O PUZZLE DO ENGENHEIRO
A pálida imagem deixada pelo Benfica em Glasgow lançou de novo no ar algumas interrogações acerca do momento da equipa e do caminho que ela leva percorrido desde o início da corrente temporada.
Depois de uma pré-época acidentada e de um correspondente início de competição titubeante, os encarnados pareciam agora, após duas expressivas vitórias, dispostos a reencontrar finalmente a sua identidade. A goleada imposta pelo Celtic embaciou os progressos alcançados e voltou a causar algum desconforto entre os adeptos. Mas será que esta derrota deverá fazer voltar tudo à estaca zero? Na minha perspectiva a resposta é não.
O sistema táctico que Fernando Santos tentou implementar assim que chegou à Luz era na altura o mais adequado a uma equipa que havia perdido Geovanni, preparava-se para perder Simão e tinha ganho Rui Costa. Ficando sem os principais extremos do plantel havia que adoptar um sistema que não os contemplasse e um losango de meio campo era de facto a opção correcta. Por outro lado, um meio campo assim estruturado era, teoricamente, aquele que mais favoreceria a regressada estrela, protegendo-lhe bem as costas e libertando-lhe os movimentos ofensivos.
A permanência de Simão Sabrosa no plantel encarnado, os maus resultados nalguns jogos de preparação – e consequente contestação de uma massa associativa muito pouco paciente –, bem como a urgência de uma importante pré-eliminatória europeia, obrigaram o técnico a dar um passo atrás e a recuperar o 4-2-3-1 que rendeu ao clube um título e uma taça, e com o qual os seus principais jogadores (com pouco tempo de preparação e saídos de um intenso Mundial) se sentiam manifestamente mais familiarizados.
A vitória sobre o Áustria de Viena permitiu alguma tranquilidade, mas que acabou por ser de pronto perdida após uma sequência de maus resultados na Liga Portuguesa (derrota no Bessa e empate em Paços) e na Champions (empate em Copenhaga e derrota caseira frente ao Manchester United). Em Leiria, Fernando Santos encontrou a oportunidade ideal para recuperar os seus conceitos iniciais e os resultados foram avassaladores: goleada de 4-0 e melhor exibição da época. E chegamos à Escócia. O que falhou então no Celtic Park?
Os adeptos do futebol - e alguns jornalistas e comentadores - tendem na generalidade a avaliar jogadores, equipas e sistemas tácticos apenas na sua vertente ofensiva. Esquecem-se de quem está do lado contrário, pensando sempre, erradamente, que atacando muito e bem, a sua equipa ganhará facilmente todos os jogos.
Nesta perspectiva, não conseguem friamente perceber que muitas vezes as razões dos insucessos não se encontram na forma como se joga, mas sobretudo da forma como (não) se impede o adversário de jogar. Em Glasgow, o Benfica, mau grado algum azar na concretização, jogou razoavelmente, mas quase nunca conseguiu impedir o Celtic de jogar, algo que aliás já havia sucedido noutros jogos e com outros adversários. Foi fundamentalmente aí que falhou. Mas para perceber esse falhanço temos de saber primeiro do que se fala quando se fala em 4-4-2 em losango.
Esta expressão foi popularizada entre nós por José Mourinho, nos seus tempos de F.C.Porto, para definir o sistema da equipa com o qual se sagrou campeão europeu. Este sistema consiste numa normal linha defensiva de quatro elementosmais subida de modo a encurtar a distância entre as linhas, dois avançados (preferencialmente com bastante mobilidade), e um quatro de meio campo em que, ao invés do 4-4-2 tradicional (já um pouco em desuso na Europa continental, diga-se), os alas – médios de transição e não extremos - não jogam junto à linha mas sim mais no interior do campo (daí se chamarem interiores), formando um losango com um único pivot defensivo e um médio de construção nas costas dos avançados. Jogando desta forma, uma equipa consegue povoar mais densamente o meio campo garantindo assim superioridade numérica em grande parte das acções de jogo localizadas nessa zona nevrálgica do terreno, capacita-se para uma circulação de bola mais envolvente, consegue utilizar dois avançados (neste sistema não lhes chamaria pontas-de-lança) o que vai tornar mais trabalhosa a tarefa da defesa adversária, mas consegue sobretudo, com grande dinamismo e harmonização de movimentos, um modelo de transições defensivas de grande eficácia.
Não é preciso ser especialista em geometria para perceber que com um único pivot, ambos os interiores terão de participar de forma substancialmente mais activa no processo defensivo da equipa, designadamente nas acções de cobertura aos laterais, em parte também de forma a possibilitarem as entradas destes em profundidade, disfarçando assim a falta de extremos clássicos. Além desses movimentos de compensação cabe também aos interiores, quando em processo defensivo, servir de tampão à zona morta entre laterais e centrais deixando a equipa, quando pressionada, com um exército de sete homens à frente do seu guarda-redes, que com basculações bem harmonizadas se torna praticamente intransponível, envolvendo o adversário numa teia da qual dificilmente se libertará. Este tipo de articulação entre médios e defesas, muito mais complexo que noutros sistemas de jogo, exige, além de um enorme grau de concentração competitiva, um longo trabalho de articulação e automatização de processos para o qual o Benfica ainda não dispôs de tempo suficiente. Pior que isso, permanece a dúvida sobre se a equipa da Luz terá no seu plantel jogadores para garantir essas posições interiores com eficácia ao nível dos movimentos defensivos (Karagounis ? Nuno Assis ?).
É justamente este o problema dos encarnados, que o União de Leiria não foi capaz de pôr à prova, mas o Celtic soube evidenciar muito bem. Enquanto a componente ofensiva do seu modelo já dá alguns sinais de florescer, quando a equipa perde a bola nota-se uma grande deficiência no trabalho dos interiores e da sua articulação com os laterais. Se acrescentarmos a esta dificuldade algum cansaço (de Katsouranis) e alguma lentidão (de Alcides) temos a chave de uma derrota inapelável.
Outro problema irá colocar-se daqui a algumas semanas quando Rui Costa recuperar da sua lesão, e que será o de conciliar o veterano “dez” com o capitão Simão. Mas por ora, em termos de processo ofensivo, o Benfica está já a patentear algumas interessantes rotinas de jogo, para o que muito tem contribuído a mobilidade de Miccoli e a capacidade de Simão aparecer junto de ambos os flancos, alternando acções de ruptura de um extremo que ele é, com temporização e condução de jogo de um tradicional número dez que não sendo a sua posição natural, ele acaba por efectuar com sucesso. A compatibilização com Rui Costa neste modelo poderá passar por limitar a acção de um deles prendendo-o a uma posição interior (Simão à esquerda ou Rui à direita) - com muitas reticências em termos de processo defensivo, sobretudo se em face de equipas com transições defasa-ataque rápidas - ou em alternativa pela saída de Miccoli da equipa ficando Simão com funções de segundo avançado, algo menos problemático em termos de solidez defensiva.
Seja como for, este “losango” parece-me ser um sistema a trabalhar, nem que seja como alternativa ao 4-2-3-1 - que também têm, face a este plantel, alguns problemas pouco menos que insanáveis, como a coabitação entre Petit e Katsouranis, ou a ausência de um extremo-direito mais experiente. Se a Fernando Santos for dado o tempo necessário, estou certo que o Benfica o vai poder utilizar com êxito, até porque em Janeiro reabre o mercado, onde o Benfica poderá contratar um médio de transição capaz de jogar pelas faixas e fechá-las quando o adversário disponha da bola em seu poder
Para já é preciso confiança.
Ainda há tempo. O que é preciso é darem-no ao Engenheiro.
FOTOS: www.marvermelho.blogspot.com
12 comentários:
LF
Boa explicação da táctica do " losango "
Agora transportada para o Benfica, é que é um problema, senão vejamos, os jogadores têm grandes dificuldades em defender, porque os alas não fecham como interiores, fecham nas alas, deixando o miolo para um só jogador
Na minha maneira de ver este problema, o Paulo Jorge pode ser o fiel da balança, pode ser o jogador a fazer a primeira transição defesa/ataque para depois abrir na ala direita, libertando o Simão para sair, rapidamente para a ala esquerda, ficando o Benfica a jogar em 4-1-3-2
Falei no Paulo Jorge, porque é um jogador que defende bem e ataca razoavelmente bem, tendo o apoio do Nelson, iria formar uma ala direita forte
Os atacantes seriam o Nuno Gomes e o Miccoli, ficando o Rui Costa no apoio, na falta do Rui Costa, não há nada a inventar, jogaria o Nuno Assis, fazendo as mesmas funções
O FS, não pode estar sempre a alterar o modelo de jogo da equipa, os jogadores têm de criar automatismos, quer defensivos, quer ofensivos, os jogadores têm de ter sempre presente as suas funções na equipa, têm de saber o que devem fazer, em caso de estarem a perder, empatar ou ganhar
Outra coisa que eu queria frizar, é o medo que o FS tem, ele deve tentar não passar esse medo para os jogadores e dar-lhe confiança, não tranformar a equipa demasiado defensiva, a troca de jogadores deixa antever os seus medos, como foi a troca do Nelson pelo Alcides, temeu demasiado o Celtic, recuando muito a equipa, ficando sem reação e profundidade quando teve de atacar
Já chega de escrever
Particularmente tenho severas dúvidas quanto a capacidade técnica de Micolli, portanto a saída do italiano me parece a alternativa mais viável.
Catn,
Fernando Santos tem de facto sido apontado como medroso, mas a verdade é que os problemas do Benfica se situam mais na forma como (não) defende do que como cria lances de ataque.
Acho que por exemplo frente ao manchester a equipa entrou demasiadamente audaz frente a um adversário manifestamente superior.
Rakkal,
Em termos de capacidade técnica propriamente dita, Miccoli é um excelente jogador, sendo capaz de momentos muito bonitos. Diria mesmo que ...à brasileira :)
O seu problema é uma gritante inconstância de rendimento (apaga-se muitas vezes de forma incompreensível), e sobretudo as constantes lesões, que suspeito serem do foro morfológico, tal a sua reincidência.
LF
A melhor defesa é o ataque
Agora veja se esta defesa e meio campo defensivo, não era o mesmo do ano anterior ( com a tróca do M. Fernades pelo Katsouranis), sendo uma das melhores da Liga, este ano está uma lástima,
Não será do esquema tactico ?
Não faltará pressing sobre o meio campo adversário ?
Este problema é de caríz meramente técnico e táctico, da responsabilidade do treinador, não será ?
O problema defensivo não é dos jogadores. Isso é claro.
O problema, como a maioria dos problemas no futebol, é de índole colectivo.
Trata-se da adaptação a um novo sistema táctico e um novo modelo de jogo. Adaptação essa que tem tido inúmeros obstáculos, designadamente lesões, castigos, cansaço dos jogadores que estiveram no Mundial, incerteza na clarificação do plantel até ao fim de Agosto, pausa forçada pelo caso Mateus, maus resultados, contestação etc. num ciclo vicioso do qual tem sido difícil sair.
Acredito em Fernando Santos, e que ele, à semelhança de Trapattoni, consiga contra tudo e contra todos a reconquista do título.
Esqueci-me de referir que um meio campo constituido por Petit e Mnauel Fernandes não é igual a um com Petit e Katsouranis.
No primeiro caso os jogadores complementam-se muito bem. No segundo as suas características, de certo modo, sobrepõem-se.
LF
Eu também estou de acordo que um meio campo Petit/M.Fernandes é diferente do Petit/Katsouranis, também concordo que uma táctica 4-2-3-1 é diferente da 4-1-2-1-2 (losango)
Na táctica 4-2-3-1 os médios defensivos alternam na transição defesa/ataque, quando um sobe o outro fica
Na táctica 4-1-2-1-2, há um médio defensivo ( Petit ), que não pode subir muito no terreno, para salvaguardar a zona defensiva em caso de contrataque, ontem e no jogo do Celtic, foi visto o Petit muitas vezes á entrada da grande area ao lado do Katsouranis,em caso de ataque rapido da equipa adversária os defesas levam com os avançados embalados de trás e pouco podem fazer
Eu penso que o grande problema defensivo do Benfica, passa pelo Petit perceber as suas funções na equipa e isto tem de ser trabalho do treinador, o Petit com a ansia de ajudar no ataque esquece-se da sua função na equipa, que é defender e cria graves problémas aos defesas
Sim Catn, a observação é pertinente.
Petit tem neste modelo novas funções, mas as características de cada jogador são as que são.
Parece-me que ele está também em muito má forma física e psíquica, talvez resultante do desgaste do Mundial.
Para ser um puro pivot defensivo, Petit teria que melhorar muito o jogo de cabeça (conforme se viu ainda este domingo), e saber posicionar-se como um verdadeiro central em muitos momentos do jogo, à semelhança do que fazem por exemplo Costinha, Custódio, Miguel Veloso, Paulo Assunção etc.
Não sei se Katsouranis não faria melhor esse papel, libertando Petit para funções mais ofensivas. Só que nesse aspecto e neste modelo, teria de ser capaz de jogar pelas alas, fazer cruzamentos e isso ele também não faz.
Petit é um grande jogador, mas tem características muito especiais, que requerem um esquema táctico específico. Isso acontece também por exemplo com Nuno Gomes, que é um avançado pouco comum, pois não é dez nem nove.
Seja como for, parece-me que a debilidade defensiva do Benfica não está tanto em Petit como nos interiores (Katsouranis e Nuno Assis) ou mais propriamente na sua harmonização com os movimentos dos laterais. Acho que reside aí o principal problema táctico do actual Benfica.
Veremos se o F.C.Porto não irá explorar isso...
Sobre a subida de Petit e dos restantes médios, é também de referir que o mesmo se passa com os dois laterais, que chegam a subir simultaneamente e sem qualquer movimento basculatório de compensação (pelo menos no lado direito). Ainda este domingo no estádio (e só lá se percebe) estive atento a esse aspecto.
Já não estamos a falar do sistema táctico, mas sim do modelo de jogo, que acho ainda estar muito mal apreendido.
É claro que se jogarmos com o Desportivo das Aves o o Amadora, isso resulta em goleada e momentos de futebol muito ofensivo. Na Liga dos Campeões sofremos golos em contra-ataque de forma infantil.
LF
Acho que quem vai fazer toda a harmonização deste sitema de jogo, será o Paulo Jorge no lugar do Nuno Assis, formando o "losango" com o Katsouranis (médio defensivo, para se juntar aos centrais ), Simão como interior ( a defender ) e ala a atacar e o Paulo Jorge na 1ª transição defesa/ataque descaindo depois para a ala, na frente ficaria o Rui Costa ou o Nuno Assis como nº10 e os dois avançados
Com muita pena minha, o Petit não tem lugar nesta equipa, senão vejamos:
Petit vs Katsouranis - O Petit perde no jogo de cabeça e na cultura táctica como central, só ganha na entrega ao jogo
Petit vs Paulo Jorge - O Petit perde em técnica, velocidade e cultura de jogar nas alas
Será um suplente de Luxo, como há outros nesta equipa ( Moreira, Anderson, Karagounis, Nuno Assis, Kikin Fonseca e até o Mantorras, mas há mais )
O benfica não pode sofrer golos infantis, por causa de incompatibilidades das caracteristicas e falta de concentração dos seus jogadores
Catn,
Não podemos desprezar o papel que Petit tem no balneário, o exemplo que dá em termos de entrega, e a experiência que tem.
Somando tudo isso, acho que se trata de um titular indiscutível, ainda que o modelo possa não corresponder totalmente às suas características.
O Paulo Jorge tem feito alguns bons jogos, mas ainda tem muito que mostrar para se dizer dono de um lugar de titular.
LF
Eu gosto da entrega e da garra do Petit, sei que já fez muito pelo Benfica, mas parece-me que um jogador deve jogar pelo que faz e não pelo que fez
O Petit ou outro jogador qualquer, para ser titular, tem demonstrar em campo na actualidade a sua superioridade em relação aos mais novos
Concordo que o Petit deve ter uma grande força no balneario, mas não será maior que a do Vitor Baia no fcp e ele é suplente
Eu não tenho nada contra o Petit, mas acho, que o problema do Benfica, reside no médio defensivo e quem tem jogado nessa posição é o Petit, este jogador até pode jogar, quando estiver em forma e quando perceber as suas novas funções na equipa
Vamos aguardar.
Quando estiver melhor fisicamente, acredito que vá render mais.
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