VINTE METROS FATAIS

Pode-se analisar um jogo de futebol sob diferentes perspectivas. Pela posse de bola, pelo número de remates, pelas oportunidades criadas, pela combatividade dos jogadores etc, sempre levando em conta que são os golos, e apenas eles, a definir o justo vencedor.
Quem tenha visto um resumo televisivo do Benfica-Sporting, apenas com os lances mais significativos, terá ficado provavelmente com a ideia de se tratar de um encontro equilibrado, no qual o Sporting talvez até tenha estado mais perto da vitória. Estive na Luz e não me pareceu que assim fosse.
É verdade que os leões criaram, ao longo dos noventa minutos, alguns lances perigosos – em quantidade equivaleram-se, e Quim até terá tido mais trabalho que Stojkovic -, mas foi o Benfica que dominou, por vezes de forma clara, a maioria do tempo de jogo, quer os minutos iniciais, que se estenderam até quase à meia hora, quer sobretudo a segunda parte, na qual a equipa da Luz conquistou o meio campo, dominou o espaço e a bola, atacou muito mais e de forma mais decidida, e fez, quanto a mim, o suficiente para que uma vitória lhe pudesse assentar bem. Não que o empate seja injusto pois, como diria La Palisse, não se sendo capaz de marcar golos não se pode aspirar a vencer. Mas creio que foi o Benfica que mais quis ganhar este jogo, e mais fez por isso, perante um Sporting apostado na prudência e no aproveitamento do erro contrário.
Logo nos momentos iniciais se percebeu que a equipa leonina, talvez um tanto surpreendida pela forma como Camacho arrumou a sua equipa – com Di Maria do lado direito, Maxi Pereira de perfil com Katsouranis, e Rui Costa livre no apoio ao ponta-de-lança -, e com a agressividade que os encarnados foram capazes de colocar na disputa de cada lance, não iria conseguir aquilo que, com Paulo Bento, tem frequentemente conseguido nas visitas à Luz e ao Dragão: controlar, com o seu losango, o meio-campo, montar aí uma teia capaz de se traduzir na ocupação das linhas de passe contrárias, e obrigar o adversário a procurar um jogo mais directo, induzindo-lhe o erro.

Nesse período, Di Maria, Rodriguez e Rui Costa eram as luzes que iluminavam o futebol ofensivo da equipa encarnada, que contava ainda com uma rectaguarda bem guarnecida pela dupla Katsouranis-Maxi Pereira, capaz de recuperar a maioria das segundas bolas, e assim permitir, com um jogo bastante flanqueado, empurrar o Sporting para próximo da sua área. Os leões só em contra-ataque criavam perigo, mas lá atrás Tonel e sobretudo Anderson Polga, iam resolvendo todos os problemas.
O Benfica foi perdendo gás, e no último quarto de hora da primeira parte, fruto do apagamento de Di Maria e de uma eventual gestão de esforço de Rui Costa, o seu futebol perdeu alegria e fluidez. Foi então o melhor período do Sporting, com Romagnoli a pegar nas rédeas da equipa e, no seu jeito serpenteante e rentilhado, virar a tendência do jogo. Valeu ao Benfica um Liedson estranhamente ausente – foi Yannick o avançado mais perigoso -, e o acerto de Edcarlos, central que tem crescido de jogo para jogo e mostrado bastos argumentos para garantir a titularidade na equipa.
Na segunda parte foi de novo o Benfica a entrar melhor, não mais perdendo, até final, o domínio da partida. O Sporting criou dois ou três lances perigosos – sobretudo uma desmarcação de Liedson a passe de Romagnoli, a que Quim correspondeu em pleno, naquele que foi o único momento de destaque do levezinho neste derby -, mas tirando essas esporádicas ocasiões, foi uma equipa sobretudo preocupada em não perder, deixando correr o tempo, e fazendo-se valer da sua inspiradíssima dupla de centrais para evitar que o golo pudesse aparecer na sua baliza. Di Maria, Rodriguez (que grande exibição !) e Nuno Gomes (este por duas vezes), estiveram perto de marcar, mas o desacerto no momento de olhar as redes de frente - que tem feito com que o Benfica esteja há 220 minutos (!!) sem marcar no campeonato - não o permitiu.
Este é um problema – e que problema… - que José António Camacho terá de solucionar o mais breve possível. Não é aceitável que um candidato ao título apresente tantas dificuldades de concretização, que manifeste tanta ineficácia nos últimos vinte metros de terreno, que demonstre tamanha aversão ao golo. Que se passa com Cardozo ? Será esta opção (de apenas um ponta-de-lança) a melhor para o Benfica ? É verdade que a equipa não sofre golos há cinco jogos, mas isso apenas garante o empate, o que obviamente não chega para lutar por títulos.
Muito futebol criou Rui Costa – mais um excelente jogo, enquanto as suas pilhas duraram -, muito futebol criou Cristian Rodriguez – incansável -, mas sem eficácia na área, não é possível ganhar. O Benfica pagou mais uma vez um preço elevado pela sua inépcia ofensiva a, e está agora a oito pontos do líder Porto.
Quanto ao Sporting, ficou a ideia de que, embora o possa tentar, com este modelo de jogo, não consegue ser muito mais audaz. A equipa dá mostras de ser capaz de segurar um jogo, de manietar um adversário – sábado apenas o conseguiu durante alguns minutos, mas noutras ocasiões têm-o conseguido amiúde -, mas deixa a sensação de que, frente a equipas da sua igualha, caso aposte num registo mais ofensivo, mais afirmativo, mais continuado, acaba por desguardar-se e desequilibrar-se necessariamente atrás. Os leões limitam-se então a um jogo especulativo, à expectativa de um erro, de um lance de bola parada ou de inspiração individual, para assim tentar alcançar a vitória. Já lhes tem chegado, mas desta vez não foi suficiente. Paulo Bento leva um ponto da Luz, mas está já a sete do F.C.Porto. O futuro dirá se este foi ou não um bom resultado para os leões.
Sobre a arbitragem falarei na rubrica “Classificação Real”.

2 comentários:

Anónimo disse...

É dos poucos blogs identificados com o SLB que eu gosto de ler: Insenção, boas críticas e comentários sobre os jogos, aquisições e..., fruto de um óptimo conhecimento do que é o futebol.
Já agora, gostaria que manifestásse a sua opinião, através de uma futura "posta", sobre a seguinte frase:"O Camacho é um bom treinador com uma péssima leitura de jogo".
Bem-haja
Fs

LF disse...

Antes de mais quero agradecer as simpáticas palavras.

Quanto a Camacho, não creio que tenha "uma péssima leitura de jogo".
Acho que é um treinador cuja principal virtude se situa efectivamente noutro plano, mas que percebe de futebol, e faz opções, a meu ver, genericamente coerentes (embora naturalmente não concorde com tudo).

A principal força de Camacho reside, creio, no espírito de grupo de que consegue dotar os seus plantéis, e na disciplina competitiva e força mental que transmite às suas equipas.
Assemelha-se um pouco a Scolari.

Fernando Santos, por exemplo, é exactamente o contrário. É tacticamente muito bom, mas falta-lhe "sangue".

Poucos conseguem aglutinar todas as virtudes, e os que existem, como Mourinho, não são para o dente do futebol português.