A UM PALMO DA GLÓRIA


Há muitas formas de avaliar a qualidade de um jogo de futebol. Podemos fazê-lo pelo número de golos, pelas oportunidades criadas, pela incerteza no resultado, pela qualidade artística dos lances, pelo ritmo imposto, ou pela intensidade colocada na luta por cada posse de bola. Cada adepto terá as suas preferências. No meu caso, dou bastante relevo às duas últimas.


Nesta medida, o jogo da Luz foi um espectáculo deslumbrante. A uma bela noite de Verão, a um estádio lindo, cheio e vibrante, a um adversário de topo e recheado de estrelas, a uma ocasião solene como o início da mais importante prova de clubes do mundo, juntou-se uma equipa do Benfica de alto nível, capaz de interpretar na perfeição a tarefa que tinha por diante. Dois maravilhosos golos (um para cada lado) foram as cerejas colocadas sobre tão delicioso bolo, e, dadas as circunstâncias, o empate final acabou por saber a pouco aos mais de 60 mil benfiquistas que estiveram na Luz.


Quando me desloco ao estádio para ver um jogo do Benfica, espero exactamente aquilo que encontrei esta noite. Uma equipa batalhadora, carregada de coragem, a disputar cada lance como se a vida acabasse ali, a não temer o choque, e a querer correr mais do que o opositor. Diz-me a memória que, quando assim é, raramente a derrota acontece, chame-se o adversário Manchester United ou outro nome qualquer. Foi por esse caminho que o Benfica começou a abordar esta partida, sabendo que tinha pela frente uma das melhores equipas do mundo (no meu ponto de vista a segunda dessa hierarquia, logo atrás do super-Barcelona de Pep Guardiola).


Olhando para as estatísticas, o Benfica teve mais remates, mais ataques, mais oportunidades e mais pontapés de canto. Eu acrescentaria que correu mais, equilibrando por essa via uma contenda que, à priori, pendia para o lado contrário. Deu a posse de bola ao adversário (reconhecendo-lhe a natural superioridade), mas nunca deixando de fechar devidamente os caminhos para a sua baliza, esperando sempre, de forma atenta, concentrada e paciente, a oportunidade de aplicar o contra-golpe.


Sobretudo após o golo de Óscar Cardozo (quem mais?), os encarnados da Luz conseguiram agarrar o controlo da partida, e durante algum tempo o 2-0 esteve mais perto do que o empate. Quem tem jogadores como Giggs está, todavia, arriscado a fazer golos a qualquer instante. Um remate espectacular quando se caminhava para o intervalo, e o Manchester United repunha a igualdade, o que na altura significava uma pedra de gelo na euforia que já começava a fazer-se sentir.


Houve um lapso de tempo, correspondente aos primeiros vinte minutos da segunda parte, em que as coisas se complicaram. O Manchester, talvez surpreendido pela força ostentada pelo Benfica no primeiro período, puxou dos galões, e veio do intervalo com uma atitude muito mais afirmativa. Empurrou a equipa de Jesus para a sua área, e por momentos o segundo golo inglês pareceu iminente.


Uma oportunidade clara protagonizada por Nolito (a que o guarda-redes contrário se opôs com uma estupenda defesa), virou novamente as agulhas do jogo. Nos vinte minutos finais o Benfica voltou a ser, senão o mais forte, pelo menos o mais ambicioso dos dois conjuntos em campo, mostrando claramente que queria os três pontos, perante um Manchester United aparentemente resignado com o empate.


O resultado é excelente, e só as oportunidades desperdiçadas (Cardozo, Luisão, Nolito, Gaitán e novamente Nolito) trazem aquele ligeiro travo amargo de que falei mais acima. Não acredito que Basileia e Otelul (pelo menos nas jornadas mais próximas) retirem pontos aos Red Devils, pelo que o Benfica parte de certa forma em vantagem na luta pelo segundo lugar.


Mas da luminosa noite da Luz ficou, sobretudo, a imagem de uma equipa capaz de muito. Se conseguir jogar sempre desta forma, com esta alma, com esta atitude (o que não será fácil), o Benfica vai qualificar-se tranquilamente para os oitavos-de-final, e vai certamente fazer um grande campeonato.


Individualmente destacaria três nomes, os daqueles que mais marcaram esta noite de estrelas: Luisão, Gaitán e Cardozo. O primeiro pela segurança no controlo da sua zona de acção (particularmente no jogo aéreo). O segundo porque foi o principal desequilibrador da equipa, fez um passe magistral para o golo, e teve pormenores de grande classe, que terão deixado Alex Ferguson seguramente impressionado. O terceiro porque, além do espectacular golo que marcou (é já o quinto goleador de sempre do Benfica em jogos internacionais), ganhou inúmeras bolas de cabeça, batalhou como um herói entre os centrais britânicos, e calou uma vez mais os assobios daqueles que, manifestamente, não percebem nada do que estão a ver.


O árbitro protegeu em demasia a equipa mais famosa, nomeadamente ao perdoar dois livres a favor do Benfica em zona de perigo.



PS: Já esta manhã fui surpreendido com as primeiras páginas de dois jornais generalistas (Diário de Notícias e Público), cuja qualidade não merecia ser manchada por títulos, quase diria, insultuosos. O Manchester United tem jogado em claro 4-4-2 no seu campeonato, e veio à Luz em 4-5-1, numa manifestação de grande respeito pelo Benfica. Optou por jogadores que fechassem melhor as alas (Park e Valência) em detrimento do talento mais libertino de Nani, e pela experiência de Giggs no apoio à principal estrela da companhia, Wayne Rooney (único ponta-de-lança que apresentou de início). É verdade que tem os dois centrais titulares lesionados, mas daí para a frente jogaram em Lisboa todos os seus craques. E também não fica mal lembrar aqui que esta equipa (em cujo plantel não existem…”segundas linhas”) levava 5 vitórias em 5 jogos oficiais nesta temporada, entre as quais algumas goleadas como um 8-2 (!) ao Arsenal, ou um 0-5 no terreno do Bolton no último sábado. Aceito que se possa eventualmente discutir se Cardozo faria a Ferdinand o que fez a Evans. Não aceito que se destaque, em primeira página, como facto central de um grande jogo, que o Manchester tenha jogado desfalcado. Até porque é mentira. E se não é provocação, parece.

3 comentários:

Jotas disse...

Julgo que ontem, se assitiu a um belo jogo, com um ambiente fabuloso, e duas grandes equipas.
O Benfica foi muito inteligente na abordagem do jogo, com Jesus a ler muito bem a partida, pelos motivos que explico no meu post e que seria longo aqui descrever.
Cardozo mais uma vez calou os energúmenos do assobio, com um golaço, Giggos mostrou que aos 37 anos é ainda um enorme jogador, enfim, um belo jogo que o Benfica merecia vencer, até porque se o adversário teve posse de bola, foi sempre em zonas mais recuadas, fruto do bom preenchimento do meio campo por parte do Benfica, o qual nunca caiu na tentação de ir para essas zonas atrás da bola.
Belo jogo a que tive a felicidade de assistir in loco.

Vitória do Benfica disse...

Infelizmente por motivos profissionais não estou em Portugal e por isso não pude estar na minha cadeira. Mas daqui de Inglaterra posso dizer que a imprensa inglesa tratou muito bem o Benfica.

Assim vale a pena jogar com clubes sérios e jogos de primeira

Anónimo disse...

Para além disso o benfas também jogou desfalcado. Faltou o Duarte.