JOGOS PARA A ETERNIDADE (2) - PORTUGAL-INGLATERRA / 2004

24 de Junho de 2004, Estádio da Luz –Lisboa.
Após uma dramática partida frente à Espanha na última jornada da fase de grupos, Portugal assegurara lugar nos quartos-de-final do Europeu de que, pela primeira vez na história, é anfitrião. Como adversário tem agora pela frente uma poderosa Inglaterra, eterna candidata a todos os títulos, orientada por Eriksson e recheada de estrelas.
A expectativa para esta competição era enorme. Desde a atribuição da organização ao nosso país que muito se falara no torneio em todas as suas vertentes. Foi o investimento nos estádios (com toda a polémica a rodear os respectivos custos), foi a contratação do seleccionador campeão do mundo foi, enfim, o envolvimento de todo um país naquilo que se pretendia fosse uma enorme festa nacional, tal como aliás se veio a verificar ao longo do inesquecível evento.
Foram dias felizes esses. Toda a nação rejubilando com as vitórias, festa na rua, grandes estrelas nos novos estádios, o país cheio de visitantes, esplendorosa meteorologia a ajudar. Para mim pessoalmente foram tempos de férias e de andar de estádio para estádio (Porto, Lisboa, Dragão, Alvalade, Luz) a viver por dentro as incidências da prova. Não podia de todo desperdiçar a histórica oportunidade de uma competição assim no meu país.
Depois de uma falsa partida frente à Grécia no jogo de abertura no Dragão – de onde fiz uma inesquecível viagem de regresso a Lisboa num comboio cheio de adeptos do futebol de vários países -, Portugal recuperara as suas hipóteses derrotando a Rússia na Luz com golos de Maniche e Rui Costa. Então veio o tal jogo de “mata-mata” – expressão popularizada pelo próprio Scolari nessa ocasião para designar um jogo em que só havia duas alterantivas, ganhar ou ser eliminado – frente a “nuestros hermanos” em Alvalade. Um golo solitário de Nuno Gomes já na segunda parte, resolveu a contenda e lançou o país num clima de euforia generalizada.
Era este o enquadramento perfeito para o regresso da selecção à Luz, onde iria defrontar uma equipa motivadíssima e em grande forma. A Inglaterra vencera facilmente Suiça e Croácia, depois de, com dois golos de Zidane nos últimos minutos ter sido injustamente derrotada pela França, em jogo a que tive também o privilégio de assistir no meio dos adeptos ingleses, naquilo que foi uma inolvidável experiência.
A nota dominante das conversas da semana era o previsível maior número de ingleses nas bancadas – estavam 300 mil súbditos de sua majestade durante a competição em Portugal -, mas também muito se falava do confronto entre duas das estrelas emergentes da prova: Wayne Rooney e Cristiano Ronaldo.
Foi a única, das cinquenta e oito vezes que já estive no novo estádio da Luz, que assisti ao jogo no anel VIP. Roman Abramovitch estava com a esposa a pouco mais de vinte metros de mim, num camarote que era naturalmente o alvo de muitos dos olhares. A meu lado um inglês, também em família, adepto do Manchester City, e com o qual passei os intervalos em amena conversa, sobre futebol, os Manchesteres, o Benfica, Eriksson o estádio, o euro etc.
O clima no estádio era indescritível. Os ingleses estavam afinal em mesmo número que os portugueses, e o barulho de uns e outros era ensurdecedor – tornei-me nesse Europeu fã dos adeptos ingleses, que proporcionam de facto um ambiente fabuloso com os seus cânticos constantes e entusiastas, cuja prodigiosa acústica do Estádio da Luz empolava ainda mais.
A selecção nacional jogava sem Pauleta – amarelado frente a Espanha – o que não constituía preocupação de maior dada a boa forma de Nuno Gomes, autor do golo da passagem. Scolari fez alinhar: Ricardo, Miguel, Ricardo Carvalho, Jorge Andrade, Nuno Valente, Costinha, Maniche, Deco, Figo, Nuno Gomes e Cristiano Ronaldo. Pelos ingleses jogaram de início: James, Neville, Campbell, Terry, Cole, Scholes, Gerrard , Beckham, Lampard, Owen e Rooney.
Aos seis minutos Costinha cabeceia uma bola para trás, Michael Owen interpõe-se e desvia a bola do alcance de Ricardo. A selecção nacional não podia de facto começar pior.
Desde logo Portugal reagiu e partiu para uma grande exibição, mas a bola não entrava. Veio a segunda parte já sem Rooney (lesionado num pé), o tempo foi passando e os ingleses continuavam em vantagem.
Scolari arriscou tudo, colocando em campo Postiga, Simão Sabrosa e Rui Costa, tirando Figo (que sai amuado), Miguel e Costinha. Deco fazia de lateral direito (!).
Aos 81 minutos, Simão cruza com conta, peso e medida, e Hélder Postiga elevando-se bem cabeceia para a baliza, colocando o estádio (e o país) em autêntica histeria colectiva. Estava feito o empate, que acabou por levar o jogo para prolongamento.
Esses trinta minutos foram provavelmente o melhor, o mais intenso e mais dramático espectáculo de futebol que presenciei em toda a minha vida. Não sei ao certo quantas ocasiões flagrantes de golo que houve de um e outro lado nesse período. Portugal estava com a equipa virada do avesso e toda ao ataque, a Inglaterra não sabia jogar de outra forma. Mas não havia tácticas que resistissem. Jogava-se na emoção e no nervo, com muito espaço de parte a parte. Nem parecia um jogo típico destas competições.
No início da segunda parte do prolongamento, Rui Costa recebe a bola à entrada do meio campo inglês, passa um, passa dois, flecte para o meio, e ainda fora da área desfere um autêntico míssil que quase fura a rede da baliza de James. Nas bancadas há lágrimas, há gente estendida no chão, gente de joelhos, faltam dez minutos para Portugal chegar às meias-finais do “seu” Europeu.
Mas muito havia ainda para escrever na história deste jogo. Dois ou três minutos depois, pontapé de canto favorável a Inglaterra. Beckham aponta, há um ressalto na área e Frank Lampard à meia volta bate Ricardo. É a vez de os ingleses rejubilarem. O barulho é o mesmo, só que noutro idioma.
O jogo não pára. O golo ainda pode aparecer. E aparece mesmo, na baliza de Ricardo, mas Anders Frisk invalida por carga de Sol Campbell sobre o guardião português - lance que originou enorme polémica nos tablóides ingleses, acabando por estar na base do fim da carreira do brilhante árbitro sueco.
Terminam os 120 minutos.
A ansiedade cresce cada vez mais. O ambiente no estádio é electrizante. A carga dramática destes momentos chega a ser chocante. Há pessoas que rezam, outros suspiram. Ninguém se mantém sentado. Tudo será decidido nos dramáticos penáltis.
Não me recordo quem marcou primeiro, mas lembro-me que Beckham (este de forma quase grotesca, queixando-se mais tarde do … relvado) e Rui Costa falharam. A cada penálti olho para o meu “amigo” inglês. Já não sabemos o que dizer um ao outro.
O último pontapé da primeira série cabe a Hélder Postiga. Quando vai disparar lembra-se de adornar o lance com uma “panenkada”, repetida mais tarde por Zidane na final do Mundial da Alemanha. Todo o estádio sente um calafrio na espinha. Mas é golo !
E chega o momento da decisão. Já na segunda série de penalidades, Ricardo, à toureiro, tira as luvas e defende o pontapé de Darius Vassell. Se Nuno Valente marcar, Portugal ganha, mas Ricardo não deixa o então portista tentar a sua sorte, diz que é ele, bate com as mãos no peito e segue para a marca. Sem esperar muito tempo parte para a bola e marca. É o delírio generalizado.
No meio da completa loucura em que me vejo envolvido, ainda consigo encontrar discernimento para me despedir educadamente de “my english friend”, desejar-lhe boa viagem e dizer-lhe que tínhamos assistido ao melhor jogo do Euro: “It was the real final”.
Nunca vi nada assim. Á saída do estádio, os prédios do Alto dos Moinhos estão apinhados de gente nas varandas com bandeiras e cachecóis a vitoriar a selecção. Os carros buzinam freneticamente pela Avenida Lusíada. Há ruas entupidas em Lisboa, com mares de gente na rua a comemorar. Chego a ter medo de conduzir perante a estrada tomada por uma multidão de gente em estado de delírio absoluto.
Portugal estava nas meias-finais, e chegaria à final com a Grécia – dia em que voltei à Luz – mas o momento alto do Campeonato da Europa tinha sido vivido nessa inolvidável noite.
Uma noite para a história do futebol português. Uma noite para a história da minha vida.

3 comentários:

Marcel Jabbour disse...

Como torci esse dia!!!

Quando a Inglaterra abriu o plcar com Michael Owen, numa falha de Costinha, lembrei-me muito do jogo entre Brasil e a mesma Inglaterra pela Copa de 2002.Como na EURO, a Inglaterra saiu na frente com um gol de Owen, numa falha de Lúcio.

A vitória, sofrida, veio nas mesmas proporções.Sem dúvida um jogo que entra para a hisória do futebol.

Abraços

special one disse...

ricardo de defendeu o penaltie de vasell ainda na primeira série. maniche foi o ultimo marcador dessa primeira série.postiga foi o terceiro.

abraço

LF disse...

Marcel,

Lembro-me perfeitamente também desse Brasil-Inglaterra que foi o momento chave para a conquista do penta.
Ronaldinho foi expulso, e o Brasil conseguiu mesmo com dez resistir a uma Inglaterrra fortíssima.


Luís,

Quanto ao penálti do Postiga talvez tenha razão. Mas o de Vassel tenho a certeza que foi o último, e foi esse que Ricardo defendeu sem as luvas, marcando ele próprio a seguir o decisivo.