E pronto, terminada a campanha chegou a hora da verdade.
Os sócios do Benfica vão ter de escolher uma de duas opções: dar mais uma oportunidade ao actual presidente para continuar o trabalho encetado; ou deitar já tudo abaixo e começar outra vez de novo. Votar em quem conhecem bem e ainda assim ganhou alguma coisa - ficando muito perto de ganhar bem mais; ou arriscar em quem de quase nada sabem, e que não apresenta nenhuma estratégia convincente para obter melhores resultados. Basicamente, é isto que está em causa. É esta a reflexão que os benfiquistas terão de fazer.
Não há presidentes perfeitos. Não há mandatos perfeitos. E o de Rui Costa, naturalmente, não o foi. Faltou mais um ou dois campeonatos de futebol. Por exemplo, o da época passada, aquela em que, no jogo do título, Pavlidis atirou ao poste já nos minutos finais. Podia ter sido um golo com significado equivalente ao de Luisão em 2005. Ou, em sentido contrário, ao de Kelvin em 2013. Ambos decisivos, e nas respectivas penúltimas jornadas. Não aconteceu. O futebol não é justo nem linear. E se em termos emocionais a frustração de perder é sempre a mesma (ou até maior quando se chega mais perto), a racionalidade obriga a olhar para o trabalho que se fez até chegar aos momento de decisão. 2005 foi uma grandé época? 2013 foi uma péssima época? Uma deu-me a maior alegria desportiva da minha vida. Outra deu-me a maior tristeza. No entanto, racionalmente, afirmo que a equipa de 2013 era infinitamente melhor que a de 2005. Que o Benfica em 2013 estava muito melhor do que em 2005. Todos concordarão comigo.
Houve erros nas contratações? Há sempre erros nas contratações. Lembro-me de muitos erros nas contratações, quer do Benfica, quer dos seus rivais, ou de todos os clubes do mundo, em todas as temporadas. Lembro-me, noutros tempos, do Folha, do Cláudio Adão, do Paulo Nunes, do Jorge Gomes, do Nivaldo, do Augusto, do Erwin Sanchez, do Stanic, do Paulão. A lista é interminável e a soma faz-se desde que existe mercado de transferências, ou até em tempos mais remotos. Se olharmos com atenção para o vizinho agora bicampeão, é fácil descobrir entre os seus restos nomes como Sotiris, Rochinha, Arthur Gomes, Kovacevic, Tanlongo, Bellerin, Marsá, Kauã, Biel, Ruben Vinagre, Gonzalo Plata, Tabata, Sporar, Koindredi, Rafael Camacho, Portelo etc, isto para nos resumirmos às últimas temporadas. Ninguém se lembra deles? Pois não. A equipa foi campeã. Tivesse a bola ao poste de Pavlidis entrado na baliza e eram estes os nomes de que agora se falava, ou de que falavam aqueles que há uns anos atrás enchiam as redes sociais com o lema #varandasout.
Rui Costa pegou num Benfica acossado por processos judiciais, com um plantel descaracterizado e envelhecido, sem ganhar absolutamente nada nos três anos imediatamente anteriores e na ressaca dos efeitos do Covid. Foi campeão, fez duas Champions que nos fizeram sonhar. Com Rui Costa como presidente, vi algumas das melhores exibições do Benfica de toda a minha vida: por exemplo, as vitórias ao Barça por 3-0 com Jesus, à Juve por 4-3 com Schmidt, ao Atlético por 4-0 com Lage, ou a dupla goleada ao FC Porto no último campeonato. Já que falo em FC Porto, e depois de perdemos anos a fio em casa e fora, seguimos agora com uma série absoluta de cinco vitórias, um empate e duas derrotas, nos últimos oito jogos.. Terá sido tudo um acaso? Ou a bola de Pavlidis foi, ela sim, uma infelicidade? Qualquer que seja a resposta, não há lugar a conclusões precipitadas. Os troféus não fizeram justiça à qualidade das equipas do Benfica nos últimos anos.
Cinco treinadores? Bem, uma vinha já de Vieira, outro foi interino. Na verdade houve uma aposta em Roger Schmidt, que foi campeão (e por isso percebo bem a resistência, mais tarde, em demití-lo), e depois em Lage (que também já tinha sido campeão e entrou com excelentes resultados). Depois do Mundial de clubes, sem férias, com pré-eliminatórias e Supertaça, com o que se sabia na altura não era aconselhável o despedimento de Bruno Lage. E ele até recomeçou bem, com várias vitórias seguidas, sem sofrer golos, cumprindo os dois grandes objectivos de início de época (qualificação europeia e Supertaça frente ao Sporting).
A equipa tem estado a pagar o preço do Mundial, da falta de férias e de uma pré-época inexistente. Há jogadores em claro sub-rendimento físico. Vão estar melhor. É preciso tempo. Há também contratações de qualidade que ainda não se afirmaram, como por exemplo Sudakov. Não tenho tantas certezas mas ainda não perdi a esperança em nomes como Rios ou Ivanovic. Lukebakio já mostrou qualidades. Nas provas nacionais a equipa encarnada realizou treze jogos e ainda não perdeu nenhum. Empatou no Dragão, ganhou ao Sporting. Dois golpes de crueldade, aos 94 minutos das partidas com Santa Clara e Rio Ave, subtraíram quatro pontos - com os quais o Benfica partilharia nesta altura o primeiro lugar da liga com o Porto (que, tal como o Sporting, está bastante forte, e a nível nacional ambos estão quase imbatíveis, e isso também não é indiferente)
Ao longo deste período foram vendidos jogadores. Noronha Lopes insiste em João Neves. Ora o jovem saiu por 65M mais objectivos, e ainda nem era titular da selecção. Foi ganhar porventura dez vezes mais do que ganhava na Luz, e duas ou três vezes mais do que aquilo que o Benfica lhe poderia pagar para se manter. Não queria saír? João Félix queria voltar? Acredito que sim, como Nélson Semedo, como Bernardo Silva, seja qual for o presidente. O problema é o salário que auferem, e que está muito acima da fasquia que a liga portuguesa permite. De resto o Benfica vendeu sempre muito bem os seus jogadores, bastando recordar Enzo Fernandez, Darwin Nunez ou Gonçalo Ramos - todos eles vendidos, na minha opinião, acima do seu real valor desportivo. Enquanto a liga portuguesa for miserável como é, com cinco clubes e mais de uma dezena de figurantes fantasma, o Benfica, como o Sporting e o FC Porto vão ter de vender jogadores. E naturalmente os melhores, pois são os que têm procura e mais dinheiro rendem. Não há qualquer possibilidade de competir com as cinco principais ligas europeias, com orçamentos estratosféricos, e agora com os árabes a inflacionar ainda mais os valores.
Comprou sempre bem? Não. Mas comprou bons jogadores como Aursnes, Bah, Neres, o próprio Enzo, Carreras, Pavlidis, Trubin, Dedic, Akturkoglu, para além de jovens como Prestianni ou Schjelderup que ainda têm muito para mostrar. Terá cometido um erro grave quando permitiu a ida de Gyokeres para Alvalade e trouxe para a Luz Arthur Cabral. Mas quem imaginava o impacto que ia ter Gyokeres, que vinha da segunda divisão? Enfim, não deixa de ser, quanto a mim, o maior erro destes quatro anos.
Critica-se também o apoio a Pedro Proença (partilhado entusiasticamente, aliás, por Nuno Gomes). Sou insuspeito para falar de Pedro Proença. Escrevi sobre ele inúmeras vezes, quer aqui, quer no jornal do clube, quer noutros espaços onde participei. Critico-o veementemente desde 2002 e de um célebre Boavista-Benfica com que se apresentou ao mundo. Acho-o uma figura detestável a todos os níveis. Também critiquei Rui Costa por apoiá-lo. Mas percebo que, com as promessas que ele fez aos clubes (e que agora se revelam impossíveis de cumprir), fosse prudente dar-lhe algum tempo. A real politik do futebol obriga a cedências e a consensos. O Benfica tem força, mas não tem "toda" a força. Os adeptos têm dificuldade em perceber isso, mas quem toma decisões sabe-o bem. Embora fosse menino para o fazer, não foi Pedro Proença que não quis ver o pisão de Matheus Reis na final da Taça. Ligar arbitragem a direitos televisivos e a apoios a presidentes da FPF é um caminho demasiado escorregadio para tirarmos conclusões que vão para além de meras teorias da conspiração. Não deixo de achar que foi um erro. Mas de alguma forma percebo-o, sendo que nenhum de nós, adeptos, de fora, conhece todos os dados da equação.
Há ainda todo um universo benfiquista muito para além da equipa principal de futebol. Nas modalidades o Benfica venceu mais do que os rivais (27 troféus), conquistou um importante título europeu no Andebol, e participações prestigiantes nas provas internacionais de quase todas as equipas. No sector feminino esmagou, sendo tetra-campeão no futebol. Na formação conseguiu feitos inéditos como a Youth League, e o bingo nos campeonatos de juniores, juvenis e iniciados, nunca antes alcançado em toda a história do clube.
Institucionalmente, o número de sócios disparou, assim como a procura de Red Pass - coisas que jamais aconteceriam num clube gravemente doente como alguns pretendem fazer crer. O estádio está muito mais bonito como sabem todos os que o frequentam.
Rui Costa prometeu uma auditoria forense e uma revisão de estatutos (eu não teria prometido, nem feito, nenhuma das coisas), cumpriu, mesmo se uma e outra se tornaram, ou poderiam ter tornado, armas de arremesso contra ele.
Financeiramente o Benfica continua sólido, e é, de longe, o mais saudável dos três grandes do futebol português. Apresentou contas com um lucro de trinta milhões, que alguns sócios insatisfeitos com o futebol podiam ter chumbado, coisa que Noronha Lopes, gestor profissional, nunca podia ter feito. E fez.
Enfim, Rui Costa é genuíno, é profundamente benfiquista, é honesto, é inteligente, conhece o futebol e o clube quase desde que nasceu. Pegou no Benfica numa altura difícil em que não apareceu mais ninguém. Em que outros andavam a tratar da sua vidinha. Devolveu-lhe credibilidade. Estabilizou-o. Revitalizou-o. Não ganhou tantos campeonatos de futebol como queria, como queríamos. Tenho a certeza absoluta de que os vai ganhar no próximo mandato.
Viva o Benfica!