DE JOELHOS PERANTE A EUROPA

O Sporting foi novamente espezinhado pelo Bayern, saindo da Liga dos Campeões pela porta dos fundos e vergado a uma das maiores humilhações da sua história. O resultado de 7-1, seguido do 0-5 da primeira mão, vai ser alvo da chacota europeia, põe em causa a imagem do nosso futebol e fará reflectir a própria UEFA – até porque a interrogação que hoje se coloca na imprensa internacional é a de como chega uma equipa destas a tão adiantada fase da prova, interrogação essa que sabemos não ser inteiramente justa.
Não escrevo isto com qualquer ponta de gáudio. Gostava que houvesse um clube português nos quartos-de-final, pelo patriotismo, pelos pontos, também – não o nego – pelo desgaste que poderia causar, mas sobretudo por respeito pela instituição leonina, seus profissionais e seus adeptos. Não deixo por isso de condenar veementemente a forma como o Sporting se apresentou nesta eliminatória, e de, enquanto português, me revoltar com ela.
As razões para este desastre são várias, mas creio que uma das mais importantes será do foro cultural, até porque em termos desportivos a diferença entre Bayern e Sporting é clara, mas não é, de todo, de 12 para 1.
O Sporting tem, tradicionalmente, falta de cultura europeia, a cultura que o Benfica teve ao longo de décadas e agora – transitoriamente, acredito – parece beliscada, e a cultura que o Porto vai ostentando nos últimos anos. Isto reflecte-se no palmarés internacional comparativo dos três clubes. Isto ficou também, nesta eliminatória, dramaticamente posto a nu. Quando falo de cultura europeia falo sobretudo da atitude com que se enfrentam estes desafios e estas competições, e da própria importância que clube, técnicos, jogadores e adeptos lhes dão. Posso dar um exemplo muito simples e muito concreto: se o Benfica jogasse com o Sporting na Luz, e dias depois disputasse, também em casa, os oitavos-de-final da Liga dos Campeões, fosse contra que adversário fosse, tenho a certeza absoluta que o Estádio da Luz esgotaria primeiro para o jogo europeu, e nem me admiro que fossem resguardados alguns jogadores nesse derby. Ora com o Sporting sucedeu precisamente o contrário, sendo aliás o único clube em toda a Europa que me lembro de ver poupar jogadores num jogo da Champions.
É verdade que os sportinguistas não cresceram, como eu e toda a minha geração, a vibrar com grandes presenças europeias do seu clube, é verdade que nunca viram o seu clube numa final da principal prova de clubes do continente. Mas é também verdade que, disputando uma final da Taça UEFA no seu estádio, coisa que em qualquer clube de qualquer país seria motivo para fazer render todos a essa prioridade, o Sporting centrou a maior fatia das suas energias num jogo com o Benfica – sempre o maldito Benfica – disputado dias antes, que acabou também curiosamente por perder.
É algo mais forte que o próprio clube. É algo que faz parte da matriz mais profunda dos seus adeptos, e que deles emana para toda a instituição. Ganhar ao Benfica é, para a esmagadora maioria deles, muito mais saboroso do que ganhar um jogo europeu, enquanto que entre os benfiquistas (e portistas), a importância dada às prestações internacionais, sobretudo na prova principal, não têm paralelo em nenhuma partida doméstica, por maiores que possam ser as rivalidades.
A sensação com que por vezes se fica é a de que as recentes qualificações do Sporting para a Champions só foram tão amplamente festejadas por terem sido obtidas à custa do rival de sempre. O que os sportinguistas – e consequentemente toda a estrutura do clube – desejam é, sobretudo, ficar à frente do Benfica, e alcançar objectivos que o rival não atinja. Depois nada mais interessa. Como o Benfica não estava na Champions (e até já tinha sido eliminado da UEFA), a prova não foi capaz de os seduzir, o que se comprova no triste balanço de assistências que o estádio de Alvalade registou na corrente temporada europeia. Esta atitude e este, como que, pecado original – o Sporting nasceu de uma deserção ao Benfica - revelam-se dramáticos quando se tem pela frente uma equipa com espírito diametralmente oposto. O Bayern de Munique é um clube com fortíssima tradição europeia, francamente virado para o exterior, já foi campeão europeu por quatro vezes, e normalmente agiganta-se - como os grandes clubes - nos palcos internacionais. Levou a eliminatória e os dois jogos muito a sério, nunca levantou o pé, e os resultados estão à vista.
Veremos como conseguirá Paulo Bento colar os cacos. Acredito que, tendo de novo pela frente o Benfica – tanto na luta a três pelo título, como na final da Carlsberg Cup -, a motivação e a concentração competitiva regressem a Alvalade. Uma nova vitória sobre o rival, dentro de dez dias, fará com que todos os seus adeptos se esqueçam rapidamente do que se passou nesta eliminatória. Mas o que parece ser ignorado é que, ao invés, na Europa e no Mundo vai ser esta a imagem que vai perdurar do Sporting durante meses – quem sabe, durante anos. Esse é o verdadeiro drama.