OS MEUS DERBYS (1ª parte 1976-2006)

Desde que no início do século passado foram fundados, Benfica e Sporting têm protagonizado aquele que é, inquestionavelmente, o mais apaixonante derby do nosso desporto rei.
Muitas são as histórias em redor deste duelo, muitas as alegrias, muitas as mágoas, quer para um, quer para outro lado. Como qualquer adepto empenhado, também eu guardo as minhas memórias de um clássico que acompanho com fervor desde tenra idade. É delas que vou falar em mais esta viagem pelo passado.
O primeiro derby lisboeta de que me recordo foi disputado em Alvalade em Setembro de 1976. Jogava-se a primeira jornada do campeonato 76-77, e recordo-me de, em casa dos meus avós - onde habitualmente passava férias - ter ido para a cama a ouvir o relato num pequeno transístor repousado sobre a almofada. O jogo começara bem mais tarde que a hora marcada dada a quantidade de pessoas que inundava a pista e as extremidades do relvado, terminando já a noite ia alta. Vivia-se ainda em período pós revolucionário, a generosidade gonçalvista ainda abundava nas carteiras dos anteriormente mais desfavorecidos - fruto dos bruscos aumentos de salário ocorridos nessa conturbada fase da nossa história. Depois de alguns excessos revolucionários remeterem injustamente o futebol para o campo das alienações inconvenientes, a paixão do povo reacendia-se de novo. Com dinheiro nos bolsos, os estádios estavam novamente cheios. Mas a crise e o FMI já batiam à porta.
O Benfica perdeu por 3-0, com os golos todos marcados já na ponta final do desafio. O então jovem Manuel Fernandes, Camilo e a estrela africana Keita (recém contratado) foram os marcadores, abrindo uma mini-crise no rival da Luz, que cinco jornadas de empates e derrotas depois, arrancaria, em Outubro, para uma série de 56 jogos sem perder para o campeonato, garantindo o título dessa época com uma vantagem considerável, e perdendo o seguinte, para o FC Porto, sem qualquer derrota - caso singular na história do futebol português.
Mas nessa noite, o desencanto foi tal que propus em surdina ao meu pai, pela primeira e única vez na vida, a mudança de clube para os verde e brancos, que pelos vistos – pensava eu nesse momento – eram melhores. Ele respondeu liminarmente que não, recordou-me as Taças dos Campeões, as finais europeias e os muitos títulos conquistados. Convenceu-me até hoje. Até sempre.
Curiosamente, os dois primeiros jogos de futebol que guardo na memória – à parte os que, acompanhando o meu pai, então dirigente de um pequeno clube alentejano, me sentava no banco de suplentes com os jogadores, entregando-lhes inclusivamente garrafas de água, tarefa que me enchia de orgulho -, foram este derby e, de forma mais difusa, um Bayern de Munique-Benfica ainda na época de 1975-76 para a Taça dos Campeões, que o Benfica perdeu por 5-1. Foram pois, paradoxalmente, duas derrotas copiosas que estiveram no âmago do meu benfiquismo fiel.
Depois deste, muitos outros derbys se seguiram.Ainda na mesma temporada, a contar para a Taça de Portugal, novo jogo em Alvalade, nova derrota por 3-0. Desta feita foi o brasileiro Manoel que marcou todos os golos, realizando provavelmente a melhor exibição da sua vida. Cheguei a supor que todos os Sportingues-Benficas terminariam com 3-0 no marcador, coisa que mais tarde vim a verificar nada ter de verdadeiro.
Na Luz jogar-se-ia em Janeiro de 1977 o encontro da segunda volta do campeonato. Vitória benfiquista por 2-1, golos de Vítor Martins e Chalana (este já perto do fim), contra o golo de Manuel Fernandes. Foi a primeira vitória sobre o Sporting de que me recordo, num jogo importantíssimo, que catapultou o Benfica para o primeiro lugar da classificação, de onde não mais sairia até final do campeonato. Ainda me lembro da capa da “Equipa” na quarta-feira seguinte – que o meu pai me comprava na altura, e que, recheada de belas fotografias, fazia as minhas delicias -, na qual surgia o Vítor Martins, com a braçadeira de capitão (Toni não jogou), a festejar o primeiro golo.
Na época seguinte, um empate a abrir o campeonato em Alvalade, na estreia dos ex-benfiquistas Jordão e Artur pelos leões, jogo que me recordo perfeitamente de ouvir pela rádio, numa noite de sábado na cozinha dos meus avós. Na segunda volta, mais do que a vitória do Benfica por 1-0, ficou para a história uma das mais caricatas situações de sempre vividas nestes jogos: a célebre rábula do brinco perdido. Vítor Baptista, já enredado nas malhas da droga, era um caso bicudo no balneário encarnado. Como se tratava de um grande jogador, de características únicas no nosso país (avançado corpulento e bom cabeceador), as suas inúmeras provocações foram sendo ultrapassadas com maior ou menor tolerância. Esta era a sua última época no clube, pois meses depois, em vésperas de um Benfica-Liverpool, decidiria unilateralmente regressar a Setúbal e não mais jogar de águia ao peito. Pedira 500 contos de salário ao Benfica, e tendo sido recusada a sua proposta decidiu rumar ao Sado para ganhar…100. Morreu aos 50 anos, toxicodependente, vivendo numa barraca, depois de várias detenções por roubo.
Naquela tarde, ao marcar um único e fabuloso golo da partida (na foto abaixo já deixou Augusto Inácio fora da jogada, matou no peito e prepara-se para fuzilar Botelho), perdeu o brinco de brilhantes – foi o primeiro português que me lembro de ver usar tal adereço, até então exclusivamente feminino -, não hesitando em fazer parar o jogo para o procurar. Ao fim de alguns minutos, perante a incredulidade de árbitro e adversários, Vítor – que se auto-intitulava o maior jogador português a par de Eusébio – pôs Toni, Nené e alguns outros colegas de joelhos no relvado, à procura da tal preciosa peça. Diria ele depois que o prémio de jogo não dava para o pagar, e por isso se justificava a interrupção. Não mais chegou a encontrar. Nem o brinco, nem a vida.
Em Novembro de 1978 teve lugar um dos derbys que recordo com mais entusiasmo. Numa bela tarde de domingo martinheiro, na presença do General Eanes – numa altura em que os políticos ainda olhavam o futebol de cima - o Benfica chegou ao intervalo a vencer por 5-0 (!). Conta-se que o presidente Ferreira Queimado terá oferecido um prémio suplementar ao intervalo por cada golo mais. Mas os jogadores não corresponderam, o Sporting tentou dar alguma dignidade ao momento, e na segunda parte nada mais aconteceu.
Apostara com o meu avô sportinguista – é verdade, tinha um avô adepto moderado dos leões -, suponho que vinte escudos, acerca do vencedor deste jogo. Ou seja, se o Benfica ganhasse eu ganhava vinte escudos, se perdesse a coisa era esquecida. Passei toda a primeira parte de volta dele, lembrando-o com um entusiasmo esfusiante, a cada golo, da tendência da aposta. Ele nem queria acreditar no que íamos ouvindo pelo rádio.
À noite recordo-me de a RTP2 ter transmitido um resumo de vinte minutos dessa partida, o que à época era um luxo. Os comentários eram de Joaquim Letria. Julgo ter sido o primeiro derby do qual vi imagens televisivas. Nené e Alves bisaram, Reinaldo marcou o outro golo.
Na mesma época o Benfica venceu também em Alvalade. Numa tarde chuvosa, João Alves marcou de penálti o golo solitário daquela que foi a primeira vitória fora que recordo em derbys, após uma exibição que, tive oportunidade de confirmar anos mais tarde numa visita pelos arquivos do jornal “A Bola”, se situou num plano bastante frouxo.
Por falar em televisão, um dos primeiros derbys televisionados de que me recordo, teve lugar em Abril de 1982. Era a última hipótese que o Benfica tinha de discutir o título de 81-82, para o que teria de ganhar em Alvalade. Era o jogo do ano e o então presidente do Sporting João Rocha decidiu oferecer ao país a transmissão directa – longe vinham os tempos em que o futebol não passaria sem TV. Logo nos primeiros minutos Carlos Manuel marcou para o Benfica, num pontapé de canto directo que originou alguma polémica, pois nunca se chegou a ter a certeza de a bola ter mesmo entrado na baliza, uma vez que Marinho, louro médio leonino, a cortou de cabeça, aparentemente sobre a linha - ainda não se falava em chips. O Sporting empatou de penálti por Jordão, e assim se chegou ao meio da segunda parte, quando, num lance dividido, Manuel Fernandes atingiu a cabeça de Bento com os pitons. O guardião benfiquista, que não era para brincadeiras, levantou-se como uma mola, e com a bola ainda nas mãos encostou o ombro ao queixo do avançado leonino, que por acaso era seu vizinho na margem sul. Este aproveitou a dádiva, e teatralizou uma agressão que fez o árbitro expulsar o guarda-redes benfiquista e assinalar a respectiva grande penalidade. Estava decidido o campeonato. Jordão ainda voltou a marcar, fazendo assim um hat-trick frente à sua antiga equipa.
O Benfica só voltaria a vencer em Alvalade na época 1983-84. Era Eriksson o treinador, e já depois de Diamantino ter falhado um penálti, Nené converteu um segundo, já nos minutos finais. Não me perguntem se foram bem ou mal assinalados – na altura não me preocupava muito com essas coisas.
Eis-nos chegados a Abril de 1986, precisamente um mês antes do episódio Saltillo. À entrada da penúltima jornada, o Benfica tem um ponto de vantagem sobre o F.C.Porto no topo da tabela classificativa. Os portistas jogam no Bonfim e, se perderem e o Benfica vencer em casa, temos o campeão vestido de vermelho. Com quem é que o Benfica joga ? Precisamente com o Sporting, que meses antes levou mais cinco na Luz, desta vez numa eliminatória da Taça (numa quarta-feira à tarde em que faltei às aulas para ouvir o relato).
Foi o meu primeiro derby ao vivo, marcado pelo drama e pelas lágrimas.
O Terceiro Anel já estava fechado. Numa obra que custara as saídas de Chalana, Stromberg e Eriksson, o então presidente Fernando Martins transformara o Estádio da Luz num dos maiores da Europa e do Mundo, dotando-o de uma capacidade de 120.000 espectadores. Como, sem cadeiras, cabia sempre mais um, chegaram a lá estar 140.000. Eu ví ! – não os contei, é certo, mas a quantidade de pessoas em cima das escadas, apertada contra as portas, e mesmo nos corredores, sem possibilidade de cortar o bilhete, não deixa muitas dúvidas de que num célebre Benfica-Porto de 1987 - em que familiares meus ficaram no carro a ouvir o relato com o bilhete na mão -, os números não andariam longe desse impressionante record.
Neste decisivo Benfica-Sporting, não estavam 140 mil, mas estariam, seguramente, um pouco mais dos 120 mil da lotação oficial. Ou seja, o estádio estava completamente cheio. Cheio sobretudo de benfiquistas ávidos de festejar um título que na época anterior lhes escapara, em tempos nos quais isso ainda se revestia de estranheza.
Fiquei no novo terceiro anel. O sol era abrasador. Os jogadores lá em baixo assemelhavam-se aos bonequinhos do “subbuteo”, e eu, na companhia do meu pai (que muito tinha pressionado no sentido de me levar), e de mais um amigo dele, delirava com o panorama de cores que se apresentava diante de mim.
Tudo parecia correr bem, mas o Sporting não estaria de acordo com a festa. Enquanto Futre - com um grande golo, em que correu quase 50 metros com a bola dominada - dava a vitória ao F.C.Porto em Setúbal, uma equipa de leões onde avultavam Jaime Pacheco, Sousa, Manuel Fernandes, Jordão, Oceano, e o inspiradíssimo guarda-redes Vítor Damas, adiantava-se rapidamente no marcador pelo avançado de Sarilhos, e pouco depois aumentava a vantagem pelo defesa central Morato. O Benfica, com um bom onze mas com um plantel limitado, apresentava-se na fase final da temporada com grande desgaste físico e anímico, sobretudo sentido a partir do momento em que se despediu da Taça das Taças, em casa frente ao Dukla de Praga, sofrendo um golo nos últimos minutos depois de se colocar em vantagem, jogo que me causou uma das maiores amarguras da minha infância desportiva (chorei a bom chorar), e que me fez, à revelia de todos, associar ao clube por minha conta e risco.
A segunda parte foi dramática. Ainda no primeiro quarto de hora, Manniche – o dinamarquês de quem o médio do Atlético de Madrid retirou a alcunha - de cabeça, a cruzamento de Diamantino, reduzia a diferença. Nos últimos 30 minutos assistiu-se a um vendaval de ataque benfiquista, à procura do golo que permitisse manter de pé a hipótese de depender de si próprio na última jornada, em que se deslocava ao Bessa – anos mais tarde passar-se-ia algo parecido, mas com final bem diferente. Vítor Damas estava no entanto em grande forma e foi negando, uma após outra, todas as ocasiões de golo criadas pelo Benfica.
No final, um terrivelmente decepcionante 1-2, e o quase adeus ao título – que seria confirmado na semana seguinte com derrota no Bessa, e nova vitória portista, agora diante do Sp.Covilhã. As escadarias do estádio eram um desolador e fúnebre espectáculo. Gente, pequena e grande, de lágrimas nos olhos, grande consternação, o drama do futebol na sua mais dolorosa faceta.
Aprendi nessa tarde que nem todas as belas histórias terminavam com um final feliz. Fica o onze encarnado, que ainda hoje sei de cor: Bento, Veloso, Oliveira, Samuel, Álvaro, Carlos Manuel, Sheu, Diamantino, Wando, Rui Águas e Manniche.
Quem disse que a história não se repete ? Um ano depois, eis-me no mesmo local, e na mesma situação. Depois de ter perdido 7-1 em Alvalade, o Benfica chegava à penúltima jornada novamente com hipótese de se sagrar campeão. Bastava vencer o rival, pois uns minutos antes o F.C.Porto, em vésperas da valsa argelina de Viena, perdia em Portimão e entregava todo o ouro ao (seu) bandido.
Era com expectativa de vingar o ano anterior, de vingar os 7-1, mas acima de tudo de comemorar o meu primeiro título em pleno estádio. Já um pouco mais crescidote – sem o meu pai, e com amigos mais velhos – vivi esta jornada num Maio quente e bonito, perante mais uma das grandes enchentes da história do antigo Estádio da Luz - já depois do terceiro anel fechado, e antes do Mundial de sub-20 (que obrigou a reduzir ligeiramente a lotação, para construir novos camarotes de imprensa), e da aplicação de cadeiras que pôs alguma ordem na coisa.
Desta vez, o final foi mesmo feliz. Chiquinho e Nunes adiantaram o Benfica ainda na primeira meia-hora. O golo de Marlon Brandão perto do fim, apenas serviu para dar mais emoção a uma enorme festa, que começou com a invasão do relvado, e terminou, para mim, num belo cherne grelhado, regado com um fantástico vinho rosé (a primeira vez que bebi tal coisa), num restaurante setubalense chamado “O Quintal”, que não faço ideia se ainda é vivo ou já entregou a sua alma ao criador.
A partir daqui, já mais independente, senão no aspecto económico, ao menos no plano formal, comecei a marcar presença amiúde nestes grandes momentos, sozinho ou acompanhado, de boa saúde, ou saído da cama, como veremos mais adiante.
Na mesma época vi ainda pela televisão a final da Taça de Portugal, que pôs os rivais lisboetas de novo diante um do outro, agora no Jamor. Foi uma sobremesa na vingança já de certo modo servida com a conquista do título. Uma exibição esplendorosa de Diamantino chegou para liquidar uma vez mais os leões. 2-1 novamente, e dobradinha para John Mortimore.
Em 1987-88, em jogo com poucas implicações num campeonato já decidido a favor do eficaz Porto de Ivic, assisti a uma das melhores exibições do Benfica em derbys. Aos 50 minutos de jogo já havia 4-1 (bis de Magnusson e Rui Águas), pouco depois Mozer atirou à barra na sequência de um livre, e em poucas ocasiões a vingança dos 7-1 terá estado tão próxima. Esse Benfica, com Toni ao leme, chegaria à final da Taça dos Campeões em Estugarda. O Sporting vivia dias difíceis, com uma equipa descaracterizada e recheada de brasileiros de qualidade duvidosa. Desse jogo recordo ainda uma longa caminhada pedestre desde a Estefânia até à Luz, e respectivo regresso. À excepção de uma ocasião em que, em Madrid, já pela noite dentro, percorri um trajecto desde para lá de Castilla até à Porta del Sol, não me recordo de alguma vez ter andado tanto a pé.
Em Dezembro de 1988 novo derby, nova enchente, nova vitória. Perante um leão eivado de unhas gonçalvistas (Douglas, Silas, Carlos Manuel, Ricardo Rocha, Eskilsson), Magnusson e Pacheco resolveram um jogo também marcado pelo caso Hernâni, médio que acusou a presença de cocaína no controlo anti-doping, que dava na altura os primeiros passos na modalidade. Foi suspenso, mas na época seguinte ainda voltaria a tempo de disputar a final da Taça dos Campeões, em Viena frente ao Milan. Nunca se chegou a saber se era culpado, como as evidências pareciam demonstrar, ou inocente, como ele insistia em clamar. A sua carreira e a sua vida, daí em diante, seriam normais, e julgo que ainda joga futebol de praia.
O primeiro derby a que assisti em Alvalade disputou-se nas primeiras jornadas da temporada seguinte - a da final de Viena, portanto. Foi a única vez que me sentei na bancada central daquele estádio, pois as companhias com que fui ao jogo eram influentes e endinheiradas, e arranjaram-me um convite. O Benfica triunfou com um golo solitário de César Brito a cruzamento do extremo angolano Abel Campos. Entre os leões havia grande expectativa para essa temporada, fruto de aquisições como a de Fernando Gomes, o bi-bota de ouro que saíra a mal das Antas, ou do central internacional brasileiro Luisinho. Mas na equipa de Eriksson, um Ricardo Gomes na defesa, um Valdo no meio campo, e um Magnusson na frente -todos no auge das respectivas carreiras - davam poucas hipóteses à concorrência e tornavam o futebol encarnado verdadeiramente demolidor. Esse início de época foi marcado por várias goleadas e exibições espectaculares, embora posteriormente a aposta europeia tenha acabado por deixar cair o título nacional para um F.C.Porto de transição, onde agora actuava …Rui Águas (não me esqueci, nem me esqueço !).
Após três anos de ausência, voltei a um derby em Dezembro de 1993. Estava-se na famosa temporada do título de Toni, que durante longos onze anos foi o “último”. O famoso verão quente – não o gonçalvista, mas o benfiquista – tinha feito sair da Luz Paulo Sousa e Pacheco a caminho do Sporting de Sousa Cintra. João Pinto por pouco não lhes fez companhia, acabando resgatado em Torremolinos por Jorge de Brito.
Ao contrário do que se terá pensado no reino do leão, essa humilhação foi a força maior do Benfica ao longo de toda essa temporada, que culminou com os 3-6. Antes, na primeira volta, já com as duas equipas a disputar o primeiro lugar, e na semana seguinte ao terrível acidente que roubou uma promissora carreira ao russo Cherbakov, ao incompreensível despedimento de Bobby Robson na sequência de uma eliminação europeia em Salzburgo, e à contratação de Carlos Queiroz, o Benfica serviu a primeira dose da sua vingança. Venceu por 2-1, depois de Figo (a primeira vez que o vi jogar) ter aberto o placar na sequência de um canto – as bolas paradas eram então o ponto fraco dos encarnados -, de Yuran ter empatado no início da segunda parte, e Isaías, com um forte remate de meia distância, ter assegurado a vitória e a prenda de Natal dos benfiquistas. Não foi pois o regresso que Paulo Sousa e Pacheco desejavam, numa equipa que tinha também Paulo Torres, Peixe, Nelson, Cadete e Balakov.
Este jogo foi para mim inesquecível - pela primeira vez (não única) vi um jogo do Benfica directamente saído da cama, onde combatia uma terrível gripe e ardia em febre. Perante a estupefacção e mesmo indignação da minha mãe, arranquei sozinho de Évora para Lisboa, com muita roupa em cima, e os bolsos carregados de analgésicos e antipiréticos, para não deixar de apoiar a equipa em tão delicado momento. Valeu a pena, e até a doença me passou. Acabei na Portugália da Almirante Reis – então única - a comemorar a vitória.
Depois desse episódio, e dos 6-3, algumas épocas menos empolgantes fizeram-me falhar cinco derbys seguidos na Luz. Nem por isso deixei de ir ao futebol, acabando curiosamente por, neste período, assistir a alguns Sporting-Benficas em Alvalade. Foi o caso do de 1994-95, em que um golo de Amunike afastou o Benfica da corrida ao título, numa noite (1 de Dezembro de 1994) em que Preud’Homme fez a melhor exibição que alguma vez vi a um guarda-redes, evitando uma humilhante goleada. Fui ao jogo pelo simples motivo de, por razões profissionais, ter ido esperar uns ingleses ao aeroporto, e não saber o que fazer com eles até à hora de um jantar que estava marcado para Cascais, no qual, mau grado a derrota, nos banquetearíamos com um repasto de luxo - por conta de outrem, claro. Eram judeus, e adeptos do Manchester United. Torceram pelo Benfica – ai deles se assim não fosse…- mas não gostaram de um jogo cheio de paragens e mau futebol. Desse Benfica conheciam, além do guardião belga, o avançado argentino Cláudio Cannigia.
Não arranjei bilhetes para a célebre final do "Very-Light". Disputou-se no Jamor em Junho de 1996. Benfica e Sporting tentavam desesperadamente salvar a época, pois o F.C.Porto arrancara firmemente para a sua caminhada rumo ao penta. Quando Mauro Airez (argentino que não fez história na Luz para além desse momento) marcou o primeiro golo do Benfica, Hugo Inácio, membro (que se tornou famoso) dos No Name Boys, atirou um very-light (expressão até aí praticamente desconhecida), que por fatalidade, incúria ou descuido, aterrou na bancada dos adeptos do Sporting, atingindo mortalmente um deles. Pintou-se de luto o derby nesse dia . O Benfica venceu por 3-1, com mais uma grande exibição de João Pinto, mas nem sequer houve entrega de taça.
Voltei a Alvalade duas épocas depois, numa derrota tangencial com um golo do então estreante Beto, numa partida marcada pelas expulsões de Jamir e Hélder. Era Autuori o treinador benfiquista, e a equipa até ia bem no campeonato. Semanas mais tarde acabaria no entanto por derrapar, terminando muito mal a temporada já sob o comando de Manuel José. Neste jogo, tive de fugir de uma tremenda confusão à saída, tendo sido essa a única ocasião em que senti problemas de segurança em jogos com o Sporting – já com o Porto a história foi fértil em acidentes, que talvez um dia aqui vos conte.
Como não há duas sem três, no sábado de Carnaval de 1998 lá estava eu de novo em Alvalade para mais um clássico. Eram os melhores tempos de Souness, e a equipa encarnada levava várias vitórias consecutivas, sonhando ainda com uma aproximação ao F.C.Porto que não se chegaria a concretizar. Como à terceira é de vez, depois de duas derrotas seguidas, esta noite reservava-me uma retumbante vitória por 1-4, acompanhada de fantástica exibição. Poborsky (a estrela daqueles tempos), Sousa, Brian Deane e João Pinto (saído do banco após lesão) fizeram os golos - durante a segunda parte cheguei a pensar novamente nos 7-1. O médio Calado fez o jogo da sua vida e foi o melhor em campo, lembro-me também que o treinador do Sporting era Carlos Manuel – um dos meus ídolos de infância -, e um dos seus comandados era um ainda muito jovem Simão Sabrosa, que vi jogar nesse dia pela primeira vez. Tinha ficado em Lisboa à espera do jogo, mas ia passar o Carnaval a Évora, para onde me dirigi de imediato. A viagem, apesar de solitária, foi inesquecível, tal a enorme felicidade que juntava o início de um fim-de-semana prolongado, com uma tão robusta vitória do Benfica em Alvalade. Até cantei…
Como muitas vezes acontecia em jogos fora de casa, assisti à partida no meio dos No Name Boys. A intensidade com que se vive o jogo no meio das claques é incomparável. Por vezes, ainda hoje gosto de o fazer.
Este jogo abriu uma sequência de três vitórias consecutivas (e cinco vitórias em sete anos) do Benfica em Alvalade. Seguir-se-iam uma vitória por 1-2 com dois auto-golos de Beto em noite de denso nevoeiro, em jogo a que não pude assistir nem na televisão, e o célebre 0-1 em que um livre de Sabry adiou a festa de um ansiado título, que o Sporting conquistaria na semana seguinte em Paranhos. Este apenas vi pela televisão, tal como o de 2002 em que aconteceria precisamente o mesmo, não fosse um penálti arranjado por Martins dos Santos proporcionar a Jardel, no último minuto, o empate a um golo, depois de Jankauskas ter aberto o activo para o Benfica já em plena segunda parte. Curiosamente seria o Benfica, na semana seguinte, a devolver o título que tinha retirado ao rival, vencendo o ainda campeão Boavista na Luz por 2-1, permitindo ao Sporting festejar no hotel o seu segundo título em três anos.
O destino tem destas coisas. Estive seis anos sem ver um derby na Luz, e depois, em apenas um mês, vi…dois. Para o campeonato, um lisonjeiro 0-0, para a taça uma derrota por 1-3, num jogo em que a chuva foi visita, e em que uma polémica qualquer inviabilizou a transmissão televisiva. Estávamos em Janeiro de 2000, e meses depois, esse forte Sporting (de Acosta, Di Franceschi, André Cruz, Duscher, Vidigal etc) conquistaria o tal título que via fugir-lhe havia dezoito penosos anos.
Os dois últimos derbys a que assisti no antigo estádio da Luz foram, cada um de sua maneira, absolutamente inesquecíveis. Um determinou a saída de Mourinho do Benfica para não mais voltar – ao vencer por 3-0, com uma grande exibição, e com uma proposta do Sporting no bolso, exigiu, sem sucesso, a Manuel Vilarinho a renovação do contrato, batendo assim com a porta. Acabaria por não entrar em Alvalade pois, sabe-se-lá porquê, num impressionante serviço prestado ao clube, a claque Juve Leo boicotou-o, mobilizando-se para inviabilizar a sua contratação. Foi para Leiria e o resto da história é conhecido.
Nessa noite, numa equipa onde despontavam Fernando Meira, Marchena, Miguel, Maniche entre outros, mas que ficaria pela primeira e única vez na história do clube em 6º lugar, depois de somar três treinadores, João Tomás por duas vezes e Van Hooijdonk de penálti (que teve de ser repetido) marcaram os golos. Foi o regresso de João Pinto à Luz, e tal como Paulo Sousa e Rui Águas alguns anos antes, foi objecto de impressionante vaia sempre que tocava na bola.
No último derby da velhinha Luz, foi o árbitro o protagonista. Duarte Gomes expulsou de forma exagerada o médio Andrade, assinalou um penalti duvidoso a favorecer o Benfica, perdoou um cartão vermelho a João Pinto, mas pior que tudo isso, quando, já nos minutos finais, o Benfica vencia por 2-0, viu algo que mais ninguém conseguiu ver: Jardel saltou com Marco Caneira (então de águia ao peito) e lançou-se espalhafatosamente para o relvado. Em vez de lhe mostrar o respectivo cartão amarelo, apontou para a marca de grande penalidade perante a indignação geral. Jardel marcou, e dois minutos depois, em posição duvidosa, faria de cabeça o golo de um empate com sabor a derrota, e das amargas. Quem vencesse nesse dia dobraria o natal na frente. O empate favoreceu os leões (também de Quaresma, Hugo Viana, João Pinto e Paulo Bento), que se sagrariam campeões após 42 golos - dos quais 17 de penálti (!!!) - do então ainda Super, Mário Jardel.
Esta foi a época da “equipa maravilha” de Luís Filipe Vieira, que chegado à Luz, contratou, em colaboração com José Veiga, e quase simultaneamente, Simão Sabrosa, Mantorras, Zahovic, Drulovic, Argel, Caneira entre outros. Mas só três anos depois o sucesso chegaria.
Nessa partida, perante o fecho das portas das bancadas de sócios (já lotadas), tive de entrar para o terceiro anel, do lado que nunca deixou de ser o "novo". Vi-me aflito para conseguir lugar, e foi já muito perto do apito inicial que me sentei na bancada. Vi o jogo rodeado de sportinguistas, mas nem mesmo assim essa deixou de ser uma das raríssimas ocasiões em que não resisti a lançar alguns impropérios ao juiz da partida. Saí do estádio como se me tivessem roubado a carteira.
Já que estive na despedida dos derbys na antiga Luz, não seria cortês não o fazer em Alvalade. Foi em 2002, também em Dezembro – muitos foram os Sportings-Benficas natalícios – mas desta vez saí com uma vitória por 0-2, golos ainda na primeira parte de Zahovic e Tiago. Foi o segundo jogo de José António Camacho no Benfica – recebera o Sp.Braga uma semana antes – e o último de Pedro Mantorras antes de um longo calvário de dois anos sem jogar. Julgo ter sido a primeira vez que vi jogar Cristiano Ronaldo mas, verdade se diga, não me impressionou muito. Demoraria a fazê-lo, mas a partir do Euro 2004, obviamente rendi-me.
Na mesma época, enquanto na Luz decorriam as obras, o Benfica recebeu os leões no Jamor. Perdeu por 1-2 um jogo que pouco contava para o desfecho da Liga. Marcaram Quaresma e João Pinto para o Sporting, enquanto Sokota reduziu para os encarnados já perto do fim. Fui assistir ao jogo, e esse foi, sobretudo, um dia para recordar todas as histórias que em criança o meu pai me contava sobre os grandes jogos então disputados no Estádio Nacional, tendo assim a oportunidade de viver um pouco dessas reminiscências.
Este jogo abriu também uma sequência de maus resultados do Benfica em casa (ou casa emprestada) diante do vizinho e rival. Em Janeiro de 2004, no primeiro derby da nova Luz, e também em Janeiro, mas de 2006, o Sporting ganharia na Luz, em ambas as ocasiões por 3-1. A primeira dessas derrotas deu-se com grande ajuda de Pedro Proença, que descobriu dois penáltis – um claramente inexistente, o outro duvidoso -, transformados por Rochemback e Sá Pinto, que, com golos de Silva e Luisão pelo meio, selaram o resultado, no dia em que o Benfica estreou o bonito equipamento centenário, do qual aliás guardo uma réplica.
Em 2006, com Koeman, Simão ainda abriu o activo de penálti. Na segunda parte foi o descalabro: após uma falta de Tonel sobre Nuno Gomes que Pedro Henriques não viu, Sá Pinto, também de penálti, e Liedson por duas vezes, viraram o jogo do avesso. Num sábado de chuva diluviana, estávamos nos primórdios do Sporting de Paulo Bento, e era o tempo de um Benfica mais preocupado com as andanças europeias - venceria em Anfield Road pouco depois.
Mas no meio destas duas derrotas, muita coisa se passou. Em Alvalade, na estreia do novo estádio do Sporting em derbys, um golo de Geovanni nos últimos instantes colocou o Benfica no segundo lugar e na pré-eliminatória da Liga dos Campeões. Grandes alegrias vivi eu nesses meses. Seguiu-se a vitória na Taça diante do Porto campeão europeu, e depois o inesquecível Euro 2004. Em Maio de 2005 o título. Treinava o Sporting Fernando Santos, e Moreira foi o melhor em campo. Ao golo seguiu-se uma invasão de campo da claque leonina, que dirigentes do Sporting e as forças policiais conseguiram a custo controlar. Lamentavelmente, não arranjei bilhete para este jogo, e vi-o pela televisão.
Mas a minha época mais profícua em derbys foi a de 2004-2005. Assisti a três. O primeiro em Janeiro de 2005, em Alvalade a convite de um amigo que detinha dois cativos. Ganhou o Sporting por 2-1, com dois golos de Liedson - regressado depois de um polémico cumprimento de castigo frente ao Pampilhosa para a Taça, em jogo propositadamente antecipado para as vésperas do derby. Foi o dia em que Mantorras também regressou, curiosamente, quase no mesmo local onde tinha feito o seu último jogo (o estádio é que já era outro).
Ainda nesse mesmo mês de Janeiro, calhou em sorteio de Taça mais um Benfica-Sporting, agora na Luz.
O Benfica, com muitas lesões, vinha de uma série de derrotas, a última das quais com o Beira Mar em casa. Seria campeão nesse ano, mas na altura poucos apostariam em tal. Sentindo a importância da ocasião, e do meu apoio, repeti o que fizera em 1993 e no meio de uma virose, a poder de Brufens e Ben-u-rons, lá fui com falhas respiratórias para a Luz, onde nessa noite deveriam estar não mais de dois graus de temperatura. Deus recompensou-me e assisti a um dos melhores derbys da minha vida: 3-3, após prolongamento, um espectáculo empolgante, grandes golos e um happy-end no desempate por penáltis – Miguel Garcia atirou à barra, dando a passagem ao Glorioso. Não serviria de nada, pois meses mais tarde, no Jamor, um Benfica a ressacar do título conquistado, seria ultrapassado por um Vitória de Setúbal aguerrido, em jogo que também presenciei.
Duas semanas antes, em Maio, dia de aparições, foi Luisão a lançar a mais profunda loucura que alguma vez vi num estádio de futebol, marcando o decisivo golo que viria a valer, uma semana depois, um sofrido e ansiado título. Esse jogo proporcionou, talvez, a maior alegria da minha vida desportiva. Até agora...
Ao todo vivi de perto mais de vinte derbys entre Benfica e Sporting. Pelas minhas contas, recordo-me de mais de oitenta, contando todas as competições, e jogos particulares entre ambos. Cada um tem uma história, cada um tem os seus heróis, os seus casos. Sempre assim foi e sempre assim será.
No Domingo se escreverá mais uma página desta bela história, que constitui indubitavelmente um dos baluartes do desporto no nosso país. Como um Lazio-Roma, um Inter-Milan, um Boca-River ou um Celtic-Rangers, este é um daqueles confrontos que faz perceber o significado da palavra rivalidade, que faz sentir que vale a pena ser adepto do futebol, e vibrar com estas emoções que nos manipulam, que nos agarram a alma.
Que em campo os jogadores saibam merecer o peso deste confronto, é aquilo que se pode desejar. Depois...que ganhe o Benfica...
Viva o Derby !Viva o Futebol !
Recordemos agora as imagens de alguns derbys ocorridos neste período:










TRÊS DERBYS MUITO ESPECIAIS

SPORTING-BENFICA, 7-1 (1986-87)
Se alguém perguntar a um benfiquista qual a maior alegria desportiva da sua vida, a resposta dependerá da idade, mas decerto corresponderá a um dos muitos títulos conquistados, ou a alguma importante vitória internacional. Para um portista não será muito diferente. Contudo, se a questão for posta a um sportinguista, é certo e sabido que não hesitará em indicar de imediato o célebre Sporting-Benfica de Dezembro de 1986, que terminou com o resultado de 7-1.
Foi um jogo de campeonato, ainda na primeira volta da época 86-87, e que nada valeu em termos de palmarés – o Benfica, que já então comandava a classificação, sagrar-se-ia campeão com mais 14 pontos que os leões, que se quedaram pelo 4º lugar, e venceria a Taça de Portugal derrotando-os na final por 2-1 -, mas a rivalidade fratricida com que “lagartos” sempre olharam “lampiões” (muito mais que o contrário, diga-se), faz com que para muitos deles, essa tarde, mais do que uma simples jornada de felicidade, se tenha tornado na maior glória da história centenária do seu clube, senão pelas suas consequências, pelo mórbido prazer de ver o rival humilhado a seus pés.
Para quem, como o autor destas linhas, estava do outro lado da barricada, a importância atribuída a este jogo resulta algo estranha. Até porque, muito mais dolorosa do que essa derrota tinha sido, por exemplo, a de meses antes em plena Luz também frente ao Sporting, por 1-2, que a uma jornada do fim encaminhou o campeonato para norte. Mas o futebol tem destas coisas, e vive também destes momentos singulares.
Não estive em Alvalade nessa tarde. Ainda bastante jovem só ia aonde me levavam, e nessa tarde estava em Évora a assistir a um Lusitano-Imortal (se não me falha a memória), local onde fui ouvindo pela rádio, com toda a atenção, o relato das incidências do derby – anos mais tarde teria oportunidade de ver o vídeo do jogo na íntegra, que aliás conservo em casa.
Desde cedo se percebeu que o jogo não ia correr bem aos encarnados. O Sporting, orientado por Manuel José, vinha de uma sequência de bons resultados, e entrou a todo o gás na partida marcando ainda antes de cumprido o primeiro quarto de hora por intermédio de Mário Jorge, numa recarga já dentro da pequena área, a defesa incompleta de Silvino. Era um Sporting capaz do melhor e do pior, irregularidade essa que acabou por custar a cabeça do seu treinador algum tempo depois. Neste dia esteve em grande.
O Benfica era uma equipa rigorosa mas pouco espectacular. Viria a sagrar-se campeão e vencedor da taça mas nem isso impediu a substituição do seu técnico, o inglês John Mortimore, no final da temporada, um pouco à semelhança do que aconteceria anos mais tarde com Trapattoni. O clube da Luz ainda procurava o seu reequilíbrio desportivo depois das saídas simultâneas no verão de 1984 de Chalana, Stromberg , sobretudo, Eriksson, e só nas épocas seguintes conseguiria enfim satisfazer os seus associados na plenitude, designadamente com duas presenças na final da Taça dos Campeões em três anos.
Até final da primeira parte não houve mais qualquer golo. Estava-se enfim, com 1-0 ao intervalo, perante um derby normal.
Logo aos cinco minutos da segunda parte, o Sporting confirma que o dia era seu, marcando o segundo golo por Manuel Fernandes. Mas o Benfica reagiu, e pouco depois, aos 59 minutos, reduziu a diferença por intermédio do brasileiro Wando, que correspondeu de cabeça a um cruzamento para a área, desviando a bola para o fundo da baliza de Damas. O Benfica discutia de novo o jogo.
A 25 minutos do final da partida o marcador assinalava 2-1. O Benfica tinha de arriscar tudo e procurou fazê-lo, mas o resultado foi caótico. Em apenas seis minutos os leões marcam por três vezes (por Ralph Meade, de novo Mário Jorge, e de novo Manuel Fernandes), elevando o placar para impressionantes 5-1. Parecia vingada a derrota de nove meses antes na Luz, onde em encontro a contar para a Taça de Portugal o Benfica vencera por 5-0, goleada construída nos últimos dez minutos à entrada dos quais o marcador era apenas de 2-0.
Tudo saía bem ao Sporting. O Benfica entrava em desnorte total, e cada bola que se aproximava da sua área parecia levar fogo. Toda a equipa, mas sobretudo a defesa, parecia completamente perdida, atónita. Aconteceria algo parecido, treze anos depois, numa tristemente célebre noite em Vigo.
O Sporting, empolgado por um Estádio de Alvalade em chamas, marcava ainda mais dois golos, ambos por Manuel Fernandes, e se o jogo durasse mais tempo seguramente que as contas não ficariam por aí.
7-1 era a maior goleada de sempre entre os dois clubes. O Benfica, além do tal jogo da taça, vencera em 1946 por 7-2, em 1979 por 5-0, mais duas vezes por 5-1, quatro por 4-1. Em 1994 chegaria a vingança: em jogo decisivo para o título, no mesmo cenário, o Benfica triunfaria por 3-6. Mas 7-1 nunca sucedera, nem nunca veio a suceder depois.
Na bancada queimam-se cachecóis e bandeiras do Benfica. Rasgam-se alguns cartões – há sempre quem lhe custe mais a digerir estas coisas -, mas o Benfica mantém-se lá bem na frente do campeonato.
Por mim, desinteressei-me do jogo a partir daqueles seis fatídicos minutos. Os três pontos estavam perdidos, e havia que seguir em frente.
Vinte dias depois jogava-se na Luz um importantíssimo Benfica-F.C.Porto. Estariam quase 140 mil pessoas (números de “A Bola”) naquela que foi a maior enchente de sempre num jogo de futebol em Portugal – o F.C.Porto seria campeão europeu nesse ano, e trouxe nesse dia a Lisboa cerca de 40 mil pessoas. O Benfica venceu por 3-1 (três golos de Rui Águas) e partiu para a conquista do título que festejaria, curiosamente, diante dos leões, no jogo da segunda volta, com uma vitória por 2-1, resultado que repetiria na final da Taça , consumando a dobradinha, a última da história do clube.
Numa época de glória benfiquista, ficou assim assinalado um dia de êxtase leonino.
  
SPORTING-BENFICA, 3-6 (1993-94) 
13 de Maio de 1994 – Estádio José Alvalade.
O derby de Lisboa entre Benfica e Sporting é sem dúvida o jogo mais tradicional do futebol português. A rivalidade de Benfica e F.C.Porto tem sido de há três décadas para cá bem maior e mais doentia do que alguma outra, mas a tradição será sempre a tradição e nada como um bom de um Benfica-Sporting para a redesenhar de cada vez que as camisolas encarnadas se misturam com as verde e brancas nos relvados. É assim em Portugal, é assim também em Espanha com o Real e Atlético em Madrid, em Itália com o A. C. Milan e o Inter em Milão, e onde quer que dois clubes da mesma cidade – no caso praticamente da mesma rua – se encontrem.
Ainda recordo o tempo em que todas as mesas de matraquilhos – jogo que me é muito querido – tinham Benfica e Sporting como protagonistas, antes ainda do F.C.Porto tomar o lugar dos leões em muitas delas, espelho da sua ascensão ao segundo lugar da hierarquia de títulos nacionais, e de seus feitos europeus em nada menores que os que o Benfica havia conseguido na década de sessenta.
Os dois grandes de Lisboa eram então os baluartes, não só do futebol, mas de quase todas as modalidades desportivas que se disputavam no país, do hóquei ao ciclismo, do basquete ao voleibol, do atletismo ao ténis de mesa, do andebol ao râguebi – e que pena é que os leões tenham abandonado o seu outrora tão proclamado ecletismo, que tantos títulos de carácter nacional e internacional lhes valeu.
Foram décadas e décadas de acesa disputa, que mais do que desportiva era também em de algum modo de âmbito social, com os mais abastados predominantemente ligados ao Sporting e os desfavorecidos torcendo naturalmente por um Benfica da cor do seu sangue.
Não espanta por isso que muitos Benficas-Sportingues tenham entrado como lendas para a história do desporto nacional e perdurem inesquecíveis em todos aqueles que de uma ou outra forma os vivenciaram.
De entre todo um conjunto de momentos épicos protagonizados pelos dois clubes, há dois derbys que, se me permitem, poderei considerar o pai e a mãe de todos os derbys nacionais. Disputaram-se ambos em Alvalade, com uma vitória para cada lado, e constituem momentos que os adeptos não se cansam de recordar: os 7-1 para o Sporting de 1986 e o 3-6 para o Benfica de 1994, este último com a particularidade de ter valido um importante título.
Lamentavelmente não pude estar presente no estádio nessa tarde de Maio de 1994. Embora já acompanhasse o Benfica com bastante frequência, foi se a memória não me atraiçoa, por não ter conseguido bilhetes que faltei a essa determinante partida – à semelhança do que aconteceu, por exemplo, na final da Taça de Portugal de 2004 que marcou o regresso do Benfica aos títulos depois de um prolongado jejum.
Vi o jogo numa televisão de 33 cm e a preto e branco em casa de um colega de lides universitárias, por sinal sportinguista, o que deu também acrescida peculiaridade à situação.
Essa temporada foi inesquecível. O defeso anterior ficou conhecido como o “verão quente” (em alusão ao período revolucionário que o país viveu em 1975), pois foi marcado pelas rescisões unilaterais dos contratos de Paulo Sousa e Pacheco, que alegando salários em atraso na Luz rumaram até Alvalade. Falou-se ainda de Rui Costa, Vítor Paneira, Isaías, Hélder e Neno como tendo sido aliciados pelo Sporting a seguirem o mesmo caminho, embora acabassem por permanecer de águia ao peito. João Vieira Pinto, o melhor jogador português da altura, chegou mesmo a rescindir o contrato sendo contudo resgatado in-extremis pelo então presidente e recentemente falecido Jorge de Brito em Torremolinos, quando tinha tudo acertado com o Sporting para jogar em Alvalade. Um contrato amplamente melhorado manteve-o na Luz, mas longe estávamos ainda de saber a importância que esse momento teria no desenrolar da época.
Como se pode imaginar, as relações entre Benfica e Sporting azedaram bastante e gerou-se um clima de grande tensão, o que acabou paradoxalmente por favorecer o clube da Luz, pois os orientados de Toni fizeram deste campeonato a causa de uma vida e lutaram como nunca para resgatar o seu orgulho, tão ferido que fora meses antes.
O Sporting construíra uma grande equipa juntando os ex-benfiquistas aos campeões do mundo de juniores Luís Figo, Peixe, Capucho, Nelson, Amaral, Filipe e Paulo Torres, além de jogadores mais experientes como os internacionais Balakov, Cadete, Valckx e Juskowiak. Todavia o Benfica, mesmo privado de Paulo Sousa e Pacheco, para além da venda de Paulo Futre ao Marselha, tinha um plantel ainda mais poderoso. Aos jogadores atrás referidos juntavam-se ainda o central brasileiro Mozer, os também brasileiros William e Ailton, os portugueses Abel Xavier, Veloso e Kenedy, o sueco Stefan Schwarz e os polémicos mas categorizados russos Yuran, Kulkov e Mostovoi. A equipa benfiquista faria nesta temporada alguns dos jogos mais espectaculares da história do clube, como este que agora se recorda, ou um outro em Leverkusen (4-4) para a Taça das Taças cuja evocação ficará para uma próxima oportunidade.
O F.C.Porto falhara rotundamente no regresso de Ivic ao clube, e logo na primeira volta perdeu vários pontos que o deixaram, sobretudo após perder na Luz na primeira jornada da segunda volta, praticamente arredado do título. A luta cedo ficou portanto resumida aos dois rivais lisboetas.
O Sporting, depois de um início muito forte, veria um dos seus principais jogadores, o jovem russo Cherbakov, ficar paraplégico na sequência de um dramático acidente de viação nocturno. Na semana anterior (julgo que já em Dezembro), o impulsivo presidente despedira o conceituado técnico inglês Bobby Robson devido ao afastamento das provas europeias após uma derrota por 0-3 em Salzburgo. Robson iria para o F.C.Porto, onde terminou bem a época vencendo a taça e alcançando inclusive o segundo lugar do campeonato, vindo a ser campeão logo na época seguinte. Para Alvalade seguiu o Professor Carlos Queiroz, técnico bi-campeão mundial de sub-20 (selecção onde orientara muitos dos jogadores do Sporting), e à data com um prestígio no país quase equivalente ao que hoje detém José Mourinho.
Pouco depois da estreia do novo técnico o Sporting joga na Luz em vésperas de natal, mas depois de Figo abrir o marcador, o Benfica consegue a reviravolta na segunda parte com golos de Yuran e Isaías, assumindo o comando isolado do campeonato.
As duas equipas foram prosseguindo a sua caminhada, com o Sporting sempre bem próximo do rival, até que uma semana antes do derby da segunda volta o Benfica empata em casa com o Estrela da Amadora e fica com apenas um ponto de vantagem sobre o Sporting, que no mesmo dia ganha exuberantemente em Aveiro por 0-4. Os leões apresentavam-se nessa fase em grande forma, ao contrário do Benfica que evidenciava uma quebra resultante do desgaste que as provas europeias – onde chegou às meias finais da Taça das Taças, perdendo então com o poderoso Parma.
Eis-nos então chegados a Alvalade, a essa tarde de 13 de Maio em que tudo se decidia.
Faltavam apenas mais quatro jornadas para terminar a prova e, assim sendo, quem vencesse ficaria com o caminho aberto para o título.
Não se tratava de um qualquer título. Era talvez o título nacional mais importante da história do Benfica até então. Era o título do orgulho resgatado, depois de quase se assistir ao desmantelamento da equipa e do próprio clube, que continuava mergulhado num mar de dívidas e dificuldades organizativas diversas. Por outro lado, o Sporting não vencia qualquer prova havia doze anos. Era aquilo a que se pode chamar um jogo de vida ou de morte, e logo entre os eternos rivais.
A tarde estava chuvosa e o estádio a abarrotar. Recordo que até o pontapé de saída foi rodeado de suspense, com o árbitro (o recentemente falecido Vítor Correia) a mandá-lo repetir.
Os grandes ausentes eram Peixe e Juskowiak castigados no Sporting e Rui Costa no Benfica por opção de Toni. Foi talvez a única vez que Rui Costa ficou no banco em toda a época, o que se entendeu pelo facto de o então jovem jogador atravessar uma fase de grande desgaste físico.
O Sporting entrou de forma avassaladora, dominando completamente a primeira meia hora de jogo. Logo aos 10 minutos, Jorge Cadete corresponde a um cruzamento e bate de cabeça o guardião Neno abrindo o activo. Pouco depois nova oportunidade desta vez desperdiçada por Iordanov. O Benfica mal respira e teme-se o pior. Alvalade ferve de euforia.
Aos 25 minutos de jogo surge João Vieira Pinto, que dá nesse momento início à mais memorável exibição da sua carreira, e a um dos desempenhos individualmente mais bem conseguidos da história do futebol luso. O jovem avançado ganha um ressalto a Paulo Sousa, rodopia e estoira desde 30 metros de distância batendo inapelavelmente um impotente Lemajic. Contra a corrente do jogo o Benfica restabelecia a igualdade.
Foi sol de pouca dura, pois alguns minutos mais tarde, na sequência de um canto, Luís Figo, novamente de cabeça, faz o segundo golo dos da casa, devolvendo a loucura às bancadas de Alvalade.
Mas João Pinto parece cada vez mais decidido a entrar para a história, e pouco depois, num extraordinário lance individual em que dribla dois defesas sportinguistas já no interior da área, atira mais uma vez fora do alcance do guardião jugoslavo. 2-2 num jogo cada vez mais empolgante.
A um minuto do intervalo, num livre estudado Vítor Paneira desmarca-se e cruza para a área onde Isaías ganha de cabeça, e novamente João Pinto, também de cabeça, faz um inacreditável hat-trick, dando vantagem ao Benfica ainda na primeira parte, poucos minutos depois dos encarnados parecerem estar à beira do KO.
Ao intervalo de um jogo de loucos, com o resultado ainda completamente em aberto, Carlos Queiroz faz uma substituição suicida, retirando o lateral esquerdo Paulo Torres e colocando o extremo Pacheco em campo. O Benfica, mais experiente, saberia a partir daí ganhar definitivamente vantagem no jogo, marcando todos os restantes golos por esse flanco.
Logo nos primeiros minutos do segundo período, Vítor Paneira escapa-se a Paulo Sousa, cruza para a área, João Pinto salta por cima da bola , que sobra para Isaías isolado que fuzila Lemajic fazendo o 2-4. Começava-se nesse momento a ver o fundo do tacho deste jogo, pois pela primeira vez, e já na segunda parte, uma das equipas ganhava vantagem de dois golos.
Por volta do quarto de hora, João Pinto dá ainda mais brilho à sua prestação com uma jogada individual extraordinária, que culmina com um drible sobre Paulo Sousa já dentro da área (perfeita metáfora de tudo o que significara essa temporada), e um passe soberbo a isolar novamente Isaías que bisa no jogo elevando o resultado para 2-5. Os adeptos leoninos não queriam acreditar. A festa era agora claramente do Benfica, que se sentia à beira do mais importante título nacional até a esse momento.
Já em clima de festival benfiquista, e já com Rui Costa em campo, mais uma vez Vítor Paneira, mais uma vez pela direita do ataque encarnado, cruza para a entrada da área onde Hélder, em acção ofensiva, remata em vólei para o 2-6 que cada vez mais assumia a natureza de escândalo. Era a hipótese de vingar os 7-1 ali mesmo sofridos oito anos antes.
João Pinto entretanto era substituído, ficando a imagem do aperto de mão que Carlos Queiroz, seu treinador nos sub-20, lhe fez questão de dar, como sinal do reconhecimento do seu fenomenal trabalho nessa tarde.
O Sporting, num último assomo de dignidade, ainda reduziu por Balakov de penálti, mas o título estava entregue.
No dia seguinte “A Bola” titulava “Céus ! 6-3 em Alvalade; Benfica sublime, empolgante e aterrador”, e atribuía pela única vez na sua história a nota 10 a João Vieira Pinto, que com uma exibição eusebiana garantira a vitória e o título para os encarnados.
Naturalmente a festa pelo país fora durou até às tantas.
Na semana seguinte o Benfica selava em Braga a conquista matemática do campeonato, mas foi nesse 13 de Maio que a “aparição” João Pinto dizimou o Sporting (onde viria ainda a jogar) e resolveu a questão.
Inesquecível!

BENFICA-SPORTING, 1-0 (2004-05) 
Ao longo de mais de trinta anos de futebol muitas foram as alegrias, muitas foram as decepções. Três finais europeias em que à frustração de uma derrota corresponderam momentos de grande euforia ao longo da caminhada que as antecedeu, outras tantas meias finais, títulos nacionais (dez ao todo), diversas taças de Portugal, grandes vitórias em Portugal e n estrangeiro, sem esquecer as alegrias dadas pela selecção nacional, quer com as qualificações para as principais provas internacionais da última década, quer sobretudo pelas duas últimas campanhas de que resultaram presenças na final do Euro 2004 e nas meias finais do Mundial 2006.
Seria em princípio difícil definir o momento mais feliz de todas essas fortes e emotivas experiências, mas tendo de optar por algum, não hesitaria em escolher o título de 2004-2005 conquistado pelo Benfica depois de um longo jejum de onze anos. Na verdade não se trata de um momento mas sim de vários. De várias semanas ou mesmo meses. De toda uma época, de uma fase de vida.
Foi um dos títulos mais importantes da história do Benfica, pois os onze anos a seco criaram uma pesada nuvem sobre o clube. Eu próprio cheguei a temer muitas vezes que o Benfica não mais voltasse a disputar e vencer campeonatos, tal a dimensão dos problemas que enfrentava, e a perda de dinâmica de vitória que lhe estava cada vez mais associada. A forma como o campeonato decorreu fez sentir que se poderia tratar de uma ocasião única e irrepetível. Ou se era campeão ali e se tinha o futuro pela frente, ou talvez nunca mais fosse possível sê-lo – recorde-se que o F.C.Porto fora campeão europeu e mundial, embolsara mais de 100 milhões de euros com as vendas de Deco, Ricardo Carvalho, Paulo Ferreira etc, e aparecia como claro dominador do futebol luso.
Não sendo possível relembrar todo esse inesquecível ano futebolístico – para mim, de longe, o melhor campeonato das últimas décadas, tanto em emoção como em futebol jogado -, centrarei a memória nas duas últimas jornadas. Efectivamente uma não faria sentido sem a outra, e seria redundante tratá-las de modo autónomo.
Lembrarei apenas que essa época foi marcada por uma constante agitação no topo da tabela, que chegou a ser comandada por Porto, Sporting, Braga, Boavista, e na sua fase inicial também por V.Setúbal e Marítimo. Foi um campeonato extremamente equilibrado – recordo de já em plena segunda volta termos quatro equipas na frente com o mesmo número de pontos -, e disputado por um lote fantástico de equipas, do F.C.Porto campeão mundial em Tóquio ao Sporting finalista da Taça Uefa, de um Braga em clara ascensão a um Boavista ainda no top do futebol nacional, mais o melhor Rio Ave de sempre, o melhor Marítimo de sempre, a melhor Académica, o melhor V.Guimarães e o melhor V.Setúbal dos últimos anos, excelentes Belenenses, Nacional, Gil Vicente etc. Até o lanterna vermelha Beira Mar ganhou na Luz e no Dragão. À inglesa! Um mimo de campeonato!
Depois de o Benfica ter conseguido, a sete jornadas do fim, uma vantagem de seis pontos que levou a sua imensa legião de adeptos – ávidos de glórias - a manifestações impressionantes de fervor clubista nos vários estádios espalhados pelo país onde a equipa jogava, uma derrota em Vila do Conde, um empate caseiro com a U.Leiria, e nova derrota em Penafiel, colocaram o Sporting no topo da tabela em igualdade pontual com as águias e com mais três pontos que os dragões. Faltavam então apenas duas jornadas, a primeira das quais contendo um ultra-decisivo Benfica-Sporting, e a última uma viagem ao Bessa.
Bastaria ao Sporting empatar na Luz para poder tranquilamente festejar o título em sua casa no derradeiro jogo frente ao Nacional. Ganhando sagrava-se de imediato campeão. Havia ainda um elemento importante nesta partida: o Sporting disputaria quatro dias depois a final da Taça Uefa em sua casa, vindo então a perdê-la frente ao CSKA de Moscovo.
A equipa de José Peseiro encontrava-se em grande momento de forma, podendo ganhar Liga e Taça Uefa na mesma semana, depois de uma longa sequência de brilhantes vitórias, emolduradas por exibições de fino recorte.
O Benfica por seu turno teria de ganhar para manter acesa a hipótese de, não perdendo depois no Bessa, conquistar o ansiado título. Se ganhasse por 1-0 ou por mais de um golo e o F.C.Porto ao mesmo tempo não vencesse em Vila do Conde, o Benfica também seria campeão logo nessa noite.
A equipa encarnada, orientada por Trapattoni, era extremamente batalhadora, mas algo carecida de opções. O banco era fraco, e o futebol que jogava, fruto do realismo do experiente italiano, era de pouca posse de bola, procurando através de contra-ataques quase sempre conduzidos por Simão Sabrosa, ou por via de lances de bola parada, os poucos golos com que foi sedimentando a sua difícil caminhada.
Dizia-se na altura, e com alguma razão, tratar-se do jogo do século. Não me lembro de facto de nas competições nacionais se ter jogado uma partida de tão dramática importância – mesmo os 6-3 de Alvalade em 1994 foram a cinco jornadas do fim, e o Benfica tinha sido campeão apenas três anos antes.
O ambiente em redor deste derby foi algo de inesquecível. Apesar da derrota em Penafiel, todos os benfiquistas acreditavam ter ali a sua oportunidade para resgatar anos e anos de desilusão.
Nessa manhã de sábado, viam-se inúmeras pessoas com as camisolas de ambos os clubes, e grupos de jovens entoando cânticos, mesmo em zonas bem longe do estádio.
Muita gente terá vivido esse dia com enorme ansiedade. Do lado do Benfica era a hipótese de pôr termo ao longo e angustiante jejum. Entre os leões tratava-se basicamente impedir que isso acontecesse, mas também de dar luz a uma época que entusiasmara fortemente a nação sportinguista.
O estádio estava naturalmente esgotado com vários dias de antecedência, o que foi a nota dominante de quase metade deste campeonato sempre que o Benfica marcava presença.
As equipas alinharam da seguinte forma. O Benfica com Quim, Miguel, Ricardo Rocha, Luisão, Dos Santos, Petit, Manuel Fernandes, Nuno Assis, Geovanni, Nuno Gomes e Simão Sabrosa. O Sporting apresentava-se sem o goleador Liedson castigado com um inoportuno e ingénuo (ou talvez não?) cartão amarelo nos últimos minutos do jogo anterior. Peseiro fez alinhar: Ricardo, Miguel Garcia, Beto, Anderson Polga, Rui Jorge, Custódio, Pedro Barbosa, Rochenback, Sá Pinto, Douala e Pinilla.
O ambiente no estádio era impressionante. Nunca em momento algum me recordo de ouvir tanto barulho num qualquer jogo, mesmo quando o antigo estádio da Luz levava 120 mil pessoas (efeitos da acústica). Ao mesmo tempo sentia-se uma enorme tensão. À medida que o tempo ia passando o nervosismo adensava-se. O meu coração resistia, o que me deixa absolutamente tranquilo quanto à inexistência de problemas cardíacos, tal a intensidade com que vivi estes momentos.
O jogo foi naturalmente muito táctico, e durante toda a primeira parte há apenas que destacar um remate perigoso de Douala bem defendido por Quim.
No segundo tempo, o Benfica entrou melhor, e criou nos primeiros minutos uma grande oportunidade por Simão. O mesmo Simão, na sequência da melhor jogada de todo o encontro, atirou a milímetros do poste da baliza de Ricardo quando eram passados cerca de 65 minutos de jogo. Lembro-me de pensar que tinha ficado ali o título.
A partir de dada altura, com a entrada de Hugo Viana, o Sporting passou a dominar claramente o jogo. Já dentro do último quarto de hora, o mesmo Viana e também Rochenback puseram à prova Quim com excelentes remates de meia-distância. O resultado mantinha-se em branco e o título parecia perdido.
Faltavam sete minutos para os noventa quando o árbitro Paulo Paraty assinalou um livre perigoso por falta de Pinilla sobre Ricardo Rocha. Petit bateu, a bola sobrevoou a área leonina e eis que surge lá no alto Luisão, saltando com Ricardo, a desviar a bola para dentro da baliza do Sporting.
A minha primeira reacção foi olhar para o fiscal de linha. Confesso que só depois de ver as imagens na televisão fiquei com a certeza de não ter havido falta. Quando vi Paraty a apontar para o centro do terreno e os jogadores do Benfica a festejarem efusivamente, até custei a acreditar.
Foi a loucura generalizada no estádio. Dei comigo já fora do lugar, nas escadas, a saltar agarrado a pessoas que não conhecia de lado nenhum. Estoiram foguetes, lançam-se fumos e very- lights, 60 mil pessoas parecem tomadas por um acesso de histeria absoluta. Teria sido interessante alguém se entreter a observar as reacções àquele momento, com frieza de cientista. Viam-se pessoas a chorar, pessoas ajoelhadas. Tudo!
Ainda havia 6 minutos para jogar, mais os descontos (seriam mais 5). Mas o Sporting desnorteou-se. Beto foi expulso por protestos, sucederam-se as faltas, e praticamente não se jogou mais. As bancadas registaram seguramente os 10 minutos de maior euforia da história do estádio.
Paraty apitou para o final. Estava consumado o triunfo, mas como o F.C.Porto tinha ganho ao Rio Ave a festa só poderia ser total no fim de semana seguinte no Bessa. Os portistas tinham os mesmo três pontos de atraso, mas vantagem no confronto directo – fruto do polémico jogo em que Benquerença não viu a bola dentro da baliza de Baía. O Sporting estava matematicamente afastado do título.
No relvado a festa assemelhava-se à conquista de um troféu. Sentia-se a importância do passo que estava a ser dado rumo ao que todos ansiavam havia tanto tempo.
Depois de dois ou três minutos de euforia, a minha preocupação voltou-se para a necessidade de arranjar bilhetes para a última jornada. Tinha-os visto à venda na véspera e no próprio dia do jogo, mas não tive coragem de arriscar. Os mais baratos custavam 40 euros, e o Benfica corria o risco de ir ao Porto apenas cumprir calendário. Agora, era imprescindível consegui-los.
Fui desde logo para casa na expectativa de me levantar de madrugada prevendo uma enorme afluência às bilheteiras. No trajecto até casa os contactos telefónicos sucederam-se. Quem ia ao Bessa, quem não ia, quantos bilhetes eram necessários, etc. Fui levantar dinheiro por duas vezes, à medida que me acrescentavam interessados.
Já tinha decidido prontamente ser eu a ir à Luz comprar os bilhetes. Nunca correria o risco de deixar tal tarefa nas mãos de outra pessoa, mesmo sacrificando uma noite de sono.
Eram 5.40 h da manhã estava eu a chegar ao Estádio onde horas antes uma multidão vibrara intensamente com o “jogo do século”. Cabe aqui um aparte para dizer que chega a ser chocante a quantidade de lixo que deixa o jogo de futebol pelas imediações do recinto. Estavam lá já mais de uma dezena de pessoas aguardando pelas 10.00 h, altura em que abriam as bilheteiras.
O tempo foi passando entre a conversa e a leitura dos jornais desportivos (cada um comprava jornais diferentes que depois iam circulando). Lá consegui os bilhetes.
A semana passou com ansiedade e…medo. Depois de chegar ali, seria dramático perder aquele campeonato.
Dia 22 de Maio de 2005 o Benfica confirmaria o título, um dos mais saborosos de sempre. Mas esse era já outro jogo.

1 comentário:

carlos disse...

Boas recordações: para mim o que mais me marcou foram os 5-0 do Reinaldo!
Creio que Abel Campos era brasileiro.