NAS ASAS DE UM SONHO

Depois de ultrapassar o colosso Manchester United e o campeão europeu Liverpool, eis que o Glorioso tem pela frente aquela que é tida pela generalidade dos observadores como a melhor equipa do mundo no momento.
Não é difícil chegar a essa conclusão se atentarmos ao facto de o Barça dispor nas suas fileiras do unanimemente reconhecido como o melhor jogador do mundo, do também inequivocamente considerado como melhor jogador africano, de um dos dois melhores jogadores da selecção portuguesa, de um dos melhores jogadores suecos de todos os tempos, um dos melhores jogadores franceses da actualidade, do melhor defesa de Espanha, que todavia não vai estar na Luz, e da maior promessa do futebol argentino e mundial (enquanto o Real Madrid se entretinha com ex-bolas de ouro, o Barcelona parecia apostar em futuros bolas de ouro), também ausente deste jogo, tal como o melhor jogador mexicano. A esta parada de estrelas acresce um conjunto extremamente equilibrado, a partir do qual Rijkaard tem conseguido aliar à eficácia ofensiva, um rigoroso desempenho defensivo, que tem catapultado a equipa para o primeiro plano do futebol espanhol e europeu de há dois anos a esta parte, depois de uma primeira época em que o cutelo do despedimento pairou sobre a sua cabeça.
Mas não adianta teorizar muito acerca dos processos tácticos da equipa catalã. Ela vale pelas suas extraordinárias individualidades. Quem junta Ronaldinho, Deco, Messi e Eto’o, só pode mesmo praticar um futebol esmagador.
Quais são então as hipóteses de o Benfica passar esta eliminatória ?Sejamos claros. São poucas ! Todavia existem...
As várias baixas entre os catalães são um sinal de esperança. O Barcelona não vai poder contar nesta primeira mão com cinco titulares indiscutíveis (quase meia equipa), como são Edmilson, Puyol, Marquez, Xavi e Messi, quatro deles ligados predominantemente ao processo defensivo, e é preciso dizer que o banco de suplentes do Barça não é tão recheado nos sectores recuados como na frente de ataque, o que deverá obrigar à estreia absoluta em termos internacionais do central da “cantera” Rodri, num onze que poderá ter a seguinte configuração: Valdés, Belletti, Oleguer, Rodri, Van Bronkhorst, Motta, Van Bommel, Deco, Giuly, Eto’o e Ronaldinho.
Por outro lado o Benfica conta com o factor do não favoritismo a seu favor. Quando saiu o Benfica no sorteio, os espanhóis (se eles me perdoam que assim os considere) devem seguramente ter respirado fundo por se terem visto livres, por exemplo, de Juventus, do Lyon ou do Milan, saindo-lhes um clube que, embora tendo sido campeão europeu mais vezes que eles, vem de um longo processo de recuperação desportiva, depois de anos de grande apagamento internacional, sendo a equipa pior classificada no ranking da UEFA dos últimos cinco anos, e também a de mais baixo orçamento, de entre as oito presentes nestes quatros de final. É claro que jogadores altamente profissionais e de topo do futebol mundial, como são os do Barcelona, não entrarão certamente em euforias facilitistas. Mas a verdade é que a psicologia de grupo por vezes dita as suas leis, traindo os objectivos daqueles que, por se julgarem mais fortes à partida, não consigam ter a mesma atitude mental perante situações competitivas limite. É a velha história de David contra Golias.
O que terá que fazer o Benfica para ultrapassar este tremendo obstáculo ?
Se fosse possível dispor de uma receita para anular Ronaldinho Gaúcho, seria por aí que o Benfica deveria enveredar. Essa receita não existe, mas uma atenção especial a dispensar ao astro brasileiro parece-me imprescindível.
Deste modo, julgo que a utilização de Beto será, mau grado todas as críticas ou assobios provenientes da bancada, uma inevitabilidade. Será uma unidade a menos na construção, é certo, mas é seguramente um elemento capaz de atrapalhar a acção de Ronaldinho durante os noventa minutos, sem regatear esforços nem manifestar qualquer desgaste.
Uma vez que Ronaldinho cai preferencialmente sobre o flanco esquerdo do seu ataque, também não seria má ideia manter Ricardo Rocha como lateral direito, em detrimento de Nelson, pois o central de raiz parece reunir um perfil defensivo mais agressivo que o cabo-verdiano, que ainda por cima vem de uma lesão.
No ataque há que apostar em jogadores rápidos, pelo que o ponta de lança escolhido deverá ser Geovanni, com a possibilidade de Miccoli entrar no decorrer da partida. Simão é certo num flanco, e parece-me ajustada a utilização de Laurent Robert no outro, quer pelo possível aproveitamento dos lances de bola parada, uma das eventuais chaves do êxito, quer pela possibilidade de ir trocando de posição com Simão ao longo do jogo, podendo dessa forma tentar confundir as marcações contrárias. Julgo também que o francês, num palco desta natureza, será capaz de revelar um grau de agressividade e de velocidade mais de acordo com o estatuto que trouxe de Inglaterra.
O onze do Benfica seria então o seguinte: Moretto (não é altura para pensar em alterações na baliza), Ricardo Rocha, Luisão, Anderson, Leo, Petit, Manuel Fernandes, Beto, Robert, Geovanni e Simão.
Pode à primeira vista parecer um onze de reduzido risco para quem joga em casa. Contudo, julgo que ninguém de bom senso exigirá ao Benfica que resolva a eliminatória nesta primeira mão.
O Benfica tem de procurar fazer um jogo cauteloso, humilde, e sobretudo assente no objectivo de impedir os catalães de desenvolverem o seu esplendoroso futebol. Qualquer resultado sem sofrer golos será bom, até mesmo o 0-0, pois o que os encarnados têm como objectivo de base é salvaguardar a hipótese de decidir a eliminatória no segundo jogo, tal como aliás sucedeu ante o Liverpool. Uma vitória seria óptima, e por 1-0 perfeita. A evitar será sobretudo qualquer resultado que obrigue a ir para Camp Nou com a imperiosa necessidade de vencer.
As armas a utilizar neste jogo, deverão ser pois o contra-ataque e o aproveitamento de situações de bola parada. De peito aberto, procurando dominar o Barcelona, parece-me impossível de chegar à vitória. Isto não quer dizer que se deva entrar com medo, pelo contrário. Se assim se pode dizer, julgo que o Benfica deverá procurar adoptar uma atitude cínica, no sentido futebolístico da palavra, para tentar a sua surpresa, mas sempre confiando nas suas capacidades, e na nesga de hipóteses que tem de mais uma vez deixar a Europa do futebol de boca aberta.
Do árbitro, algo inexperiente a este nível, espera-se que não olhe a nomes, e apite com isenção. É certo que o Barcelona é neste momento muito mais mediático, e uma final com a sua presença não seria desprezível para as altas instâncias da UEFA. Mas a beleza deste jogo é também a sua incerteza, e além do mais, o Benfica é também um grande nome na Europa dos campeões.
Os dados estão lançados, e agora resta-nos fazer a nossa parte, que é transformar mais uma vez a Luz num inferno, e gritar do princípio ao fim, com esperança, com confiança, com alma e com a noção de que a obrigação da equipa, pelo menos na Europa, já está há muito cumprida, pelo que tudo o que ainda nos seja oferecido deverá constituir motivo de grande exaltação e orgulho.
Quando o hino da Champions soar no estádio, um arrepio na espinha vai atravessar a família benfiquista. Será o momento também para pensar onde já esteve o Benfica, num passado ainda recente, e onde se encontra agora. Todo o apoio será pouco.
Vamos continuar neste sonho.
Viva o Benfica !
Viva Portugal !

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