Até aceito perder com o Barcelona como na quarta feira. Não aceito perder com o Casa Pia como hoje.
Uma equipa de 150 milhões de euros tem obrigação de fazer mais. Muito mais. E temo que tenha hipotecado em Rio Maior a luta por um título que estava inteiramente à sua disposição.
Houve desorganização, até mesmo desnorte. Houve pouca vontade, pouca concentração, pouco estofo. Em campo, e no banco. Uma atitude miserável.
No campo, confesso que já não consigo olhar para Kokçu e Arthur Cabral (e só aqui estão, fora salários, mais de 50 milhões). Um não quer. Outro não sabe. Nenhum deles tem lugar no plantel, quanto mais no onze. António Silva estava, de facto, melhor no banco. Carreras esgotou-se na Champions. Di Maria desapareceu com a lesão. Enfim, gente a mais, em muito baixo nível.
Tirar da equipa jogadores que acabam de fazer hat-tricks também não me parece a melhor ideia. Barreiro entrou mal com o Barcelona. Pavlidis entrou mal hoje. Eis uma forma de matar o estado de espírito de um e de outro, desaproveitando todo o potencial de confiança que pudessem ter alcançado. Tal como, de resto, tirar a titularidade a Schjelderup - que estava em super forma, e agora... vamos ver.
Mas o problema do Benfica está longe de se esgotar no treinador. Desde Rui Vitória, passando por Lage, Jesus e Schmidt, já não me apanham nessa.
Há algo de estrutural que tem de ser revisto. O Benfica, ano após ano, gasta dinheiro demais e joga futebol de menos. Investe em artistas de qualidade duvidosa, por vezes imberbes, quase sempre de perfil aveludado, amontoa esses investimentos (sempre de olho na venda e na potencial mais-valia), e esquece-se de construir uma verdadeira equipa de atletas unidos - um exército que, com maior ou menor brilhantismo (isso é secundário), lute bravamente, em conjunto, todos os jogos, cada minuto e cada lance desses jogos, sempre com sentido de urgência, pela vitória. Não interessa dar espectáculo. No Benfica, a única coisa espectacular é ganhar. E as receitas conseguem-se com títulos e presenças europeias de qualidade. É preciso critério, e não propriamente tanto dinheiro (que quando o bolso não é o nossso, é fácil de gastar, e quando sem critério, vai directamente para o lixo). O Benfica tem tido, de longe, os plantéis mais caros do país, e raramente tem mostrado ser a melhor equipa. Gasta muito e mal. Mas não só.
Qualquer treinadorzeco da miserável liga portuguesa, com jogadores de refugo, põe o Benfica em sentido, sem que alguém, em campo, no banco, na tribuna, ou nos gabinetes pareça preocupar-se em demasia. Isto é cultural, é estrutural, e vai-se repetindo à velocidade com que se queimam treinadores.
A estrutura do Benfica, dentro no campo, no banco, na tribuna e nos gabinetes, está acomodada. Está aburguesada. Há pessoas que andam lá há vinte anos, sem que se perceba se fazem alguma coisa de útil. Estão simplesmente lá. Não sentem pressão, nem exigência (e exigência não é agredir ou insultar, e deve ser exercida por quem está mandatado para tal). Não sofrem como os adeptos. Quantos alguma vez choraram após uma derrota? Perder? É mais um dia no escritório.
Falta paixão, rigor, ódio à derrota, ou até espírito de trincheira. Há muito pavoneamento snob e perfumado tipicamente lisboeta, e pouco sangue, pouco suor e poucas lágrimas, ao contrário do que ditaria a raiz popular histórica e sociológica do clube, e daquilo que seria fundamental num projecto ganhador. Isto reflecte-se nas equipas, nos profissionais que nos representam em campo, e nem só no futebol.
O Benfica tornou-se demasiado "corporate" e menos focado no jogo de domingo (neste caso, sábado) que deveria ser o foco absoluto de toda a sua estrutura e de toda a sua actividade, o único motivo da sua existência, o único desígnio de todos os que o servem ou nele trabalham. E tudo o que no Benfica não sirva, directa ou indirectamente, para ganhar títulos, não serve para nada, está a mais. Quem no Benfica não esteja neste momento revoltado, quem consiga dormir bem esta noite, não pode lá estar - nem sequer como empregado de limpeza.
Rui Costa tem de dar um murro na mesa, fazer sangue se necessário, mas impôr-se, e, de uma vez, limpar a casa (não para a imprensa ver, mas para muitos, dentro do clube, sentirem que, ou dão mais, ou estão a mais). É porventura a sua última oportunidade. Caso contrário as circunstâncias e o desencanto dos adeptos tornar-se-ão um peso demasiado grande para aquilo que ele pode suportar.
A vontade de me entusiasmar com esta equipa é agora quase nula. Ou as coisas correm muito bem em Turim, ou toda a temporada pode estar, mais uma vez, comprometida. E se se pensar que é lançando mais 100 milhões para cima que se resolve o problema, dentro de pouco tempo, nem vitórias nem dinheiro.