ÁS ARMAS !

Depois dos electrizantes espectáculos que proporcionaram em Eindhoven em 2000 e em Lisboa em 2004 para os respectivos Europeus, Portugal e Inglaterra voltam a defrontar-se, desta vez no Campeonato do Mundo.
A Inglaterra, berço do futebol, é tradicionalmente um adversário a ter em atenção em qualquer competição que dispute. Conta com grandes jogadores, acolhe aquela que é provavelmente a melhor liga nacional do mundo - o que reforça a competitividade das suas equipas e consequentemente da sua selecção -, é orientada por um treinador de top internacional, e é apoiada freneticamente por dezenas de milhares de adeptos em qualquer estádio onde jogue.
Neste Mundial, os ingleses apresentam-se com a ambição própria de quem, dispondo de elementos como Frank Lampard, Steven Gerrard, Joe Cole ou Wayne Rooney, e de rotinas de jogo adquiridas em seis anos de trabalho conjunto, não tem conseguido resultados à altura do prestígio do seu futebol. É a última oportunidade de Eriksson fazer aliar à sua enorme capacidade, resultados condizentes e capazes de satisfazer todo um povo ávido de vitórias.
Por todos estes motivos, a Inglaterra é um adversário temível e dispõe de condições para se bater com qualquer das selecções ainda em prova, sendo, como quase todos os outros, um sério candidato ao título mundial.
Frente a Portugal os ingleses não costumam no entanto ter muita sorte. Além dos jogos referidos no primeiro parágrafo deste texto, que resultaram ambos em vitórias portuguesas (3-2 e 2-2 a penáltis) e eliminações inglesas, várias foram as ocasiões em que equipas portuguesas se encontraram nos últimos anos com clubes ingleses, quer na Liga dos Campeões, quer na Taça Uefa, e os resultados têm sido esmagadoramente favoráveis ao futebol português. O F.C.Porto eliminou o Manchester United na Champions League em 2004 – ano em que se sagraria campeão -, e no ano seguinte venceu o Chelsea na fase de grupos. O Sporting, na sua caminhada para a final da Taça Uefa de 2005 ultrapassou com alguma facilidade o Middlesbrough e o Newcastle, enquanto que na última época o Benfica, na Champions, eliminou o Manchester United e o Liverpool (na altura detentor do título europeu), com a particularidade de ter vencido ambos os jogos com a equipa de Gerrard e Crouch sem ter sofrido qualquer golo. Até o Vitória de Guimarães, que desceu à segunda divisão portuguesa, empatou com o Bolton na Taça Uefa. Podemos recordar ainda as goleadas infligidas ao West Bromwich em jogos particulares (o Benfica ganhou 5-0 e o Sporting 3-0). Enfim, se a história recente jogasse, já estaríamos nas meias-finais.
É claro que este panorama não é exclusivamente obra do acaso. Há características na tipologia do futebol britânico com as quais os hábeis e rápidos jogadores portugueses se sentem bastante confortáveis.
Por muito que técnicos estrangeiros como Houllier, Wenger, Benitez, Mourinho ou Eriksson tenham procurado “continentalizar” o futebol do além-mancha, a verdade é que a genética do seu jogo não consegue fugir inteiramente a um estilo sempre bastante audaz, com marcações não muito incisivas e muito espaço dado entre as suas linhas e nas costas da defesa, e com uma largura de campo que, se os favorece em processo ofensivo, lhes causa alguns calafrios em situações defensivas.
Muitas equipas inglesas, e mesmo a selecção, quando as coisas não lhe correm de feição, não conseguem resistir a bombear bolas para a área adversária, numa reminiscência do tradicional “kick and rush” que era a imagem de marca do futebol britânico há alguns anos atrás. Embora pratiquem um jogo rápido e fisicamente poderoso, a sua criatividade não impressiona, nem mesmo ao nível das equipas de topo da sua fabulosa liga.
O jogador português precisa de espaço. Quando lho tiram, como os italianos normalmente sabem fazer, retraindo e juntando as linhas, subtraindo largura ao campo e dando a bola ao adversário, as equipas portuguesas ficam sem soluções. Com os ingleses, como com os holandeses, sentem-se como peixe na água, dispondo de espaço para fazer sobressair toda a capacidade técnica individual dos seus jogadores.

A equipa de Eriksson é a única de entre todos os quarto-finalistas que demonstra alguma indefinição no seu sistema de jogo. As lesões dos avançados – primeiro Owen, depois Rooney, e novamente Owen – e a constante nuvem de dúvidas que se foi levantando sobre as suas recuperações, culminando com o afastamento do ex-madridista, terão sido responsáveis pelo facto de Eriksson ser obrigado, já em pleno Mundial, a refazer, ou pelo menos repensar, a sua estratégia.
Desde há décadas que a selecção inglesa funcionava em 4-4-2, e mesmo no último Europeu, onde tive oportunidade de a ver jogar ao vivo em duas ocasiões (contra Portugal e contra a França), impressionou-me o extremo rigor das suas três linhas, onde a movimentação dos jogadores quase se assemelhava a uma marcha militar.
Não podendo contar com um dos pontas-de-lança referidos, Eriksson testou numa primeira fase a “girafa” Peter Crouch, com cerca de dois metros de altura, mas o efeito não foi convincente. Crouch é um elemento útil em certas circunstâncias de jogo, mas a sua presença em campo, com pouca mobilidade e não muito mais capacidade técnica, gera a tentação de um jogo directo buscando incessantemente que a sua cabeça resolva os problemas da equipa.
Outro dos dilemas que Eriksson tem custado a solucionar é a compatibilização entre dois fantásticos jogadores, que nos seus clubes ocupam precisamente o mesmo espaço: Lampard e Gerrard.
Como forma de atacar estas duas “dores de cabeça”, o técnico sueco decidiu testar um sistema de um único avançado (Wayne Rooney), dar alguma liberdade aos seus dois médios centro, e reforçar as suas costas com um quinto centro-campista, Hargreaves ou Carrick, capaz de garantir as compensações defensivas. Os alas Beckham e Joe Cole também respiram assim uma atmosfera mais arejada para poderem dar largas à sua criatividade ofensiva. A equipa resolve assim os seus problemas a meio campo, mas obviamente perde capacidade na área adversária, todavia julgo dever ser este o formato que Eriksson vá apresentar no próximo sábado.
A Inglaterra apresentaria assim a seguinte formação: Robinson, Neville, Terry, Ferdinand, A.Cole, Carrick, Beckham, Lampard, Gerrard, J.Cole e Rooney.
Enfrentando um Portugal com: Ricardo, Miguel, R.Carvalho, Meira, N.Valente, Petit, Maniche, Figo, Simão, Pauleta e C.Ronaldo

Que hipóteses tem Portugal ?
Julgo, com franqueza, que tem precisamente as mesmas de Inglaterra.
Deco, sobretudo, fará muita falta neste jogo, onde encontraria um adversário à medida do seu talento, e da sua constante e dinâmica movimentação. Com Figo no seu lugar, Portugal perde algum dinamismo, o que, aliado à eventualidade de reforço do meio campo inglês, nos pode trazer um jogo bem diferente dos últimos duelos entre estas selecções. Já Costinha me parece poder ser substituído por Petit sem grande abalo para o onze.
A chave da questão poderá estar no desempenho de Simão e Ronaldo nas faixas, quer em termos de construção ofensiva, quer na capacidade de manietar as subidas em desequilíbrio dos laterais ingleses. Mas é claro que estes são jogos cuja decisão passa normalmente por um erro, ou por um lance de génio de um dos muitos talentos em presença. Espero ardentemente que não seja a arbitragem a decidir o vencedor.
Arrisco aqui um palpite: 0-0 e decisão nas grandes penalidades, e...já agora que sejamos nós a vencer.
Viva Portugal !

ANCIEN RÉGIME

A veterana e experiente equipa francesa, renasceu das cinzas e derrotou categoricamente a jovem armada espanhola num dos melhores jogos de todo o torneio.
A França foi melhor em quase todo o tempo de jogo, exibindo uma frescura que havia andado arredia durante a primeira fase.
Ribery destacou-se, Zidane adiou a sua anunciada reforma marcando um belo golo, mas o homem do jogo foi claramente Patrick Vieira, que além de garantir um apoio inexcedível a Makelele no processo defensivo, marcou o golo da vitória e esteve nos principais lances de ataque da equipa.
A Espanha cai assim por terra, numa competição em que chegou a ser considerada como uma das principais favoritas, nomeadamente após a primeira jornada, quando esmagou a Ucrania - que ironicamente continua em prova - por 4-0. Aos "nuestros hermanos" faltou a experiência e a maturidade que as grandes equipas revelam nos grandes momentos. Mas esta equipa espanhola, com um conjunto de jovens como Alonso, Fabregas, Iniesta, Torres, Joaquin, Reyes ou Villa , promete voltar a impressionar dentro de pouco tempo, pois talento não lhe falta.
A França tem agora pela frente o todo poderoso Brasil, pelo que a hipótese de repetir o sucesso de 1998 não se afigura fácil. Vai ser um duelo apaixonante, onde o Brasil terá oportunidade de se vingar das derrotas de 1986 e sobretudo de 1998, quando foi goleado na final de Paris.

NO REINO DA EFICÁCIA

Um Brasil "italianizado" venceu sem dificuldade um Gana de futebol bonito mas com uma abordagem um tanto romântica em termos competitivos.
O golo de Ronaldo aos cinco minutos ajudou bastante o escrete a fazer uma exibição tranquila, sem grande brilhantismo artístico, mas com solidez e eficácia.
Vendo-se em vantagem logo na alvorada da partida, a equipa canarinha não necessitou de arriscar muito em termos ofensivos, esperando quase sempre pelos ganeses no seu meio campo (o Gana acabou inclusivamente a partida com mais posse de bola que os brasileiros). Ao longo da primeira parte, a equipa africana, colocando sempre um elevado número de elementos nas suas acções ofensivas - o que causa um belo efeito plástico, mas torna-se suicida frente a equipas eficazes e rápidas no contra-ataque - conseguiu criar algumas oportunidades para marcar, mas nunca se revelou certeira na hora do remate.
Na segunda parte, o Brasil, com a entrada de um fresco Gilberto Silva (substituindo um Emerson muito longe da sua melhor forma), e depois também com Juninho, intensificou o povoamento do seu meio campo, segurou o jogo, e aproveitou para explorar os espaços concedidos nas costas dos johgadores africanos e assim criar ocasiões de golo em série, as quais, se concretizadas, poderiam ter resultado na maior goleada de todo o Mundial.
Pode-se dizer que neste jogo ficou bem patente a diferença entre jogar bem e jogar bonito, com a eficácia e a experiência dos brasileiros a vencer a ingenuidade dos africanos.
Segue em frente o Brasil, que para vencer a França terá todavia de corrigir alguma coisa na articulação entre os médios defensivos e os centrais, zona onde concedeu algumas facilidades aos ganeses, sobretudo na primeira parte.
Os laterais pareceram mais fixos, e como tal mais seguros.
Para terminar deixaria o meu lamento - que se estende a todos os adeptos do bom futebol - pelo facto de Ronaldinho Gaúcho não estar até ao momento, e ao contrário do que se esperava, a exibir o seu estatuto de melhor jogador do mundo. De qualquer modo o Mundial ainda não acabou.

A LEI DAS PROBABILIDADES

Argentina-Alemanha 50% - 50%
Itália-Ucrania 90% - 10%
Portugal-Inglaterra 50% - 50%
Brasil-França 70% - 30%

TOP EQUIPAS

1º ALEMANHA
2º Brasil
3º Argentina
4º Portugal
5º França

TOP GOLOS

1º MAXI RODRIGUEZ (Argentina-México)
2º Joe Cole (Inglaterra-Suécia)
3º Esteban Cambiasso (Argentina-Sérvia)
4º Fernando Torres (Espanha-Ucrania)
5º Bakary Kone (Costa do Marfim-Holanda)

TOP JOGOS

1º FRANÇA-ESPANHA
2º Inglaterra-Suécia
3º Portugal-Holanda
4º Brasil-Croácia
5º Argentina-Sérvia

TOP JOGADORES

1º MAXI RODRIGUEZ (Argentina)
2º Patrick Vieira (França)
3º Michael Ballack (Alemanha)
4º Luís Figo (Portugal)
5º Andrea Pirlo (Itália)

OLHE QUE NÃO ! OLHE QUE NÃO !

Enquanto várias vozes se ouvem clamando contra o acompanhamento, no seu entender excessivo, que a comunicação social do nosso país e os portugueses em geral têm dispensado ao mundial de futebol, eis que surge um estudo de um organismo internacional, de que o “Público” faz eco no passado sábado, que demonstra serem justamente os portugueses, de entre o extenso lote de países investigados, aqueles que menos acompanham os jogos do mundial, nomeadamente aqueles em que não intervém a selecção nacional (nesses, os números aproximam-se mais da “normalidade”). Portugal figura inclusivamente atrás de países como a Roménia, Grécia ou Hungria, que nem sequer têm as suas selecções envolvidas na competição.
À partida, estes dados – mesmo tendo em conta que alguns dos países dispõem dos jogos em sinal aberto - podem parecer surpreendentes, mas uma observação mais atenta permite identificar alguns aspectos capazes de, de algum modo, os justificar.
Em primeiro lugar, não me parece que sejam exclusivamente os chamados intelectuais a aviltar o futebol. É claro que também existe no meio intelectual (mais precisamente em seu redor) algum snobismo, que despreza tudo o que envolva manifestações de massas, quer se trate de futebol ou de outra coisa qualquer, não entendendo que uma correcta percepção do mundo e da humanidade passa também por esses aspectos, sobretudo tratando-se de um dos mais significativos fenómenos lúdicos universais da história da humanidade, como é inquestionavelmente o futebol. Esse intelectualismo snob e elitista faz, diga-se, muito pouca falta ao país e ao mundo.
Grande parte das opiniões, a que chamaria por simplificação "anti-futebol", ouvem-se contudo na rua, no café, no emprego, e provêm de pessoas cuja perspectiva demasiado utilitarista da vida não lhes permite interpretar quaisquer signos que não representem, de forma imediata ou não, directa ou indirecta, a entrada ou saída de dinheiro das suas carteiras. Tudo o que não permite ganhar dinheiro, ou não custe dinheiro, não é importante, e como tal, o futebol, ainda que capaz de edificar à sua volta todo um manancial de identidades e representatividades paralelas, não passa de um fenómeno menor. Estes “críticos” são em muitos casos os mesmos que acham que ler um livro, ver um bom filme, ou ouvir boa música, não passa de uma perda de tempo (ao fim e ao cabo ninguém nos paga para isso, não é ?). Serão também pessoas cujo pouco interesse por fenómenos de carácter internacional, ou fora do âmbito do seu quotidiano mais próximo, nem permite provavelmente saber quem é a chanceler alemã, ou o primeiro ministro de Itália, pelo que para eles também o Mundial de futebol, selecção nacional à parte, surge como algo longínquo e desinteressante, que importa acompanhar minimamente, mas ao qual não se deve dar muita importância.
Mas perante estes números, certamente que também de entre universo dos ditos adeptos do desporto-rei, se encontram muitos dos portugueses que deixam os jogos do Mundial de fora do seu quotidiano. Como é isso possível ?
A resposta é simples: os portugueses adoram os seus clubes, vivem-nos com paixão, gostam de criticar as arbitragens, de discutir os casos polémicos, de dizer mal da equipa rival quando ganham, de dizer mal da sua quando perdem, até são capazes de pendurar a bandeirinha na janela, mas no fundo, lá bem no fundo, acham o futebol, enquanto espectáculo, uma chatice.
Não é de agora que tenho esta opinião, e basta verificar o nível de assistências nos estádios portugueses para confirmar o que digo. Seria curioso até que alguém investigasse quantas pessoas se deslocam a um estádio para ver um jogo que não seja do seu clube, e apenas motivado pelo espectáculo.
Outro dado curioso do estudo revelado pelo “Público” é o número crescente de mulheres que se interessa pelo jogo (nos jogos de Portugal, 48,1 % da audiência é feminina), o que pode aliás ser facilmente confirmado por qualquer pessoa que frequente regularmente os estádios (pelo menos na Luz, onde eu naturalmente mais vou, o numero de mulheres tem crescido, a olhos vistos, sensivelmente de há uns cinco anos para cá, mas sobretudo depois do Euro-2004), e não deixa de ser um sinal claramente positivo para o espectáculo do futebol.
Longe vão pois os tempos em que o futebol era entendido como um espaço exclusivo dos homens. A este propósito, e para terminar, não resisto a partilhar uma de entre as muitas recordações proporcionadas pelos três anos que tive oportunidade de trabalhar na pequena aldeia alentejana de Álcáçovas, e bem elucidativo de como o futebol era entendido. Diziam-me então as raparigas da terra, quando se referiam a alguém cuja masculinidade elas não apreciavam “Fulano? Hum..., nan gosta de bola nen nada...”.

PS 1: Ainda sobre a comunicação social e o impacto do Mundial na mesma, por vezes tão criticado em Portugal - mau grado o espaço ocupado não ser propriamente retirado à ópera, à pintura ou à literatura, mas sim a outros campos do entretenimento, por vezes bastante pobres -, tenho tido o cuidado de espreitar as primeiras páginas de vários jornais europeus (ingleses, alemães, espanhóis ou italianos) e tenho verificado que o destaque dado ao futebol é similar. Portanto, ou os outros são tão “subdesenvolvidos” como nós, ou o “subdesenvolvimento” está na cabeça de alguns bem pensantes cidadãos desta pátria.

VEDETA DE PORTUGAL (Actualização)

1º FIGO 4,25
RICARDO 4,25
3º Deco 4,00
4º Maniche 3,75
Miguel 3,75
Simão 3,75

SANGUE, SUOR E LÁGRIMAS !

É extremamente difícil escrever com alguma objectividade acerca de noventa minutos que manipularam as nossas emoções até aos mais bárbaros limites do sadismo.
Foi de facto um jogo épico para o futebol luso. Não que Portugal tenha efectuado uma exibição particularmente conseguida, nem que o jogo tenha sido de grande qualidade técnica – para quem não seja nem holandês nem português, incerteza do resultado à parte, terão sido noventa minutos de tédio -, mas as emoções por nós vividas naquela interminável hora e meia de Nurenberga, todo o estoicismo de dez, e depois nove portugueses naquele relvado, elevam este jogo ao patamar mais alto da história da nossa selecção.
Esta memorável partida deve ser dividida em duas partes distintas, coincidentes com os dois períodos de jogo. Uma absolutamente normal, durante a qual Portugal marcou o seu golo e exibiu a sua superioridade, e depois uma segunda parte quase do domínio do sobrenatural, onde a nossa selecção demonstrou uma alma inesgotável, uma coesão granítica e uma capacidade de sofrimento à prova de qualquer contrariedade, mostrando também aí o porquê de muitas das tão injusta e ignorantemente criticadas opções de Luiz Felipe Scolari.
Esta foi pois uma vitória do sofrimento, da luta, da combatividade, da ambição, da crença, e do espírito de grupo.
Foi também uma vitória do banco português, quer pela argúcia do nosso técnico, quer pela força e capacidade demonstrada pelos jogadores que, numa situação de grande tensão, entraram em campo – Portugal acabou o jogo com nove e sem Ronaldo, Deco, Figo, Pauleta e Costinha (!!)
A Holanda até entrou melhor, realizando dez minutos iniciais de grande qualidade, nos quais, encurtando a distância entre linhas através duma subida da sua defesa, foi capaz de povoar a zona preferencial de acção dos nossos principais artistas e impedi-los de manter a posse de bola, obrigando assim a muitos passes longos e consequentes perdas de bola. Foi guiada por Cristiano Ronaldo que a selecção nacional reagiu a esta má entrada, pois foi o madeirense (que pena não concluir um jogo que ameaçava ser o “seu” jogo neste mundial), com a sua explosiva capacidade no um para um, o primeiro a ser capaz de furar aquela cortina de holandeses que cobria toda a sua intermediária. Com uma violenta entrada merecedora de cartão vermelho directo, Boulahrouz incapacitou o jovem português para a partida, obrigando-o a sair alguns minutos mais tarde, mas o grito de sublevação da equipa já estava dado, e o equilíbrio no jogo estava consumado.
Aos vinte e três minutos, Maniche marcou aquele que viria a ser o único golo da contenda, e a partir daí, até final da primeira parte e no melhor período futebolístico do jogo, Portugal mostrou que tinha de facto melhor equipa que a Holanda, ainda que esta, conduzida por Van Persie (que grande exibição !), também tenha estado perto de marcar por mais de uma vez. A melhor oportunidade de golo até final da primeira parte foi todavia interpretada por Pauleta, após excelente lance de Simão, a que Van der Sar correspondeu com defesa instintiva.
Quando tudo parecia estar a correr bem, no minuto seguinte àquela perdida, Costinha foi infantilmente expulso (como é possível num jogador com a sua experiência ?), lançando de imediato densas nuvens sobre as possibilidades de aguentar um resultado tão escasso em inferioridade numérica, começando aqui a epopeia dos mais longos cinquenta e um minutos da história recente do futebol português.
Para uma segunda parte que já se antevia de grande dramatismo, Scolari optou por retirar, e bem, o único ponta-de-lança da equipa, deixando a uns super Figo e Simão, todas as despesas atacantes da equipa, obrigando-os a cobrir os flancos, segurar centrais e, se possível, causar perigo, tarefas que cumpriram com um impressionante denodo e um notável espirito de sacrifício. A equipa mantinha assim a sua estrutura defensiva inalterada, pois Petit (que de “petit” nada teve, pois foi um verdadeiro gigante) plantou-se no espaço antes ocupado por Costinha, e conseguiu fazer um trabalho perfeito e sempre nos limites – inclusivamente condicionado pela amostragem de um cartão amarelo três minutos depois de ter entrado.
Um remate de Cocu a fazer tremer a barra da baliza de Ricardo foi a pitada de sorte que alimenta os grandes campeões. Sentiu-se que essa fada madrinha poderia voltar a estar connosco.
O tempo ia passando, apesar de aos nossos olhos o relógio parecer não andar.
Depois da expulsão de Belahrouz ter equilibrado as tropas, pensou-se que Portugal poderia enfim respirar. Foi sol de pouca dura, pois Deco acabou também por ver o cartão vermelho numa grosseira precipitação do árbitro, ele também, e mais até que os jogadores, de cabeça perdida.
O tempo ia passando (cada vez mais devagarinho, diga-se...) e a Holanda, mau grado deter durante longos períodos a posse absoluta da bola, não mostrava capacidade de perfurar uma linha defensiva portuguesa em dia de grande inspiração, e acabou por ser forçada a socorrer-se de um estilo de jogo mais directo, em busca da cabeça de Kuyt (e mais tarde Hasselink), proporcionando então a Fernando Meira a oportunidade de brilhar a altíssimo nível, tal como aliás Ricardo Carvalho o fizera até esse momento, e continuaria a fazer até final.
O jogo transformou-se numa batalha, onde quem tivesse sangue frio e nervos de aço conseguiria vencer. Neste domínio, Scolari e estes jogadores já demonstraram que se pode contar com eles, o que representa um contraste absoluto com o que sucedia com as selecções portuguesas até há poucos anos atrás.
Mas nada teria sido como foi se na baliza portuguesa não tivesse estado um extraordinário guarda-redes (tão injustiçado que foi...), que nos momentos cruciais gritou bem alto a toda a equipa que podia contar com ele. No momento em que saiu aos pés de Kuyt fazendo primorosamente uma mancha que impediu o avançado holandês de fazer o golo, Ricardo terá segurado definitivamente a vitória e a presença nos quartos-de-final. Antes e depois, outras intervenções de grande nível, e uma intratável segurança dentro e fora dos postes, demonstrando que, desde que confiante, é de facto o melhor guardião português.
E o tempo ia passando...
Seis minutos de descontos (acabaram por ser sete), e Portugal a libertar-se um pouco da cada vez mais desalentada pressão holandesa. Simão na frente, sozinho depois da saída de Figo, continuava a sua saga, correndo quilómetros. Caramba, um jogador assim vale ouro !
Não havia já lugar a qualquer táctica. Todos a defender, pontapé para a frente e fé em Simão.
Tiago quase ia marcando, e pouco depois... pouco depois... (nunca mais era...) o árbitro apitava.
Permanecera em pé quase desde o início da segunda parte. Caí exausto para cima do sofá. Parecia mentira tudo aquilo ter terminado em bem.
Inesquecível !
Entre mortos e feridos, ao contrário do que sucedeu em Bruxelas em 2000, na Coreia em 2002, desta vez fomos nós que nos salvámos.
Viva Portugal !!!

PS: Ficámos sem Deco e Costinha (veremos se também sem Ronaldo) para o (re)encontro com a Inglaterra. Pelo que ficou ontem demonstrado Portugal tem jogadores capazes de fazer os lugares. Temos tempo de pensar no assunto.
Figo excedeu-se, e por pouco Portugal não ficou com oito e numa situação ainda mais complicada.
Fica no entanto a nota para (mais) uma arbitragem medíocre neste torneio. A expulsão de Deco é caricata, assim como muitos outros amarelos mostrados. Não é assim que se segura um jogo. Assim estraga-se um jogo, e Ivanov foi isso que fez, sobretudo quando o critério foi completamente absurdo (se atentarmos ao segundo amarelo a Deco, e ao primeiro a Boulahrouz por uma autêntica agressão a Ronaldo, vemos até onde chegou o desnorte deste juiz russo).
Os árbitros e as instâncias que os coordenam, parecem ainda não ter percebido que a função dos homens do apito em campo passam por preservar o espectáculo e não por exercícios de legalismo que só servem para afastar pessoas do futebol (isto aplica-se também à nossa liga).
Os holandeses também não ajudaram, com atitudes de falta de fair-play que até nem são habituais nas suas equipas.
Van Basten, que foi um jogador fantástico e que eu muito admirava na minha adolescência, desiludiu-me profundamente com o mau perder exibido na conferência de imprensa (soube-se também que as indicações para Heitinga prosseguir com a bola vieram do banco). As suas declarações fizeram-me lembrar, por estranho que pareça, de... Ronald Koeman. Enfim, holandices.

OS NOSSOS HERÓIS

MIGUEL (4) Se Robben era a grande ameaça, não se deu por isso. Mérito naturalmente para Miguel, que durante a primeira parte foi dos mais esclarecidos, e na segunda dos mais estóicos.
FERNANDO MEIRA (4) Foi talvez a exibição de que precisava para se tranquilizar. Esteve impecável, à excepção de uma comprometedora escorregadela ainda na primeira parte que quase ia custando caro. Mas essa foi a excepção que confirmou a regra de uma exibição imperial, mostrando toda a sua capacidade no jogo aéreo, e uma entrega absolutamente inexcedível.
RICARDO CARVALHO (5) Um dos melhores em campo. Parecia fora de forma nos jogos anteriores, mas frente à Holanda voltou a ser o grande Ricardo Carvalho dos tempos do Europeu. Houve momentos em que a bola parecia ir ter com ele. Até a sair para o ataque se voltou a ver em Nurenberga a sua enorme classe.
NUNO VALENTE (3) Não se pode dizer que tenha estado mal, mas terá sido o menos brilhante da defesa. Teve o azar de apanhar pela frente um Van Persie inspirado, que por diversas vezes o ultrapassou em velocidade ou em drible. Ainda assim nota positiva pela bravura que evidenciou.
COSTINHA (2) Inaceitável que num jogo a eliminar do Campeonato do Mundo, um jogador com tanta experiência cometa um erro tão infantil. Valentin Ivanov já lhe havia perdoado o segundo amarelo numa entrada sobre Van Bommel (suponho que seria substituído ao intervalo, pois a expulsão já estava iminente), e mesmo assim foi cortar com a mão um completamente inofensivo lance a meio campo...
O que lhe terá passado pela cabeça ?
MANICHE (5) Homem do jogo para a FIFA, ficará na história como autor do (belo) golo solitário da partida. Podia até ter marcado por mais duas vezes. No resto do tempo foi sempre constante, quer a defender, quer a atacar, sendo o melhor Maniche que esteve no relvado de Nurenberga. É impressionante a facilidade com que se movimenta, tanto nas transições defensivas como nas ofensivas. Na sua melhor forma (que contudo nem sempre é constante) ombreia com Figo, Deco e Ronaldo como um dos melhores jogadores portugueses. Grande exibição, a desmentir todas as desconfianças iniciais quanto à sua condição física para esta competição.
DECO (3) Construiu o lance do golo, teve mais algumas intervenções de grande classe e correu quilómetros, mas não se poderá afirmar que tenha estado em campo o melhor Deco, aquele que todos conhecemos. Acabou injustamente expulso, mas a verdade é que também podia ter sido mais prudente.
FIGO (4) Foi preponderante no melhor período da equipa ainda na primeira parte. Na fase mais dramática, lutou até à exaustão e enquanto as forças dos seus trinta e três anos lhe permitiram. A sua experiência foi decisiva na manutenção do equilíbrio emocional da equipa. “Cavou” muito bem a expulsão de Belahrouz, dando um novo fôlego à equipa. Todavia, quase ia deitando tudo a perder quando agrediu Van Bommel. Terá sido provocado, é certo, mas Figo sempre nos habituou a ver nele um homem imperturbável, e capaz de reagir com a maior frieza às situações mais adversas. Enfim, vamos fazer de conta que não vimos...
PAULETA (3) Esteve no golo, tabelando inteligentemente com Maniche, e seria ainda ele o protagonista da melhor oportunidade que Portugal teve daí em diante, num lance em que rematou forte e colocado, mas Van der Sar defendeu com os pés. Foi sacrificado tacticamente ao intervalo, sendo assim um dos primeiros cordeiros a arder na fogueira em que o jogo se transformou.
CRISTIANO RONALDO (3) Parecia embalado para a sua melhor exibição neste Mundial. Arrancou dois cartões amarelos a holandeses (o lance do qual resultou a sua lesão era merecedor de vermelho directo), foi o primeiro a furar a cortina “laranja”, e ainda teve tempo e força para dar início à jogada de onde resultou o golo. As imagens das suas lágrimas comoveram o país e marcaram o início deste drama verdadeiramente hitchcockiano. Esperamos poder contar com ele para a próxima batalha.
SIMÃO (4) Se Ronaldo estava a jogar bem, a verdade é que Simão não defraudou em nada a saída do colega. O pequeno extremo entrou muito bem, criando uma grande ocasião de golo que culminou com o remate de Pauleta, mas foi na segunda parte que a sua exibição assumiu carácter grandioso. Lutou bravamente, e a partir de certa altura, solitariamente, contra uma linha de holandeses (ora três ora quatro) que nunca se chegaram a entender com as suas movimentações, desmarcações, dribles, mudanças de velocidade e passes de génio. Foi uma espécie de “dois em um”, e depois “três em um”, e sem o seu fantástico trabalho seguramente que nada teria terminado como terminou.
PETIT (4) Uma muralha de aço. Entrou para a posição de Costinha, e pode-se dizer que não se sentiu, nessa zona do campo, a falta do ex-portista. Petit esteve praticamente perfeito, recuperando inúmeras bolas, e sendo até capaz de sair a jogar numa primeira fase de construção, embora menos do que faz no Benfica (onde não tem tantas responsabilidades posicionais). Foi um jogo à sua medida. Um combate para guerreiros como ele.
TIAGO (3) Entrou bem no jogo e conseguiu fazer aquilo que se lhe pedia naquela altura. Segurou a bola e o jogo, fez passar segundos preciosos, e até ia marcando um golo, parecendo nesse lance ter ficado deslumbrado com as facilidades concedidas.

VEDETA DO JOGO

RICARDO (5) Foi um verdadeiro salvador. À semelhança do que havia conseguido no Euro-2004, mostrou ser um guarda-redes dos grandes momentos. Teve pelo menos umas quatro intervenções de grande nível e elevado grau de dificuldade, mostrando durante todo o jogo uma segurança a toda a prova. Uma palavra resume a sua exibição : Perfeição !

UMA LARANJA A DESCASCAR

Ao contrário da ideia que tem sido criada na opinião pública, e apesar de ter consciência que a Argentina podia ser bem pior, não me parece que esta Holanda seja um adversário muito simpático para Portugal.
Além de todo o seu passado, que a levou a um título europeu, duas finais de campeonatos do mundo, e diversas meias finais de europeus e mundiais, esta nova “Laranja Mecânica”, embora longe dos tempos de Cruyff, é uma excelente equipa, muito bem articulada e recheada de grandes jogadores.
É verdade que num passado recente, nos enfrentamentos com Portugal, a Holanda não foi muito feliz. Ficou fora do último mundial, e foi afastada da final do último europeu pela nossa selecção. Mas também se tem de dizer que entretanto a equipa holandesa se renovou, e aparece neste mundial com uma movimentação e uma alegria de jogo muito superior à que exibiu nesses confrontos.
Esta Holanda é uma mescla de experiência – fornecida pelos cinco sobreviventes do onze derrotado em Alvalade, Erwin Van der Sar (guarda-redes, companheiro de Cristiano Ronaldo no Manchester United), Gio Van Bronkhorst (lateral esquerdo do Barcelona de Deco), Philip Cocu (médio do PSV e capitão de equipa), Arjen Robben (extremo esquerdo colega de Paulo Ferreira, Ricardo Carvalho e Maniche no Chelsea de Mourinho) e Ruud Van Nistelrooy (ponta de lança também do Manchester) – com a juventude do jogadores como Snijder (médio do Ajax), Heitinga (lateral direito do mesmo clube) ou Van Persie (ala direito do Arsenal, onde nem sempre é titular). Nomes como Seedorf, Davids, Reiziger, Stam ou Makaay, parecem pertencer ao passado, e nem sequer estão na Alemanha entre os vinte e três escolhidos.
Na fase de qualificação esta nova Holanda teve um desempenho brilhante, sem derrotas e com poucos golos encaixados, o que criou uma expectativa enorme em redor do trabalho do seu novo técnico, Marco Van Basten - ele que foi inquestionavelmente um dos melhores pontas-de-lança do futebol europeu das últimas décadas. Já na fase final, nos dois primeiros jogos frente à Sérvia e à Costa do Marfim, mostrou, sobretudo nas primeiras partes, um futebol alegre, rápido e onde a utilização dos flancos surge como o elemento preponderante do processo ofensivo da equipa, o que não será alheio ao facto de os dois elementos em melhor forma do plantel holandês serem justamente Robben e Van Persie.
Tacticamente esta “Laranja” apresenta-se num 4-3-3 típico (o que se mantém desde o Euro-2004), com os dois alas bem abertos e um único ponta-de-lança bem metido ente os centrais. Van Nistelrooy apresenta-se nesta prova longe do seu melhor, e o facto de o jogo aéreo não ser o seu maior forte não deixa de ser uma boa notícia para Meira e Ricardo Carvalho. O trio de meio campo, ao contrário do de Portugal, contempla dois médios mais adiantados ( Van Bommel do Barcelona e o já referido Sneijder), embora mais combativos do que criativos, e apenas um nas suas costas (o veterano Cocu). No banco, como 12º jogador, Van Basten dispõe então de um centro-campista de maior fantasia, justamente Van der Vaart. A linha defensiva é composta por Heitinga e Van Bronkhorst nas faixas laterais, e a dupla Ooijer (um trintão do PSV) e Mathijssen (jovem do AZ Aalkmaar) no centro, surgindo Boulahrouz (Hamburgo) como alternativa preferencial.
Observando um jogo desta equipa, rapidamente se percebe que o trio de médios tem como principal tarefa a recuperação da posse de bola, enquanto que a fase de construção é assegurada pelos extremos, uma espécie de Portugal sem Deco. Robben e Van Persie (autores de dois dos três golos da Holanda neste mundial) são rápidos, extremamente habilidosos - sobretudo o homem do Chelsea que tem sido considerado como um dos melhores jogadores desta prova - e rematadores.
Pode-se afirmar que esta Holanda, ainda que mantenha alguns princípios de jogo extraídos da típica escola do país das tulipas, não privilegia tanto a posse de bola como o fazia noutros tempos. Nestes dois jogos (o encontro com a Argentina foi atípico), foi possível observar em vários momentos (sobretudo quando em vantagem) a equipa retraída, esperando pelo adversário para então aproveitar o espaço nas suas costas com lançamentos para os dois extremos. Falta verificar como se comporta esta formação em situações de desvantagem no marcador.
Creio que frente a Portugal a decisão do jogo passará muito pelo comportamento dos alas de um e outro lado. Figo e Ronaldo face a Van Bronkhorst e Heitinga , e por outro lado Robben e Van Persie frente a Miguel (ou Paulo Ferreira) e Nuno Valente.
Talvez fosse bom Portugal apostar preferencialmente no flanco esquerdo para as suas acções de ataque, fundamentalmente por dois motivos, por um lado a menor experiência de Heitinga, por outro, o facto de Robben ser bem mais perigoso que Van Persie, e como tal exigir-se um muito maior cuidado com as subidas do nosso lateral direito. Por isso mesmo, julgo que talvez fosse melhor apostar em Paulo Ferreira para este jogo, quer por ser menos audaz no plano ofensivo, garantindo assim uma melhor cobertura do seu corredor, quer por conhecer bem Robben, seu colega de equipa na Premier League.
Existem condições para um grande espectáculo, interpretado por equipas que jogam abertas nas alas, e que dispõem de jogadores tecnicamente bastante evoluídos. Será muito possivelmente o confronto mais equilibrado dos oitavos-de-final, pelo que não é de descartar a eventualidade de poder ser decidido nas grandes penalidades.
Cinquenta por cento para cada lado parece-me ser uma previsão adequada, ainda que os principais sites de apostas atribuam favoritismo à Holanda.
Será seguramente uma noite de grande sofrimento. Esperemos que no fim se possa assistir a uma gigantesca manifestação de alegria de um povo, bem necessitado de motivos para festejar. Desta vez é a valer, o adversário é forte, e o feito será histórico.
Ás armas !
Viva Portugal !

UM ONZE IDEAL

Provisoriamente, aqui vai o onze ideal deste campeonato, segundo VEDETA DA BOLA:

Buffon (Itália), Srna (Croácia), Puyol (Espanha), Terry (Inglaterra), Lahm (Alemanha), Pirlo (Itália), Figo (Portugal), Essien (Gana), Robben (Holanda), Torres (Espanha) e Saviola (Argentina)

GORDURA É FORMOSURA

Com mais uns quilos ou não, a verdade é que Ronaldo está à beira de bater um record de grande relevância. Marcando dois golos ontem, igualou Gerd Muller na lista dos melhores goleadores de sempre em mundiais, e deitou para trás das costas grande parte da polémica que tem existido em seu redor.
Para isso terá também contribuído um Brasil rejuvenescido, com laterais mais jovens e agressivos, e um meio campo mais móvel, onde a presença de Juninho Pernambucano dá um dinamismo que Zé Roberto e Emerson sozinhos não são capazes de garantir. Por outro lado Robinho aparece neste mundial em grande forma, e ontem provou mais uma vez ser de contar com ele para a titularidade. Até Ronaldinho pareceu mais inspirado, com alguns pormenores com a sua impressão digital bem marcada.
O Brasil segue assim, sem surpresa, para os oitavos. O Gana não será um adversário fácil, sobretudo no plano físico, no qual os africanos apresentam uma forma impressionante, mas o Brasil está a pouco e pouco a recuperar todo o potencial que faz dele o principal favorito ao título.

MELHORES ARBITRAGENS ???

Não sei como se continua a insistir na ideia de este Mundial nos estar a mostrar melhores arbitragens que os anteriores. Ainda ontem, no Estados Unidos-Gana, o alemão Markus Merk (um juiz com mais fama que qualidade) assinalou um penálti “fantasma” contra os americanos, tendo-lhes validado já antes um golo em posição muito duvidosa. Mas o pior estava para vir. O britânico Graham Poll, árbitro do Austrália-Croácia, cometeu a proeza de, no mesmo jogo, perdoar duas grandes penalidades do tamanho do estádio aos australianos, validar-lhes o golo do empate em claro fora-de-jogo e, num erro que lhe vai seguramente condicionar a carreira, bater o record de amarelos a um só jogador, mostrando o cartão por três vezes (!!!) ao croata Simunic, que só então, ao terceiro, recebeu o cartão vermelho e a consequente ordem de expulsão. Incrível ! Nem na nossa superliga !!
Desde o início que os erros se têm vindo a suceder, alguns de extrema gravidade como os dois golos não considerados pelas equipas de arbitragem à Argentina (frente à Costa do Marfim) e à França (com a Coreia do Sul) respectivamente, ou uma grande penalidade perdoada à Itália no seu jogo com o Gana. Os critérios para atribuição de cartões são incompreensíveis (e até nós já beneficiamos disso, pois Miguel podia muito bem ter sido expulso frente ao México), os foras-de-jogo mal assinalados e deixados passar em claro sucedem-se jogo a jogo, jornada a jornada. E ainda só estamos na primeira fase.
A FIFA tem uma influência muito grande, e parece condicionar, além da realização televisiva (que evita repetir lances polémicos), também a opinião jornalística. Mas a verdade é que, mais tarde ou mais cedo alguma coisa terá que ser feita para evitar que um evento que move milhões de pessoas por todo o planeta, seja adulterado por erros absolutamente primários.
Porque não introduzir mais um árbitro de campo ?

VEDETA DE PORTUGAL (Actualização)

1º DECO 5,00
2º Figo 4,33
3º Miguel 3,67
4º Ricardo 3,67
5º Simão 3,67

VITÓRIA FELIZ, POR ENTRE ALGUNS SINAIS DE ALERTA

À semelhança do que aconteceu no mítico Mundial de 1966, Portugal termina a primeira fase com três vitórias.
Com maior ou menor brilhantismo, com mais ou menos sorte, a verdade é que a equipa de Scolari tem provado estar, sobretudo no plano mental, uns furos acima de outras selecções da história recente do futebol português.
Um mundial é um mundial, e veremos no final da primeira fase quantas selecções se poderão gabar do mesmo feito (para já só a Alemanha o conseguiu), podendo-se também acrescentar que Angola, México e Irão não serão seguramente muito inferiores a Togo, Arábia Saudita, Tunísia, Costa Rica, Trinidad e Tobago, Japão, ou mesmo a selecções europeias como a Polónia e a Sérvia. Os portugueses têm pois motivos para estar satisfeitos, e orgulhosos da sua equipa e do seu seleccionador.
Posto isto, que ao fim e ao cabo é o mais importante, importa todavia dizer que a equipa portuguesa terá ainda que corrigir alguns aspectos se quiser levar de vencida a Holanda (que felicidade livrarmo-nos da super-Argentina...), e que o jogo de ontem foi muito claro a evidenciar essa ideia.
Mais uma vez Portugal entrou de rompante, e realizou trinta minutos de qualidade. Apesar do primeiro lance de perigo ter pertencido ao México, a “equipa das quinas” rapidamente assumiu o controlo do jogo, com Maniche e Simão em grande evidência, quer em termos de construção, quer como primeiro tampão à saída dos aztecas para o ataque.
Não tendo Deco em campo, Scolari optou por fazer subir Maniche, colocando-o lado a lado com Tiago na linha de construção, aspecto que nesta fase do jogo foi responsável pelo total aniquilamento do meio campo mexicano.
Veio o primeiro golo, veio o segundo e só não veio o terceiro porque Tiago não revelou pontaria afinada numa recarga a remate de Hélder Postiga. O jogo parecia resolvido.
Talvez os jogadores portugueses se tivessem deixado então deslumbrar por todas as facilidades que encontravam sempre que aplicavam alguma velocidade ao seu jogo, e aliviassem um pouco os seus índices de concentração – afinal o apuramento já estava nas suas mãos. A verdade é que o México construiu um lance em que obrigou Ricardo a uma defesa in-extremis para canto, e na sequência do mesmo conseguiu, com um cabeceamento de Fonseca, reduzir a diferença.
A forma como o golo surgiu – extremamente facilitado por uma defesa que, além de ter deixado Fonseca saltar quase sem oposição, não colocou ninguém no segundo poste deixando a bola entrar suavemente na baliza de Ricardo – terá perturbado a linha mais recuada da equipa portuguesa, que a partir daí evidenciou uma série de insuficiências que terão deixado Scolari de “cabelos em pé”.
Ainda bem que esses problemas surgiram neste jogo. Há ainda tempo para corrigir alguns deles (designadamente a cobertura aos lances de bola parada), e desse modo entrar na fase decisiva da competição com uma maior segurança em termos defensivos, sem a qual não adianta criar grandes expectativas numa competição desta natureza.
É tremendamente injusto fazer recair sobre Fernando Meira (que não esteve feliz, é um facto) a responsabilidade total pelas falhas de Portugal no seu processo defensivo. Por um lado, a falta de Costinha fez-se (mais uma vez) sentir bastante, pois com a sua perspicaz movimentação e leitura de jogo, é ele quem por norma assume grande parte das compensações no sector. Por outro lado, Marco Caneira não teve uma prestação muito feliz, abrindo bastantes espaços no seu flanco o que colocou os centrais numa situação de maior fragilidade. A agravar este panorama, Ricardo Carvalho parece neste Mundial muito longe do fulgor que exibiu durante o Euro-2004 onde, com Jorge Andrade a seu lado, brilhou tão alto que conseguiu fazer-se transferir para o Chelsea por trinta milhões de euros. Como o único elemento novo (estranho ?) da linha de defesas é Meira, tem sido ele a vítima da maioria das críticas, o que me parece de algum modo cruel, e não ajuda nada à sua tranquilização.
Mas não foi só atrás que a nossa selecção vacilou. Desde o golo mexicano e até final, Portugal não mais conseguiu assumir o controlo do jogo, mesmo jogando contra apenas dez jogadores durante mais de meia hora. Figo não esteve tão em evidência como nos jogos anteriores, Maniche foi perdendo energia, e Tiago não conseguiu fazer o papel de Deco, como elemento mais criativo do meio campo. Postiga e depois Nuno Gomes foram completamente inoperantes na frente de ataque. Restou apenas um Simão Sabrosa em bom plano durante toda a partida.
Um penálti falhado pelos mexicanos, e um outro não assinalado por Lubos Michel (que também havia perdoado o segundo amarelo a Miguel), acabaram por permitir a Portugal uma vitória carregada de felicidade, e que possibilita aos portugueses continuar a sonhar com uma reedição da proeza dos “magriços”.
Agora teremos pela frente a Holanda, que não é nenhuma “pêra doce” (embora a Argentina fosse pouco menos que insuperável), conta com jogadores de enorme qualidade como Robben, Van Nistelrooy, Cocu ou Van Bronckhorst, tem também grandes expectativas para este Mundial, e quererá vingança das suas derrotas frente a Portugal nas meias finais do Euro-2004 e na fase de qualificação para o Mundial 2002. Penso que cada selecção terá cinquenta por cento de possibilidades.
Vai começar o Mundial a sério, e vêm aí os jogos de grande sofrimento e tensão.
Teremos de estar preparados para tudo, e mesmo se eventualmente for a Holanda a passar aos quartos-de-final, esta já será a segunda melhor presença de sempre do futebol português na maior competição do mundo.
Mas, pelo menos até domingo, podemos continuar a sonhar.
Viva Portugal !

OS NOSSOS UM A UM

RICARDO (4) Foi marcante na vitória portuguesa ao efectuar um par de excelentes defesas, mostrando pelo tempo fora sempre grande segurança quer entre os postes quer fora deles. No lance do golo mexicano fica todavia a sensação de que, pelo menos, se poderia ter lançado à bola. Ainda assim uma excelente prestação.
MIGUEL (3) Começou muito bem e foi ao longo da primeira parte o mesmo Miguel dos jogos anteriores, nos quais esteve entre os melhores da “equipa de todos nós”. No segundo período, no pouco tempo que esteve ainda em campo, acabou por comprometer a sua exibição com um penálti em que terá sido, no mínimo, pouco cuidadoso, lance no qual se conseguiu miraculosamente salvar do segundo amarelo que o retiraria dos oitavos-de-final. Ainda assim terá sido o menos infeliz dos defesas nacionais.
FERNANDO MEIRA (2) Também começou bem, mas cedo deu os mesmos sinais de intranquilidade que se lhe viram nos encontros anteriores. É preciso dizer que Fernando Meira é um extraordinário defesa-central, e que os problemas que o centro da linha defensiva portuguesa possa evidenciar neste momento se devem mais a aspectos de entrosamento e articulação do que a falta de qualidade dos interpretes. Meira precisa de apoio e de tranquilidade.
RICARDO CARVALHO (2) Está longe, muito longe do seu melhor. O jogo aéreo nunca foi o seu forte, pelo que um avançado do estilo de Fonseca lhe traz naturalmente alguns problemas. Felizmente que a Holanda não dispõe de um ponta-de-lança com características de cabeceador o que, esperemos, possa servir para Ricardo realizar no domingo a exibição que volte a revelar todo o seu grande potencial.
MARCO CANEIRA (2) Não contribuiu em nada para a segurança defensiva da equipa. Não entrou bem no jogo e nunca se conseguiu libertar do peso da ocasião. Sabe-se que vale muito mais do que demonstrou nesta partida, mas ontem o seu flanco foi uma autêntica passadeira para os mexicanos, mormente durante alguns períodos da segunda parte. Em termos ofensivos nunca se aventurou muito, algo que lhe é natural, não fosse ele um central de raiz.
PETIT (3) Como já disse aquando dos jogos anteriores, Petit não é Costinha. Não é pior nem melhor, é diferente, e talvez até fizessem uma boa dupla, particularmente contra adversários como um Brasil ou uma Argentina. Ao ter de realizar o trabalho que Costinha habitualmente faz nesta equipa (consubstanciado em tarefas eminentemente posicionais e de compensação), perde naturalmente algumas das suas principais virtudes, deixando praticamente de participar no processo ofensivo, aplicar a sua meia distância ou correr o campo a “morder nos calcanhares” dos adversários. De qualquer modo não esteve mal.
MANICHE (4) Foi dos melhores da equipa, começando logo por marcar um belo golo, em lance que ele próprio iniciou, arrancando depois para uma exibição muito consistente até a frescura física o abandonar. Em forma é titular indiscutível desta selecção.
TIAGO (2) Tal como a Petit, a Tiago Scolari tem também pedido coisas que não fazem parte da sua genealogia futebolística. É um fantástico jogador numa equipa de duplo-pivot, actuando preferencialmente como médio de transição (o chamado número “oito”). Procurar que substitua Deco (fazendo de “dez”) acaba por baralhar o seu talento e desnortear a sua capacidade defensiva, que também é muito razoável. Deste modo Tiago tem-se sacrificado em prol das necessidades da equipa, mas a verdade é que não tem tido um desempenho brilhante. Muitas bolas perdidas, alguns maus passes e erros de posicionamento acabam por comprometer a sua prestação, ainda que a sua prodigiosa técnica individual resulte plasticamente bastante agradável à vista.
FIGO (3) Não brilhou como nos outros dois jogos. Entende-se que procurasse preservar a sua condição física para a fase seguinte da competição, ele que é um elemento intocável no “onze” português, não se entende é porque é que Scolari o manteve tanto tempo em campo. Apesar de tudo foi, durante o melhor período de Portugal, um elemento sempre em destaque nas transições ofensivas. A sua experiência permite-lhe uma leitura de jogo admirável, uma temporização do passe e da retenção de bola impressionante, de onde resulta sempre a melhor solução para cada lance. Apesar de algum apagamento pelo tempo fora, ficou reforçada a ideia de que temos Figo para este Mundial.
HÉLDER POSTIGA (1) Apesar de esforçado, praticamente passou ao lado do jogo. Salva-se um remate na primeira parte que o guarda-redes mexicano defendeu para a frente, e daí em diante...nada. É possível que seja uma boa alternativa para quando exista a necessidade de jogar com dois pontas-de-lança, mas sozinho no ataque está muito longe de ser opção a Pauleta.
PAULO FERREIRA (2) Cumpriu o seu papel, e pelo seu lado não houve grandes sobressaltos. A excepção foi quando cometeu uma grande penalidade perto da linha de fundo, que o árbitro felizmente não conseguiu ver.
NUNO GOMES (1) Depois de uma lesão que o afastou dos relvados por três meses, não se lhe poderia exigir que voltasse em grande forma. Procurou lutar e quase ia marcando um golo. No entanto percebeu-se claramente porque não foi titular. Ainda irá a tempo de deixar a sua marca no Mundial, tal como ele tem declarado ?
BOA MORTE (1) Muito complicativo no pouco tempo que esteve em campo. Terá sentido a pressão de ter de mostrar serviço, e não se chegou a libertar dela. Com Figo, Ronaldo e Simão, não deverá ter mais oportunidades para brilhar.

VEDETA DO JOGO

SIMÃO SABROSA (5) Finalmente tivemos um Simão na equipa nacional ao nível das suas prestações com a camisola do Benfica. Ofereceu o primeiro golo a Maniche, num lance bem à imagem de toda a sua categoria, marcou a grande penalidade transformando-a no segundo golo, assistiu ainda Hélder Postiga para este permitir a defesa de Sanchez com um remate cruzado, e já perto do final efectuou dois perigosos cruzamentos aos quais Nuno Gomes não foi capaz de dar sequência, isto entre outros lances de grande nível que foi protagonizando ao longo dum jogo em que até nas recuperações de bola foi brilhante. Cristiano Ronaldo que se cuide.

O REGRESSO DO 4-4-2

Apesar do Luís Freitas Lobo me ter “roubado” a ideia, e apresentar hoje em “A Bola” uma coluna sobre o tema, não queria deixar passar em claro uma conclusão que, ao fim de quase quarenta jogos, já é possível tirar deste Mundial no que aos aspectos tácticos diz respeito.
Depois de um Coreia/Japão marcado por uma tendência de 3-5-2 (ou 5-3-2 que é quase a mesma coisa), desde logo utilizado predominantemente entre os quatro semi-finalistas da competição (Brasil de Scolari, Alemanha, Coreia do Sul e Turquia), bem como em muitas outras equipas com desempenhos interessantes na competição, o Mundial da Alemanha está, para já, a consagrar o velhinho 4-4-2 em todas as suas variantes, como o sistema táctico de referência para a generalidade das selecções que se apresentam com maiores ambições.
Do lote de equipas potencialmente presentes nos oitavos-de-final, pode-se afirmar que dois terços delas tem optado preferencialmente por modelos alicerçados em 4-4-2, quer em losango, quer com linhas bem definidas e alas bem abertos. Selecções como o Brasil, Alemanha e Itália, até há bem pouco tempo entusiastas dos modelos com três defesas e dois alas de profundidade, renderam-se agora ao 4-4-2
No caso brasileiro, o sistema do “quadrado mágico”, partindo de uma filosofia de 4-4-2, evolui em campo mais para um 4-2-4 ou um 4-2-2-2 onde a necessidade de compatibilizar as suas fabulosas individualidades parece, até agora, ter sufocado qualquer ideia estratégica de jogo colectivo.
Na selecção italiana Marcello Lippi tem demonstrado querer assimilar como fonte inspiradora o Milan de Ancellotti, colocando Perrotta a fazer de Seedorf e Totti no lugar de Kaka, edificando assim um losango com tanto de combativo como de criativo.
A Alemanha, depois de alguns anos de fidelidade ao 3-5-2, também se rendeu agora a um 4-4-2 tradicional, com um médio mais defensivo (Frings) e uma linha de construção onde a mobilidade dos alas e o dinamismo de Ballack tem servido de suporte a uma dupla de pontas de lança rápida e eficaz - Klose é o melhor marcador do campeonato, e está já situado entre os melhores de sempre em mundiais.
Na Inglaterra o 4-4-2 não é obviamente novidade. Modelo tipicamente britânico, o 4-4-2 foi rei e senhor absoluto em terras de sua majestade durante décadas, e só a entrada de treinadores estrangeiros para os principais clubes da premiership o foi capaz de pôr em causa. Curiosamente é um técnico estrangeiro que, na selecção, o tem utilizado incessantemente. Todavia a Inglaterra debate-se com o problema da difícil harmonização entre Lampard e Gerrard, as suas mais proeminentes figuras, e que desempenham papéis semelhantes ao longo do ano nos seus clubes. Veremos até que ponto Eriksson consegue debelar esta aparente incoerência no seu modelo (a saída de um dos pontas de lança e o avanço de Joe Cole já tem sido uma solução ensaiada, mas apenas por alguns minutos).
Também Equador, Suécia, Gana, Ucrânia e Suiça, para referir apenas equipas apuradas ou com possibilidades de apuramento, se encontram entre as que privilegiam o 4-4-2 como sistema de jogo.
As excepções a esta tendência encontram-se nas selecções de Portugal - desde há muito fiel a um 4-2-3-1, que sem dúvida favorece as principais virtudes dos seus jogadores mais talentosos ; de França, com um modelo semelhante, onde todavia Thierry Henry (sua unidade de maior relevo) parece algo amordaçado a um papel de ponta-de-lança mais ou menos fixo que não é, de todo, aquele em que se sente mais confortável ; de Espanha, que apresenta um 4-3-3 já pouco comum, no qual o três da frente é integralmente constituído por verdadeiros pontas-de-lança (Torres, Villa e Luís Garcia) e não alas como é mais frequente, e um triângulo de médios de tipologia predominantemente de contenção ; e finalmente a Holanda, com um 4-3-3 tradicional onde Robben e Van Persie surgem bem abertos nas alas, servindo um Van Nistelrooy em cunha entre os centrais, enquanto Van Bommel e Sneijder povoam o meio campo uns passos à frente de Philip Cocu, veterano capitão de equipa e unidade mais recuada da linha média.
Mas o caso táctico mais interessante de analisar (e por isso o deixei para o fim) é justamente o da selecção que se tem mostrado mais afirmativa e pujante nestes primeiros jogos.
A Argentina apresenta-se neste Mundial com um sistema bastante dinâmico, no qual sem bola assume uma faceta de 4-4-2 (também ela), mas assim que a conquista desenvolve-se numa espécie de 3-4-3, ou mais precisamente 3-4-1-2, com a subida de Sorin no corredor esquerdo e a consequente basculação de Heinze, lateral esquerdo no Manchester United. Quer em processo ofensivo, quer em processo defensivo, o seu meio campo apresenta-se densamente povoado, o que lhe permite um controlo absoluto do jogo. Na frente Riquelme pauta o ritmo do ataque azul-celeste, enquanto Crespo se fixa na área e Saviola (em grande forma) se movimenta constantemente em toda a linha ofensiva criando os desequilíbrios. A combatividade e rigor táctico dos médios Cambiasso e Mascherano, bem como a versatilidade de Maxi Rodriguez, garantem uma rigorosa ocupação dos espaços, e situações de superioridade numérica em série.
Até agora a selecção do país das pampas defrontou equipas de fisionomia táctica semelhante, pois Costa do Marfim e Sérvia e Montenegro incluem-se no extenso lote de interpretes do 4-4-2 nesta prova. O seu jogo de hoje com a Holanda poderá trazer novas indicações acerca deste modelo, nomeadamente sobre a sua capacidade de fazer face a extremos rápidos e criativos, e desse modo constituir um importante elemento de análise para Luiz Felipe Scolari, caso Portugal se veja na necessidade de enfrentar desde já nos oitavos-de-final a, ao que parece, poderosa máquina compressora que tem sido esta Argentina, ardentemente desejosa de voltar às glórias que desde a saída de cena do astro Diego Maradona lhe têm passado longe da porta.

SIGA O BAILE !

Tinha aqui sido dito ao fim dos primeiros dias de Campeonato do Mundo, que a prova não estaria a encher as medidas aos amantes do futebol. Quando estão disputados precisamente metade do número total de jogos, pode-se dizer que os primeiros sinais, felizmente, não se confirmaram.
Têm-se sucedido bons espectáculos, grandes golos, e algumas equipas a surgirem em excelente forma. Também as surpresas não têm faltado, designadamente as protagonizadas pelo Gana, Coreia do Sul, Equador ou mesmo Angola.
A selecção africana do Gana foi mesmo responsável por dois dos melhores jogos da competição, onde toda a magia africana, o seu malabarismo técnico conjugado com uma condição física impressionante e uma audácia atacante já um tanto em desuso, fizeram lembrar os melhores tempos dos Camarões de Roger Milla. A sua exibição frente a uma República Checa - que havia deixado muito boa imagem no primeiro jogo - foi arrebatadoramente convincente, e foi dos melhores momentos deste Mundial. Por seu turno a Argentina, com um lote de fabulosos jogadores, tem-se mostrado arrasadora, e a continuar assim pode-se colocar desde já no mesmo plano do Brasil como os dois principais favoritos à conquista do título.
A Espanha, que passou por um enorme susto no dia de ontem, parece também empenhada em poder finalmente ultrapassar a maldição dos quartos-de-final, onde tem sido invariavelmente eliminada nas últimas edições.
Quem tenha alguma experiência deste tipo de torneios sabe todavia que todos estes sinais são absolutamente irrelevantes quando se chega à fase de eliminatórias, onde são detalhes que decidem os vencedores. É aí que normalmente as grandes estrelas aparecem, é aí que tudo se decide.
Pouco passa pois de um exercício especulativo falar agora de favoritismos em maior ou menor grau desta ou daquela selecção.
Ainda assim resulta claro destes primeiros jogos que a França, tida como candidata ao título, se apresenta velha e cansada, à imagem do seu “dez” Zinedine Zidane. A exibição da República Checa frente ao Gana também não pode deixar de ser vista como uma desilusão, ainda que a lesão de Koller, e a expulsão de Ujfalusi tenham condicionado os checos. A Inglaterra tem sido também uma desilusão, pois apesar de se ter apurado com facilidade e não ter sofrido ainda qualquer golo, o seu registo exibicional tem sido pobre, aguardando-se por isso o seu desempenho de hoje frente à Suécia, para aquilatar das suas verdadeiras possibilidades.
No outro lado da moeda do favoritismo, além da já mencionada Argentina (espero que Messi seja rapidamente titular, pois tenho enorme expectativa na carreira desse miúdo), temos de englobar o Brasil, a anfitriã Alemanha, pouco brilhante mas sempre de desconfiar, e uma surpreendente Espanha, conduzida por um Fernando Torres em grande forma, e também já mencionada neste texto.
Por confirmar estão as expectativas criadas em redor da Itália – com um excelente primeiro jogo e um apagado segundo, e ainda não qualificada -, da Holanda, com fantásticas primeiras partes, e algum afrouxamento nas segundas, além do nosso Portugal, cujo destino depende em grande parte da forma como decorrer o jogo dos oitavos-de-final, que será certamente um duríssimo teste às reais capacidades da equipa.
Entre os menos cotados, além do fantástico Gana, há que salientar a forma clara como o Equador se classificou, o facto de Angola conseguir chegar à última jornada em condições de ainda poder ser apurada, e uma prestação de Trinidad e Tobago também acima das expectativas que a apontavam como uma das mais fracas equipas da prova.
Veremos o que os próximos dias nos reservam, sabendo-se que as possibilidades de grandes enfrentamentos nos oitavos-de-final incluem um Brasil-Itália, um Alemanha-Inglaterra, um França-Espanha, ou um Portugal-Argentina.

RANKINGS (Actualização)

Quando se encontra concluída a segunda jornada da primeira fase, e estão disputados justamente metade do total de jogos da competição, segue abaixo a actualização dos vários rankings que VEDETA DA BOLA criou no âmbito deste Mundial.
Foi entretanto acrescentada a classificação "Vedeta de Portugal" de modo a encontrar o melhor jogador português na prova.
O critério é a pontuação atribuída por VEDETA DA BOLA nos vários jogos da nossa selecção, acrescida de um ponto de bónus sempre que um determinado jogador seja aqui considerado "Vedeta do Jogo", dividida pelo número de partidas disputadas por cada jogador.

VEDETA DE PORTUGAL

1º FIGO 5,0
2º Deco 5,0
3º Miguel 4,0
4º Ricardo 3,5
5º Costinha 3,0

TOP EQUIPAS

1º ARGENTINA
2º Gana
3º Espanha
4º Equador
5º Holanda

TOP JOGADORES (Vedeta do Mundial)

1º FERNANDO TORRES (Espanha)
2º Javier Saviola (Argentina)
3º Michael Essien (Gana)
4º Arjen Robben (Holanda)
5º Andrea Pirlo (Itália)

TOP GOLOS

1º THOMAS ROSICKI (Rep.Checa-Estados Unidos)
2º Torsten Frings (Alemanha-Costa Rica)
3º Esteban Cambiasso (Argentina-Sérvia)
4º Fernando Torres (Espanha-Ucrânia)
5º Bakari Koné (Costa do Marfim-Holanda)

TOP JOGOS

1º ARGENTINA-SÉRVIA
2º Gana-República Checa
3º Espanha-Ucrânia
4º Brasil-Croácia
5º Alemanha-Costa Rica

O MUNDIAL NA TV

Não podendo estar na Alemanha, o Mundial tem-se transformado para mim numa sequeência de torrenciais dias televisivos, procurando perder o menos possível de tudo o que se passa em redor desta extraordinária competição (até agora apenas deixei escapar três jogos, dos trinta já realizados).
Nesse sentido, aspectos relacionados com as transmissões televisivas que normalmente passam um pouco ao lado do adepto comum de futebol, nesta fase assumem uma relevância digna de nota.
Em primeiro lugar há que destacar a pobre realização televisiva dos alemães, que além de seguirem escrupulosamente as (obtusas) indicações da FIFA acerca da censura às repetições dos lances polémicos - como se assim o deixassem de ser -, manifestam por vezes uma intrigante desatenção, deixando passar cartões amarelos sem que se perceba muito bem quem foi admoestado e porquê. Até nas substituições já se baralharam, o que pode não perturbar quem vê os jogos apenas como um mero passatempo, mas arrelia quem procura entendê-los com paixão, rigor informativo e tenta acompanhar as diferentes nuances tácticas das várias selecções, tanto quanto a televisão o permite fazer.
Entre os comentadores há de tudo. Boas surpresas como José Peseiro – o homem pode não ter capacidade de liderança, não ter espírito ganhador, não ser um disciplinador, mas não há dúvida que percebe de futebol -, confirmações como Humberto Coelho (na SIC), que é sempre um prazer ouvir falar ou Jesualdo Ferreira; decepções como Toni, que também é agradável de ouvir, mas não consegue ser claro a explicar o jogo, Diamantino, que diz mal de todos os jogos e selecções, Pedro Barbosa ou Jorge Costa, ainda demasiado “jogadores” e pouco “especialistas” no discurso; e casos absolutamente pitorescos como os comentários de Aloísio aos jogos do Brasil, nos quais, eu pelo menos, não consigo perceber uma só palavra do que diz, pois além de ter um sotaque muito fechado e uma voz abafada, fala muito depressa e certamente que para bem longe do microfone (acredito que fale bem...).
Quanto aos programas de debate e resumos, o da RTP com Carlos Daniel na liderança, é de longe o mais eficaz. Além de bons e alargados resumos, conta com a mais valia que constituem os comentários de Luís Freitas Lobo, entre outros convidados de ocasião de onde sobressai a presença regular do Porfessor Marcelo Rebelo de Sousa, exímio comunicador como se sabe. Chego a ter pena é do pobre do Paulo Catarro, que não só ficou em Lisboa (longe de uma numerosa equipa de profissionais da RTP na Alemanha), como tem que apresentar as imagens tendo por cenário um “estádio virtual” cujo significado e interesse ainda não consegui captar.
Quanto à Sport Tv, com uma programação bem estruturada, e resumos a horas certas (óptimos para quem gosta de os gravar), apenas se lamenta que com tantos assinantes não tenha dinheiro para cobrir mais jogos no local, pois apenas os de Portugal têm merecido comentadores no estádio. Além de perder o efeito sonoro de muito maior carga dramática, na maioria dos casos o comentador não está em condições de acrescentar nada à transmissão do jogo. Por vezes mais valia colocarem no ar apenas o som ambiente...
Queria ainda lamentar que, no meio de uma verdadeira inundação informativa acerca do evento, não haja o cuidado de evitar gaffes como a de se dizer - reiteradamente e em diferentes canais -que Angola tinha ajudado Portugal com o seu empate perante o México, quando a vitória do México também apurava Portugal e o único resultado que o não faria era justamente a vitória de... Angola.
Por fim, uma nota apenas para os insuportáveis comentários em rodapé generalizados como uma praga a quase todos os programas televisivos. Numa época em que, com a comunicação social totalmente empresarializada e concentrada, a voz do povo cada vez menos se faz ouvir naquilo que verdadeiramente interessa, esta absurda forma de fingir o contrário parece-me cínica e abusiva, sobretudo tendo em conta o aspecto financeiro que está por detrás, consubstanciado no preço das chamadas. A pobreza dos comentários é confrangedora e parece bem abaixo de qualquer conversa de café, à semelhança aliás das entrevistas de rua feitas a "adeptos" aos gritos. Recuso-me a aceitar que seja aquela a imagem do país. Um horror, que só serve para perturbar a atenção, cortar uma parte da imagem e estragar a gravação de jogos.

POUCO BRASIL

Do Brasil espera-se sempre espectáculo. É a selecção que normalmente reúne maior quantidade de talentos, esteve presente em todas as edições dos Mundiais FIFA, é penta-campeã, e transporta consigo toda uma mística vencedora que faz dela eterna favorita em todas as competições em que participa.
Por tudo isto se exige ao “Escrete Canarinho” bem mais do que a simples vitória. Exige-se show !
Por tudo isto se tem que dizer que, apesar da vitória frente à Austrália e da consequente qualificação para os oitavos-de-final, o Brasil foi mais uma vez uma desilusão.
Já frente à Croácia o Brasil tinha deixado uma imagem bem distante daquilo que o talento dos seus jogadores permitia esperar. Nesta segunda jornada os problemas voltaram a repetir-se.
Emerson e Zé Roberto não chegam manifestamente para segurar um meio campo nem fazer as respectivas compensações defensivas numa equipa com laterais de vocação extremamente ofensiva e com quatro jogadores exclusivamente de “de bola no pé” (o tão falado “Quadrado Mágico”). Por outro lado, os dois pontas de lança têm-se revelado completamente estáticos e pouco combativos - Ronaldo, magro ou gordo, não joga absolutamente nada, à semelhança do que faz no Real Madrid, onde passa mais tempo em iniciativas publicitárias do que a treinar e onde nunca ganhou sequer um título. Por fim e a agravar a situação, Ronaldinho Gaúcho, depois de uma temporada fabulosa no Barcelona parece surgir algo cansado neste Mundial, com muita pena de quem gosta de bom futebol e esperava um Ronaldinho “maradonizado” para este Mundial da Alemanha.
O resultado de tudo isto é uma equipa pouco imaginativa no ataque (salvo um ou outro pormenor de Kaká ou a irreverência de Robinho quando entra), e algo permeável quando perde a bola, o que faz com que os seus adversários consigam construir situações de golo em catadupa, evitadas por um bom desempenho dos centrais e por um inspirado Dida, além naturalmente de alguma sorte.
É claro que basta Ronaldinho Gaúcho emergir deste seu obscuro início de prova para recolocar o Brasil no topo do favoritismo, pois sabemos o que ele é capaz de fazer quando está bem. Parreira aliás, já demonstrou que se alicerça nas suas estrelas para conseguir um bom resultado (que para o Brasil só pode ser o título), submetendo o equilíbrio do conjunto à coabitação de talentos aparentemente sobrepostos. Todavia, a continuar com este semblante acinzentado, o Brasil terá seguramente grandes dificuldades para ultrapassar equipas como a Argentina ou a Alemanha, para não falar já nos oitavos-de-final, onde terá pela frente Itália, Republica Checa ou Gana.
Caso as estrelas insistam em não brilhar, julgo ser de considerar a hipótese de proceder a uma revolução no conceito táctico desta equipa, com o recurso a homens como Gilberto Silva, Juninho Pernanbucano, Robinho ou Fred, pois opções é coisa que não falta no plantel brasileiro. O jogo com o Japão será certamente uma boa oportunidade para as testar.

AZUL CELESTIAL

Tivemos oportunidade de apreciar uma Argentina de luxo frente à Sérvia. Desde os tempos de Maradona que a selecção das pampas não se exibia com tamanha categoria no palco supremo do futebol internacional.
O que mais impressiona nesta Argentina é a enorme quantidade de opções, sobretudo ofensivas, que remetem para o banco de suplentes figuras como Tevez e sobretudo Messi.
Os golos foram lindos, e não fosse a perspectiva de Portugal os poder defrontar nos oitavos-de-final, teria sido um regalo assistir a tamanho recital futebolístico.
Olhando-os como possíveis adversários, o regozijo transforma-se em pânico...

ERA DE UM MÁGICO QUE ESTÁVAMOS A PRECISAR...

Depois de uma primeira jornada pouco convincente, Portugal apresentou-se frente ao Irão já muito mais próximo do seu melhor e daquilo que fez, quer no Euro 2004, quer na fase de qualificação para este Mundial.
As razões da diferença exibicional de um para outro jogo são bastante fáceis de identificar.
Desde a segunda jornada do Europeu realizado no nosso país há dois anos, num jogo com a Rússia que marcou a arrancada para uma excelente prova culminada com a presença na final, que o onze de Scolari se mantinha basicamente com a mesma configuração, sendo alterado apenas por motivos de lesão ou castigo de algum dos eleitos. Esse onze assentava no fortíssimo meio campo do F.C.Porto de José Mourinho, que venceu brilhantemente a Liga dos Campeões em 2004, entretanto totalmente desmantelado.
Não podendo contar com Deco por lesão, e vendo Costinha com pouco ritmo competitivo, Scolari optou frente a Angola por uma solução radicalmente diferente. A lógica era: já que não se pode contar com os automatismos e o entrosamento do trio habitual, então que joguem os que se encontram melhor. Foi assim que Petit, Tiago e Simão assumiram naturalmente a titularidade nesse jogo.
Acontece que uma equipa não se constrói de um dia para outro, e a verdade é que os jogadores que entraram em campo no primeiro jogo deste Mundial nunca antes tinham jogado juntos, o que se reflectiu, e de que maneira, na prestação global da equipa. Petit não é pior jogador que Costinha, e Tiago será neste momento até um jogador bem mais valioso que Maniche, só que no modelo que Scolari tem vindo a trabalhar desde que chegou ao nosso país, os ex-portistas encaixam-se melhor, conhecem-se melhor e garantem, com as suas movimentações articuladas, um maior equilíbrio à equipa. Por muita simpatia que tenha por Petit e Tiago, não me custa reconhecer que este é o onze que dá maiores garantias de sucesso a Portugal.
Mas se as substituições de Petit e Tiago por Costinha e Maniche contribuíram para um maior entrosamento da equipa nacional, a entrada de Deco deu-lhe o toque de classe e brilhantismo que, Figo à parte, havia andado arredado do encontro com Angola. Se há jogador insubstituível na selecção portuguesa, esse jogador é indiscutivelmente o luso-brasileiro. Neste modelo de jogo, com um triângulo no meio campo no qual o seu vértice mais adiantado tem por missão ser o primeiro dos defesas quando a equipa perde a bola, além de garantir o dinamismo e a versatilidade atacante capaz de surpreender as linhas defensivas adversárias, Deco cai como uma luva e, com a indisponibilidade de Rui Costa, não tem rival no futebol português (o que não deixa de ser uma situação algo preocupante, diga-se). O “Mágico” fez um jogo de grande qualidade, acabando por ser ele a abrir com chave de ouro a porta para a vitória e a qualificação.
Logo na fase inicial do jogo se notou que a equipa das quinas se apresentava com outra velocidade e outra confiança, resultante justamente do maior equilíbrio do onze apresentado. As triangulações do meio campo resultavam mais fluentes, e a equipa iraniana foi rapidamente asfixiada na sua zona defensiva, de onde só ocasionalmente conseguiu sair. Até Ronaldo parecia mais disponível e mais inspirado. Contudo, apesar de várias oportunidades, o golo não surgia.
Foi já a meio do segundo tempo que o “Mágico” resolveu tirar com mestria da cartola o coelho da vitória, que logo se sentiu já não fugir aos portugueses. Daí em diante, vendo-se obrigado a uma maior audácia, o irão foi abrindo sucessivamente mais espaços nas suas linhas recuadas, que foram permitindo a criação sucessiva de ocasiões de golo, muito embora só por uma vez, num justíssimo penálti, Portugal tenha logrado marcar.
Portugal entra assim nos oitavos de final com a mesma tranquilidade com que se apurou para este Campeonato do Mundo, restando-lhe apenas cumprir calendário no último jogo frente ao México e, já agora, esperar que a combinação de resultados entre os dois grupos não o obrigue a defrontar de imediato a super-Argentina (o que não significa que da Holanda se possam esperar facilidades), inquestionavelmente a melhor equipa destas duas primeira jornadas da competição. Apesar do jogo com o México nada decidir para as nossas cores, tal não quer dizer que não deva ser encarado com toda a seriedade, até porque as probabilidades de enfrentar a Argentina se reduzem caso Portugal vença o seu grupo. Na minha perspectiva, essa seriedade passa por colocar em campo jogadores motivados (empenhados em mostrar serviço) e sem qualquer pressão em termos de cartões amarelos, pelo que me parece óbvio efectuar algumas alterações na equipa. Deixo assim a minha sugestão: Ricardo, Paulo Ferreira, Ricardo Carvalho, Fernando Meira, Marco Caneira, Petit, Maniche, Tiago, Simão Sabrosa, Nuno Gomes e Luís Boa Morte.
É importante também que os portugueses interiorizem que a obrigação da selecção nacional neste Mundial está cumprida. Se tivemos alguma sorte no grupo inicial, também se tem que dizer que tivemos bastante azar no alinhamento para os oitavos de final, pelo que o que vier daqui em diante será ganho.
Até me arrepio quando oiço falar em trazer a taça e outros disparates do género (essencialmente no meio publicitário, mas também entre pessoas que deviam ter alguma responsabilidade), como se Portugal jogasse sozinho, e tivesse um grande palmarés nesta prova.
Com Luiz Felipe Scolari a equipa de todos nós (será mesmo de todos ?) já conseguiu a proeza de consecutivamente efectuar o melhor Europeu de sempre e, para já, o melhor Mundial dos últimos quarenta anos (segundo melhor de sempre), seguido aliás da mais fácil qualificação de que há memória.
Noutras ocasiões enfrentamos grupos tão ou mais acessíveis que este, dispusemos de jogadores tão bons como estes, e os resultados pouco variaram.
Agora, muitos passos à frente, jogando bem ou mal, bonito ou feio, ninguém facilita e ganha-se. Não chega ?

VEDETA DO JOGO

DECO (4) Com o “Mágico” de volta Portugal parece outro. Deco é geometria, é alegria, é dinamismo, é criatividade constante. Mesmo denotando algum cansaço, foi inegavelmente o homem do jogo, e aquele que marcou a diferença exibicional da equipa do primeiro jogo para este. Como cereja no topo do bolo, foi com uma verdadeira bomba nuclear que o médio do Barcelona acabou com as resistências iranianas, abrindo as portas do apuramento. Foi bonito vê-lo cantar o hino e beijar a camisola das quinas quando festejou o golo.

OS NOSSOS UM A UM

RICARDO (3) Não teve muito trabalho, e sempre que chamado a intervir reagiu com segurança.
MIGUEL (4) À semelhança do que havia demonstrado frente a Angola, voltou a evidenciar um grande momento de forma. Foi mais uma vez dos melhores em campo, quer nas suas incisivas penetrações ofensivas, quer na rapidez com que efectua a transição defensiva. No seu máximo, que aliás sempre coincide com as grandes competições, é um dos melhores laterais direitos da Europa.
RICARDO CARVALHO (3) Os centrais portugueses ainda não tiveram uma verdadeira prova de fogo neste Mundial. Se frente a Angola o jogador do Chelsea havia revelado algumas falhas, neste jogo esteve absolutamente tranquilo e senhor do seu espaço. Quase que ia até marcando um golo, na sequência de um pontapé de canto.
FERNANDO MEIRA (3) Teve uma falha grave a meio da segunda parte, mas a sua entrega e o seu rigor no resto do jogo tornariam injusto penalizá-lo por esse momento. Todavia, tal como disse em relação ao seu parceiro, ainda não é conclusiva a eficiência desta dupla.
NUNO VALENTE (3) Esteve regular na cobertura do seu flanco, não se aventurando muito em acções ofensivas ao contrário – e talvez por isso mesmo – do seu colega do lado oposto. Não tem revelado problemas físicos, o que é um bom sinal.
COSTINHA (4) O “Ministro” tem uma inesgotável capacidade de cobrir espaços e interpretar as movimentações dos colegas de modo a compensar o seu desposicionamento. Neste modelo de jogo, com uma unidade de meio campo mais recuada, uma mais adiantada e outra capaz de garantir a inversão do triângulo à medida que a equipa defende ou ataca, Costinha é imprescindível, e se dúvidas alguma vez houve quanto à sua utilização, essas prenderam-se única e exclusivamente com a sua condição física. Infelizmente, um cartão amarelo não lhe deve permitir ganhar mais alguns minutos de competição frente ao México. Mas nos oitavos assumirá de novo a sua “pasta”, tratando das “burocracias” e libertando os artistas.
MANICHE (3) Começou muito bem o jogo, ao seu melhor estilo, com uma movimentação frenética na busca da criação de linhas de passe, e procurando zonas onde aplicar a sua temível meia distância. Efectuou alguns remates que chegaram a fazer lembrar o fantástico Euro-2004 que realizou. Pelo tempo fora foi-se ressentindo de alguma falta de ritmo, pelo que foi bem substituído. Mas deixou indicações de podermos contar com ele.
FIGO (4) Um senhor em campo. Com uma técnica prodigiosa, e uma leitura de jogo compatível com toda a sua enorme experiência, Figo é um dos maiores pontos de referência desta equipa. Mesmo sem a velocidade de outrora, o nosso capitão voltou a realizar um grande jogo, esteve nos dois golos, e a sua liderança inundou o relvado de Frankfurt. Parece apostado em realizar o grande Mundial que lhe escapou na Coreia há quatro anos atrás.
PAULETA (2) O mais apagado de todos os portugueses em campo. Pouca coisa lhe saiu bem, e mesmo quando dispôs de uma clara oportunidade para deixar a sua marca no jogo, optou por um despropositado passe para Simão. Deverá descansar contra o México, mas nos oitavos espera-se que volte em grande.
CRISTIANO RONALDO (3) Esteve uns furos acima do jogo com Angola, mas ainda não se libertou totalmente daquela irresistível sede que tem de brincar com a bola e aplicar todo o seu repertório de dribles e fantasias, quando em alta competição se pede um futebol bem mais prático, que ele também sabe, e muito bem, executar. Pode ser que o golo (numa enorme prova de confiança de Scolari) o tenha tranquilizado e de futuro seja capaz de exprimir todo o seu enorme potencial ao serviço do colectivo, com o que o seu brilho se tornaria muito mais luzidio.
PETIT (3) Entrou bem, numa fase em que era necessário morder os calcanhares dos iranianos, algo que Petit nunca deixa em mãos alheias. Acredito que neste modelo Petit seja mais concorrente de Maniche do que de Costinha, pelo que a sua luta pela titularidade ainda não está fechada, embora os automatismos entre os ex-portistas não o favoreçam.
SIMÃO (2) Faltou-lhe “um bocadinho assim” para marcar, naquele lance em que Pauleta lhe endossou a bola quando podia e devia ter rematado. De resto esteve discreto, mantendo a capacidade ofensiva da equipa, numa fase em que já havia mais espaço para jogar. É um suplente de luxo.
TIAGO (2) Outro suplente de luxo, e se Simão paga o preço da fortíssima concorrência directa na sua posição, Taigo paga, como Petit, o preço de um modelo de jogo menos adequado às suas características. Não comprometeu no tempo que esteve em campo.

VOLTO JÁ !

Por dificuldades logísticas, VEDETA DA BOLA apenas voltará a ser actualizado na segunda-feira, dia 19.
O caríssimo leitor poderá então dispor da pormenorizada análise ao Portugal-Irão, de uma nova actualização dos rankings, e do mais que se possa entretanto tornar relevante no Mundial 2006.

TOP EQUIPAS

1º REPÚBLICA CHECA
2º Itália
3º Croácia
4º Argentina
5º Holanda

TOP JOGOS

1º BRASIL-CROÁCIA
2º Argentina-Costa do Marfim
3º Alemanha-Costa Rica
4º Itália-Gana
5º República Checa-Estados Unidos

TOP GOLOS

1º THOMAS ROSICKI (República Checa-E.U.A.)
2º Torsten Frings (Alemanha-Costa Rica)
3º Jung Hwan Ahn (Coreia do Sul-Togo)
4º Kaká (Brasil-Croácia)
5º Philipp Lahm (Alemanha-Costa Rica)

TOP JOGADORES (VEDETA DO MUNDIAL)

1º ARJEN ROBBEN (Holanda)
2º Thomas Rosicki (República Checa)
3º Luís Figo (Portugal)
4º Kaká (Brasil)
5º Andrea Pirlo (Itália)

OUTROS JOGADORES EM DESTAQUE

Philipp Lahm, Bernd Schneider e Miroslav Klose (Alemanha), Paul Wanchope (Costa Rica), Giovanny Espinoza e Agustin Delgado (Equador), Aldo Bobadilla (Paraguai), Frank Lampard (Inglaterra), Brent Sancho e Dwight Yorke (Trinidad e Tobago), Javier Saviola (Argentina), Didier Drogba (Costa do Marfim), Zinha e Omar Bravo (México), André Makanga (Angola), Tim Cahill (Austrália), Kawaguchi (Japão, Grygera e Pavel Nedved (República Checa), De Rossi (Itália), Essien (Gana), Kaká, Lúcio e Emerson (Brasil), Srna, Babic e Prso (Croácia), Ahn (Coreia) e Kadar (Togo).

EM BERLIM O SAMBA FOI CROATA

Ao quinto dia de Mundial tivemos finalmente um grande espectáculo. O Brasil-Croácia de ontem foi um jogo fantástico, carregado de emoção e bom futebol, e ao qual apenas faltaram mais alguns golos para que entrasse directamente para a galeria dourada dos melhores jogos dos últimos campeonatos.
Quem esperava um Brasil esmagador e dominador a todo o tempo e em todos os capítulos de jogo, terá ficado surpreendido com a extraordinária exibição de uma Croácia, sem grandes nomes, mas com um jogo colectivo muito bem desenhado e uma poderosa capacidade física, que a tornou capaz de discutir o resultado palmo a palmo com os campeões do mundo, e até de deixar um cheirinho a injustiça no resultado final.
É claro que quem tem jogadores como Ronaldinho Gaúcho ou Kaká arrisca-se a ganhar qualquer jogo a qualquer momento. Mas a nota saliente que ressalta desta partida é que, em termos de colectivos – e o futebol é um desporto de equipa – este Brasil tem algumas lacunas importantes, evidenciadas ontem pela equipa Croata, e que lhe poderão causar dissabores nas fases mais adiantadas do torneio.
Desde logo, o Brasil apresenta-se algo deficitário nas alas, onde Roberto Carlos e Cafú (juntos perfazem perto de setenta anos de idade) assumem a totalidade das despesas ofensivas e defensivas. Tanto o lateral do Real Madrid, como o jogador do Milan, denotam já algumas dificuldades nas transições rápidas, e têm por vezes dificuldades em fechar o seu corredor (além de pouco ou nada auxiliarem os centrais através de basculações interiores, pecado frequente em laterais brasileiros). A agravar este aspecto era perceptível , mesmo pela televisão, que por diversas vezes ambos os laterais subiam em simultâneo, o que é absolutamente contra-indicado numa equipa com poucos recuperadores e com algumas dificuldades nas compensações defensivas.
No meio campo, Emerson e Zé Roberto desfizeram-se em trabalhos forçados para tentar colmatar a pouca ou nenhuma propensão defensiva dos quatro “vagabundos” que actuam à sua frente, mas o resultado foi bastas vezes uma equipa partida em dois – os que atacavam e os que defendiam – com quatro elementos pura e simplesmente à espera que a bola chegasse aos seus pés (dois deles, Adriano e Ronaldo, praticamente estáticos) e um fosso significativo a meio campo.
Não creio que no competitivo futebol actual seja possível a qualquer equipa apresentar-se com mais de dois elementos que não se envolvam no processo defensivo (os dois pontas de lança, ou um ponta de lança e um dos médios, e mesmo assim tendo que fazer pressão junto das linhas mais recuadas do adversário). Admito que a elevadíssima craveira dos jogadores que compõem a selecção brasileira lhes permita um modelo em que esse número se possa elevar a três, eventualmente Kaká (com alguma cultura táctica), Ronaldinho Gaúcho e um ponta de lança. Quatro é manifestamente demais e a jogar deste modo, se o Brasil apanha pela frente, por exemplo, uma Itália inspirada, irá ter seguramente muitas dificuldades em impor o seu jogo.
No meu ponto de vista, para o Brasil de forma tranquila se sagrar campeão do mundo, poderia apresentar aproximadamente a seguinte configuração: Dida, Cafú, Lúcio, Juan, Roberto Carlos, Emerson, Gilberto Silva, Zé Roberto (cobrindo o flanco esquerdo), Kaká (a descair mais pela direita), Fred (ou Adriano) e Ronaldinho (livre). Opções não faltam a Parreira, e o jogo de ontem terá sido útil para, de futuro, debelar fragilidades.
Em termos de desempenho individual a grande figura foi inquestionavelmente Kaká, que resolveu o jogo com um fabuloso golo. Ronaldinho teve alguns bons pormenores, sobretudo na primeira parte, enquanto que, ao invés, os pontas de lança estiveram, como já disse, completamente ausentes do jogo, particularmente Ronaldo, a quem nem a possibilidade de se tornar no melhor marcador de sempre da história dos mundiais parece motivar o suficiente para abandonar o ar burguês e indolente de quem não treina tanto quanto deve (porque não dar uma oportunidade a Fred ?).
Os centrais estiveram muito bem, sobretudo Lúcio (muito bom no jogo aéreo), e Dida transmitiu-lhes sempre total segurança, efectuando algumas boas intervenções. De Emerson e Zé Roberto já se falou. Robinho entrou bem no jogo, trouxe uma maior dinâmica à equipa, e pelo menos teve a vantagem de colocar o Brasil a jogar com onze, algo que não acontecera com Ronaldo em campo.
A Croácia foi uma bela surpresa, e quem se lembra da excelente equipa de Suker e Porsinecki (terceiro lugar no França 98), de certo reconheceu ontem a traça típica de um futebol bonito, rentilhado, aparentemente lento mas profundo, que os pode levar bem longe neste torneio. Os Croatas até se tiveram que debater contra a sorte do jogo, que lhes retirou por lesão o seu melhor elemento em campo durante a primeira parte (o veterano capitão Niko Kovac), e pouco depois, a dois minutos do intervalo, os colocou em desvantagem no marcador num golpe de génio de Kaká. Mesmo assim, foi na segunda metade que o seu jogo se tornou mais exuberante, quando foi capaz durante alguns períodos de encostar o Brasil na sua zona defensiva, construindo oportunidades de golo suficientes para justificar o empate que todavia não logrou alcançar. Já não há vitórias morais, mas se as houvesse a Croácia de ontem bem que merecia uma, tal como os seus adeptos fizeram por deixar bem claro na ponta final do jogo, com o inesgotável apoio que deram aos seus jogadores. Nomes a reter nesta exibição croata: Babic, Srna e o incansável Prso na frente.
Se tudo correr dentro da normalidade, estas duas equipas estarão nos oitavos de final.

RIEN DE RIEN

Tida como uma das mais fortes candidatas ao título, a França foi uma tremenda decepção na sua estreia frente à Suiça.
Foi talvez o pior jogo do campeonato até ao momento, e as melhores ocasiões acabaram por ser mesmo dos suiços.
Zidane e Henry pouco se viram, e a ideia que ficou é que esta França já esgotou o seu prazo de validade.
Ainda assim os gauleses podem queixar-se de uma grande penalidade clamorosa que ficou por assinalar ainda na primeira parte.

UM MUNDIAL ASSIM-ASSIM

Não está a ser um grande Campeonato do Mundo. Os jogos, de um modo geral, não têm tido muita emoção, o futebol jogado não tem sido brilhante e não tem havido surpresas.
Ainda é cedo para tirar conclusões definitivas a este respeito, mas se olharmos ao que se passou na Coreia e no Japão – onde se terá disputado o pior Mundial de sempre – teremos fundados motivos de preocupação quanto ao que resta de competição.
Numa prova desta natureza, jogada em final de época na Europa (onde jogam todos os melhores jogadores do mundo) e com as principais estrelas extremamente desgastadas, não se pode dizer que esta letargia seja de algum modo inesperada. Pelo contrário, tem sido nota dominante desde que o mundo do futebol se globalizou, a Liga dos Campeões da Uefa se tornou numa epopeia anual, com mais de uma dezena de jogos para os principais clubes envolvidos (os finalistas fazem catorze jogos, isto se não tiverem que passar pelas pré-eliminatórias, ao que terão de acrescentar trinta e oito nalgumas ligas nacionais, mais seis ou sete nas taças, outros tantos nas selecções, fora particulares), que por sua vez monopolizam nos seus planteis todos os grandes craques agora distribuídos pelas várias selecções.
Se esta tendência se continuar a verificar algo terá que ser feito. Ou a Fifa altera a calendarização do Mundial - colocando-o eventualmente a meio da temporada europeia -, ou serão os campeonatos nacionais e europeus a ter que rever a inusitada quantidade de jogos que se disputam ao longo do ano, e que por vezes até os adeptos cansam.
Deixando de lado estas burocracias, e olhando para o lado meio cheio do copo, pode-se dizer que ontem até terá sido o melhor dia desde que a competição teve início. Três belos jogos, e exibições promissoras de Austrália, República Checa e Itália, com bons momentos também do Gana (que conta com um fabuloso meio-campo onde se juntam Essien, Muntari e Appiah).
República Checa e Itália terão sido mesmo, de entre os candidatos ao título, as equipas que mais impressionaram até ao momento. Os checos, apesar do infortúnio de Koller (depois de marcar um golão, saiu lesionado e não deve jogar mais no Mundial), demonstraram o mesmo futebol alegre e dinâmico com que encantaram no Euro-2004, e derrotaram com facilidade uns Estados Unidos em processo de ascensão na hierarquia do futebol internacional (pretendem ser campeões do mundo dentro de oito anos). Mostraram ainda um Rosicki em grande forma, um Nedved perto do seu nível e um Poborski ainda capaz de desequilibrar, além de uma linha defensiva extremamente segura, comandada por Ujfalusi, com Grygera na direita a mostrar uma insaciável e profícua tendência atacante.
A selecção transalpina, como que querendo afastar os fantasmas resultantes de uma conjuntura calamitosa no seu país futebolístico, deu uma lição de futebol moderno, aliando ao seu tradicionalmente bem conseguido processo defensivo, alicerçado numa das melhores duplas de centrais da actualidade (Nesta e Cannavaro), a capacidade de se desenvolver ofensiva e defensivamente em transições rápidas e eficazes, com as quais conseguiu construir várias ocasiões claras de golo ainda que com menos tempo de posse de bola que o adversário - também eles uma equipa bem interessante de se seguir - e dando por vezes a sensação de ser por ele dominada. As bases do futebol assentam em cinco parâmetros fundamentais: processo ofensivo, processo defensivo, transição defesa-ataque, transição ataque-defesa e bolas paradas. Destes parâmetros, os italianos dominam na perfeição quatro deles, desprezando um pouco a capacidade de construir lances de perigo em processo ofensivo puro, o que frequentemente cria a ilusão de estarem a jogar mal. Os resultados encarregam-se normalmente de afirmar o contrário. Uma equipa a seguir com atenção, até porque estrelas não lhe faltam, nomeadamente no ataque onde juntam Totti, Del Piero, Gilardino, Toni, Iaquinta e Inzaghi (!!!).
De resto - e ainda antes de Brasil, França e Espanha entrarem em acção - também deixaram boa imagem a Argentina e a Holanda.
A equipa de Pekerman, com um modelo de 3-4-1-2 muito bem articulado, e com Riquelme e Saviola bastante inspirados, venceu a Costa do Marfim de Drogba com toda a justiça, ainda que também com algum (desnecessário) sofrimento nos instantes finais. Que pena não ter jogado Leo Messi, que poderá dentro de alguns anos suceder a Ronaldinho Gaúcho no trono do futebol mundial.
Os holandeses beneficiaram de uma super-exibição do extremo do Chelsea Arjen Robben, que jogou e fez jogar, marcando o único golo da partida, sendo até agora talvez o jogador que mais se destacou individualmente no Mundial.
Vamos esperar pelos jogos que faltam da primeira jornada e pelas próximas jornadas (ainda não vimos Ronaldinho, Ronaldo, Kaká, Adriano, Henry, Zidane, Schevchenko, Raul nem...Deco, Messi, Ballack ou Rooney, entre outros ), para saber até que ponto o bom futebol poderá ainda visitar em abundância a Alemanha neste verão.
Hoje entram em acção possivelmente os dois melhores jogadores do mundo da actualidade: Ronaldinho e Henry. Também estou bastante curioso de ver até que ponto vai a boa forma de Kaká, que se diz poder ser o rei desta competição, bem como de averiguar se Zidane será ou não capaz de uma despedida ao nível daquilo que foram os melhores momentos da sua extraordinária carreira.
Estas são algumas notas de esperança em que possamos vir a ter um torneio mais espectacular do que os primeiros jogos deixaram antever.

PS 1:Ao insistir em árbitros de países onde o futebol tem pouca expressão, e como tal pouco tarimbados em jogos de alto nível, a Fifa continua a brincar com o fogo.
Ao contrário do que se tem dito, não me parece que as arbitragens tenham estado até agora muito bem. Um golo da Argentina que ficou por validar, grandes penalidades escamoteadas ao Gana e ao Equador, um golo irregular do Japão mal validado, alguns foras-de-jogo mal assinalados, expulsões perdoadas, entre outros erros com maior ou menor gravidade, tudo em apenas quatro dias, faz temer uma repetição do que de pior se passou na Coreia.
Os próximos dias poderão dizer se se trata de um receio infundado ou não, mas parece-me que enquanto não forem os melhores árbitros (da Europa, Brasil e Argentina) a arbitrar os jogos, os riscos de uma deturpação completa da verdade desportiva manter-se-ão de pé.

PS 2: Não é muito importante mas não deixa de ser uma nota negativa para a Fifa. Ao contrário da Uefa, sempre preocupada e cuidadosa com os aspectos plásticos do espectáculo (veja-se o magnífico hino da Champions League, e toda a iconografia criada em redor da competição máxima de clubes), a Fifa não reservou para este torneio nenhuma surpresa estética aos adeptos mais meticulosos (nos quais me incluo). As balizas são exactamente iguais às do Coreia-Japão (horríveis, principalmente se comparadas com as lindíssimas balizas do Euro-2004, com rede fina em preto, que provocava um efeito estético impressionante quando as bonitas bolas “Roteiro” cinzentas as beijavam), o corte dos relvados não é nada inovador, a decoração dos estádios tem umas cores que chocam com a cor da relva, e mesmo a realização televisiva (aqui as responsabilidades terão que ser divididas) não parece até agora ser muito rigorosa e ainda menos criativa. São aspectos laterais mas que implicam uma maior ou menor espectacularidade para quem assiste aos jogos, e estranha-se que a Fifa aparentemente os despreze.

TRÊS PONTOS

Entrar num campeonato do mundo a vencer é, por si só, motivo de alegria para qualquer selecção. Estamos a falar de uma competição que reúne os melhores do mundo, e uma vitória do primeiro jogo constitui normalmente um factor de motivação e tranquilização que podem ser determinantes para o resto da campanha.
A equipa nacional não tem pois motivos para qualquer amargura com a exibição menos conseguida de ontem à noite em Colónia. Ao fim e ao cabo, Portugal conseguiu ganhar, não sofreu golos, criou umas seis ou sete claras ocasiões para marcar, e não permitiu aos angolanos quaisquer veleidades atacantes. E se na ponta final do jogo, com o resultado a manter-se tangencial, alguns fantasmas chegaram a pairar no ar, tal deveu-se mais a um medo algo traumático que se repetissem os infortúnios de 2002 e 2004 (em que Portugal entrou com uma derrota), do que propriamente às características do jogo que ontem se estava a disputar, pois nesse, nunca Portugal deu a sensação perder o completo controlo das operações.
Não se diga com isto que a exibição portuguesa foi boa. De facto esperava-se algo mais desta selecção frente a um adversário valoroso mas inexperiente.
O menor desempenho qualitativo da selecção nacional começou desde logo na ausência de Deco. Não adianta escamotear que Deco é uma peça quase insubstituível nesta selecção, e a sua falta fez-se sentir em grande parte do tempo de jogo. Mais do que a qualidade do jogador em si, o facto de ele não estar presente obrigou Scolari a uma pequena revolução no meio campo português, com as inclusões de Petit, Tiago e Simão, e com o deslocamento de Figo para o centro do terreno. Embora Figo tenha feito uma extraordinária exibição, a verdade é que a sua movimentação remeteu-o muitas vezes para as alas, assistindo-se quase a uma sobreposição com Simão e Ronaldo, enquanto que no centro do terreno ficava claramente a faltar uma unidade capaz de dotar a equipa de dinamismo nas acções ofensivas e eficácia na transição ataque-defesa através de uma pressão subida, sobre o primeiro homem de Angola a sair para o ataque, algo que Deco faz na perfeição e mais ninguém nesta selecção consegue fazer.
Por outro lado, a ausência de Costinha no onze inicial obrigou Petit a tarefas eminentemente de reequilíbrio táctico, amputando-lhe a liberdade de construção de que desfruta no Benfica, nomeadamente ao nível do aproveitamento da sua fantástica meia-distância. Essa função ficou a cargo de Tiago que todavia não esteve muito feliz. Mostrou um ou outro pormenor definidor de toda a sua enorme classe, mas não foi capaz de transmitir às acções de ataque da equipa a velocidade de que o jogo de Portugal precisava, e por vezes pareceu sobrepor-se à zona de acção de Petit, numa coabitação que, mau grado os anos de Benfica que passaram juntos, não pareceu muito bem conseguida (note-se que este onze de Portugal nunca havia jogado junto), e que em muitos períodos de jogo deixou a equipa partida em dois, os que defendiam e os que esperavam pela bola lá na frente. De salientar ainda que a um super-Figo não correspondeu um super-Ronaldo, muito longe do seu melhor, perdido em individualismos estéreis, e bem substituído.
Mas a equipa nacional até entrou de rompante no jogo, e à passagem do primeiro quarto de hora já podia ter arrumado definitivamente a questão, e partido mesmo para a goleada. Pauleta logo aos trinta segundos, após uma maravilhosa assistência de Simão Sabrosa, fez a bola rasar o poste da baliza de João Ricardo, aos quatro minutos foi a vez de Figo abrir o livro e, com uma jogada a fazer recordar os seus melhores tempos de Barcelona e Madrid, oferecer o golo a Pauleta que desta vez não se fez rogado e marcou aquele que viria a ser o único tento do jogo. Pouco depois novamente Pauleta, e nos minutos seguintes Cristiano Ronaldo por duas vezes, podiam ter colocado um ponto final na incerteza. Não o fizeram e com isso Angola foi tranquilizando o seu jogo e ganhando confiança para fazer um pouco mais do que assistir às trocas de bola entre os jogadores portugueses, que à medida que o tempo passava iam revelando uma progressiva letargia, como que pensando que o mais difícil estava feito e que o segundo golo apareceria a qualquer momento, até porque Angola teria de abrir o seu jogo e procurar o empate. Não aconteceu nem uma coisa nem outra e o jogo entrou num clima de adormecimento total.
A selecção angolana, muito bem organizada e bem dotada fisicamente, acabou a primeira parte em bom plano, obrigando Ricardo a uma grande defesa, entre outras intervenções de menor grau de dificuldade.
Para o segundo tempo esperava-se que Portugal entrasse de novo com o fulgor que apresentou nos primeiros minutos da primeira parte de modo a, com mais um golo, resolver de vez o jogo e colocar-se a salvo de qualquer eventualidade. Surpreendentemente a selecção nacional entrou ainda mais lenta e apática do que havia terminado a primeira parte, mas verdade seja dita, era a Angola, em desvantagem no resultado, que cabia assumir mais o jogo e tentar atormentar a zona defensiva portuguesa, o que acabou por nunca chegar a fazer (entrou Mantorras mas saiu Akwá). Entende-se que a estratégia angolana passaria por manter essa expectativa enquanto o resultado permanecesse tangencial, na esperança que num lance fortuito pudesse ainda empatar o jogo. O Benfica fez esta temporada algo semelhante quando se deslocou a Nou Camp para a Champions League, e a verdade é que dessa forma poderia ter eliminado o Barcelona (todos se lembram do golo falhado por Simão nesse jogo, que daria a eliminatória à equipa portuguesa), perante um interminável rol de acusações de pouca ambição.
O tempo foi passando, e ainda assim acabou por ser Portugal a criar a melhor ocasião para marcar, num excelente remate de Maniche já perto do fim a que João Ricardo correspondeu com uma grande defesa.
No final todos ficaram satisfeitos. Portugal pela importante vitória e os três pontos respectivos. Angola porque de certa forma temia ser humilhada pela antiga potência colonial e conseguiu acabar o jogo de cabeça erguida, resignada a uma derrota tangencial mas deixando a impressão de se tratar de uma equipa em crescimento, que dentro de poucos anos poderá figurar entre as principais potências do seu continente.
É claro que não faltarão os críticos a esta exibição da selecção portuguesa, que de facto não foi bonita. Contudo o mundial está agora a começar, e com os reajustamentos que Scolari de certo fará, Portugal tem condições e tempo para se apresentar bem melhor nos próximos jogos. Para já tem três pontos na primeira jornada, que era o objectivo fundamental. As exibições de Figo e Miguel, bem como o golo de Pauleta e a segurança de Ricardo, são também aspectos positivos que resultaram deste jogo.
Com a vitória do México, e com as fracas indicações que o Irão deixou, sobretudo no seu processo defensivo, tudo se conjuga para que Portugal venha a discutir com os mexicanos o primeiro lugar do grupo. Qualquer outro desenlace será uma enorme surpresa face ao que se viu nesta primeira jornada.