COM CHEIRINHO A PREMIER LEAGUE

Todo o país teve ontem oportunidade de assistir em sinal aberto a um grande espectáculo de futebol. Benfica e Paços de Ferreira demonstraram que por vezes em Portugal também se sabe jogar, e que quando os artistas estão inspirados e os técnicos são ambiciosos, o nosso futebol consegue elevar o seu nível para bem próximo daquilo que se joga nos principais campeonatos europeus. Ontem, ao longo do jogo, várias vezes me veio à cabeça a Premier League – um jogo destes em nada lá destoaria -, tal a rapidez, intensidade e beleza de muitos dos movimentos dos artistas em campo, qual bailado sobre a relva. Esplendor na Relva chamar-lhe-ia Elia Kazan.
Pena foi que se tratasse de uma segunda-feira, e como tal não pudessem estar mais do que 36 mil espectadores no estádio, pois este jogo merecia mais de 50 mil.
A primeira meia hora do Benfica foram os melhores trinta minutos de futebol que vi em toda esta temporada no nosso país. Rápida circulação de bola, pressão avassaladora – dois e três homens sobre o detentor da bola -, ritmo alucinante, perfeição de passe e drible, espontaneidade de remate. Dois golos eram magro pecúlio para a inspiração de Miccoli, Nuno Gomes, Katsouranis, Karagounis e sobretudo de um verdadeiramente genial Simão, que perfumou a Luz com toda a sua imensa classe.
Embora fosse de esperar, mais tarde ou mais cedo, algum abrandamento, pensou-se estar perante um jogo de sentido único e uma presumível goleada. Mas eis que emergiu o Paços de Ferreira, que com uma reacção notável empurrou o Benfica para longe do seu reduto defensivo e desatou a criar lances de perigo junto da baliza de Quim.
Geraldo com um pontapé fabuloso – daria o golo do ano…-obrigou o guardião benfiquista a puxar dos galões e a efectuar uma brilhante defesa para canto. Pouco depois, na sequência de uma falha defensiva do Benfica, o Paços, com muitos jogadores na área, reduzia a diferença, estávamos mesmo à beirinha do apito de Paulo Paraty para o intervalo.
Sabe-se quão poderoso efeito psicológico tem um golo naquele momento, pelo que Fernando Santos terá seguramente passado um intervalo muito pouco tranquilo.
Tinha motivos para isso pois o Paços entrou de rompante no segundo período, conquistando muitas segundas bolas e criando perigo – num dos lances esteve mesmo muito, muito perto de empatar -, perante um Benfica trabalhador, organizado mas distante do brilhantismo da primeira meia hora. Temeu-se que o natural cansaço acabasse por fazer ceder a equipa da Luz, que não aproveitara o seu período de maior fulgor para resolver o jogo e agora se via e desejava para deter a poderosa reacção dos comandados de José Mota.
Mas sabe-se lá aonde, os encarnados foram buscar a força e a energia de que necessitavam para afirmar de novo o seu domínio no jogo e manter de pé a sua candidatura ao título. Depois de ensaiar dois ou três lances de contra-ataque mal concluídos, o Benfica acabou por repor a diferença de dois golos na sequência de um golpe de talento de Fabrizio Miccoli concluído por Simão, que assim se colou a Hélder Postiga no topo da lista dos goleadores.
Mesmo assim o jogo não terminou aí, pois o Paços de Ferreira, num assomo de dignidade e ambição impressionante, foi para cima do Benfica, criando e desperdiçando mais duas excelentes ocasiões para marcar, o que a acontecer ainda iria causar muitos calafrios no Estádio da Luz. O Benfica continuou por sua vez a procurar a oportunidade de alargar a vantagem em contra-ataques, mas apesar de ambas as equipas o merecerem, mais nenhum golo subiu ao marcador da Luz.
Quando o jogo terminou tive a sensação ambivalente de, por um lado me sentir aliviado com uma vitória nada fácil, mas por outro me apetecer estar ali a noite toda a regalar-me com aquele magnífico espectáculo.
Individualmente os louros vão sobretudo, e como de resto vai sendo habitual, para Simão Sabrosa. A estrela do Benfica desenhou com letras brilhantes a vitória da sua equipa marcando dois golos, mas para além disso comandou toda a manobra ofensiva da equipa, fazendo a cabeça em água aos defensores pacenses. É este seguramente o melhor Simão de sempre, e muito dificilmente o Benfica o irá aguentar mais uma época.
Também Miccoli esteve muito bem, ainda que não marcasse (por manifesta infelicidade, diga-se), Nuno Gomes regressou aos golos, o que por si só é de saudar, e a dupla grega esteve ao seu melhor, quer na recuperação de bolas, quer no lançamento do ataque. Karagounis terá mesmo feito talvez uma das suas melhores exibições de águia ao peito.
Se o meio-campo e o ataque do Benfica estiveram imparáveis, já da defesa não se poderá dizer o mesmo. Luisão teve um dia um tanto estranho, perdendo vários lances de cabeça (o que não é nada habitual como sabemos), Anderson também teve alguns momentos de insegurança – a dupla de centrais divide aliás as responsabilidades no golo dos nortenhos -, e mesmo os laterais não realizaram exibições particularmente exuberantes. Quim alternou o óptimo (defesa a remate de Geraldo) com o assim-assim (numa saída mal calculada).
Paulo Paraty, infelizmente, não esteve ao nível da maioria dos jogadores. Só na primeira parte escamoteou ao Benfica dois cantos e dois livres perigosos, e perdoou a expulsão a Paulo Sousa, que incrivelmente sobreviveu a inúmeras e duras faltas completamente incólume. Os cartões mostrados a Katsouranis e a Edson (?) por pedirem amarelo a adversários são ridículos - até podem constar das leis do jogo, mas não constam seguramente das do bom senso.
Este árbitro, na sequência de um suposto jantar com José Veiga, ganhou fama de benfiquista, e tem mostrado nas suas últimas actuações como que uma necessidade de se demarcar desse “epíteto”. Penso que já o terá conseguido.
No terceiro golo do Benfica Simão parece estar em linha no momento do passe de Miccoli. Mas aqui os louros vão para o árbitro assistente, num lance rápido e difícil de avaliar.
Pontuações: Quim 3, Nelson 3, Luisão 2, Anderson 3, Léo 3, Petit 3, Katsouranis 4, Karagounis 4, Miccoli 4, Nuno Gomes 4, Simão 5 e Derlei 3.
Melhor em campo: obviamente Sabrosa, Simão Sabrosa !
O Paços de Ferreira também merece destaque. Foi - talvez um conjunto com o Belenenses - a melhor equipa que pisou a Luz para as competições domésticas nesta temporada. É uma equipa que não se limita ao defensivo e standardizado futebolzinho promovido pela maior parte dos treinadores da nossa Liga, mas antes promove o espectáculo e procura incessantemente o golo. Com um ou outro retoque, poderia (poderá ?) muito bem ser candidato às provas europeias.

2 comentários:

Anónimo disse...

LF

Boa prosa !!!

Parece-me, que este jogo foi muito bem pensado, estratégicamente e correspondido pelos jogadores, depois do desgaste fisico do jogo contra o Dinamo e das viagens, o Benfica só tinha hipoteses, se joga-se nos primeiros minutos a todo o gáz e fazer o resultado para depois descansar e aguentar o Paços de Ferreira

Esta equipa, como todos sabemos, nunca vira a cara á luta, por isso bastante perigosa

O Benfica, não dependendo só de sí na luta para o titulo, está agora com outro crer e com outra ambição, acreditando ser possivel a sua conquista

Penso que os pontos perdidos pelos nossos rivais e uma subida exibicional regular, assim como os resultados na liga e acima de tudo na taça UEFA, levaram a equipa para outro patamar mais elevado, acreditando neste momento no seu potencial

LF disse...

Quem vê este Benfica e quem o viu no início da época, não reconhece tratar-se da mesma equipa.
Veremos é se ainda vai a tempo.
4 pontos ainda são 4 pontos, e o Porto também está forte.