SOARAM DE NOVO AS GUITARRAS DO TRISTE FADO LUSITANO

Novo empate caseiro. Novo golo consentido a poucos minutos do fim. Nova decepção. Quatro pontos perdidos são o triste balanço desta mal fadada dupla jornada de qualificação para o Euro 2008.
É importante neste momento deitar alguma água na fervura, e lembrar que Portugal ainda depende apenas de si próprio para estar na Áustria e Suiça no próximo verão. Basta-lhe para isso vencer os quatro jogos que lhe restam, diante de Azerbeijão, Cazaquistão, Arménia e Finlândia. Nada do outro mundo portanto.
Mas será um tremendo erro, e decerto o primeiro passo para o fracasso, a equipa nacional pensar que o pode fazer jogando como o fez nalguns momentos destas duas partidas, dos quais sobressai, pela sua completa escuridão, a segunda parte do jogo de ontem.
Depois de um primeiro tempo, longe de qualquer brilhantismo, mas, vá lá, normal, a equipa das quinas regressou das cabines completamente tolhida de ideias, amorfa, sem confiança e temerosa. É de estranhar que, sendo a força mental uma das principais armas com que esta equipa se fez à Europa e ao Mundo, num momento como este se mostrasse tão intranquila. O tempo foi passando, e ainda se pensou que com poucos minutos por jogar, fosse possível segurar a tangencial mas preciosa vantagem. Mas eis que, com a colaboração do trio de arbitragem caíu um balde de água gelada sobre o estádio de Alvalade - nem ele nos valeu...-, deitando por terra a possibilidade de alinhavar desde já o apuramento.
É fácil agora criticar quem, ainda há poucas semanas, merecia a admiração e o louvor de quase todos. Mas há que ter cabeça fria e procurar entender as razões desta medíocre prestação.
Em primeiro lugar, como já acontecera frente à Polónia, a equipa portuguesa tem francos motivos para se queixar da sorte. Perder quatro pontos com golos fortuitos sofridos nos últimos três minutos é de lamentar, mas pode acontecer a qualquer um. Ontem como no sábado, Portugal podia ter resolvido o jogo na primeira parte, e estaríamos agora quase a comemorar o apuramento. Em ambas as vezes não o fez, ficando à mercê do sortilégio de um destino que acabou por lhe não sorrir.
Depois, não podemos deixar de lembrar novamente que o golo sérvio foi obtido em claríssimo fora-de-jogo. Um lance destes em jogo decisivo da Liga Portuguesa, seria motivo para polémica durante semanas a fio. Mas para com árbitros de outros países, e fora do âmbito das nossas rivalidades paroquianas, temos sempre uma maior tolerância, parecendo tudo achar natural, mesmo quando há reincidência, o que é manifestamente o caso deste alemão sem categoria que há anos nos persegue em provas internacionais, quer de clubes, quer de selecções.
Finalmente, e acima de tudo, há que reconhecer uma generalizada crise de forma da maior parte dos jogadores desta selecção. Desde logo e à cabeça, das suas duas principais unidades criativas: Deco e Cristiano Ronaldo.
De facto, numa altura crucial desta fase de apuramento, estes dois jogadores apresentam-se na sua pior condição dos últimos anos, e a selecção ressente-se de forma dramática desse facto. No caso do “mágico”, o problema é agravado por os seus substitutos naturais não se encontrarem melhor: tanto Tiago como João Moutinho estão muito longe da boa forma (tal como aliás Maniche), e não oferecem grandes alternativas ao médio do Barcelona – sobraria Simão, tal como aqui alvitrei, mas também ele, mau grado o excelente golo, e mais um ou outro pormenor, não está particularmente bem.
Mas se este é um problema meramente conjuntural, sendo de esperar que dentro de um mês o panorama possa ser menos sombrio, mais complexa é a questão do ponta-de-lança, lugar onde Nuno Gomes, sem alternativa – Hélder Postiga e João Tomás lesionados, Hugo Almeida sem ritmo -, se continua a arrastar penosamente, com muito esforço, muita generosidade, mas uma profunda aversão à baliza e aos golos – mesmo quando faz as coisas bem, a sorte vira-lhe as costas, como foi o caso daquele cabeceamento ao poste.
Não me recordo de nenhuma grande selecção europeia que não tenha, pelo menos, um ponta-de-lança de grande qualidade e eficácia. Até dá pena que, com flanqueadores com a qualidade dos nossos, não exista alguém dentro da área ao mesmo nível, de modo a dar sequência ao caudal atacante que, em condições normais, a selecção portuguesa consegue criar. Mas este é um problema para o qual não estou a ver solução, a não ser que se venha a optar pela incorporação de Liedson, a qual deverá ser porém bastante ponderada a outros níveis que não meramente desportivos.
Também no sector defensivo a situação não é brilhante. Ricardo Carvalho é imprescindível, e sem ele, com Jorge Andrade completamente fora de forma, e um delicado entendimento entre Bruno Alves e Fernando Meira – que formam uma dupla algo assimétrica -, o centro da defesa revela bastantes vulnerabilidades. No lado esquerdo existe, de há muito, outra grave limitação estrutural, acentuada agora pela lesão de Marco Caneira.
Com todas estas condicionantes, e sem Figo, Pauleta e Costinha (três elementos preponderantes da equipa no passado recente), a nossa selecção fica longe, muito longe, da força competitiva que patenteou no Euro 2004 e no Mundial 2006. Torna-se uma equipa banal, ao nível dos seus adversários neste grupo.
Os portugueses têm-se nos últimos anos habituado a qualificações relativamente tranquilas – por vezes pinceladas com robustas goleadas -, e talvez não estejam agora preparados para voltar a um passado que, felizmente, nos parece já remoto. Esta é no entanto a 12ª vez que a selecção nacional disputa uma fase de apuramento de um Campeonato da Europa, só por três vezes foi bem sucedida, em todas elas apenas definindo a qualificação no último jogo. Esperemos que esta possa ser a quarta, mas se assim não acontecer o mundo não acaba.
Não há grandes destaques individuais a fazer no jogo de ontem. À excepção de Bosingwa e Petit, todos os outros jogadores se apresentam nesta fase da época em claro e profundo défice de forma. Simão começou bem, mas acabou por se deixar dominar pela apatia e insegurança generalizadas.
Não podemos subtrair méritos à equipa da Sérvia - tecnicamente superior à Polónia - com jogadores a actuar em grandes clubes europeus (Inter, Sevilha, Manchester), e empenhada em jogar de forma firme os seus últimos dados em termos de apuramento. O empate, há que sublinhar, assentou-lhe com toda a justiça, e estava-se a adivinhar muitos minutos antes da bola entrar na baliza de Ricardo.
Do árbitro já falei. Teve claramente influência no resultado, retirou dois pontos a Portugal, e estragou o espectáculo com constantes e absurdas interrupções. Deu um minuto e meio de compensações. Enfim, uma arbitragem à Markus Merck…
Não posso obviamente deixar passar em claro os acontecimentos do final da partida. Como grande admirador do treinador brasileiro, sinto-me à vontade para dizer que a sua atitude foi absolutamente deplorável. Agredir um jogador adversário já é grave, mas procurar negar as evidências, metendo os pés pelas mãos nas declarações prestadas, não deixa de constituir uma nódoa no percurso de Luíz Felipe Scolari à frente da selecção portuguesa. Quem nunca errou que atire a primeira pedra, mas ainda aguardo um pedido de desculpas ou algo semelhante, que nos possa ajudar a passar uma borracha por cima deste assunto – algo que dificilmente a Uefa fará.
Já se sabe que todo o coro de críticos vai agora rejubilar com o caso. A natureza humana é mesmo assim, e muitos não resistirão à ocasião. Importa dizer que, mesmo que não consiga o apuramento, Scolari vai permanecer como o seleccionador que melhores resultados deu à equipa nacional, como alguém que uniu e disciplinou os jogadores, e colocou o povo de mãos dadas com a selecção. E, não quero deixar de o dizer também, ainda acredito que leve Portugal ao Euro 2008, e aí consiga mais uma grande prestação.
Na derrota, no empate e na vitória. Viva Portugal !
Resumo do jogo:

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