RADIOGRAFIA À CRISE

Seria preciso recuar uma década para encontrar um início de campeonato benfiquista mais desacertado que o de 2010-11. Foi curiosamente com José Mourinho ao leme que, à 10ª jornada de 2000-01, os encarnados somavam 15 pontos perdidos, mais três do que no momento actual. De então para cá, não há época pior que esta.
As razões são muitas, e grande parte delas salta à vista. Por isso, o resultado do Dragão apenas surpreende pela gordura dos números, pois, na verdade, ninguém esperava outra coisa que não uma derrota, o que não deixa de ser estranho tratando-se de um, ainda, campeão nacional.

Não creio que Jorge Jesus seja o único culpado. Nem me parece justo esquecer que há exactamente seis meses era ele o grande herói da nação encarnada. As responsabilidades devem ser divididas, pois não só o desempenho individual de alguns jogadores roça o grotesco, como a preparação da época não foi devidamente cuidada.
Vejamos, ponto por ponto, o que correu mal ao Benfica:

1) CONSTRUÇÃO DO PLANTEL – Chamei várias vezes a atenção para os buracos que se poderiam abrir na equipa com as saídas de jogadores nucleares (necessariamente aqueles que tinham mercado). Acabaram por sair apenas dois (o limite máximo que sempre defendi), mas a verdade é que essas perdas não foram acauteladas com a entrada de novos jogadores. Se Gaitán era o anunciado substituto de Di Maria (até agora não mostrou sê-lo, e Urreta foi, estranhamente, emprestado), para o lugar de Ramires (vendido já sobre o início da competição) não chegou ninguém, o que acabou por ser um rombo nos mecanismos colectivos da equipa. Em futebol não há milagres, e quando se vendem os dois melhores jogadores não se pode esperar que uma equipa mantenha o mesmo nível. O FC Porto vendeu aqueles de que já não necessitava, e para os quais dispunha de alternativa. O Benfica vendeu os de maior influência, e destapou o onze. Eis a diferença.
2) FC PORTO SUBESTIMADO – Depois de uma época menos conseguida, mas onde a questão do túnel foi transformada em argumento único, era de esperar um FC Porto com o orgulho ferido, e disposto a tudo para voltar a vencer. Acresce que Hulk e Varela eram dois reforços de peso, que praticamente não haviam jogado na segunda volta da temporada anterior. Mas tudo isto foi menosprezado na Luz, onde talvez se tenha pensado que novo título cairia automaticamente do céu.
3) EFEITOS DO MUNDIAL – O Benfica foi a equipa portuguesa mais representada na África do Sul, e é inegável que jogadores como Óscar Cardozo, Maxi Pereira, Ruben Amorim e, na fase inicial, também Luisão, sentiram sobremaneira a falta de uma pré-época normal. Também os mecanismos colectivos da equipa sofreram com a ausência de elementos determinantes no trabalho quotidiano. Não é desculpa para a fase actual do Benfica, mas terá sido um problema real nas primeiras jornadas.
4) EXPECTATIVAS INDIVIDUAIS – Vendidos Di Maria e Ramires, também David Luiz, alvo de propostas milionárias, terá pensado que tinha chegado a sua hora. Ficou, e a avaliar pelo que se tem observado em campo, mais valia não ter ficado. Compreende-se que este seja um aspecto difícil de gerir pela SAD, mas talvez com uma renovação mais célere do contrato do jogador fosse possível fazê-lo encontrar a motivação perdida. Cardozo poderá ter sido outro caso idêntico, pois mesmo antes de se lesionar, já o seu rendimento nada tinha a ver com o da época anterior.
5) EXPECTATIVAS COLECTIVAS – A forma avassaladora como o Benfica passou pelo último campeonato terá criado no estado de espírito de todos - a começar pelo próprio grupo - um sentimento de triunfalismo e de dever cumprido que não ajudou nada a enfrentar uma época em que os desafios seriam necessariamente mais difíceis. Em vez de se preparar uma guerra, preparou-se uma festa de consagração, e o resultado está à vista. Aqui o Benfica tem muito a aprender com o FC Porto - que, seja em que circunstância for, consegue sempre encontrar motivação e força mental para reagir da forma mais adequada. O hábito de vencer também ajuda.
6) ADAPTAÇÃO DOS REFORÇOS – Roberto foi um caso gritante, mas também Jara (com boas indicações na pré-época) e o próprio Gaitán, deram mostras de maior dificuldade de integração do que aquilo que porventura se esperaria. O guarda-redes é um jovem e vinha de uma equipa pequena. Os avançados, igualmente jovens, chegavam oriundos de um futebol totalmente diferente. Os primeiros resultados ressentiram-se destas dificuldades de adaptação, sobretudo as sentidas por Roberto, responsabilizado pela derrota ante o Nacional.
7) ARBITRAGEM – Na goleada do Dragão nada há a dizer do árbitro. Mas enquanto este campeonato durar não me irei esquecer dos jogos com a Académica, com o Nacional e com o V.Guimarães, que significaram nove dos doze pontos perdidos pela equipa da Luz. Desses nove, pelo menos quatro tiveram assinatura directa dos juízes, o que deu à classificação uma tonalidade totalmente subvertida, sobretudo se conjugada com as arbitragens verificadas nalguns jogos do FC Porto (Figueira da Foz, Vila do Conde, Choupana, etc). Os níveis de confiança de Benfica (e FC Porto) poderiam ter tido uma evolução substancialmente diferente, e a história podia ser outra.
8) FALTA DE SORTE – Depois de uma exibição fantasmagórica quase parece uma heresia falar em sorte ou azar. Mas se nos lembrarmos da segunda parte do jogo com a Académica, ou da primeira parte da Choupana (Guimarães foi um caso diferente), verificamos que aquele início comprometedor podia ter sido bem mais tranquilo com uma pontinha de felicidade.
9) LESÕES – Durante toda a época passada o Benfica praticamente não foi afectado por lesões, e pôde sempre apresentar-se na sua máxima força. Nesta temporada, as lesões de Cardozo e Ruben Amorim revelaram-se golpes duríssimos para a equipa, sobretudo se tivermos em conta que o médio português seria, à partida, quem melhores condições tinha para disfarçar a ausência de Ramires. Também Cardozo - Kardec que me perdoe - não tem alternativa à sua altura no plantel...nem no mercado.
10) MÁ FORMA DE ELEMENTOS CHAVE – Saviola foi uma das armas principais em quase toda a temporada anterior. Javi Garcia foi o pêndulo do meio-campo, que permitia a liberdade de que os criativos necessitavam para explodirem. David Luíz era a alma da defesa. Estes três jogadores, por motivos que desconheço (sobretudo no caso dos dois primeiros, pois do central já aqui se falou) têm passado totalmente ao lado da temporada. Sem Ramires, nem Di Maria, com Cardozo e Ruben Amorim lesionados, e este trio ainda “de férias”, qualquer semelhança com o Benfica 2009-10 seria pura coincidência. Restam Coentrão, Luisão, Aimar e Carlos Martins, aqueles que, ainda assim, têm conseguido limitar os danos.
11) RIGIDEZ TÁCTICA – Mais do que a aposta neste ou naquele jogador, para esta ou aquela posição (e no Dragão houve demasiados erros de casting), creio que as culpas de Jorge Jesus no cartório da temporada se centram na incapacidade para desenvolver uma alternativa de jogo que levasse em conta os jogadores saídos e os jogadores entrados. Com Ramires e Di Maria o técnico encontrou rapidamente o modelo ideal. Sem eles, passados 16 jogos oficiais, não foi capaz de o fazer. O Benfica tem, ainda assim, um excelente plantel, e com alguma maleabilidade creio que será possível traduzi-lo numa grande equipa, versão dois. Mas até agora, neste aspecto, Jesus falhou.

Este é o diagnóstico do problema. Penso que a solução passa ainda - é claro - por Jorge Jesus, pela definição de novas metas (2º lugar, Taça de Portugal, Oitavos da Champions e Taça da Liga), pela pacificação em torno da equipa, pela recuperação de Cardozo e Amorim, e eventualmente por um ou outro ajustamento no plantel em Janeiro, de acordo com as perspectivas da corrente temporada, e pensando também já na próxima (empréstimos de Felipe Menezes e Roderick, regresso de Urreta e contratação de um lateral-esquerdo e de um médio-direito). O Benfica não pode, sobretudo, desmobilizar, e, com o título a fugir, deixar cair todas as suas outras ambições. A Champions é a maior competição do mundo, e para além da aposta no apuramento para a fase seguinte desta edição, é imprescindível marcar presença também na próxima. A Taça de Portugal é uma prova bonita, e que pode permitir terminar a temporada em festa. E a Taça da Liga também não é para desprezar.
Obviamente que toda esta análise se resume àquilo que se vê do lado de fora. Se existem outros problemas do lado de dentro, então terão de ser esses a ser resolvidos em primeiro lugar.

7 comentários:

Fred disse...

Não poderia ter sido feita de melhor forma a radiografioa àqulo que tem sido o terrível início de época do Benfica.

Excelente Post.

Saudações Benfiquistas

http://tudoportibenfica.blogspot.com/

Anónimo disse...

bela analise.. para refletir
viva o benfica

Peter disse...

Concordo mas mais uma vez o Benfica deu 1 tiro nos pés as declarações do Presidente da mesa da assembleia-geral hoje são sintomáticas no espírito fraco de liderança que regem o Benfica.Com que então o objectivo do Benfica é o 2º lugar!? Mas está tudo doido? Com 20 jornadas para o final atira-se já a toalha pró chão, mais 1 amadorismo imperdoável, enquanto for matemáticamente possível o Benfica deve lutar com o máximo das suas forças para ser campeão e não é com este espírito conformista que se atinge os objectivos, o ano passado o braga e o fcp nunca desistiram de andar no nosso encalce e o luis nazaré diz isto?Já não bastava a letargia que deu este ano ao JJ que já não grita nem berra nem puxa pela equipa como o ano passado que agora até os dirigentes dizem bacoradas.E este tipo de declarações vai ser mais um factor de má gestão dos jogadores, até podem pensar "então vou-me esforçar mais para quê se eles já ficam contentes com o 2º lugar", e a mesma coisa em relação ao Jesus.

Anónimo disse...

Ai agora taça de portugal já é uma prova bonita?Lembro-me de o ano passado ter dito que era uma taça que estava a cair e que tinha os dias contados

BoyGenius disse...

"...Se existem outros problemas do lado de dentro..."

... este é o meu maior medo!

Vitória do Benfica disse...

Sempre brilhante.
O que me preoupa é o facto do nosso clube ter tanta gente boa, jornalistas, cientistas, advogados, psicólogos etc... e a sAD não ser capaz de analisar e antecipar as crises e os descalabros. Porquê???

Anónimo disse...

de acordo com quase tudo.
mas gostaria de ver outros nos lugares de Luisão e de Cardoso.
com estes o futebol é demasiado preso, padronizado, previsível,...
sei que há quem discorde, mas é a minha opinião. E temos visto consequências, e sofrido também.
não percebi a subserviência com que se entrou em jogo... e que se está a tornar rotineiro contra este adversário corrupto. o Benfica é o maior clube de portugal, é o actual campeão. em campo não se fez valer, esse estatuto, nem sequer sabemos fazer faltas. as vendas terão sido "boas" as compras não. para ver jogos deve continuar a ser só na LUZ. o campeonato ainda não acabou, e só termina quando for impossível ser alcançado.
como aconteceu no ano passado.