e Nuno Assis), o que para disputar Campeonato, Taça, Taça da Liga e Liga dos Campeões se tornaria pouco menos que ridículo. Acresce que muitas das vezes Katsouranis teria de ser chamado ao centro da defesa (como tem acontecido), desfalcando ainda mais o meio-campo. Basta pensar na hipótese de Petit se lesionar ou se ver castigado para perceber a inviabilidade total desta solução com o presente plantel.
Camacho já terá dito que este sistema é, por enquanto, para manter. Está seguramente a contar já com reforços...

4-4-2 Tradicional – Foi o sistema preferencial do técnico murciano na selecção espanhola, e em parte significativa da segunda época que passou no Benfica (na primeira, antes da recuperação de Sokota, optou quase sempre por um 4-2-3-1). Mas com este plantel não parece viável aplicá-lo com sucesso.
Para além do problema defensivo, que deixarei de mencionar por ser comum a todos os esquemas, esta opção esbarra na inexistência de alas que garantam consistência competitiva ao longo da época. É verdade que há Di Maria, Coentrão, Luís Filipe, Miguelito, Nelson, Diaz e Manú, mas entre todos, e mormente para o lado direito (para o esquerdo ainda poderia ser possível adaptar Nuno Assis ou mesmo Rui Costa), nenhum há com perfil para, no imediato, assegurar a titularidade num clube com as ambições, nacionais e internacionais, do Benfica.
Para além deste aspecto, há que atender ao miolo do meio campo. Petit e Katsouranis poderiam constituir o duo central, mas… que fazer com Rui Costa ? e que alternativas de banco ? Um trinco (queimando assim o outro), Rui Costa e dois extremos parece-me suicidário na maior parte dos jogos, dada a natural limitação física do “artista”.

4-3-3 – Também este sistema depara com algumas assimetrias face ao plantel benfiquista. O problema do meio-campo, embora atenuado (aqui limitado a um trio), permaneceria por solucionar. Petit, Katsouranis e Rui Costa fariam a linha média, com Nuno Assis como única alternativa, o que é manifestamente pouco para toda a temporada.
À frente seria necessário deslocar um dos pontas de lança para uma ala, o que qualquer que fosse a opção (Nuno Gomes ou Cardozo) equivaleria a atrofiar um jogador. A eficácia da outra ala dependeria ainda da prestação de Di Maria, Coentrão ou Adu, todos eles jogadores sub-20, e portanto com muito ainda por provar, quer em termos de cultura táctica, quer em força mental.

4-2-3-1 – Para além do problema das alas, sobretudo do lado direito, este sistema desperdiçaria o potencial ofensivo oferecido pelos vários pontas-de-lança do plantel. Nuno Gomes, Bergessio e Mantorras ficariam quase toda a época remetidos ao banco de suplentes, dado que Cardozo, até pelo seu preço, parece indiscutível.
Para além destes aspectos, o duo da primeira linha de contenção teria de ser sempre interpretado por Petit e Katsouranis. Sem qualquer suplente à altura de suprir uma lesão, um castigo ou uma quebra de forma de qualquer um deles, esta opção poderia, ao longo da temporada, revelar-se devastadora.

3-5-2 e 3-4-3 – Qualquer um deles está absolutamente fora de hipótese dispondo apenas de três centrais no plantel (no momento todos lesionados). Teriam sido hipóteses válidas (e um deles chegou a ser testado) nos tempos de Koeman, com Anderson e sobretudo Ricardo Rocha a preencherem os dois lados do trio da defesa, e Nelson e Léo, muito ofensivos, a assegurarem os corredores. Assim...

É verdade que, recorrendo a adaptações, o Benfica pode até fazer uma ou outra boa exibição, e conseguir um ou outro bom resultado. De certo entrará em campo, já no próximo sábado, com onze jogadores, dispostos no terreno de forma a ocuparem os respectivos espaços.
Todavia, como fica aqui demonstrado, este plantel está longe de corresponder ao equilíbrio mínimo que seria de exigir a um candidato ao título, apresenta lacunas inadmissíveis, obriga a desposicionar alguns jogadores, arrisca-se a queimar outros, e não garante qualquer prudência face aos múltiplos castigos e lesões que - até a olhar para o que se tem passado no clube de há uns anos para cá - se prevêem enfrentar ao longo de dez meses de competição. Vida difícil pois para Camacho.
O Benfica tem agora nove dias para contratar, impreterivelmente - e numa perspectiva minimalista - um ou dois defesas centrais (Edcarlos, Zé Castro, Cirillo ou Pellegrini seriam boas opções), um médio ala direito (não estou a ver nenhum disponível no mercado europeu) e um médio de contenção/transição (poderia ser Luccin do Atlético de Madrid, mas não tendo, como devia, sido logo negociado na altura da venda de Simão, agora parece-me difícil vir para a Luz), todos eles com capacidade para entrarem na equipa de imediato e oferecerem garantias de elevado rendimento, sabendo-se como nesta fase do mercado a oferta não abunda. Com estes três elementos as soluções tácticas multiplicar-se-iam, e então sim poderíamos falar de um bom plantel, isto é, de um plantel ao nível dos outros candidatos ao título.
Mesmo que isto se venha a verificar – e a negociação em desespero costuma ser cruel -, haverá depois um espaço de tempo necessário para adaptações, criação de automatismos, e construção de um espírito de equipa e de uma dinâmica de vitória. Decorrido todo esse tempo, é de esperar que F.C.Porto e Sporting já levem uma considerável vantagem pontual, capaz de, à semelhança da época passada, condicionar todo o campeonato.
Mas o futebol é fértil em surpresas, e não há dúvidas que Camacho, com o seu carisma e mentalidade ganhadora, pode ajudar o Benfica a dar os passos que necessita. Assim o fez na sua primeira passagem por Lisboa - na qual soube organizar e fazer crescer uma equipa recheada de excelente matéria prima (Miguel, Ricardo Rocha, Tiago, Manuel Fernandes, Zahovic, Geovanni ou Simão, para mencionar apenas os que entretanto sairam) , e com ela só não foi bi-campeão porque no Porto morava um dos melhores conjuntos de sempre do futebol português: o F.C.Porto de José Mourinho.
Nada havendo de objectivo que permita algum optimismo aos benfiquistas, é então hora de exaltarem apenas a sua fé - como se viu no primeiro treino orientado pelo espanhol. É com fé e pouco mais que a nação benfiquista pode neste momento alimentar as suas ilusões.

5 comentários:

Anónimo disse...

A contratação do Oubiña vai dar mais soluções

LF disse...

Hum.
Não sei se o jogador valerá os 10 milhões que pedem por ele.
Se o Benfica os pagar será mais um erro crasso, até porque segundo sei, se trata de uma alternativa a Petit e Katsouranis, e não de um elemento capaz de preencher outros espaços.
Para isso, mais valia terem comprado o resto do passe do Manuel Fernandes, e aumentar-lhe o ordenado.
Veremos.

Paulo Santos disse...

Manuel Fernandes nem nunca deveria ter posto os pés no Seixal ou onde quer que fosse. Nem aproximar-se a menos de 10 metros de qualquer espaço físico do SL Benfica, quanto mais aumentar-lhe ordenados...

Jogadores como esse Fernandes há por aí "ao pontapé", por exemplo, nas divisões secundárias francesas. Assim de repente lembro-me de dois: M´Bami e Makoun (Ligue 1). E o Djemba-djemba e o Kléberson, e por aí fora...

Mas a culpa é de quemingénuamente?) o deixou...

LF disse...

Caro Paulo,

Compreendo a animosidade. A sua atitude foi de facto deplorável.

Mas é inegável que o Manuel Fernandes é um excelente jogador, e ainda por cima saido da cantera benfiquista, o que nos dias que correm não tem sido, infelizmente, muito comum.

Quem sabe a atitude do jogador tenha tido origem na forma como a direcção o tratou (e que nós não conhecemos).

Este presidente tem dado frequentes mostras de alguma arrogância perante os seus jogadores (veja-se o caso Nuno Gomes, mas já antes outros), como se quisesse sempre ser apenas ele o ídolo do povo.
Por algum motivo muitos dos jogadores têm querido sair do clube (Tiago, Miguel, Karagounis, Manuel Fernandes, Anderson, Luisão, Simão etc).

Paulo Santos disse...

LF, penso que esses jogadores que cita (e há mais um que eu pessoalmente não gostaria de o voltar a ver na Luz) são situações perfeitamente compreensíveis. Os jogadores querem sair porque não obstante o Benfica ser o clube que é, a nossa liga é miserável, e há ainda a questão financeira. É perfeitamente natural e irá acontecer sempre, com LFV ou outro qualquer...

Karagounis é diferente, não duvido que tenham sido as questões de adaptação da família.