GOLPE DE ESTÁDIO (5)

PC já tinha vários apoios associativos e alguns conselheiros na mão, e caso o presidente
do CA não se deixasse influenciar, este já sabia que tinha os dias contados. Poucos foram os
que conseguiram gerir com independência o sector. PC estava consciente da força que tinha
e das alianças que possuía. Arrastava atrás de si uma grande força popular, argumentando
com bandeiras políticas regionais; mas o que o seguiam de perto iam-se afastando, logo que
verificavam que aquela bandeira servia apenas para encobrir os seus negócios e não perder o
poder popular tão útil em situações menos favoráveis.
PC era capaz de tudo para ganhar. Para ele, não existiam barreiras nem personalidades.
Habitou-se a esmagar quem se lhe atravessasse no caminho. Duas semanas antes de um
jogo entre gigantes (Porto-Benfica) e onde se iria discutir o título, teve um encontro com o
presidente do Conselho de Arbitragem, naquela altura um homem isento e honesto, mas com
a consciência de que tinha de ter uma certa flexibilidade em algumas situações. A nomeação
do árbitro para esse jogo era extremamente importante, e o assunto foi discutido entre os
dois:
-Que árbitro é que lhe agradava para fazer o seu jogo?
PC não respondeu. Pensou um pouco, pegou num papel e escreveu o nome de um
árbitro de Setúbal(Carlos Valente), entregando o papel ao presidente do CA. Este analisou-o e
concordou com a situação, até porque o árbitro tinha qualidade e não era daqueles que
normalmente negociavam nos bastidores.
O clube rival acabou por saber quem era o árbitro e também quem o tinha escolhido. O
responsável pelo futebol desse clube, homem muito traquejado e capaz de fazer frente a PC,
colocou um plano em marcha. Desconfiado de que PC já tinha o árbitro controlado, contactou
com um dos seus fiscais de linha e negociou com ele o resultado do encontro.
Tudo se passou nos arredores da capital no campo de um clube de escalão inferior, onde
esse fiscal de linha treinava habitualmente com outros árbitros. Só que, no dia em que o
responsável do clube da capital se foi encontrar com o tal fiscal de linha, o encontro foi
presenciado por alguém que também tratava da sua forma física. Este, desconfiado, no dia
seguinte ligou para Pinto da Costa.
-Queria falar com o Senhor Pinto da Costa.
-Da parte de quem? - responderam do lado de lá da linha.
-Diga-lhe por favor que fala Maciel Feijoca.
Bzzz, click...
-Olá, está bom? Então o que é que manda? - perguntou PC do lado de lá do fio.
-PC, ontem vi o Gaspar Ramos a falar com um dos fiscais de linha do árbitro que vos vai
apitar no domingo. Ponha-se a pau.
-Ah, sim! Esse gajo está fodido comigo! Vou já tratar do assunto.
Depois de desligar o telefone, PC, lívido de raiva, ordenou que lhe fizessem uma
chamada para o presidente do CA. Logo que este lhe surgiu do lado de lá do fio, entrou a
matar:
-Tem de me mudar o árbitro do nosso jogo!
-Então não foi você que o escolheu?
-Pois escolhi, mas soube agora que o Gaspar Ramos já contactou com um dos seus
fiscais de linha.
-Isso pode não querer dizer nada, e a faltarem três dias para o jogo não vou substituir o
árbitro. Isso seria um escândalo.
-Mas tem de ser, senão eu vou fazer um barulho dos diabos.
-Faça aquilo que quiser, desde que seja você a assumir essa responsabilidade. Pode até
dizer aos jornais que sabe desse encontro. A responsabilidade é sua.
Sentindo a inflexibilidade do presidente do CA, ligou de imediato a Adriano Pinto, o
homem que o socorria nos momentos de maior aflição, mas nem este conseguiu demover o
presidente do CA da sua atitude.
Pinto da Costa colocou então em movimento uma outra estratégia e, através dos meios
de comunicação social, criticou aquela nomeação, levando, como era seu hábito, o assunto
ao rubro. O certo é que no dia do jogo confirmaram-se as suspeitas, e o tal juiz de linha que
fora visto a ser contactado pelo dirigente do clube adversário não se portou nada bem,
prejudicando o clube de PC. Para agravar, um habitual suplente (César Brito) da equipa
adversária até bisou, dando a vitória e o título à sua equipa. Pela primeira vez, o assalariado
de PC que treinava a equipa (Artur Jorge) deixou o verniz estalar, chorando baba e ranho na
cara do dito juiz de linha.
À saída, os árbitros setubalenses levaram uma grande sova, e o chefe de equipa,
coitado, sem saber de nada, até levou porrada da mulher de Reinaldo Teles.
-Mas, meus amigos, eu não tenho nada a ver com isto, como vocês sabem - desabafava
o apitador, enquanto colocava pomada na zona atingida. - O que é que eu fiz para merecer
isto? Como é que vou explicar à minha mulher estas arranhadelas nas costas? - E, mesmo
sendo um homem valente, começou a choramingar...
Pinto da Costa teve durante toda essa semana de provar o sabor amargo de que, afinal
não conseguia controlar todas as situações. Sentiu que tinha de refinar os seus métodos e
mandou chamar Reinaldo Teles para discutirem os dois o problema.
Reinaldo Teles entrou envergonhado no gabinete do presidente. Não sabia o que dizer.
Ele que julgava que tinha o mundo da arbitragem na mão, que tinha inclusive aconselhado o
seu presidente a escolher aquele árbitro, e que acabou por ser traído.
Pinto da Costa quando viu o seu «vice» entrar no seu gabinete, de cabeça baixa, disse
num tom apaziguador:
-Não vale a pena estarmos agora a bater mais no ceguinho. Temos é de tomar medidas
para que uma coisa destas não volte a acontecer.
-Ó presidente, sabe que não controlamos os árbitros todos.
-Sei muito bem disso, mas a partir de agora, para estes jogos mais importantes, temos
de fazer com que sejam nomeados árbitros da nossa inteira confiança e que alinhem no
escândalo, se for necessário. O mais importante é ganharmos.
Reinaldo ficou mais animado com as palavras do presidente e lançou um alerta:
-Isto até é mau para o nosso negócio. Os outros árbitros começam a perder-nos o
respeito, e nós acabamos por perder não só o controlo da situação com também aquela
dinheirinho que entra todas as semanas.
-O povo é de memória curta, e com mais umas vitórias esquece o que aconteceu no
domingo.
Pinto da Costa e Reinaldo Teles gastavam dinheiro à grande e à francesa. A paixão de PC
pela Maria era cada vez mais forte, e isso trouxe-lhe custos exagerados, porque ela sempre
se revelou uma mulher de gostos caros e tinha de garantir o futuro da filha de ambos,
amealhando alguns cobres. E Reinaldo estava cada vez mais viciado no jogo. Em cada cidade
que parava não resistia a uma visita ao casino local. O vício pelo jogo era tremendo. Até
parecia castigo de Deus.
Tinha entrado nos casinos para lavar dinheiro para os seus negócios pouco claros e
acabou por ficar agarrado à roleta. Reinaldo sonhava com Las Vegas, e não havia quem o
convencesse que não muito longe ficam os precipícios do Grand Canyon...
-Mas no meu caso não vai ser assim. O dinheirinho que entra todas as semanas há-de
dar para estas coisas e muito mais. O futebol é um grande negócio e, agora, que temos a
arbitragem na mão, não nos via faltar dinheiro - dizia Reinaldo a Jorge Gomes, na tentativa
de o convencer a não o aborrecer mais com aquelas conversas de que ele andava a arriscar
dinheiro de mais no jogo. - Quem não arrisca, não petisca! - gostava de repetir Reinaldo,
especialmente quando desperdiçava umas milenas no preto para ver sair o vermelho, ainda
para mais o vermelho...
-Olha, essa merda do jogo ainda há-de ser a tua desgraça. Faz mas é como eu. Vou
investindo nuns apartamentos. Pelo menos fico com o futuro garantido - dizia-lhe Jorge
Gomes.
-Não te preocupes com isso. O negócio vai melhorar. O presidente tem aí um projecto
em vista que vai mudar isto tudo - respondia Reinaldo.
Tornava-se muito arriscado tentar servir vários clubes ao mesmo tempo. As pessoas já
falava muito nessas histórias e qualquer dia rebentava um escândalo medonho. PC reuniu-se
com Reinaldo, e ambos discutiram a nova forma de ganhar dinheiro com a arbitragem, mas
com a situação completamente controlada ou, pelo menos, mais controlada.
O futebol continuava a ser a guarida dos homens endinheirados à procura de promoção
social. Ter muito dinheiro não bastava. Eles gostavam de ser conhecidos, e nada melhor que
o futebol para promover socialmente os novos ricos. Reinaldo Teles sabia melhor que
ninguém quais eram os empresários que manifestavam grande disponibilidade financeira. A
maior parte deles eram seus clientes e deixavam no seu bar muitas centenas de contos
através das suas raparigas contratadas. Era só arranjar uma forma de lhe aliviar um pouco
mais a bolsa, e o futebol era o melhor meio para isso. O desporto-rei servia de capa para o
mais variado tipo de situações. Era só saber aproveitá-lo. Servia para lavar dinheiro e
principalmente para fazer esquecer certos preconceitos sociais. O exemplo de Reinaldo era o
que mais evidenciava essa situação.Chegou ao Porto para servir na tasca do tio, foi um dos
mais conhecidos chulos da cidade, continuava a viver à custa da exploração de carne branca,
e as famílias mais conceituadas esqueciam-se disso tudo para o apoiar até à vice-presidência
de um dos clubes mais prestigiados da Europa. A sua mulher, que palmilhou noites seguidas
na Rua de Santos Pousada, era agora uma senhora bem colocada e apaparicada por todos
aqueles que rodeavam o clube, não obstante continuar a ser a dona de um bordel.
O futebol é um fenómeno social, e era necessário saber retirar o devido proveito desse
facto.
Pinto da Costa tinha vindo de boas famílias, mas era criticado pelos seus parentes,
devido ao relacionamento que tinha no mundo da bola. A sua inteligência não deixava
dúvidas e, unindo esse factor à facilidade com que Reinaldo se movimentava no mundo do
crime, formava com Teles uma dupla quase imbatível.
Reinaldo Teles só possuía a cultura adquirida na tasca do seu tio, e o seu discurso só
tinha êxito no bas-fond da cidade. As entrevistas que ia dando só podiam ser concedidas a
jornalistas da sua confiança, para que a sua ignorância não se manifestasse com tanta
evidência, mas era eficiente nas jogadas de bastidores, e era nessa qualidade que Pinto da
Costa o aproveitava. Não podia, porém, nem responder nem servir de escudo para os
ataques vindos de outros clubes cujos dirigentes conheciam muito bem a sua actividade. Para
além de não possuir a capacidade de PC, tinha muitos rabos de palha, e quando surgia em
maior evidência nunca consegui retirar muitos efeitos mediáticos. A sua grande mágoa era
ainda não ter podido encontrar um negócio que lhe desse tanto dinheiro como os alternos.
Muitas vezes lamenta-se com os seus amigos.
-Tenho de acabar com esta merda. Até os colegas dos meus filhos na escola dizem que
eu vivo das putas, que sou um chulo.
Mas o dinheiro ganho com facilidade sempre superou essas mágoas e também não podia
prescindir dos serviços da sua mulher, pois ela era uma expert no assunto e o segredo do
êxito do bar de alternos.
-É que isto de lidar com putas não é tarefa fácil para ninguém. Ou temos os olhos bem
abertos ou somos comidos indecentemente. A minha mulher conhece o negócio como
ninguém e todos os truques. Já não é comida com facilidade - consolava-se Reinaldo, nas
noites de maior angústia, quando tentava ler uma obra de Eça de Queirós.
Quem não dava muita importância a essa situação era Pinto da Costa. Para ele, até era
bom que o seu amigo de maior confiança tivesse boas putas. Quantas mais ele tivesse, mais
ele comia, e o bar sempre era um local de bom chamamento para os seus negócios menos
lícitos.
Pinto da Costa já tinha tido dissabores com alguns desses negócios, e os da arbitragem
começavam a ser muito denunciados, mas como o dinheiro desse sector era muito e fazia
falta, havia que se estabelecer um novo plano de ataque.
As despesas eram muitas e, depois de falidas as empresas em que ele tinha gasto tantos
milhões, quase toda a gente já sabia que ele viva somente à custa da influência que o seu
clube lhe fornecia para certos negócios. De vendedor de fogões a empresário falido, PC tinha,
porém, a certeza de que o mais importante estava feito: o seu clube ia na crista da onde, e o
cartão de crédito que tinha no bolso não tinha tecto. Afagando-o, PC acabou por adormecer
embalado por um pensamento reconfortante: «Antes um bom Visa que um bis».
Reinaldo Teles trabalhava no mundo da arbitragem com um certo à vontade. Comprava
e vendia com a maior das facilidades. Sentia-se seguro e acabava por cometer erros que,
acumulados, se iam tornando perigosos, não obstante usufruir de uma grande cobertura
judicial, desportiva e política, situações que eram consubstanciadas através de favores
concedidos em todas estas áreas, tendo como referência o poder do seu clube.
A bandeira do Norte era içada defendendo um regionalismo recheado de hipocrisia. Esta
era a forma de arregimentar a força do povo nortenho quando era necessário fazê-lo sair em
defesa de interesses meramente pessoais. Pois se os títulos e os golos eram importantes para
os fervorosos adeptos do seu clube, eram muito mais para eles, porque era essa força que
servia de suporte aos negócios marginais.
Pinto da Costa tinha consciência de que no futebol eram autorizados, por parte dos
adeptos, alguns jogos obscuros de bastidores. A vitória era importante e combatia-se dentro
e fora dos relvados. Alguns adeptos até denunciavam um certo gosto pela habilidade nata
com que alguns dos seus dirigentes se movimentavam nos bastidores, mas também se sabia
que nenhum deles aprovava que se retirassem benefícios em proveito próprio e muito menos
utilizando o seu clube para isso. Mas como o clube ia ganhando...
Começaram a surgir algumas denúncias, e uma maior cautela era a medida a tomar com
uma certa urgência. Andar a negociar árbitros a retalho era perigoso de mais. Os movimentos
multiplicavam-se, e os riscos aumentavam. Alguns jornalistas não se deixaram dominar pelo
medo e acabaram por sofrer emboscadas, sendo presenteados com alguns socos como
medida de intimidação(entre eles o autor deste livro, Marinho Neves). Reinaldo Teles foi
avisado e não parava de pensar como é que o negócio teria de ser conduzido para se
acabarem com alguns boatos que começavam a tornar-se perigosos. Nem sequer
equacionava poder vir a acabar com um comércio tão rentável. Tinha de encontrar uma
solução mais eficaz e menos notada. Já se habituara a ganhar algumas centenas de contos
semanalmente, e o seu vício pelo jogo no casino requeria grandes proventos.
A ideia acabou por surgir através de um dirigente de outro clube que se tornara um
grande cliente e que começou a entender a complexidade do negócio e a dificuldade em
acudir a todos os pedidos.
-Porque é que vocês não se dedicam a um ou dois clubes em vez de andarem a acudir a
todos os fogos. Façam contas e vão verificar que o negócio se torna mais rentável, é mais
seguro e não gera tantas confusões.
Reinaldo Teles ouviu com atenção a observação, e, como dizia, a sua mioleira acendeuse
como um cockpit no momento da aterragem. Para arrefecer as ideias, pediu ao seu
empregado que lhe trouxesse mais um whisky.
-Mas com muito gelo.
Saboreou durante largos minutos a sua bebida, elaborando mentalmente um novo plano
de ataque. Olhou à sua volta e, ao verificar que uma das suas prostitutas se despedia de um
cliente depois de lhe ter sacado duas garrafas de champanhe, fez-lhe um sinal e chamou-a.
Ela olhou admirada e colocando o dedo indicador no meio do peito nu, bem dentro de
um decote que ameaçava fazer-lhe saltar as mamas a qualquer momento, interrogou-se,
encolhendo os seus lábios vermelhos e carnudos:
-Eu?!
Reinaldo passou a mão pelo rosto, fez rodar o copo entre os dedos para agitar o gelo e
acenou com a cabeça, confirmando o chamamento.
Rebolando a anca, atravessou a pista de dança e dirigiu-se a Reinaldo.
-Senta aí.
-Mas que luxo! Ser convidada para a mesa do patrão!
-Cala-te e ouve. O Jorge Gomes dormiu contigo esta noite?
-Já sabe que sim. Ou ainda não lhe disseram que ando com ele.
-Sei muito bem que andas com ele, e quero é saber onde o posso encontrar agora...
neste momento.
-Como ainda é cedo, deve ter passado por casa. Mas ele disse-me que vinha cá hoje.
-A que horas?
-Ai, isso não sei! Mas deve estar a chegar.
-Se por acaso estive ocupado na altura em que ele chegar, diz-lhe que eu quero falar
com ele com urgência.
-OK! É só isso? - disse a empregada antes de se retirar, ao mesmo tempo que puxava as
mamas para cima e deitava o olho a um novo cliente.
Reinaldo Teles dirigiu-se para o balcão onde estava a sua mulher a chamar a atenção de
uma das suas empregadas.
-Estás aqui para trabalhar e não para namorar. Estiveste na mesa daquele gajo e nem
um copo lhe sacaste.
Reinaldo Teles ia a pedir um pouco de calma à sua Luísa, quando viu Jorge Gomes a
entregar a sua gabardina ao porteiro. Fez-lhe logo sinal com a mão e, após uma breve troca
de olhares, dirigiram-se para uma mesa mais recuada e sem barulho de música.
Reinaldo apresentou-lhe a sua ideia para se avançar com uma nova forma de negócio.
Ao fim de alguns minutos, estava tudo resolvido. Iam trabalhar com três ou quatro clubes de
divisões inferiores e com um ou dois de primeira categoria, prometendo-lhes a manutenção.
Desta forma, a acção não colidia com os interesses do seu clube muito pelo contrário, podia
até sair beneficiada.
Reinaldo estava tão entusiasmado com o negócio, que deixou Jorge Gomes
embasbacado quando lhe disse:
Isto não tem nada que saber. Vamos deixar de trabalhar jogo a jogo. Para correr tudo
bem, necessitamos de tempo e organização. O clube que quiser subir contacta-nos com
tempo, fazemos o preço e temos todo o campeonato para tratar do assunto. Desta forma,
podemos jogar com algumas falhas e colmatá-las com outras jogadas e outros intervenientes.
Jorge Gomes ouviu com atenção, mas ficou desconfiado, pois não lhe passava pela
cabeça vir a perder dinheiro. Além do mais, ficava sem campo de acção para algumas das
suas jogadas em que prometia levar o dinheiro a alguns árbitros e nem sequer os contactava.
Mas Reinaldo descansou-o.
-O teu papel continua a ser o mesmo. Nós temos de trabalhar todas as semanas, temos
de fazer os nossos contactos, só que desta forma a massa vem dos clubes antecipadamente.
No início do campeonato estabelecemos um preço de subida e, como em negócios destes não
há crédito, eles dão-nos o dinheirinho adiantado e nós é que gerimos a situação.
-E já tens algum cliente? Estamos a mais de meio do campeonato, e até ele acabar não
vamos ganhar mais nenhum? - perguntou Jorge Gomes, preocupado e ainda confundido com
esta nova situação.
Mas Reinaldo não perdeu tempo, expondo-lhe novos pormenores do negócio:
-Estamos em Março, e é a partir de agora que começam as grandes confusões. Estive a
falar com o presidente de um clube que está à rasca. Não quer descer e, como dinheiro é
coisa que não lhe falta, vamos arrancar com esse negócio. Amanhã vais falar com ele,
apalpas a situação e, se o vires interessado, combina com ele um encontro aqui no bar, que
depois eu faço o resto. Trata disso sem falta amanhã, que eu agora vou até ao casino
aumentar a minha fortuna.
-Já vais foder o dinheiro todo nessa merda. Assim, não há negócio que resista -
lamentou-se o Jorge.
Na tarde seguinte, Jorge Gomes fez o seu contacto; falou com o presidente do tal clube
que não queria descer e, vendo que este se mostrou interessado no negócio, marcou
encontro para essa noite.
Reinaldo Teles escolheu duas das suas melhores mulheres, avisou Luísa de que naquela
noite iria aparecer um bom cliente e deu instruções para que nada faltasse, porque estava
em perspectiva um bom negócio.
Quando ia a sair, disse a Luísa para ela falar com as duas empregadas, avisando-as de
que, se fosse necessário, elas sairiam com esse cliente.
-É que ele gosta de ter mais que uma mulher na cama, e é bom que ele saia daqui
satisfeito.
Nessa noite, Reinaldo Teles chegou atrasado ao bar, mas fê-lo de propósito, para que as
suas duas empregadas tivessem tempo de levar o cliente ao ponto que ele queria. Quando
fez a sua entrada, a situação já estava a ser controlada por Jorge Gomes.
-Ele está no ponto de rebuçado.
-É assim mesmo que eu o quero.
Após estas palavras, Reinaldo dirigiu-se para a mesa do seu convidado e disse, com um
ar de não total inocência:
-O presidente está bem acompanhado!
Ambos trocaram um sorriso e compreenderam que tinha chegado a altura de ficarem
sozinhos para tratar de negócios. As duas mulheres, após um ligeiro sinal, levantaram-se da
mesa sob o argumento de que tinham de ir à casa de banho recompor a maquilhagem, mas
prometendo voltar logo que se acendesse a luz verde...
Reinaldo Teles começou a falar da situação aflitiva em que estava o clube do seu
interlocutor, passando de imediato àquilo que mais interessava e que tinha proporcionado
aquele encontro.
-Estive ontem a pensar na vossa situação e cheguei à conclusão de que, se não houver
um trabalho a sério, vocês vão direitinhos.
-Nós também temos consciência disso.
-Ainda ontem um presidente veio ter aqui comigo para ver se eu o ajudava a sair de uma
situação como a vossa, mas eu não lhe disse nada até falar consigo. Se vocês quiserem,
prefiro ajudar o vosso clube. Sempre é da nossa associação(Porto).
-Claro que queremos, mas também não temos muito dinheiro para gastar.
-Estive a fazer contas e penso que, com 50 mil contos, podemos controlar a situação até
ao final do campeonato. Mas, atenção, que este dinheiro também é para ser investido no
campo do adversário.
-Com 50 mil contos, vocês garantem-nos a manutenção?
-Quase a 100 por cento.
-Quase?
-Sim, quase, porque a bola, que eu saiba, continua a ser redonda...
-E como é que vamos pagar esse dinheiro?
-Em três tranches. Dez mil agora e mais duas de vinte mil quando virmos que é
necessário o investimento.
-Está combinado. O Jorge Gomes pode passar lá amanhã pelo meu escritório e já traz o
cheque dos 10 mil.
Estava em curso uma nova forma de negociar, e pelos vistos mais segura, para além das
vantagens que isso trazia. Com aqueles 50 mil contos podia fazer-se muita coisa, uma das
quais era tentar atrasar os mais directos adversários do clube de Reinaldo Teles. Quando
estes fossem jogar com o clube que tinha pago os 50 mil contos, investia-se nessa situação.
Com um tiro matava dois coelhos: o seu clube adiantava-se em termos de pontos, e o seu
cliente ficava bem servido.
Só que o egoísmo levou-os a cometer novos erros. O dinheiro era fácil e gastava-se
ainda mais facilmente. Reinaldo pedia cada vez mais e investia cada vez menos. Estava ciente
do poder que tinha e jogava com algumas promessas de árbitros em termos de classificação
no ranking final, pagando cada vez menos em dinheiro e fazendo prevalecer outras situações
de favor. Alguns árbitros contentavam-se com isso, mas outros arriscavam e, sabendo que
eles estavam a ganhar dinheiro com os seus favores, exigiam a quota parte deles. Surgiram
então algumas ameaças de despromoção, e não faltaram desentendimentos, assim como
processos de pura chantagem, ao melhor estilo de um filme que Jorge Gomes um dia alugou
no clube de vídeo da esquina, O Padrinho.
Mas como o tempo não parava e a bola se revela teimosamente redonda, as coisas
complicaram-se, até que se chegou ao final do campeonato, e o clube que tinha investido 50
mil contos para não descer jogava a sua última cartada em 90 minutos de futebol.
Reinaldo Teles multiplicou-se em acções, jogando em vários campos, mas era tarde de
mais para controlar todas as situações. Havia que investir em vários jogos, e o dinheiro tinha
sido gasto no casino e noutros negócios. Mesmo assim, ainda tentou outras soluções, mas os
adversários mais directos não andavam a dormir e também tomaram as suas precauções.
Já depois dos 90 minutos regulamentares, uma das equipas, não incluídas no seu
«pacote», e que jogava a norte, marcou o golo que lhe garantia a permanência. A aposta de
Reinaldo Teles tinha falhado. Jogadores, treinadores e dirigentes nem queriam acreditar, e o
presidente do clube que tinha dado os tais 50 mil contos para não descer evaporou-se
durante mais de três semanas.
Claro que depois choveram as desculpas e inventaram-se as maiores jogadas para
encobrir o desastre. Reinaldo Teles, depois da tempestade, prometeu que na época seguinte
esse clube subiria - e de facto, subiu, muito embora com um investimento menor. Era
necessário salvaguardar a imagem para que o negócio não se perdesse, mas para tapar esses
buracos houve outros investimentos que falharam.
Por exemplo, numa tentativa de subida da 2ª Divisão B à Honra, fez-se também um
grande investimento que, tal como o outro, não resultou precisamente na última jornada.
Havia dois clubes com possibilidades de serem promovidos. Um deles estava a ser protegido
por Reinaldo Teles e a sua organização, o outro vivia da habilidade de alguns dos seus
dirigentes que se mexiam bem no seio da arbitragem e conheciam por dentro o negócio.
Na última jornada, o clube que estava protegido por Reinaldo ia jogar a casa de um
adversário cujo resultado já não contava para nada. O árbitro desse jogo tinha a promessa de
que iria ser internacional, e Reinaldo garantiu que este estava controlado. O presidente do
clube que queria subir prometeu mesmo uma prenda à mulher de Reinaldo Teles, caso o seu
clube fosse promovido:
-Ofereço-te um BMW novinho em folha. Eu sei que gostas deste carro, e o Reinaldo não
se importa que eu te dê esse prenda.
Luísa arregalou os olhos de contentamento e não mais deu descanso ao seu homem:
-Vê lá o que andas a fazer. Ele tem que subir. Eu quero aquele BMW.
Só que os outros não andavam a dormir. Tinham a situação controlada para o jogo que
iam disputar em casa e a aposta tinha de ser feita no jogo com o outro adversário candidato
à subida.
Na semana que antecedeu esse jogo, já se sabia quem iria ser o árbitro do encontro. Era
do Alentejo, terra onde abundam sobreiros e cortiça, e tal como o tal clube era de uma terra
onde se fabrica muita rolha; através de um emissário foi dada uma palavrinha ao tal árbitro,
mas a proposta no valor de 10 mil contos, foi prontamente recusada. Este foi o sinal de que o
árbitro já estava feito com Reinaldo Teles, porque me relação à sua honestidade não havia
rolhas que tapassem o fedor que ali se guardava...
Só havia uma solução para combater a estratégia de Reinaldo Teles. Os homens da
cortiça contactaram o clube a quem o resultado pouco interessava e, como os seus jogadores
tinha os vencimentos em atraso, ofereceram-lhes 20 mil contos para ganharem. Era muito
dinheiro, e ninguém resistiu à proposta.
No dia do jogo, os homens da cortiça lá estavam com a verba combinada: 10 mil contos
em dinheiro, trocado no dia anterior no casino por cheques e outros 10 mil em papel com
garantia de altos dirigentes federativos da zona centro do País. Ávidos pelo dinheiro que lhes
estava a ser oferecido, os jogadores nem pensaram duas vezes, e as habilidades do árbitro
não foram suficientes para combater toda aquela (falta de) ambição...
Reinaldo Teles tinha perdido mais uma aposta. Tinha falhado mais uma promoção. Fez,
no entanto, os seus negócios e ganhou dinheiro com isso. Só mesmo a Luísa é que ficou sem
o seu BMW.
-Puta que te pariu, Reinaldo! Como se não bastasse o facto de não me foderes, ainda me
fazes andar de Opel! - gritou Luísa, depois de mais uma «nega» do marido, numa noite,
ainda para mais, de lua plena...
-Desculpa, filha, acho que bebi de mais!- adiantou Reinaldo, antes de rolar os olhos
rumo a um sono sem sonhos, os seus preferidos.
Apesar de falhas bem visíveis na organização, Reinaldo Teles continuava a usufruir de
uma excelente reputação no negócio das arbitragens. A máquina estava bem montada, e os
perdedores eram levados a acreditar que era praticamente impossível controlar todas as
situações de forma a garantirem a vitória. Reinaldo defendia-se afirmando que, se o processo
não fosse falível, acertava todas as semanas no totobola. As pessoas conheciam os
pormenores da organização e sabiam que o risco de erro era mínimo, mas existia...
Reinaldo Teles controlava várias áreas adjacentes ao mundo do futebol e sempre era
melhor estar de bem com ele do que tentar lutar contra a sua estrutura. O negócio de
corrupção já há muito tinha ultrapassado a arbitragem, encontrando-se instalado noutros
sectores. Por vezes, controlar o árbitro não chegava e também era verdade que, nem todos
os árbitros se deixavam enredar na teia bem urdida por Reinaldo e Jorge Gomes e, por isso,
tornava-se necessário alargar o campo de acção a outros sectores e a alguns jogadores que,
na ânsia de arranjar melhores contratos, alinhavam em favores extra. Valia tudo para se
servir o melhor possível o cliente.
Reinaldo e Jorge Gomes tornaram-se especialistas na tramóia. Tinham toda a cobertura
possível do clube que representavam. Aos poucos, os dirigentes dos outros clubes ficavam
dependentes da sua acção e dos seus serviços. No início de cada época, era elaborada uma
lista de jogadores a emprestar pelo clube de Reinaldo, e os primeiros a ter acesso a essa lista
eram aqueles que se comprometiam a ser os melhores clientes, depositando milhares de
contos nos cofres da organização. Destes dividendos, o clube não via nem um tostão, e por
isso é que alguns dirigentes com maior estatura moral, ao aperceberem-se que alguns
parasitas viviam à conta do seu clube, abandonavam as suas posições, não deixando de
comentar:
-Isto é impossível. Um clube com tanta dignidade vive rodeado de chulos. É quem mais
se orienta.
-É preciso ser-se maluco para depender exclusivamente de um pé-descalço e de um
mentecapto.
-O melhor é sair do barco, senão ainda vamos ao fundo com ele e se isso acontecer já
ninguém nos arrancará do lodo...
Até o Ilídio, que já tinha investido milhares de contos no clube do seu coração, deixou de
acreditar que, algum dia, poderia vir a ser «vice» do futebol profissional e deixou de
contribuir quando era chamado a apagar alguns fogos de ordem económica. E gabava-se
disso, sem tentar esconder a sua posição:
-Deixei de ser burro. Era o que faltava, andar aqui a ganhar honestamente o meu
dinheiro para sustentar estes chulos. Se falta dinheiro, que o ponha lá quem o ganha à custa
do clube. Se derem 10 por cento do que ganham à nossa custa, já podem acudir a alguns
fogos. Sempre é melhor deixarem o dinheiro no clube que os sustenta que deixá-lo no casino.
-Ilídio sabia que tinha peso entre os adeptos, pelo menos desde o dia em que resolveu
pedir a sua demissão de dirigente e, ao contrário de que aconteceu a outros, Pinto da Costa
se apressara a fazer com que ele regressasse. Gostava de ser campeão todos os anos, mas
não apoiava os processos utilizados por Reinaldo e muito menos, ao contrário de outros,
deixava que a sua mulher se misturasse com a Luísa nas viagens ao estrangeiro.
Reinaldo Teles ganhava apoiantes entre aqueles que comiam algumas migalhas do seu
bolo. Como era conveniente, controlava alguns delegados técnicos, montando um sistema de
protecção aos árbitros que com ele colaboravam. Servia-se do seu clube para se insinuar
perante os membros do Conselho de Arbitragem, deixando no ar promessas que raramente
eram cumpridas.
A chantagem era o trunfo mais utilizado na intimidação das pessoas que se deixavam
levar por alguns processos menos claros e que, depois de entenderem que pouco ganhavam
com isso, manifestavam a intenção de sair da organização. Esses processos, na maior parte
das vezes, eram utilizados contra jogadores que se deixavam corromper e que, depois de se
sentirem enganados com falsas promessas, se recusavam a aceitar um segundo negócio.
Também havia aqueles que, não querendo alinhar no sistema de corrupção, quando
contactados, se recusavam a tal. Esses eram constantemente ameaçados e só com muita
dificuldade arranjavam novos clubes depois de terminarem os seus contratos. Era a política
do medo que se exercia sobre jogadores e dirigentes. Quem contrariasse Reinaldo, sentia que
estava a contrariar PC, e o resultado era quase sempre funesto.
As pessoas sentiam que lhes estavam a sonegar dinheiro, mas não tinham coragem para
se impor. Sabiam por experiência que não era muito saudável alguém voltar-se contra quem
manda no futebol.
A arrogância com que a dupla PC-Reinaldo actuava e a ditadura que impunham
provocava até situações ridículas, mas nada era feito ao acaso. Um dos exemplos disso
estava num dos anúncios transmitidos semanalmente pelo totobola. Nesse anúncio surgiam
golos de várias equipas, e como o clube de PC tinha sido esquecido, o próprio presidente
contactou a Santa Casa e fez saber que, se não incluíssem num desses anúncios um golo do
seu clube, ele mesmo faria uma campanha anti-totobola.
A chantagem valia para tudo, mas PC era também mestre na simpatia, e quando lhe
convinha atingir determinado objectivo, se fosse necessário, tornava-se até subserviente.
PC e Reinaldo tinham personalidade muito idênticas que se dividiam entre o anjo e o
demónio, e por isso é que se entendiam bastante bem e existia uma confiança sem limites
entre ambos.
PC era o mentor, e Reinaldo o executor. Jorge Gomes queria imitá-los, mas as suas
limitações não lhe permitiam longos percursos nessa área. Explodia com muita facilidade e,
como não tinha a noção do ridículo, deixava cair a máscara e denunciava a sua real
personalidade. Também era verdade que lhe cabia assumir os papéis de maior desgaste.
A organização era superiormente constituída e soberbamente organizada. Escolhia os
árbitros de personalidade mais frágil para patrocinarem os escândalos nos jogos onde era
necessário vencer a qualquer preço e, depois de utilizados, quando já não possuíam qualquer
tipo de credibilidade, esses mesmos árbitros eram abandonados e abatidos ao efectivo.
Alguns treinadores também se deixaram possuir pela vida fácil de arranjar emprego,
entregando toda a sua carreira à responsabilidade de Reinaldo Teles. Ele é que os colocava,
mas sempre com o objectivo de conseguir novos clientes. Muitos deles sujeitavam-se ao
desemprego durante meses a fio, para esperarem a oportunidade e a ordem dada por
Reinaldo.
Quando surgia um elemento endinheirado à cabeça de um clube, Reinaldo não perdia
tempo. A carreira desse clube começava a sofrer oscilações, até que o presidente era
aconselhado, através de um sinal subtil de boa vontade, a mudar de treinador. O acaso
proporcionava encontros programados à distância com elementos ao serviço de Reinaldo:
-Com esse treinador não vai a lado nenhum. Arranje outro enquanto é tempo.
-Não é assim tão fácil como isso. Não há por aí treinadores aos pontapés, e também é
necessário pagar-lhes - reagia o presidente, em situação de desespero.
-Ó homem, fale com o Reinaldo que ele arranja-lhe um gajo com capacidade. Ele é que
controla isto tudo. Estou a ser seu amigo, não ganho nada com isso!
Muitos desses presidentes não agiam de imediato, mas, como os bons resultados
teimavam em não aparecer, acabavam por seguir o bom conselho daquele amigo tão
providencial. Caíam que nem patinhos na teia que lhes tinha sido estendida.
Depois de contactado, Reinaldo colocava a máscara do amigo, do proteccionista que age
sem qualquer tipo de interesse. Um autêntico bom samaritano.
-Vou arranjar-lhe um treinador de cinco estrelas. Não se preocupe que a partir de agora
vai correr tudo muito melhor - garantia aos presidentes mais conhecidos, nos intervalos de
algumas beijocas e outras tantas mamadas de algumas especialistas pagas a peso de ouro.
Uma semana depois de o novo técnico estar ao serviço desse clube, surgia o conselho
tão desejado para os presidentes mais inexperientes:
-Tem de começar a aparecer no bar do Reinaldo mais vezes. Ele é um gajo porreiro. E lá
é que se resolvem todas as situações.
Tentando rentabilizar o investimento que já tinha feito, o «homem» era recebido como
um marajá. Luísa encarregava-se de lhe colocar na mesa um ou duas das suas melhores
mulheres. Reinaldo dava ordem para que o serviço de bebidas não falhasse e, para não dar
nas vistas, naquele primeiro dia a conta era arredondada para baixo e elevados os carinhos
proporcionados pelas raparigas. O dirigente saía satisfeito, e até comentava com os seus
colegas:
-O Reinaldo é um gajo porreiro. Meteu-me duas mulas na mesa boas como milho, e no
final a conta foi uma merdita.
O pior acontecia nas visitas seguintes. Iludido com tamanha amizade, o dirigente
tornava-se cliente assíduo e, para não parecer mal andar no putedo, sempre tinha a desculpa
de que ia tratar de negócios com Reinaldo. Este, por seu lado, só tinha de esperar até que a
vítima ficasse definitivamente presa.
As bebedeiras sucediam-se, e alguns chegavam até a mijar-se pelas pernas abaixo para
descontentamento as mulheres que os tinham de aturar, mas Reinaldo não tinha
contemplações quando alguma das suas empregadas se queixavam que já não aguentavam
mais micções ou vomitados daqueles pacóvios que estavam ligados ao futebol.
-Coitados, nunca saíram de casa e agora bebem dois copos e cagam-se todos.
Reinaldo Teles não gostava desse tipo de comentários e cortava-os pela base:
-Se não queres trabalhar, fala ali com a Luísa que ela faz-te as contas e vais com a
Nossa Senhora.
As putas bem se lamentavam, porque com os dirigentes do futebol as suas comissões
diminuíam, pelo menos nos primeiros tempos, dado que a intenção não era esmifrá-los, como
faziam aos outros clientes, mas cativá-los para operações bem mais proveitosas para o...
patrão.
-Estás a mangar? O que ele quer é embebedar os perus...
-Não tenho pena deles. Tenho mais pena de mim. Ando aqui a dar tudo o que tenho, e o
que ganho com esses pavões nem dá para a cabeleireira.
-Tem paciência, Vaninha. Pode ser que ainda venhas a casar com um jornalista
desportivo, como eu...
As putas já estavam resignadas.
Chegada a hora de o abutre picar sobre a carcaça, Reinaldo começava a gerir a situação,
dando toda a cobertura ao clube cujo treinador lá tinha colocado. As tabelas eram feitas
mediante os escalões em que os clubes militavam e, como normalmente as coisas
melhoravam de imediato, toda a gente se sentia satisfeita. O presidente tornava-se um bom
cliente, diminuindo o orçamento para a contratação de jogadores e aumentando a verba de
despesas confidenciais que iam direitinhas para os bolsos de Reinaldo. A qualidade do futebol
decrescia também, porque já não era necessário investir-se em bons profissionais, mas sim
nas habilidades e manobras de bastidores.
Os dirigentes não escondiam essa situação:
-Que importa ter bons jogadores se não ganhamos!...
À parte tudo isto, os treinadores colocados por Reinaldo também alinhavam em várias
jogadas, principalmente nos finais de campeonato. Quando não estava em causa o resultado
para uma das equipas cujo treinador fazia parte da carteira de Reinaldo, era fácil pedir-se-lhe
a derrota para beneficiar um outro cliente. Todos ganhavam dinheiro com isso.
O sector do futebol júnior também foi transformado num grande negócio através do
empréstimo de jogadores e, por isso, logo cobiçado pelos familiares de Reinaldo. Os clubes
que eram beneficiados com esses empréstimos, para além de usufruírem de imediato de
proteccionismo relativamente às arbitragens e de terem de pagar magros vencimentos aos
atletas, tinham de passar cheques cujas verbas iam até aos 5 mil contos sempre em nome de
Reinaldo Teles e nunca em nome da colectividade.
O clube que se tornou melhor cliente de Reinaldo andava já há algumas épocas a tentar
a subida à 1ª Divisão e já tinham investido muitos milhares a partir do bar gerido pela Luísa.
Mas depois de ver frustradas as suas acções e de ter gasto muito dinheiro, um dos seus
dirigentes resolveu ter uma conversa com Reinaldo Teles e, sem preâmbulos, foi direito ao
assunto:
-Já andamos há algumas épocas a investir e ainda não conseguimos nada. Desta vez tem
de ser. Digam lá quanto é que é necessário para subirmos de divisão.
Reinaldo Teles afagou o bigode, pensou, e só depois disse num murmúrio de grande
cumplicidade:
-Se vocês querem mesmo subir; vamos ter de apostar forte.
-E essa força quanto nos custa.
-Não é esta a altura para vos dar uma resposta. Vamos estudar o problema e depois
falamos.
Reinaldo Teles teve então uma conversa com Pinto da Costa, colocou-lhe o problema, e
este não esteve com meias medidas:
-Se eles querem subir, vão ter de pagar bem por isso. Naquela zona há muito dinheiro.
Anda tudo bem calçado. Estabelece uma verba de 250 mil contos e divide isso em quatro ou
cinco tranches.
-Mas, presidente, isso não é muito dinheiro?
-Não, não é, atira com essa verba e se eles não forem na fita baixa um pouco a fasquia,
mas não muito.
Reinaldo e Jorge Gomes marcaram encontro com os interessados e, após uma curta
discussão, ficou acordado que essa verba seria de 200 mil contos divididos em quatro
tranches de 50 mil contos. O certo é que, após vários escândalos - jogos houve nos quais
foram marcadas três grandes penalidades... - , esse clube acabou por subir ao grande palco
do nosso futebol, e ninguém fez menção de fazer segredo de que os grandes responsáveis
por essa subida foram Reinaldo e PC.
Aqui o segredo nem sequer era a alma do negócio, muito pelo contrário, era necessário
que toda a gente soubesse para incentivar novos clientes. Uma autêntica operação de
marketing.
-Reinaldo, isto é muito melhor que jogar na roleta! - atirava PC, enquanto se deliciava
com mais um extracto bancário.
-Sem dúvida, presidente, mas agora que falou nela, já me está a dar um formigueiro nas
mãos.
-Oh, não!...

3 comentários:

cj disse...

qualquer dia tens um processo em cima...

Anónimo disse...

Eu ????!!!!???? Era o que faltava !!!
Isto é uma adaptação de um livro!

Processo não tenho de certeza, posso na pior das hipóteses ter uns capangas à espera numa esquina um destes dias...o que, a acontecer, só provaria que tudo isto tem um fundo de verdade.

Kramer disse...

Caro LF,
tu desbobinas!!!
Qd tiver tempo leio esta passagem.
Um conselho e um elogio: vais de vento em popa mas frena aí um bocado a quantidade de posts!! Um gajo não se actualiza!!! eheheh
Abraço
Kramer (controvérsias do futebol)