DE VIDA ...E DE MORTE !

Nem só as grandes competições nacionais e internacionais nos oferecem momentos de magia futebolística. Do outro lado das Ligas dos Campeões, dos Mundiais, dos Europeus, está também o futebol dos escalões secundários, praticado por jogadores sem o mesmo talento, mas com igual empenho e vontade de vencer. É aliás muitas vezes nestes escalões que se encontram as rivalidades mais fratricidas, nas quais o futebol se assume como muito mais que um mero jogo, para tomar a face de uma batalha de culturas e identidades locais e regionais bem vincadas.

O DERBY

As segundas e terceiras divisões nacionais oferecem-nos uma panóplia de diferentes emoções por esse país fora, mas talvez em nenhum local como Évora seja possível encontrar um derby tão enraizado nesta verdadeira sub-cultura futebolística nacional, não fossem Juventude e Lusitano dois dos clubes mais antigos da história do futebol luso. O encontro entre ambos é pois, pode dizer-se, um dos mais apaixonantes derbys do futebol português, pelo menos no que às divisões secundárias diz respeito, mesmo se as respectivas equipas não tenham a força competitiva que ostentaram no passado, quando Lusitano era presença segura no escalão principal e o Juventude lutava ano após ano pela ascensão ao mesmo.
No domingo, pelas 16.00 horas, no velhinho Estádio Sanches de Miranda, os dois emblemas voltam a defrontar-se para mais um frenético combate. Desta vez porém, mais do que a tradicional rivalidade entre ambos, muita coisa mais está em jogo, como percebemos se olharmos para a classificação. Aliás, objectivamente, tudo está em jogo no que à presente temporada diz respeito, constituindo este derby uma encarnação literal da expressão “de vida ou de morte”, que normalmente associamos aos desafios decisivos.
O Juventude está a um passo da subida à II Divisão, tendo para isso apenas que fazer o mesmo resultado que o Amora, nesta que é a sua derradeira jornada (folga na última em razão do número ímpar de equipas na série). Por outro lado o Lusitano está, a duas jornadas do final, abaixo da linha de água, vendo-se na necessidade imperiosa de vencer o rival para poder acalentar esperanças de se manter na III Divisão. É pois um momento absolutamente dramático para ambos, algo que não me recordo de ter ocorrido nos últimos trinta anos de confrontos entre eles.

A HISTÓRIA

Como já foi aflorado, o historial desportivo do Lusitano é bem mais rico que o do rival, bastando para isso 14 temporadas na primeira divisão. Contudo, desde essa era para cá, os clubes têm-se equivalido na sua representatividade, mantendo todavia a sua matriz sociológica identitária .
Se cingirmos a análise aos últimos trinta anos- justamente desde que nos finais de setentas e princípio de oitentas ambos os clubes desfrutaram de significativas oportunidades de subida à primeira divisão (o Juventude em 1978, 1979 e 1981, o Lusitano em 1980, 1982 e 1983) - verificamos que o equilíbrio entre o palmarés dos dois é a nota dominante, com períodos de superioridade de um e de outro, logo esbatidos ou mesmo invertidos. Ainda assim existe, neste período, uma ligeira vantagem do Juventude, quer em número de épocas em escalão acima do rival, quer nos resultados dos confrontos directos entre os dois – em trinta anos, e trinta e cinco jogos entre Juventude e Lusitano, os azuis e brancos venceram onze e apenas perderam sete, sendo que naturalmente nos restantes (a maioria) se registaram igualdades; e se nos reportarmos apenas aos jogos em casa, o Juventude venceu nove vezes, empatou seis e perdeu apenas duas, ambas por 0-1 - em 1985-86 com um golo de Pipe, e vinte anos depois com golo no último minuto de Anderson.
Na primeira volta, no primeiro derby disputado no novo estádio do Lusitano, o Juventude alcançou uma preciosa vitória por 0-1, com golo de Helder Monteiro.

A TEMPORADA

Juventude e Lusitano eram à partida para este campeonato avaliados pela generalidade dos observadores de forma bem distinta face ao que a sua classificação actual sugere.
O Lusitano, a um penálti da subida na época transacta (na penúltima jornada, no tempo de descontos, falhou a vitória frente ao adversário directo), e mantendo praticamente toda a estrutura, era tido como candidato aos primeiros lugares. O Juventude por seu turno, depois de uma época irregular, afirmava pela voz dos seus responsáveis pretender apenas realizar um campeonato tranquilo, sem ambições de maior.
Fruto de razões desportivas e outras – a construção do novo estádio, muito mal resolvida, deixou o Lusitano em grave situação económico-financeira -, os resultados foram desmentindo as expectativas iniciais, evoluindo o Juventude para uma candidatura só há poucas semanas assumida, mas há muito expressa na tabela, e o Lusitano para uma aflitiva e inesperada luta pela manutenção.

OS INTÉRPRETES

Resistindo a uma onda de lesões que o devastou a meio da época (para além de três saídas no mercado de inverno, entre as quais a do principal goleador da equipa, o veterano Edinho), o Juventude foi-se equilibrando e apresenta-se nesta fase decisiva com força de candidato e francamente motivado para a subida.
O jovem técnico Miguel Ângelo, ex-central no clube, conta com um plantel bastante homogéneo, e com algumas unidades de qualidade acima da média para o escalão.
Na baliza está Cuca, um internacional angolano de 35 anos, já com muitos anos de clube, muito alto, bom no jogo aéreo, especialista em grandes penalidades, mas por vezes algo irregular e desestabilizável. No lado direito da defesa joga habitualmente Farinha, outro experiente jogador oriundo do Pinhalnovense, que tanto pode jogar num lado como noutro, e até no meio-campo.
Ao centro da linha defensiva joga uma dupla que se complementa muito bem: à capacidade técnica de Claudino (a quem faltam apenas uns centímetros de altura para jogar a outro nível), junta-se a compleição física de Flávio (vindo esta época do Alcochetense), um central à moda antiga, de bola para a bancada, mas fortíssimo no jogo aéreo. Do lado esquerdo o pendular Paulo Letras (ex Sesimbra) completa o coeso quarteto.
Como trinco joga aquele que é, no meu ponto de vista, a melhor e mais influente unidade do onze. Experiente, ex-Barreirense, e de enorme qualidade técnica (passe curto, passe longo, jogo de cabeça, meia distância…) Monzelo é o farol que ilumina toda a equipa. Realizou muitos jogos a central (por lesão dos de origem), mas mesmo assim é um dos melhores goleadores da equipa. Beto, contratado a meio da época ao Beira Mar, assegura o equilíbrio da intermediária pois trata-se de um médio de grande sentido posicional e capacidade técnica razoável. Como criativo actua o capitão de equipa, oriundo das camadas jovens do clube, José Pedro Queiroz, desequilibrador, com uns pés notáveis, mas algo frágil em termos físicos para almejar a outros voos - tentou a sua sorte no Real Massamá na época transacta, mas acabou por regressar, parecendo desde então algo afectado pela má experiência.











Como ala, por um ou outro flanco, temos Ruben, como tantos outros no plantel, oriundo da margem sul do Tejo. Trata-se de um jogador bastante regular, que tem um pontapé forte e razoável capacidade de cruzamento. É há três épocas consecutivas, titular indiscutível no onze juventudista.
Na frente, para o lugar de Edinho – melhor goleador da equipa na primeira volta – foi contratado o guineense Hélder Monteiro aos Dragões Sandinenses, e que mal chegou desatou a marcar golos, cedo fazendo esquecer o veterano brasileiro. Nos últimos jogos apagou-se um tanto, mas pela sua capacidade técnica e física é um avançado de grande utilidade para o conjunto. Ao seu lado pode jogar Valente - que depois de excelentes indicações nos primeiros jogos da época se lesionou gravemente, tendo regressado há algumas semanas atrás, marcando desde logo alguns golos importantes - ou Marçal, tecnicista e veloz mas um tanto individualista, contratado ao Oriental já durante a época.
Como outras opções Miguel Ângelo conta com o seguro guarda-redes Gonçalo, o rápido e ofensivo lateral Moreno e os médios Freddy e Filipe Abrantes, para além de alguns jovens saídos da formação e ainda à procura do seu espaço.
O Lusitano, cujo plantel é agora orientado pelo ainda jogador Paulo Sousa, tem na baliza o jovem Rui Panaça.
Á sua frente um quarteto defensivo experiente constituído pelo lateral direito Cravosa, pelos centrais ex-juventudistas Setúbal e o brasileiro Robson, e pelo lateral esquerdo Luís Correia.
No centro do terreno a equipa verde branca conta com o irmão de Abel Xavier, de nome André Xavier, contratado no mercado de inverno. Completando o trio do meio-campo actuam o experiente jogador-treinador Paulo Sousa, e o habilidoso e rematador Filipe Venâncio.
Na frente é mais uma vez a experiência que dita regras, com o trio Luís Barreiros, Luís Canhoto (ambos antigos jogadores do Juventude e o segundo também do Campomaiorense) e Manuel do Carmo (ex V.Setúbal e ex-Barreirense) a constituírem as opções mais válidas. Luís Canhoto, de 34 anos, foi o melhor marcador do Juventude durante alguns anos, e na época passada, já de verde e branco, voltou a mostrar a sua eficácia, alcançando mais de 20 golos no campeonato, apesar de ter ficado ligado ao insucesso da equipa ao desperdiçar o tal penálti decisivo de que se falou acima. Esta temporada não tem sido feliz, tal como a maioria dos seus companheiros.
Como outras alternativas, a equipa lusitanista tem o guarda-redes Laurentino, os médios Ema e o ex-junior Cainó, e os avançados Hélio e Luís Cochola (rápido extremo ex-juventudista).

AS EXPECTATIVAS

Espera-se um grande ambiente em redor desta partida, numa cidade que, salvo o episódico jogo da selecção nacional frente a Cabo Verde, há muito que não se mobiliza para o desporto-rei. Os jogos entre os rivais são sempre aqueles que mais gente levam aos estádios, e este, por maioria de razão, certamente que terá uma casa muito bem composta.
Não adianta falar em favoritismos neste como em qualquer outro derby. São jogos de características muito especiais, em que os nervos e a ansiedade tomam conta dos interpretes, prejudicando também muitas vezes a própria qualidade do espectáculo.
A maior experiência do Lusitano terá como contraponto a alma e motivação juventudista (bem como, porque não dizê-lo, a sua maior qualidade futebolística), fortalecida pelo apoio que os seus adeptos seguramente lhe irão dispensar.
O Juventude pode subir mesmo perdendo, bastando que o Amora não ganhe um dos dois jogos que lhe faltam. Nessa medida está a um pequeno passo da glória.
Se dependesse exclusivamente da vitória face ao rival, a situação seria bem mais complicada…Qual liga portuguesa, qual segundo lugar, qual luta pelos lugares europeus. O jogo grande do fim-de-semana vai mesmo ser este !

16 comentários:

Anónimo disse...

belo trabalho adorei esta de parabens. crespo (frança)

LF disse...

Obrigado pelas simpáticas palavras.
Volte sempre !

Anónimo disse...

LF

Como adepto do Juventude S.C., gostaria de ver o meu clube ganhar, mas deixa-me pena ver o Lusitano nesta situação, resultado de dirigentes sem caracter, a vida do Lusitano está por um fio, bastante pequeno, a negocio do novo campo do Lusitano para pagar dívidas (vendendo o velho campo Estrela para habitação) tudo isto foram tretas, o resultado está á vista o Lusitano pode fechar as portas

Em relação ao Derby vou ficar de pé atrás, porque geralmente quem está pior, vence ou cria grandes problémas ao adversário

LF, dou-lhe os parabens, não por ter abandonado a sua terra, mas porque se lembra dela, tentando estar sempre informado da sua vida e nunca esquecendo o clube que escolheu da sua cidade, o nosso Juventude Sport Clube

Como Eborense fico contente

Anónimo disse...

Está muito bem feito o texto no entanto tem algumas incorrecções no que ao Lusitano diz respeito...O treinador já não é José Vasques, mas sim o jogador Paulo Sousa que conta como adjuntos Pedro Batista e Filipe Fialho (treinador da equipa Junior Campeã Distrital 06/07).

Do plantel verde-branco já não fazem parte o Guarda-redes Agnaldo, os Defesas Paulo Sérgio e Ricardo Lima e o Médio Álvaro.

Penso que de resto está tudo bem..

Juventude de Évora disse...

Parabénse LF, grande trabalho.

Anónimo disse...

Parabens pela publicação deste Derby. Uma previsão ao jogo muito bem feita, errando em algumas coisas é claro, porque existem 3/4 jogadores ai referidos que nao se encontram no Lusitano já.

Sou juventudista, e espero que o Juventude ganhe claro.

Na caracterização da formação juventudista, parece me que falto apenas um reparo, importante claro, é que Claudino, Flávio,Marçal e até Cuca, num passado mais longinquo, são jogadores que já representaram o Pais deles. Cuca o seu Pais de origem, e os restantes, já alinharam por Portugal, num passado muito recente, todos em escalões de formação, como Juvenis ou Juniores, mas nao deixa de ter a sua (Grande) importancia!

Parabens pelo trabalho e que seja um bom jogo.

jsbmj@clix.pt disse...

muito bom texto LF
vai ser um grande jogo
na próxima semana se me mandares um pequeno texto para o meu, publicarei 2 novos cromos do Juventude e do Lusitano
E se me conseguires arranjar fotos ou enviar-me jornais com fotos a cores do jogo, será excelente!

LF disse...

Caro Pedro,

Lamento que essas incorrecções se tenham verificado e agradeço o reparo.
Todavia, a informação em causa foi recolhida no site oficial do Lusitano, que continua a considerar esses jogadores e esse técnico como ao serviço do clube.
Tal como aliás outro site de onde recolhi e recolho habitualmente muitas informações: o "zero a zero".
Devo dizer que assisti a apenas dois jogos do Lusitano esta temporada (Com o Juventude e com o Ferreiras), pelo que os dados de que disponho não são tão abundantes como os do Juventude, que já tive ocasião de acompanhar mais vezes, além de, como juventudista, naturalmente seguir com toda a atenção as crónicas aos jogos feitas pelo site do clube.

Embora alheio ao facto, peço as minhas desculpas aos leitores, e em nome do rigor corrigirei o texto de modo a que aqueles que só agora o possam ler não sejam induzidos em erro.

LF disse...

Ao anónimo que refere a presença de vários jogadores do Juventude na selecção,

De facto apenas tinha conhecimento do Cuca. Os outros francamente não sabia.

É um dado que valoriza o plantel juventudista e valoriza a informação sobre o clube.

Sei também que dois dos jogadores que esta época fizeram parte do plantel do Juventude já passaram pelo Benfica. Um já saíu (Miguel Barros), contratado por um clube norueguês, e outro, bastante jovem, alterna o banco de suplentes com presenças na equipa de juniores (André Flores).

LF disse...

Já está tudo corrigido.

Entretanto, Catn,
Também eu, apesar de juventudista, espero que o Lusitano ultrapasse rapidamente a situação em que está.
Aliás, gostaria muito que ficasse na III divisão, o que é matematicamente possível mesmo perdendo no domingo.
É claro que durante os 90 minutos não me vou preocupar com isso, e espero que o Juventude ganhe e faça a festa do regresso, 7 anos depois, à II divisão.

A ultima linha do texto, que diz "se dependesse exclusivamente na vitória face ao rival..."
remete também para o meu receio de que o Juventude não consiga vencer o derby.
Todavia, muito francamente, não me parece que o Amora ganhe os dois jogos que faltam.
Recordo que o Amora viu rescindirem contratos vários jogadores nucleares a meio da época, chegou a fazer uma falta de comparência, houve greves aos treinos, assembleias gerais turbulentas, mudanças de direcção e em resultado de tudo isso apenas ganhou 5 dos últimos 15 jogos, depois de 11 jornadas iniciais de grande fulgor.
Recordo que basta que o Amora empate um dos seus jogos para o Juventude poder festejar, independentemente do derby.

LF disse...

JuventudeSportClube,

Obrigado.
Sem vocês, este post não seria possível...

LF disse...

jsbmj,

Quanto ao texto, podes contar com ele,
Quanto às fotos, vou ver o que posso fazer...

Um abraço

Anónimo disse...

LF, Miguel Barros jogou ao serviço do Benfica sim, mas Valente e Marçal também, e não foi pouco tempo.O Plantel tambem tem muitos ex-barreirenses, como o caso de Monzelo que voce considera o melhor do Juventude, que parou por lá cerca de 5 anos, chegando a ser capitão desse mesmo clube. Outro é Farinha passando por lá esses mesmos 5/6 anos, outro é Fredy, outro é Flávio, que alem de ser jovem, tem mais de uma Década de Barreirense.

Isto são só complementos à sua informação sobre o Plantel, porque já reparei que é Juventudista e interessado. Um abraço.

LF disse...

Obrigado por mais essas achegas.

Não sabia que Valente e Marçal tinham jogado no Benfica (já agora se alguém souber que diga se foi no Benfica B ou nos escalões mais jovens).

O Monzelo sabia que tinha jogado no Barreirense (e referi-o no texto), embora julgo que ele seja do Montijo (e veio para o Juventude vindo do Alcochetense).

Farinha, esse é mesmo do Barreiro, também sabia ter sido jogador do Barreirense, embora ultimamente tenha andado entre o Pinhalnovense e o Juventude, veio de lá, regressou, e veio novamente.

Flávio e Freddy, sabia também que eram do Barreiro, mas desconhecia que tinham jogado nesse grande clube (também um bocadinho meu, devo dizer) da margem sul do Tejo. Um veio também do Alcochetense e outro do Montijo, e eram esses os unicos dados que tinha sobre a sua carreira.
O Ruben também é do Barreiro, mas não sei em que clubes jogou antes. Está no Juventude há 3 ou 4 épocas.

Sem serem do Barreiro, mas também na margem sul temos:

Claudino de Setúbal
Valente de Almada
Paulo Letras de Setúbal
André Flores de Almada
e Miguel Barros também era de Almada, tal como, julgo, Felisberto (outro jogador que saiu a meio da época para o Cova da Piedade).
O Marçal não sei de onde é, mas possivelmente também é daquela zona.

Portanto temos, pelo menos, 9 jogadores da margem sul (bem mais do que os de Évora...), e ainda mais 2 que saíram durante a temporada.

Aliás de Évora, penso que só são Queiroz, Henrique e Filipe Abrantes. Para além dos ex juniores.

Anónimo disse...

O André Flores é de Montemor-o-Novo e ´so teve no Benfica 3 meses nunca chegando a jogar. O Miguel Barros fez toda a sua formação no Benfica e ainda alinhou pela equipa B.

LF disse...

Obrigado por mais essas informações.