O MUNDIAL de A a Z
Como forma de fechar o livro deste Mundial, segue-se um pequeno balanço, letra a letra, da grande competição sul-africana:
A de ARBITRAGEM
É verdade que o golo não validado à Inglaterra vai ficar a manchar o desempenho dos árbitros (naquele caso, do fiscal de linha), mas à excepção desse e de outros episódios pontuais, creio que a arbitragem foi genericamente aceitável.
Existiram erros, e, se quisermos ver constantemente o copo meio vazio, iremos rebuscar um fora-de-jogo aqui, um penálti ali, fazendo um drama com cada um deles. Mas o futebol é mesmo assim, no Mundial e em todo o lado. Há erros dos defesas, dos avançados, dos guarda-redes e… dos árbitros.
Sou bastante céptico quanto à utilização de meios tecnológicos que alterem o curso do jogo. Prefiro um futebol fluído, mesmo com um ou outro equívoco de arbitragem. Mas essa discussão daria para um A a Z completo.
O que mais me preocupa é a tendência dos principais juízes (sobretudo os europeus) para apitar por tudo e por nada, interrompendo o jogo ao mínimo contacto. Nessa matéria, Olegário Benquerença mostrou o motivo pelo qual a Liga Portuguesa tem, tantas vezes, tão pouca qualidade futebolística, batendo os recordes de faltas assinaladas nos jogos que dirigiu.
B de BOM FUTEBOL
Tem-se ouvido e lido que o Mundial decepcionou, que os jogos foram aborrecidos, que as equipas jogaram a medo, mas, depois dos primeiros dias em que eu próprio aderi a essa tese, julgo que acabámos por assistir a um dos melhores Mundiais das últimas décadas.
O futebol romântico do Espanha 82 morreu e está enterrado. Não adianta esperar que nos volte a encantar. A Lei Bosman retirou identidade nacional aos clubes, e com isso as selecções descaracterizaram-se, adoptando estilos de jogo semelhantes entre todas elas. A preparação atlética dos jogadores tornou-se muito mais cuidada, mesmo nas selecções tidas como mais fracas, o que equilibrou os pratos da balança, fechando os jogos com as chaves do rigor e do erro mínimo. Este é um processo irreversível, e que dura há já alguns anos.
Não me parece, pois, que o França 98, o Coreia/Japão 2002 ou o Alemanha 2006 tenham tido alguma coisa a mais que este África do Sul 2010. Pelo contrário, tivemos nesta competição várias equipas com pendor ofensivo (à cabeça das quais a campeã), assistimos ao despontar de novas estrelas (Muller, Ozil, Pedro, Vanderwiel, Cavani, Coentrão etc), testemunhámos a consagração do grande futebol espanhol (com um estilo de jogo que não se vira em Mundiais anteriores), tivemos uma grande Alemanha, uma boa Holanda, e várias selecções de segunda linha que surpreenderam pela positiva, desde o Uruguai ao Gana, passando pelo Paraguai, Estados Unidos, Chile ou Eslováquia - além de que partidas como o Alemanha-Argentina, o Uruguai-Holanda ou o Espanha-Alemanha, para falar apenas na fase decisiva, apresentaram qualidade e beleza capaz de pedir meças aos melhores jogos dos mundiais de outras eras.
Os saudosistas que se habituem. Isto agora é mesmo assim. Não existe melhor. E estou em crer que qualquer das principais equipas deste Mundial, com a sua capacidade física, com o seu rigor táctico, com a sua concentração competitiva, ganharia, sem dificuldade, a qualquer das equipas de há 30 anos atrás.
C de CRISTIANO RONALDO
Sempre tive como certo que para um grande Mundial da selecção portuguesa seria imprescindível um grande Cristiano Ronaldo. Ele não apareceu.
Já disse várias vezes tudo aquilo que penso do jogador madeirense: tem capacidades físicas e técnicas para se tornar num dos melhores de sempre, mas infelizmente, nos últimos dois anos, não só não tem evoluído, como tem de certa forma regredido, dando preocupantes sinais de vedetismo e acomodação.
Este Mundial podia e devia ser o seu. Não o das fintas, ou dos toques de calcanhar para impressionar as meninas da bancada, mas aquele em que, com o seu enorme talento, arrastasse toda a equipa para uma dimensão de jogo superior, como em tempos fazia no Manchester United. Por culpas próprias e alheias, falhou redondamente. Sai do Mundial pela porta dos tristes, e, daqui a quatro anos, com 28 de idade, terá talvez (se nos qualificarmos, aspecto em que ele terá também uma palavra a dizer) a última hipótese de entrar para a eternidade do grande futebol.
D de DESILUSÕES
Se Brasil, Inglaterra e Argentina caíram aos pés de outros candidatos ao título, e ainda tiveram tempo de mostrar algumas moléculas das suas capacidades e virtudes, já a Itália e, sobretudo, a França, saíram do Mundial com a cara coberta de vergonha.
Quanto aos transalpinos, e ao contrário do que tem sido comum afirmar-se, julgo que Marcelo Lippi terá errado no timing da renovação, e talvez alguns dos “velhos” que ficaram em casa tivessem dado jeito, até pela experiência que traziam consigo. Nunca seriam campeões, mas provavelmente também não ficariam pela primeira fase. De qualquer forma, é preocupante para a Itália a escassez de recursos que a nova geração apresenta.
Em relação á França o caso é ainda mais complicado. Ninguém entende como Domenech se manteve no cargo durante tanto tempo, mas a culpa não será exclusiva dele. Há toda uma geração de vedetas ricas e acomodadas que não têm já lugar em nenhuma selecção, das quais destacaria Anelka como símbolo maior. Também Gallas, Evra, Henry e outros pertencem ao passado. Ao contrário da Itália, no caso da França haveria que ter tido a coragem de ter romper drasticamente com algum situacionismo, coisa que terá de ser feita agora, mas já sobre as brasas do escândalo e da desonra.
Esperava-se mais também de algumas selecções africanas, como os Camarões ou a Nigéria.
E de ESPANHA
Foi a campeã, e foi uma grande campeã. Esta Espanha, que nascera no Euro 2008 (e foi sendo sedimentada no Barcelona de Guardiola), é talvez a primeira selecção, em muitos anos, que traz de facto alguma coisa de novo ao futebol.
Conforme já aqui confessei, aprecio mais um estilo de passes longos, transições rápidas e cavalgadas pelo campo fora, um pouco à semelhança do que a Alemanha, em várias ocasiões, nos ofereceu. Mas reconheço que este modelo espanhol, quando as coisas saem bem, é praticamente insuperável, e a prova está numas meias-finais em que a equipa germânica foi pouco menos que esmagada, apesar da magreza do resultado poder indiciar um equilíbrio que não existiu.
Assente num meio-campo extremamente móvel e tecnicista, onde Xavi surge como chefe de orquestra, a equipa de Del Bosque pareceu sempre capaz de dar aos jogos o andamento que mais lhe convinha, vencendo e convencendo quem lhe apareceu pela frente. Curiosamente foram duas selecções menores que lhe criaram mais problemas: primeiro a Suiça, com sucesso, depois o Paraguai, com infelicidade. Excesso de confiança? Talvez. Em todos os outros jogos a superioridade foi clara.
Impressionante o que este conjunto de jogadores tem conseguido fazer com treinadores diferentes (Aragonês, Guardiola e Del Bosque). Uma verdadeira geração de ouro de talentos aqui mesmo ao lado, mas neste caso com resultados. E que resultados!
F de FORLÁN
Depois de uma temporada fabulosa, o avançado uruguaio foi eleito pela FIFA o melhor jogador do Mundial.
Eu não iria tão longe (havia Xavi, David Villa, Sneijder, Muller etc), mas seria insensato desligar a performance da selecção uruguaia da excelente forma em que, mesmo depois de 70 jogos, apareceu o seu jogador mais representativo.
Já nos trinta, Diego Forlán tinha aqui a sua oportunidade de entrar na história do futebol internacional. Não a desperdiçou.
Olhando para o Mundial, para toda esta sua temporada, para as duas Botas de Ouro que já havia conquistado, fica a sensação de ter passado o lado dos principais clubes (foi dispensado do Manchester United), e com isso, não ter alcançado a notoriedade que o seu talento justificava.
G de GYAN
Asamoah Gyan foi o rosto da equipa do Gana, e, de certo modo, o rosto da África em todo este Mundial.
Marcou golos, deixou excelentes apontamentos, valorizou-se bastante, acabando todavia por sair em lágrimas, após um dos momentos mais dramáticos de toda a competição.
Aquele penálti, no último segundo do jogo com o Uruguai, tê-lo-ia elevado ao estatuto de herói absoluto de que, por exemplo, Roger Milla ainda desfruta. Ter-se-ia feito história, pois seria a primeira vez que África chegaria a umas meias-finais. Tudo isso foi um fardo demasiado para as costas de um jovem sem grande experiência internacional.
Tal como Óscar Cardozo no dia seguinte, protagonizou um daqueles episódios em que o futebol se torna demasiado cruel, e em que este tipo de competições (resolvidas em detalhes) é pródiga. Mas a imagem do seu talento saiu muito reforçada.
H de HOLANDA
Chega a chocar-me quando oiço dizer (e já ouvi mais de uma vez) que esta Holanda era uma das mais fracas dos últimos mundiais. Essa ideia é totalmente absurda, e entronca naquele saudosismo romântico referido mais atrás na letra B.
É verdade que, em tempos, a selecção laranja praticou um futebol mais aberto, mais entusiasta, mas também mais ingénuo. Mesmo com grandes plantéis, perdia quase sempre que tinha por diante um adversário organizado e com qualidade. Nós, com o Euro 2004 e o Mundial 2006, bem nos lembramos disso.
Para esta competição, a Holanda apareceu desde o início com uma equipa muito homogénea, bem organizada, e eficaz nas suas acções ofensivas e defensivas. Ganhou todos os jogos até à final, tal como havia feito numa espantosa, e imaculada, fase de qualificação. Proporcionou momentos empolgantes, como por exemplo a segunda parte diante do Brasil. Mostrou um excelente guarda-redes, uma revelação do lado direito da defesa, juntou a experiência de Van Bronckhorst e Van Bommel à cor do talento de Sneijder e Robben, formando uma grande equipa, na qual eu apenas trocaria o apagado Van Persie pelo eficaz Huntelaar. Na final, assumiu o favoritismo adversário, e fez o jogo que podia, quase levando a decisão para os penáltis, mesmo depois de ter desperdiçado algumas ocasiões claras de golo. Podia perfeitamente ter sido campeã mundial, e isso diz tudo.
Para mim, esta foi claramente a melhor Holanda desde Rijkaard, Van Basten e Gullit.
I de INDIVIDUALIDADES
Um dos aspectos que mais me agradou neste Mundial foi o claro triunfo do futebol colectivo. Aquele de que mais gosto. Aquele que acho mais belo.
As fintas e refintas de Ronaldo e Messi foram as grandes derrotadas, numa prova que triturou as estrelas que se anunciavam como seus protagonistas. Além da dupla referida, também Rooney, Ribery, Simão, Henry, Gerrard, Kaká, Lampard, Buffon, Pirlo, Milito, Deco, Drogba e Eto’o ficaram longe do sucesso, passando - uns mais que outros - quase despercebidos pela África do Sul.
Além dos jogadores em si, também as equipas cujo futebol assentou mais no aproveitamento do talento individual acabaram por perder. A Argentina será o exemplo mais paradigmático (não me lembro de ver tanto individualismo numa equipa profissional), mas podemos juntar-lhe o Brasil, e, de certo modo, também Portugal.
Quem mais brilhou foram aqueles que tinham uma ideia colectiva de jogo mais definida: Espanha e Alemanha, mas também Holanda, Uruguai ou Paraguai.
J de JOVENS
Já aqui ficou dito que o Mundial africano teve o condão de fazer despontar uma série de jovens até agora pouco ou nada conhecidos do grande público.
Thomas Muller foi aquele que mais me impressionou, mas há que destacar também os seus colegas Ozil, Khedira, Neuer (grande guarda-redes!), e ainda Cavani (que me lembro do Mundial sub 20 do Canadá), o já mencionado Gyan, os seus compatriotas Ayew e Annan, o holandês Van der Wiel, o espanhol Pedro, e, claro, o nosso Fábio Coentrão, para além de alguns outros espalhados pelas equipas que foram mais cedo eliminadas.
Em termos colectivos, a selecção que me parece ter maior margem de crescimento é a da Alemanha, pois a base da sua equipa é genericamente sub 23.
K de KLOSE
Por falar em Alemanha, o seu ponta de lança (já não tão jovem como os colegas acima referidos) esteve muito perto de fazer história, ficando a apenas um golo de igualar Ronaldo como melhor marcador de sempre das fases finais dos Mundiais.
Uma inoportuna gripe afastou-o do jogo de 3º e 4º lugares, e já um cartão vermelho o tinha impedido de marcar presença no último jogo da fase de grupos. Estas duas ocorrências tê-lo-ão deixado às portas da eternidade.
É de realçar, no entanto, a sua regularidade concretizadora (5 golos em 2002, 5 golos em 2006, 4 golos em 2010), bem como a forma tranquila com que lidou com as estatísticas, não se eximindo de oferecer golos a colegas de equipa sempre que foi caso disso.
L de LEO MESSI
Não se pode dizer que tenha jogado mal. Até se esforçou, correu, tentou resolver, e a dada altura (talvez pela 2ª jornada da fase de grupos) deixou no ar a esperança de poder tomar o Mundial como seu.
Foi infeliz nalgumas ocasiões de golo que teve, e que, pelos mais diversos motivos, acabaram por não se consumar. Acabou penalizado por uma selecção onde cada estrela tocava o que sabia (e nalguns casos era muito), e incapaz de fazer frente à força colectiva de um onze talentoso e organizado como o da Alemanha.
Por culpa sua ou indicação técnica, a verdade é que exagerou sempre nas acções individuais, parecendo (como, diga-se, quase todos os jogadores argentinos) querer, a cada lance, imitar o 2º golo de Maradona à Inglaterra em 1986.
Saiu por baixo, vergado ao peso de uma eliminação precoce, e sem qualquer golo marcado. E vão dois mundiais…
M de MULLER
Já falei muito dele, mas nunca é demais dizer que foi o jogador que mais me seduziu nesta competição, e ainda tenho dúvidas se, com ele, a Alemanha não teria ganho à Espanha, e não teria levantado a taça.
Ou me engano muito ou trata-se mesmo de um fenómeno. Na realidade só tem 20 anos (!), e apresenta uma estampa atlética, uma capacidade técnica, uma maturidade competitiva, e uma eficácia goleadora que anunciam estarmos perante um craque absoluto, talhado para ser, um dia, o melhor do mundo.
Os próximos anos vão dizer muito sobre a sua evolução. Há factores, designadamente psicológicos, que só quem está por perto saberá entender, e/ou condicionar. Mas talento não lhe falta, e o Bayern de Munique, por muito bem que pague, já começa a ser pequeno para ele.
N de NEUER
Falou-se pouco dele, mas creio ter sido um dos melhores, senão o melhor, guarda-redes do torneio.
Já havia dado nas vistas, em Portugal, num FC Porto-Schalke04, de má memória para os dragões. No Mundial confirmou a qualidade que fez dele titular indiscutível da selecção alemã. Mostrou-se sempre seguro, defendeu o possível, e por vezes o impossível, mas acabou traído por um cabeceamento fulminante de Puyol.
O título faz pender a balança da notoriedade para Iker Casillas, mas Manuel Neuer, ainda bastante jovem, sai deste Mundial com o seu nome em alta. Também o Schalke parece pequeno para tanta qualidade.
O de ORGANIZAÇÃO
Antes do Mundial ter início temia-se o pior, mas, um mês passado, há que tirar o chapéu á organização sul-africana.
É claro que só estando lá seria possível analisar criteriosamente tudo o que se passou a este nível. Mas os ecos que chegam são os de uma organização, senão perfeita, pelo menos semelhante ao que de melhor tem sido feito na Europa.
Como não há regra sem excepção, diga-se que os relvados ficaram aquém daquilo que seria de esperar numa competição desta importância.
P de PORTUGAL
Já muito foi dito a respeito da participação portuguesa no Mundial. A nossa selecção chegou até onde podia, cumpriu o seu destino, e apenas caiu aos pés do campeão. Independentemente da análise que se faça acerca do desempenho de Queiroz, a verdade é que dificilmente qualquer outro seleccionador teria ganho a esta Espanha.
Diz-se que poderíamos ter perdido de outra forma. Como? Por 4-2 em vez de 1-0? Admito que sim, mas não é por aí que defendo uma mudança.
Sou crítico de Queiroz, mas não me parece que seja uma eliminação nos oitavos-de-final o melhor argumento para a sua substituição. Se nos lembrarmos da fase de apuramento, a conversa talvez mude de figura. Se atendermos aos casos de Deco, Nani ou Ronaldo percebemos, enfim, porque motivo este seleccionador não serve para uma equipa com ambições.
Deste Mundial fica a goleada à Coreia, e o medo de perder em todos os outros jogos.
Q de QUEIROZ
No ponto anterior ficou razoavelmente explicada a minha posição sobre a selecção nacional, e, consequentemente, sobre Carlos Queiroz. Resumindo, creio que Portugal, com ou sem este seleccionador chegaria mais ou menos até onde chegou, mas num contexto diferente (nomeadamente quanto ao alinhamento dos jogos e dos adversários) poderia ter sofrido, em resultados, os efeitos de um líder incoerente, instável, sem carisma, e sem capacidade para gerir todas as componentes de uma presença nacional num Campeonato do Mundo.
A forma como decorreu a qualificação prova as insuficiências de Queiroz, quer ao nível da leitura táctica da equipa e dos jogos, quer em termos de disciplina e comunicação. Um seleccionador não pode ser um simples organizador. Pelo contrário, tem de saber construir uma equipa, fazer substituições, aglutinar jogadores e adeptos. Queiroz não o fez, nem o fará. Uma questão de perfil.
R de ROBBEN
Começou o Mundial lesionado, mas ainda foi a tempo de mostrar todos os argumentos que fazem dele um dos melhores jogadores do mundo na actualidade.
Na fase decisiva da prova, e mais do que Sneijder, foi ele a grande esperança da Holanda. Acabou por falhar, diante de Casillas, a grande hipótese que teve de entrar para a história das finais. Fica na entanto a memória de grandes prestações, de grandes momentos individuais, de arrancadas, dribles e, também, dois golos, mas sobretudo de alguém com quem todos os adversários tiveram grandes dificuldades em lidar.
S de SURPRESAS
Embora a final do Mundial tenha sido inédita, nem Espanha, nem mesmo Holanda, surpreenderam o mundo do futebol. Já o mesmo não se pode dizer da eliminação da Itália aos pés da Eslováquia, da derrota inicial da Espanha diante da Suíça, do desaire Francês, da vitória circunstancial da Sérvia frente à Alemanha, ou do empate imposto pelos Estados Unidos à Inglaterra.
Na verdade, todas as grandes surpresas ocorreram na primeira fase, pois a partir dos oitavos-de-final a lei dos mais fortes foi trilhando o seu caminho. Talvez não se esperasse a vitória da Holanda perante o Brasil, mas, de resto, todos os resultados dos jogos eliminatórios foram, digamos, normais.
No fim, venceu um dos grandes favoritos: a campeã europeia Espanha.
Assim, qualquer polvo consegue acertar.
T de TELEVISÃO
O Mundial televisivo trouxe uma coisa boa, e uma má. Começando pelo negativo, a qualidade da imagem fornecida pelas operadoras ficou aquém do desejável, sobretudo para quem não dispunha de Alta Definição. É fácil fomentar e difundir esta nova opção quando se diminui a qualidade da definição normal, mas parece ter sido isso mesmo que aconteceu.
O melhor foi o programa diário da RTPN, conduzido por Carlos Daniel, que terá sido o mais interessante e cuidado programa desportivo de sempre na televisão portuguesa. Bons convidados, excelentes analistas, curiosidades, memórias, debate, tudo na dose certa, e com a elegância e o rigor que o fantástico moderador foi impondo. Apenas um reparo: a defesa de Carlos Queiroz, de tão efusiva, cheirou, algumas vezes, a amizade pessoal.
De resto, realce ainda para os comentários de Paulo Bento na Sport Tv, que deram brilho a alguns (infelizmente poucos) jogos.
U de URUGUAI
É um histórico do futebol, mas as prestações das últimas décadas nada deixaram na memória dos adeptos.
Comandados por Diego Forlán, mas contando também com Luís Suarez, Cavani, Diego Perez, Lugano e Maxi Pereira em plano de destaque, chegaram às meias-finais, e encantaram pelo futebol arejado que souberam, em quase todas as situações, mostrar ao mundo.
Não creio que o quarto lugar uruguaio seja muito mais do que consequência de um conjunto de circunstâncias (afinal de contas não eliminaram nenhuma selecção poderosa). Mas a verdade é que a história não se compadece com esse tipo de conclusões. Chegaram às meias-finais, e foram uma das quatro melhores selecções do mundo.
V de VILLA
Não confirmou nas últimas partidas as promessas que tinha feito na fase inicial, e que o apontavam como um dos grandes jogadores deste Mundial.
Ainda assim, sai como campeão do mundo, e um dos melhores marcadores da prova, o que é notável, sobretudo para quem já havia alcançado semelhante façanha no Euro 2008.
Foi decisivo nos oitavos-de-final, e nos quartos-de-final, quando com golos solitários seus, a Espanha ultrapassou Portugal e o Paraguai.
W de WESLEY SNEIJDER
Foi, a par de Robben, um dos grandes jogadores da selecção holandesa. Com a ajuda da FIFA, foi também um dos melhores goleadores da prova, o que para um centrocampista não deixa de ser notável.
Sneijder, que tivera uma época repleta de êxito e de títulos, cedo assumiu o controlo da equipa, e uma larga percentagem do sucesso da Laranja deveu-se ao seu inesgotável talento. Da sua prestação fica, como ponto alto, a segunda parte diante do Brasil, onde marcou um golo…e meio, e foi absolutamente decisivo para a vitória da sua equipa.
Figura claramente no top 5 dos melhores jogadores do campeonato.
X de XAVI
Se Villa foi intermitente, Xavi foi regular, tornando-se, quanto a mim, a par de Muller, o melhor jogador deste campeonato.
Se fizermos o exercício de retirar o pequeno médio da equipa espanhola, veremos o quanto tal ausência se reflecte na respectiva manobra colectiva, pois todo aquele jogo rendilhado, de passe curto e busca do momento de ruptura, passa por ele.
Não é o estilo de jogador que mais me fascina, mas nem por isso deixo de reconhecer a qualidade absolutamente superlativa que transmite, quer à selecção, quer ao Barcelona.
Y de YEBDA
Hassan Yebda foi um dos muitos jogadores do Benfica presentes no Mundial. Tal como o compatriota Halliche, o médio cedido ao Portsmouth passou despercebido, mas Maxi Pereira e Fábio Coentrão brilharam a grande altura, Ramires mostrou atributos, e deixou a sensação de que, jogando mais, poderia ter sido mais decisivo, enquanto que Luisão não saiu do banco de suplentes. Cardozo andou entre o céu e o inferno fruto dos penáltis, convertidos e desperdiçados, mas em jogo jogado dificilmente poderia ter feito mais numa selecção bastante defensiva – sendo que ele é tudo menos um jogador de contra-ataque. Esperava-se mais de Di Maria, entretanto transferido para o Real Madrid, mas o modelo de jogo argentino também não o privilegiou, proporcionando pouco jogo pelos flancos, e obrigando-o a cuidados defensivos que no Benfica não tinha.
Maxi, Fábio e Ramires saíram por cima, os restantes desaproveitaram o Mundial para se valorizar.
Z de ZANGAS
Mesmo não tendo termos de comparação com o que se passou na França, os episódios polémicos em torno da selecção portuguesa multiplicaram-se, desde o início do estágio até ao último jogo. Primeiro Nani, depois Deco, mais tarde Cristiano Ronaldo, deixaram para o exterior a ideia de uma falta de liderança gritante, de alguma desorganização, e remeteram a nossa memória para um passado que, com Luiz Felipe Scolari, parecia ter sido definitivamente abandonado.
Os próximos tempos irão fazer luz sobre muito do que realmente aconteceu. Uma coisa é certa: muitos dos jogadores não gostam de Queiroz, o que não pode deixar de ser visto com alguma apreensão, quando estamos à beira de iniciar a fase de qualificação para o Europeu de 2012.
A de ARBITRAGEM
É verdade que o golo não validado à Inglaterra vai ficar a manchar o desempenho dos árbitros (naquele caso, do fiscal de linha), mas à excepção desse e de outros episódios pontuais, creio que a arbitragem foi genericamente aceitável.
Existiram erros, e, se quisermos ver constantemente o copo meio vazio, iremos rebuscar um fora-de-jogo aqui, um penálti ali, fazendo um drama com cada um deles. Mas o futebol é mesmo assim, no Mundial e em todo o lado. Há erros dos defesas, dos avançados, dos guarda-redes e… dos árbitros.
Sou bastante céptico quanto à utilização de meios tecnológicos que alterem o curso do jogo. Prefiro um futebol fluído, mesmo com um ou outro equívoco de arbitragem. Mas essa discussão daria para um A a Z completo.
O que mais me preocupa é a tendência dos principais juízes (sobretudo os europeus) para apitar por tudo e por nada, interrompendo o jogo ao mínimo contacto. Nessa matéria, Olegário Benquerença mostrou o motivo pelo qual a Liga Portuguesa tem, tantas vezes, tão pouca qualidade futebolística, batendo os recordes de faltas assinaladas nos jogos que dirigiu.
B de BOM FUTEBOL
Tem-se ouvido e lido que o Mundial decepcionou, que os jogos foram aborrecidos, que as equipas jogaram a medo, mas, depois dos primeiros dias em que eu próprio aderi a essa tese, julgo que acabámos por assistir a um dos melhores Mundiais das últimas décadas.
O futebol romântico do Espanha 82 morreu e está enterrado. Não adianta esperar que nos volte a encantar. A Lei Bosman retirou identidade nacional aos clubes, e com isso as selecções descaracterizaram-se, adoptando estilos de jogo semelhantes entre todas elas. A preparação atlética dos jogadores tornou-se muito mais cuidada, mesmo nas selecções tidas como mais fracas, o que equilibrou os pratos da balança, fechando os jogos com as chaves do rigor e do erro mínimo. Este é um processo irreversível, e que dura há já alguns anos.
Não me parece, pois, que o França 98, o Coreia/Japão 2002 ou o Alemanha 2006 tenham tido alguma coisa a mais que este África do Sul 2010. Pelo contrário, tivemos nesta competição várias equipas com pendor ofensivo (à cabeça das quais a campeã), assistimos ao despontar de novas estrelas (Muller, Ozil, Pedro, Vanderwiel, Cavani, Coentrão etc), testemunhámos a consagração do grande futebol espanhol (com um estilo de jogo que não se vira em Mundiais anteriores), tivemos uma grande Alemanha, uma boa Holanda, e várias selecções de segunda linha que surpreenderam pela positiva, desde o Uruguai ao Gana, passando pelo Paraguai, Estados Unidos, Chile ou Eslováquia - além de que partidas como o Alemanha-Argentina, o Uruguai-Holanda ou o Espanha-Alemanha, para falar apenas na fase decisiva, apresentaram qualidade e beleza capaz de pedir meças aos melhores jogos dos mundiais de outras eras.
Os saudosistas que se habituem. Isto agora é mesmo assim. Não existe melhor. E estou em crer que qualquer das principais equipas deste Mundial, com a sua capacidade física, com o seu rigor táctico, com a sua concentração competitiva, ganharia, sem dificuldade, a qualquer das equipas de há 30 anos atrás.
C de CRISTIANO RONALDO
Sempre tive como certo que para um grande Mundial da selecção portuguesa seria imprescindível um grande Cristiano Ronaldo. Ele não apareceu.
Já disse várias vezes tudo aquilo que penso do jogador madeirense: tem capacidades físicas e técnicas para se tornar num dos melhores de sempre, mas infelizmente, nos últimos dois anos, não só não tem evoluído, como tem de certa forma regredido, dando preocupantes sinais de vedetismo e acomodação.
Este Mundial podia e devia ser o seu. Não o das fintas, ou dos toques de calcanhar para impressionar as meninas da bancada, mas aquele em que, com o seu enorme talento, arrastasse toda a equipa para uma dimensão de jogo superior, como em tempos fazia no Manchester United. Por culpas próprias e alheias, falhou redondamente. Sai do Mundial pela porta dos tristes, e, daqui a quatro anos, com 28 de idade, terá talvez (se nos qualificarmos, aspecto em que ele terá também uma palavra a dizer) a última hipótese de entrar para a eternidade do grande futebol.
D de DESILUSÕES
Se Brasil, Inglaterra e Argentina caíram aos pés de outros candidatos ao título, e ainda tiveram tempo de mostrar algumas moléculas das suas capacidades e virtudes, já a Itália e, sobretudo, a França, saíram do Mundial com a cara coberta de vergonha.
Quanto aos transalpinos, e ao contrário do que tem sido comum afirmar-se, julgo que Marcelo Lippi terá errado no timing da renovação, e talvez alguns dos “velhos” que ficaram em casa tivessem dado jeito, até pela experiência que traziam consigo. Nunca seriam campeões, mas provavelmente também não ficariam pela primeira fase. De qualquer forma, é preocupante para a Itália a escassez de recursos que a nova geração apresenta.
Em relação á França o caso é ainda mais complicado. Ninguém entende como Domenech se manteve no cargo durante tanto tempo, mas a culpa não será exclusiva dele. Há toda uma geração de vedetas ricas e acomodadas que não têm já lugar em nenhuma selecção, das quais destacaria Anelka como símbolo maior. Também Gallas, Evra, Henry e outros pertencem ao passado. Ao contrário da Itália, no caso da França haveria que ter tido a coragem de ter romper drasticamente com algum situacionismo, coisa que terá de ser feita agora, mas já sobre as brasas do escândalo e da desonra.
Esperava-se mais também de algumas selecções africanas, como os Camarões ou a Nigéria.
E de ESPANHA
Foi a campeã, e foi uma grande campeã. Esta Espanha, que nascera no Euro 2008 (e foi sendo sedimentada no Barcelona de Guardiola), é talvez a primeira selecção, em muitos anos, que traz de facto alguma coisa de novo ao futebol.
Conforme já aqui confessei, aprecio mais um estilo de passes longos, transições rápidas e cavalgadas pelo campo fora, um pouco à semelhança do que a Alemanha, em várias ocasiões, nos ofereceu. Mas reconheço que este modelo espanhol, quando as coisas saem bem, é praticamente insuperável, e a prova está numas meias-finais em que a equipa germânica foi pouco menos que esmagada, apesar da magreza do resultado poder indiciar um equilíbrio que não existiu.
Assente num meio-campo extremamente móvel e tecnicista, onde Xavi surge como chefe de orquestra, a equipa de Del Bosque pareceu sempre capaz de dar aos jogos o andamento que mais lhe convinha, vencendo e convencendo quem lhe apareceu pela frente. Curiosamente foram duas selecções menores que lhe criaram mais problemas: primeiro a Suiça, com sucesso, depois o Paraguai, com infelicidade. Excesso de confiança? Talvez. Em todos os outros jogos a superioridade foi clara.
Impressionante o que este conjunto de jogadores tem conseguido fazer com treinadores diferentes (Aragonês, Guardiola e Del Bosque). Uma verdadeira geração de ouro de talentos aqui mesmo ao lado, mas neste caso com resultados. E que resultados!
F de FORLÁN
Depois de uma temporada fabulosa, o avançado uruguaio foi eleito pela FIFA o melhor jogador do Mundial.
Eu não iria tão longe (havia Xavi, David Villa, Sneijder, Muller etc), mas seria insensato desligar a performance da selecção uruguaia da excelente forma em que, mesmo depois de 70 jogos, apareceu o seu jogador mais representativo.
Já nos trinta, Diego Forlán tinha aqui a sua oportunidade de entrar na história do futebol internacional. Não a desperdiçou.
Olhando para o Mundial, para toda esta sua temporada, para as duas Botas de Ouro que já havia conquistado, fica a sensação de ter passado o lado dos principais clubes (foi dispensado do Manchester United), e com isso, não ter alcançado a notoriedade que o seu talento justificava.
G de GYAN
Asamoah Gyan foi o rosto da equipa do Gana, e, de certo modo, o rosto da África em todo este Mundial.
Marcou golos, deixou excelentes apontamentos, valorizou-se bastante, acabando todavia por sair em lágrimas, após um dos momentos mais dramáticos de toda a competição.
Aquele penálti, no último segundo do jogo com o Uruguai, tê-lo-ia elevado ao estatuto de herói absoluto de que, por exemplo, Roger Milla ainda desfruta. Ter-se-ia feito história, pois seria a primeira vez que África chegaria a umas meias-finais. Tudo isso foi um fardo demasiado para as costas de um jovem sem grande experiência internacional.
Tal como Óscar Cardozo no dia seguinte, protagonizou um daqueles episódios em que o futebol se torna demasiado cruel, e em que este tipo de competições (resolvidas em detalhes) é pródiga. Mas a imagem do seu talento saiu muito reforçada.
H de HOLANDA
Chega a chocar-me quando oiço dizer (e já ouvi mais de uma vez) que esta Holanda era uma das mais fracas dos últimos mundiais. Essa ideia é totalmente absurda, e entronca naquele saudosismo romântico referido mais atrás na letra B.
É verdade que, em tempos, a selecção laranja praticou um futebol mais aberto, mais entusiasta, mas também mais ingénuo. Mesmo com grandes plantéis, perdia quase sempre que tinha por diante um adversário organizado e com qualidade. Nós, com o Euro 2004 e o Mundial 2006, bem nos lembramos disso.
Para esta competição, a Holanda apareceu desde o início com uma equipa muito homogénea, bem organizada, e eficaz nas suas acções ofensivas e defensivas. Ganhou todos os jogos até à final, tal como havia feito numa espantosa, e imaculada, fase de qualificação. Proporcionou momentos empolgantes, como por exemplo a segunda parte diante do Brasil. Mostrou um excelente guarda-redes, uma revelação do lado direito da defesa, juntou a experiência de Van Bronckhorst e Van Bommel à cor do talento de Sneijder e Robben, formando uma grande equipa, na qual eu apenas trocaria o apagado Van Persie pelo eficaz Huntelaar. Na final, assumiu o favoritismo adversário, e fez o jogo que podia, quase levando a decisão para os penáltis, mesmo depois de ter desperdiçado algumas ocasiões claras de golo. Podia perfeitamente ter sido campeã mundial, e isso diz tudo.
Para mim, esta foi claramente a melhor Holanda desde Rijkaard, Van Basten e Gullit.
I de INDIVIDUALIDADES
Um dos aspectos que mais me agradou neste Mundial foi o claro triunfo do futebol colectivo. Aquele de que mais gosto. Aquele que acho mais belo.
As fintas e refintas de Ronaldo e Messi foram as grandes derrotadas, numa prova que triturou as estrelas que se anunciavam como seus protagonistas. Além da dupla referida, também Rooney, Ribery, Simão, Henry, Gerrard, Kaká, Lampard, Buffon, Pirlo, Milito, Deco, Drogba e Eto’o ficaram longe do sucesso, passando - uns mais que outros - quase despercebidos pela África do Sul.
Além dos jogadores em si, também as equipas cujo futebol assentou mais no aproveitamento do talento individual acabaram por perder. A Argentina será o exemplo mais paradigmático (não me lembro de ver tanto individualismo numa equipa profissional), mas podemos juntar-lhe o Brasil, e, de certo modo, também Portugal.
Quem mais brilhou foram aqueles que tinham uma ideia colectiva de jogo mais definida: Espanha e Alemanha, mas também Holanda, Uruguai ou Paraguai.
J de JOVENS
Já aqui ficou dito que o Mundial africano teve o condão de fazer despontar uma série de jovens até agora pouco ou nada conhecidos do grande público.
Thomas Muller foi aquele que mais me impressionou, mas há que destacar também os seus colegas Ozil, Khedira, Neuer (grande guarda-redes!), e ainda Cavani (que me lembro do Mundial sub 20 do Canadá), o já mencionado Gyan, os seus compatriotas Ayew e Annan, o holandês Van der Wiel, o espanhol Pedro, e, claro, o nosso Fábio Coentrão, para além de alguns outros espalhados pelas equipas que foram mais cedo eliminadas.
Em termos colectivos, a selecção que me parece ter maior margem de crescimento é a da Alemanha, pois a base da sua equipa é genericamente sub 23.
K de KLOSE
Por falar em Alemanha, o seu ponta de lança (já não tão jovem como os colegas acima referidos) esteve muito perto de fazer história, ficando a apenas um golo de igualar Ronaldo como melhor marcador de sempre das fases finais dos Mundiais.
Uma inoportuna gripe afastou-o do jogo de 3º e 4º lugares, e já um cartão vermelho o tinha impedido de marcar presença no último jogo da fase de grupos. Estas duas ocorrências tê-lo-ão deixado às portas da eternidade.
É de realçar, no entanto, a sua regularidade concretizadora (5 golos em 2002, 5 golos em 2006, 4 golos em 2010), bem como a forma tranquila com que lidou com as estatísticas, não se eximindo de oferecer golos a colegas de equipa sempre que foi caso disso.
L de LEO MESSI
Não se pode dizer que tenha jogado mal. Até se esforçou, correu, tentou resolver, e a dada altura (talvez pela 2ª jornada da fase de grupos) deixou no ar a esperança de poder tomar o Mundial como seu.
Foi infeliz nalgumas ocasiões de golo que teve, e que, pelos mais diversos motivos, acabaram por não se consumar. Acabou penalizado por uma selecção onde cada estrela tocava o que sabia (e nalguns casos era muito), e incapaz de fazer frente à força colectiva de um onze talentoso e organizado como o da Alemanha.
Por culpa sua ou indicação técnica, a verdade é que exagerou sempre nas acções individuais, parecendo (como, diga-se, quase todos os jogadores argentinos) querer, a cada lance, imitar o 2º golo de Maradona à Inglaterra em 1986.
Saiu por baixo, vergado ao peso de uma eliminação precoce, e sem qualquer golo marcado. E vão dois mundiais…
M de MULLER
Já falei muito dele, mas nunca é demais dizer que foi o jogador que mais me seduziu nesta competição, e ainda tenho dúvidas se, com ele, a Alemanha não teria ganho à Espanha, e não teria levantado a taça.
Ou me engano muito ou trata-se mesmo de um fenómeno. Na realidade só tem 20 anos (!), e apresenta uma estampa atlética, uma capacidade técnica, uma maturidade competitiva, e uma eficácia goleadora que anunciam estarmos perante um craque absoluto, talhado para ser, um dia, o melhor do mundo.
Os próximos anos vão dizer muito sobre a sua evolução. Há factores, designadamente psicológicos, que só quem está por perto saberá entender, e/ou condicionar. Mas talento não lhe falta, e o Bayern de Munique, por muito bem que pague, já começa a ser pequeno para ele.
N de NEUER
Falou-se pouco dele, mas creio ter sido um dos melhores, senão o melhor, guarda-redes do torneio.
Já havia dado nas vistas, em Portugal, num FC Porto-Schalke04, de má memória para os dragões. No Mundial confirmou a qualidade que fez dele titular indiscutível da selecção alemã. Mostrou-se sempre seguro, defendeu o possível, e por vezes o impossível, mas acabou traído por um cabeceamento fulminante de Puyol.
O título faz pender a balança da notoriedade para Iker Casillas, mas Manuel Neuer, ainda bastante jovem, sai deste Mundial com o seu nome em alta. Também o Schalke parece pequeno para tanta qualidade.
O de ORGANIZAÇÃO
Antes do Mundial ter início temia-se o pior, mas, um mês passado, há que tirar o chapéu á organização sul-africana.
É claro que só estando lá seria possível analisar criteriosamente tudo o que se passou a este nível. Mas os ecos que chegam são os de uma organização, senão perfeita, pelo menos semelhante ao que de melhor tem sido feito na Europa.
Como não há regra sem excepção, diga-se que os relvados ficaram aquém daquilo que seria de esperar numa competição desta importância.
P de PORTUGAL
Já muito foi dito a respeito da participação portuguesa no Mundial. A nossa selecção chegou até onde podia, cumpriu o seu destino, e apenas caiu aos pés do campeão. Independentemente da análise que se faça acerca do desempenho de Queiroz, a verdade é que dificilmente qualquer outro seleccionador teria ganho a esta Espanha.
Diz-se que poderíamos ter perdido de outra forma. Como? Por 4-2 em vez de 1-0? Admito que sim, mas não é por aí que defendo uma mudança.
Sou crítico de Queiroz, mas não me parece que seja uma eliminação nos oitavos-de-final o melhor argumento para a sua substituição. Se nos lembrarmos da fase de apuramento, a conversa talvez mude de figura. Se atendermos aos casos de Deco, Nani ou Ronaldo percebemos, enfim, porque motivo este seleccionador não serve para uma equipa com ambições.
Deste Mundial fica a goleada à Coreia, e o medo de perder em todos os outros jogos.
Q de QUEIROZ
No ponto anterior ficou razoavelmente explicada a minha posição sobre a selecção nacional, e, consequentemente, sobre Carlos Queiroz. Resumindo, creio que Portugal, com ou sem este seleccionador chegaria mais ou menos até onde chegou, mas num contexto diferente (nomeadamente quanto ao alinhamento dos jogos e dos adversários) poderia ter sofrido, em resultados, os efeitos de um líder incoerente, instável, sem carisma, e sem capacidade para gerir todas as componentes de uma presença nacional num Campeonato do Mundo.
A forma como decorreu a qualificação prova as insuficiências de Queiroz, quer ao nível da leitura táctica da equipa e dos jogos, quer em termos de disciplina e comunicação. Um seleccionador não pode ser um simples organizador. Pelo contrário, tem de saber construir uma equipa, fazer substituições, aglutinar jogadores e adeptos. Queiroz não o fez, nem o fará. Uma questão de perfil.
R de ROBBEN
Começou o Mundial lesionado, mas ainda foi a tempo de mostrar todos os argumentos que fazem dele um dos melhores jogadores do mundo na actualidade.
Na fase decisiva da prova, e mais do que Sneijder, foi ele a grande esperança da Holanda. Acabou por falhar, diante de Casillas, a grande hipótese que teve de entrar para a história das finais. Fica na entanto a memória de grandes prestações, de grandes momentos individuais, de arrancadas, dribles e, também, dois golos, mas sobretudo de alguém com quem todos os adversários tiveram grandes dificuldades em lidar.
S de SURPRESAS
Embora a final do Mundial tenha sido inédita, nem Espanha, nem mesmo Holanda, surpreenderam o mundo do futebol. Já o mesmo não se pode dizer da eliminação da Itália aos pés da Eslováquia, da derrota inicial da Espanha diante da Suíça, do desaire Francês, da vitória circunstancial da Sérvia frente à Alemanha, ou do empate imposto pelos Estados Unidos à Inglaterra.
Na verdade, todas as grandes surpresas ocorreram na primeira fase, pois a partir dos oitavos-de-final a lei dos mais fortes foi trilhando o seu caminho. Talvez não se esperasse a vitória da Holanda perante o Brasil, mas, de resto, todos os resultados dos jogos eliminatórios foram, digamos, normais.
No fim, venceu um dos grandes favoritos: a campeã europeia Espanha.
Assim, qualquer polvo consegue acertar.
T de TELEVISÃO
O Mundial televisivo trouxe uma coisa boa, e uma má. Começando pelo negativo, a qualidade da imagem fornecida pelas operadoras ficou aquém do desejável, sobretudo para quem não dispunha de Alta Definição. É fácil fomentar e difundir esta nova opção quando se diminui a qualidade da definição normal, mas parece ter sido isso mesmo que aconteceu.
O melhor foi o programa diário da RTPN, conduzido por Carlos Daniel, que terá sido o mais interessante e cuidado programa desportivo de sempre na televisão portuguesa. Bons convidados, excelentes analistas, curiosidades, memórias, debate, tudo na dose certa, e com a elegância e o rigor que o fantástico moderador foi impondo. Apenas um reparo: a defesa de Carlos Queiroz, de tão efusiva, cheirou, algumas vezes, a amizade pessoal.
De resto, realce ainda para os comentários de Paulo Bento na Sport Tv, que deram brilho a alguns (infelizmente poucos) jogos.
U de URUGUAI
É um histórico do futebol, mas as prestações das últimas décadas nada deixaram na memória dos adeptos.
Comandados por Diego Forlán, mas contando também com Luís Suarez, Cavani, Diego Perez, Lugano e Maxi Pereira em plano de destaque, chegaram às meias-finais, e encantaram pelo futebol arejado que souberam, em quase todas as situações, mostrar ao mundo.
Não creio que o quarto lugar uruguaio seja muito mais do que consequência de um conjunto de circunstâncias (afinal de contas não eliminaram nenhuma selecção poderosa). Mas a verdade é que a história não se compadece com esse tipo de conclusões. Chegaram às meias-finais, e foram uma das quatro melhores selecções do mundo.
V de VILLA
Não confirmou nas últimas partidas as promessas que tinha feito na fase inicial, e que o apontavam como um dos grandes jogadores deste Mundial.
Ainda assim, sai como campeão do mundo, e um dos melhores marcadores da prova, o que é notável, sobretudo para quem já havia alcançado semelhante façanha no Euro 2008.
Foi decisivo nos oitavos-de-final, e nos quartos-de-final, quando com golos solitários seus, a Espanha ultrapassou Portugal e o Paraguai.
W de WESLEY SNEIJDER
Foi, a par de Robben, um dos grandes jogadores da selecção holandesa. Com a ajuda da FIFA, foi também um dos melhores goleadores da prova, o que para um centrocampista não deixa de ser notável.
Sneijder, que tivera uma época repleta de êxito e de títulos, cedo assumiu o controlo da equipa, e uma larga percentagem do sucesso da Laranja deveu-se ao seu inesgotável talento. Da sua prestação fica, como ponto alto, a segunda parte diante do Brasil, onde marcou um golo…e meio, e foi absolutamente decisivo para a vitória da sua equipa.
Figura claramente no top 5 dos melhores jogadores do campeonato.
X de XAVI
Se Villa foi intermitente, Xavi foi regular, tornando-se, quanto a mim, a par de Muller, o melhor jogador deste campeonato.
Se fizermos o exercício de retirar o pequeno médio da equipa espanhola, veremos o quanto tal ausência se reflecte na respectiva manobra colectiva, pois todo aquele jogo rendilhado, de passe curto e busca do momento de ruptura, passa por ele.
Não é o estilo de jogador que mais me fascina, mas nem por isso deixo de reconhecer a qualidade absolutamente superlativa que transmite, quer à selecção, quer ao Barcelona.
Y de YEBDA
Hassan Yebda foi um dos muitos jogadores do Benfica presentes no Mundial. Tal como o compatriota Halliche, o médio cedido ao Portsmouth passou despercebido, mas Maxi Pereira e Fábio Coentrão brilharam a grande altura, Ramires mostrou atributos, e deixou a sensação de que, jogando mais, poderia ter sido mais decisivo, enquanto que Luisão não saiu do banco de suplentes. Cardozo andou entre o céu e o inferno fruto dos penáltis, convertidos e desperdiçados, mas em jogo jogado dificilmente poderia ter feito mais numa selecção bastante defensiva – sendo que ele é tudo menos um jogador de contra-ataque. Esperava-se mais de Di Maria, entretanto transferido para o Real Madrid, mas o modelo de jogo argentino também não o privilegiou, proporcionando pouco jogo pelos flancos, e obrigando-o a cuidados defensivos que no Benfica não tinha.
Maxi, Fábio e Ramires saíram por cima, os restantes desaproveitaram o Mundial para se valorizar.
Z de ZANGAS
Mesmo não tendo termos de comparação com o que se passou na França, os episódios polémicos em torno da selecção portuguesa multiplicaram-se, desde o início do estágio até ao último jogo. Primeiro Nani, depois Deco, mais tarde Cristiano Ronaldo, deixaram para o exterior a ideia de uma falta de liderança gritante, de alguma desorganização, e remeteram a nossa memória para um passado que, com Luiz Felipe Scolari, parecia ter sido definitivamente abandonado.
Os próximos tempos irão fazer luz sobre muito do que realmente aconteceu. Uma coisa é certa: muitos dos jogadores não gostam de Queiroz, o que não pode deixar de ser visto com alguma apreensão, quando estamos à beira de iniciar a fase de qualificação para o Europeu de 2012.
6 comentários:
e fucile nao teve em plano de destaque? está no onze ideal de uma revista de futebol bastante conceituada
O que me impressiona nisto tudo é que são poucos os atletas espanhois a jogar fora de ESpanha e alguns como Iniesta, Puyol e todos os outros do Barcelona ganharam tudo o que havia para ganhar o campeonato da Europa,a taça do rei o campeonato espanha, a liga europeia a do mundo de clubes e agora a taça do mundo. O seu AZ falta-lhe o video são simplesmente fantasticos os movimentos quase a rondar os videogames.
Parabéns pelo post
Anónimo,
Sinceramente, e sem clubismos, até acho que o Maxi esteve muito melhor que o Fucile, do qual apenas recordo algumas falhas comprometedoras e, também, um ou outro corte providencial.
Nem sequer jogou contra a França e a Holanda, dois dos principais jogos da equipa.
Mas cada um faz o onze que quer, e há onzes que não são inocentes (não o digo pelo FC Porto ou qualquer outro clube, mas mais até por certos empresários).
O meu é o que publiquei. Cada um de vocês, se quiser, pode usar a caixa de comentários para fazer o vosso.
Vitória,
A liga espanhola é das mais bem pagas, a par da inglesa. É natural que não saiam.
No caso do Barça há que destacar os 7 jogadores da formação que habitualmente são titulares, o que é um caso único no futebol de topo.
Quanto ao video... fica para a próxima.
Grande alfabeto. Parabéns pela analise, fora um ou outro pormenor que já nem me lembro (li o post pela manhã), estou de acordo com ela.
Benfica sempre.
Fiquei pelo D.
Desilusão foi o post. O pior que li aqui(e sou do SCP) desde à dois anos para cá.
A de Arbitragens,
Refere o caso do golo d Lampard, exluindo casos mais escandalosos como o caso da agrassão do Villa (sem punição e/ou suspensão) e tambem o golo de Tevez 2metros fora de jogo contra o México.
B de Bom Futebol,
Não ter destacado o melhor futebol da fase de grupos, que foi o Chile foi uma grande falha, ou mesmo o futebol que o México mostrou contra a Argentina...
C de CR,
Futebol são 11 contra 11, e não Ronaldo + 1/2 contra 11.
Dizer que CR estagnou nos ultimos 2anos, quando esta época (a nivel de clubes) teve uma média de 1golo por jogo, é pura demagogia. O seu papel no Real Madrid e a sua falta no Man Utd são evidentes para quem não tem ódio a Ronaldo.
D de Desilusões,
Falar em falha na renovação na Itália??? Errado.
O problema é não haver renovação. Quem viu a Itália vs Suécia na final do Europeu sub-21 em 2009, conhece jogadores como Giovinco e Balotelli, e viu esta Itália, não percebe como ficaram de fora.
Os velhos não fazem falta. Fazem falta é novos, e a prova viva disso é mesmo a Alemanha. Ozil, Muller, Kedira, Boateng, Kroos, Jansen, e outros mostraram que renovação não é sinónimo de hipoteca de mundial.
Não sei até que ponto o sr. LF viu os jogos, ou a nossa forma de analisar os jogos é diferente, mas a verdade é que, para mim, este post foi uma tremenda desilusão.
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