No rescaldo do jogo de Manchester, fui acusado, aqui e não só, de excessiva exigência para com a equipa, precisamente num momento em que os resultados estimulavam um discurso mais optimista e entusiasta. Aceito algumas dessas críticas (provavelmente exagerei mesmo), e embora muitas das minhas inquietações permaneçam vivas, nada me agrada mais do que ser a própria equipa, com o seu desempenho em campo, a obrigar-me a reconhecer aquele eventual excesso.
Houve, porém, algo que ficou sempre do lado de fora do quadro que tracei, mesmo nas linhas de maior implacabilidade. Falo da capacidade de sofrimento dos jogadores, do seu profissionalismo, da sua entrega, e do rigor com que defendem a camisola que vestem. Pois foi precisamente aí que residiu o âmago desta vitória, a sexta consecutiva sobre o rival lisboeta.
Sabia-se que o Sporting vinha fortemente moralizado, e trazia mais argumentos do que noutras ocasiões do seu passado recente. Isso notou-se desde o primeiro instante, fazendo deste, um dérbi com muito maior disputa e muito maior incerteza do que outros. Tal reequilíbrio trouxe-nos também um jogo de enorme intensidade competitiva (parecia um Benfica-FC Porto), disputado em poucos espaços, e apelando a características que iam para além da capacidade técnica ou táctica dos dois conjuntos. Exigia-se, à partida, um Benfica de luta, de grande coração, e de entrega total. Após a expulsão de Cardozo, essa necessidade foi levada aos limites.
Num desafio à sua coragem, o Benfica saiu-se com distinção. Foi feliz por ter procurado, com uma alma inesgotável, essa mesma felicidade. Triunfou merecidamente, porque soube ser eficaz. Percebendo que não tinha a faca do jogo, soube enrijecer o queijo, tornando-o impenetrável, e alcançando um sucesso que pode ter importância vital no desenrolar do campeonato.
Até ao momento da expulsão, a partida foi equilibrada, com o golo de Javi Garcia a determinar uma diferença tangencial que se aceitava. O Sporting podia ter marcado, o Benfica também dispusera de oportunidades flagrantes (uma das quais nos pés do próprio Cardozo), e tudo se encaminhava para, daí em diante, assistirmos a um natural ascendente territorial leonino em busca do empate, e a uma tentativa do Benfica em explorar os espaços que o adversário iria necessariamente libertar nas suas costas, à imagem e semelhança daquilo que acontece em tantos e tantos jogos de futebol.
Em razão da inferioridade numérica, o Benfica foi forçado a desistir de atacar. Com quase meia hora de jogo pela frente, e uma preciosa vantagem no marcador, os encarnados vestiram o fato de macaco, deram as mãos, e fecharam as portas da baliza de Artur. As substituições foram extraordinariamente criteriosas, dotando a equipa de uma capacidade táctica que lhe permitiria resistir até final. A raça dos jogadores fez o resto. Só esses últimos trinta minutos, com menos um elemento em campo, podem ter deixado a ideia de um ascendente sportinguista que, até então, em bom rigor, nunca se verificou. Em momento algum o Sporting jogou mal, mas só dominou verdadeiramente o jogo quando se viu em vantagem numérica, e mesmo aí, sem criar particular perigo junto da baliza benfiquista (paradoxalmente, as melhores ocasiões até haviam sido desperdiçadas antes).
É a segunda vez consecutiva (a outra foi aquando da última meia-final da Taça da Liga) que vejo os sportinguistas sairem da Luz felizes por perder por poucos, e por conseguir discutir um dérbi até ao fim. Esse estado de espírito é a melhor homenagem que prestam ao rival, ilustrando afinal que o melhor Sporting, que um grande Sporting (e este foi claramente o melhor Sporting que vi nos últimos anos), ainda não chega para um Benfica limitado nas suas unidades e nas suas forças.
Cabe aqui também uma palavra para o público, que soube interpretar o seu papel de décimo segundo (depois décimo primeiro) jogador, dispensando, em momentos cruciais, o apoio de que a equipa necessitava. O sofrimento que se vivia nas bancadas não dava para ondas ou entusiasmos festivos, mas o facto da equipa sentir que os adeptos estavam com ela terá sido crucial, designadamente na fase final do jogo.
No plano individual destacaria naturalmente Javi Garcia (pelo golo, e não só), mas também Witsel, Aimar (enquanto esteve em campo), Artur (pese embora aquela distracção…) e…Jardel. Falo de Jardel porque era, à partida, o elo mais fraco da equipa, mas o certo é que ao longo do jogo não me recordo de nenhuma falha comprometedora. O melhor elogio que se lhe poderá fazer (e até é um jogador de quem não sou propriamente fã) é que ninguém se lembrou de Luisão. Pelo contrário, Emerson deixou uma vez mais a sensação de que precisa, pelo menos, de uma alternativa forte à sua utilização.
Falta falar do árbitro. Se no plano técnico esteve - com um ou outro erro pontual - globalmente bem, nos critérios disciplinares espalhou-se ao comprido. Carriço ficou em campo tempo demais, e Cardozo acabou expulso depois de um primeiro cartão amarelo completamente absurdo, e um segundo que ninguém poderá garantir ter sido bem mostrado. Já o cartão a Aimar é anedótico. Não houve influência no resultado, mas fiquei curioso em saber o que se teria passado caso as expulsões tivessem sido trocadas (como se justificava), e fosse o Sporting a terminar com menos um.
PS: As responsabilidades do incêndio causado pelas claques sportinguistas nas bancadas do Estádio da Luz não podem deixar de ser endereçadas a quem, com atitudes mesquinhas, com declarações inoportunas, e com insinuações ligeiras, lançou a confusão e a polémica sobre medidas de segurança absolutamente normais, cuja necessidade, diga-se, estes mesmos comportamentos agora evidenciaram.
A presença ostensiva de dirigentes do Sporting no local apenas contribuiu para sancionar tais atitudes criminosas, não sendo os comunicados posteriores mais do que uma mera fuga para a frente, num assunto onde sabem ter perdido, uma por uma, todas as razões. Este foi, aliás, um exemplo perfeito de como podem polémicas inúteis induzir actos de violência extremamente graves.
Creio que o Benfica - que nem precisa de denunciar o que se passou, pois toda a gente viu – faz bem em adoptar uma postura de silêncio e distanciamento, deixando a falar sozinhos aqueles que, em bicos de pés, insistem em procurar conflitos, e em atear fogos que, mais do que cadeiras, mais do que o futebol, queimam sobretudo os próprios.
7 comentários:
Totalmente de acordo. E está tudo dito.
Completamente de acordo. Vitória justa que se aceita perfeitamente, embora o mesmo teria que se afirmar se o resultado tivesse sido outro.
Não há dúvida que os lagartos este ano têm uma boa equipa e estão muito bem orientados. Paradoxalmente, diria que o Sporting apresentou sábado a sua candidatura ao título, apesar da derrota!...Infelizmente, os seus dirigentes parecem não estar à altura do plantel que construiram. As afirmações de vitimização são tão ridiculas que eu tamém os deixava a falar sozinhos... mas afinal, para emu desgosto, isso não está a acontecer!!!!!!!!!
Eu gostava de saber quantos jogos o Sporting acabou a jogar contra 11 esta época, penso que não serão muitos.
Isso das declarações e picardias da direcção do Sporting, não é mais do que uma manobra populista para ter os adeptos do seu lado. Não nos esqueçamos do que se passou nas eleições do Sporting e o que é que tantos sportinguistas pensavam desta nova direcção. Assim, incentivando polémicas e ódio contra o Benfica, os adeptos já os apoiam. Como vêm é muito fácil governar para aqueles lados.
Alinhado com o que afirma sobre os incidentes, partilho a minha visão do assunto.
http://slbenfica-news.blogspot.com/2011/11/imbecilidades.html
Convém lembrar que os jogadores do benfica disputaram este jogo depois de um outro intenso em manchester, pelo que os jogadores do sporting entavam bem mais frescos.
Não me esqueço que, apesar de o sporting ter tido oportunidades para marcar, não teve qualque rascendente no jogo até à expulsão de cardozo.
O benfica fez o que lhe competia depois da expulsão, o jogo correu bem, e o resto é história e distrações para quem quer... e precisa.
Boa análise, caro LF.
Acrescentaria um destaque individual que, na realidade, garantiu a tal coesão tática que o Benfica revelou no final do jogo: Ruben Amorim.
Ruben Amorim pode não ser o jogador mais vistoso do Benfica, nem o mais rápido, nem o mais decisivo. Até penso que a sua relação com Jorge Jesus tem sido, nos últimos tempos, bastante tensa. Mas Ruben É e sempre foi um extraordinário profissional.
Para mim, lançar Ruben em campo é... ter Jorge Jesus em campo.
É para mim, pois, natural que Ruben Amorim não seja habitual titular. O valor acrescentado de Ruben Amorim, vem do banco e da forma como consegue espelhar as ideias do treinador do Benfica no relvado.
Sei que é difícil medir o valor de Ruben. O número de minutos jogados não é muito significativo, raramente marca golos ou faz assistências. Mas, para mim, é dos jogadores mais influentes do atual Benfica.
Além disso... é cá dos nossos! :)
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