ONDE ESTÁ A DÚVIDA?

Eusébio, com a simplicidade que todos lhe reconhecem, contou a uma revista porque motivo gostava do Benfica, e não gostava do Sporting. No seu bairro, segundo diz, os sportinguistas eram maioritariamente próximos da elite colonialista (naturalmente, em larga medida, também racista).



Não percebo o que isto possa ter de polémico. Primeiro porque Eusébio não generaliza, falando apenas daquilo que era a realidade do local onde passou a sua infância. Depois porque - embora ele não o tenha dito dessa forma - toda a gente sabe que o Sporting sempre foi, de facto, um clube genericamente conotado com as elites económicas e políticas, nomeadamente durante o antigo regime (mas não só), fosse em Moçambique, fosse em Lisboa, em Évora, ou em Carrazeda de Anciães. Nos anos cinquenta, sobretudo em África, estas elites também eram predominantemente racistas, o que não nos levantará grandes dúvidas. Nem é necessário aqui falar dos vários dirigentes sportinguistas ligados à PIDE ou à Legião Portuguesa, nem do facto de os anos dourados do Sporting terem coincidido no tempo com os anos dourados do salazarismo. Bastará simplesmente lembrarmos que a cor (e, já agora, o hino original) do Benfica não agradava nada aos senhores do regime, o que, desde logo, de certa forma os lançava para os braços do rival. Os próprios estatutos do Sporting, quando foi criado, apenas permitiam a entrada a filhos de boas famílias, e ao longo dos anos, sempre os sportinguistas se afirmaram pela diferença, manifestando o legítimo orgulho de pertencerem a um clube “diferente” (o que, consequentemente, se terá de entender como “de elite”).




Ainda hoje, quem for regularmente a Alvalade, e também à Luz, e observar com olho sociológico, descobrirá pequenas diferenças no adepto-tipo de cada um dos clubes (muita classe-média alta, entre os sportinguistas, bastante mais classe-média baixa, entre os benfiquistas), embora, como é óbvio, possamos somar inúmeras excepções a esta tendência. Aliás, é também assim em Buenos Aires (com River Plate em relação ao Boca Juniors), em Atenas (com Olympiacos em relação ao Panathinaikos), em Roma (com a Lázio em relação ao AS Roma), em Milão (com o Inter em relação ao AC Milan), ou mesmo em Évora (com o Lusitano em relação ao Juventude), e em todas as cidades onde, havendo dois clubes rivais sem elementos geográficos ou regionais que os possam distinguir, crescem com eles outros factores identitários, que afinal os tornam um pouco mais do que uma simples abstracção desportiva. É natural, é saudável, e faz parte da genética do próprio futebol.




Claro que, em vésperas de um Benfica-Sporting, interessará a alguns criar um caldo de polémica. Mas não creio que a entrevista de Eusébio justifique as reacções indignadas que se têm ouvido, e lido, por aí.

2 comentários:

Jomanuel disse...

A verdade por vezes custa a ouvir

Vitória do Benfica disse...

è interessante verificar que essas diferenças também se verificam geograficamente ou seja no Alentejo, na margem sul no Barreiro, o Benfica está profundamente enraizado nos locais de forte componente operária e de origem de campesinato.