APAGADOS
Há uma diferença óbvia entre a legalidade e a ética. Não é à toa que
existem códigos de conduta para muitas profissões, por vezes de cumprimento
obrigatório.
Treinadores e jogadores de futebol têm o direito legal de mudar
directamente para um clube rival. Mas se me perguntam se isso é saudável,
respondo categoricamente que não.
Embora estejamos perante um universo altamente volátil e
mercantilizado, por onde rodam muitos milhões de euros, entendo que os agentes
de uma indústria que desperta tão intensas paixões jamais devem perder de vista
um facto muito simples: são essas paixões que lhes sustentam o estatuto e lhes
permitem vidas milionárias. Respeitar os adeptos que os idolatram não é um
favor, nem um acto de altruísmo. É uma exigência.
Paulo Sousa, Pacheco ou Rui Águas (Figo, lá fora), ignoraram essa
exigência no passado. Nenhum deles mereceria ver aberta a porta por onde um dia
fugiu. Mais do que um clube, trataram mal o próprio futebol – subvertendo a sua
natureza enquanto fenómeno identitário de agregação e de emoções.
Perante a lei, fizeram aquilo a que achavam ter direito. Não podem é
esperar, depois, qualquer tipo de compreensão, carinho, admiração ou respeito
por parte daqueles que choram com as derrotas, que não dormem na véspera dos
grandes jogos, e que, directa ou indirectamente, pagam do seu bolso (muitas
vezes com grande sacrifício) todo o futebol.
O agora treinador do Sporting entendeu seguir este caminho, quando
podia deixar o seu nome escrito a ouro na nossa história. Apagou-se a si
próprio nas fotografias. Não as da loja, mas, sobretudo, as da nossa memória.
3 comentários:
Opinião muito parcial de quem não considerou que, após o trabalho sobre humano que JJ fez nos dois últimos anos, remendando com o seu talento os buracos criados pelas sucessivas machadadas de Vieira e suas negociatas, conseguiu apesar disso ganhar 6 títulos internos, incluindo 2 campeonatos.
Se após tanto êxito a proposta é "vais amanhã no avião com o Jorge Mendes, pois tens um contrato de 6 milhões à tua espera", isso é uma bofetada na auto estima de qualquer um.
Isto é que é o cerne do assunto. Os adeptos continuam a agregar-se em torno de quem traiu as suas legitimas expectativas: Vieira. Foi este quem faltou ao respeito ao treinador-ganhador e à memória dos adeptos. Nós queremos um clube ganhador, não um clube de negpciatas, comissões, etc pagas em off-shores, sempre para os mesmos...
Podemos culpar a direcção, podemos culpar os adeptos - que apesar de tudo o que o JJ conquistou, nunca reuniu consenso - podemos culpar quem quisermos. A realidade é só uma: O JJ traiu quem acreditou nele. O presidente apoiou-o sempre. Em 2009/2010, o JJ tinha boa parte dos adeptos com ele, porque ganhou o campeonato. Nas três épocas seguintes, em que ganhou apenas 2 taças da liga, os adeptos estavam maioritariamente contra ele. Quer no fim de 2010/2011, 2011/2012 e 2012/2013, a maioria pedia a saída do treinador (e por arrasto da direcção), de forma cada vez mais veemente. Se o presidente não tivesse apoiado o treinador, no fim de 2010/2011 estava na rua, depois de uma época em que no campeonato ficou a 21 pontos do Porto, foi eliminado de forma traumatizante nas meias-finais da Taça, pelo Porto, depois de ter ganho 2-0 no Dragão e perdeu a Supertaça, também para o Porto. Tinha-se acabado aqui o Jorge Jesus que hoje conhecemos, como mais um treinador que tinha passado pelo Benfica, conseguindo ser campeão com uma equipa fantástica, mas que na época a seguir havia falhado redondamente. Estas duas últimas épocas do JJ, muito boas, só foram possíveis devido à direcção, que por 3 anos consecutivos apoiou o treinador, contra tudo e contra todos.
Sabendo que o treinador já estava há 6 anos no clube, era amigo pessoal do presidente e sempre foi apoiado interinamente, o presidente não teve pressa de renovar. O que não sabia é que o treinador já desde Abril andava em conversações com o Sporting. Quando propôs uma redução salarial e prémios por objectivos (o mesmo que vai agora ganhar para Alvalade), o JJ recusou. Quando parecia difícil a continuidade, o presidente pediu-lhe que não fosse para um rival e que a sair, fosse para o estrangeiro. O JJ recusou e deixou de atender o telemóvel ao presidente, que durante tanto tempo foi dos poucos a ouvi-lo e a acreditar nele. Para mim, trata-se de uma jogada baixa, ao nível que o JJ sempre demonstrou nas conferências de imprensa e fora dos relvados, mas que nós adeptos que o defendíamos, não quisemos ver, por estarmos hipnotizados com as performances da equipa dentro das 4 linhas.
Por último, coloca-se a questão: E depois do JJ? Será que o sucesso do JJ se deveu à estrutura do Benfica ou será que ele é de facto um fora de série? A resposta surgirá nos próximos meses. Nos últimos tempos, eu argumentava que em 20 anos, o Benfica só teve dois treinadores campeões. Um foi o Trapattoni, um treinador de classe mundial. Outro foi o JJ. Será que o JJ também é de classe mundial? Não sei. Mas analisando as coisas a frio, podemos concluir que talvez o treinador não seja tudo. Entre 95 e 2001 era impossível sermos campeões, dadas as equipas que tínhamos. Em 2001/2002 tínhamos uma equipa nova, que deu boas indicações, mas faltavam-lhe claramente rotinas. Em 2002/2003 e 2003/2004 tivemos o Camacho e ficou a ideia que só não foi campeão, especialmente na 2ª época, porque havia o Porto, do Mourinho. Ainda assim ganhou-lhe a Taça e tirou o triplete ao Mourinho. Em 2005/2006 tivemos o Koeman, mais um estrangeiro que não conhecia bem o futebol português. Éramos campeões em título, mas o campeonato não correu bem. Em contrapartida, a melhor campanha na Liga dos Campeões dos últimos anos, foi com o Koeman. Eliminámos o Man Utd na fase de grupos, eliminamos o campeão em título (Liverpool) e só fomos parados pelo Barcelona, nos 1/4, onde ainda demos luta. Em 2006/2007 tivemos um português, o Fernando Santos e foi uma época do quase. Chegámos à última jornada ainda com hipóteses (ainda que remotas) de ser campeões e caímos com algum azar na Taça e na Liga Europa. O ano seguinte foi mal planeado, tivemos três treinadores e tudo correu mal. Em 2008/2009, época antes da chegada do JJ, o treinador era o Quique Flores. Ainda relativamente jovem, nunca tinha treinado fora de Espanha e conseguiu acabar a 1ª volta a liderar o campeonato. Uma equipa ainda pouco rotinada e um conjunto de erros de arbitragem (no Dragão e contra a Académica) deitaram-nos para 3º lugar. Ainda assim ganhámos a Taça da Liga e havia indicações que podíamos melhorar. Seguiu-se o JJ, um conhecedor profundo do futebol português e que se manteve durante 6 anos seguidos (nunca ninguém tinha ficado tanto tempo). O sucesso do JJ no Benfica não terá sido essencialmente devido à estabilidade que lhe foi proporcionada, aos bons plantéis que teve à disposição e ao facto de ser um treinador com muita experiência no campeonato português e com um vasto conhecimento dos clubes, treinadores e jogadores? É provável. O futuro o dirá.
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