UMA BOMBA NO DESERTO

O Benfica cumpriu na Reboleia o guião que esta jornada lhe tinha destinado. Venceu, colou-se ao F.C.Porto na classificação em vésperas de o receber na Luz, e depende agora apenas de si próprio para conquistar o título nacional quando faltam somente oito jornadas para a prova se concluir.
Todas estas verdades, suficientes para deixarem a nação benfiquista em estado de grande euforia, não devem esconder que a exibição de ontem coloca muitas reticências no real poderio desta águia, enfraquecida por importantes ausências, é certo, mas demasiado entregue aos desígnios da sorte num jogo em que tinha todas as condições anímicas do seu lado, e o dever de se impor com autoridade.
Permanece um enigma por descodificar o facto de o Benfica apresentar uma abordagem competitiva totalmente distinta quando joga em casa e fora. Se na Luz os encarnados entram com grande velocidade, circulando a bola com critério, empurrando os adversários para a sua zona defensiva, criando oportunidades, marcando e vencendo com clareza (9 vitórias em 10 jogos), quando actuam em território alheio como que se encolhem, parecendo esperar que, por qualquer toque de magia, mais tarde ou mais cedo, o golo acabe por lhe cair dos céus, deixando com isso que os adversários ganhem alento e se convençam da hipótese de pontuar, com tudo o que isso acarreta no desenrolar dum jogo de futebol. Talvez este seja um problema herdado da fase inicial desta época, quando os homens de Fernando Santos foram várias vezes derrotados de forma expressiva, algo que pode ter deixado a marca do medo e, com ela, o hábito duma excessiva e reverente timidez, da qual a equipa ainda não se terá libertado totalmente. O que é certo é que nas últimas três deslocações o Benfica deixou correr demasiado o tempo, acabando por marcar com alguma sorte em fases já adiantadas das partidas, correndo riscos que, aos olhos do observador, e levando em linha de conta o seu comportamento na Luz, parecem desnecessários e pouco prudentes.
Ontem repetiu-se a história, com Fernando Santos a adoptar uma estratégia que já provou não ser adequada – uma espécie de 4-2-4, com Derlei e Simão abertos nas alas. Neste sistema a equipa fica partida em dois, permitindo que o adversário conquiste superioridade no centro nevrálgico do terreno, zona onde as grandes decisões normalmente se tomam e onde este tipo de adversários, jogando em casa, mais intensifica a sua presença e a sua pressão.
Foi com a entrada de João Coimbra que o Benfica conseguiu finalmente assumir o jogo da forma que seria lícito esperar o tivesse feito de início, desta vez ainda a tempo de vencer, contando para isso com uma grande dose de felicidade, bem expressa na forma como o remate de Petit foi parar dentro da baliza.
A melhoria verificada com a entrada de João Coimbra foi um bom exemplo de como muitas vezes não é por jogar com mais avançados que se ataca mais, pois mesmo sem fazer uma exibição particularmente brilhante, a presença do jovem médio permitiu ao Benfica – por exemplo através da maior libertação de unidades como Petit ou Karagounis - empurrar o seu adversário para linhas mais recuadas, conquistar segundas bolas, criar oportunidades e, em última análise, ganhar.
É claro que estas adulterações ao modelo de jogo que Fernando Santos implementou no Benfica resultam do facto de o plantel encarnado se encontrar bastante dizimado por lesões e ausências várias, situação que não foi devidamente ponderada quando o mercado de Inverno abriu a possibilidade de se dotar a equipa da Luz de um plantel à altura das duas frentes em que o clube ainda está envolvido – e que nesse momento até eram ainda três.
Seja como for – e é importante deixar claro este ultimo parágrafo inocenta Fernando Santos de qualquer crítica face às fragilidades com que neste momento se tem de confrontar – o que interessa são as vitórias e os pontos, e assim sendo os benfiquistas têm bastos motivos para estar felizes, agora que se vêm na perspectiva de discutir a liderança no seu estádio a poucas jornadas do final da Liga. O que não podem nem devem é sonhar demasiado alto, quando está à vista que quem friamente quiser ver, que o plantel que Santos tem à sua disposição, pela pobreza de opções que apresenta, só por milagre (nenhuma lesão, nenhum castigo, poucas baixas de forma e reduzido cansaço) permitirá aos encarnados conciliar uma caminhada rumo ao título com uma presença europeia que vá muito para além do que já foi conseguido, algo que também permanece, à razão dos resultados, no horizonte de todos os apaixonados do clube.
Se o Benfica for campeão e chegar à final da Uefa, bem se poderá falar em milagre. No caso, de um “santo(s)” da casa, por vezes tão heregemente tratado pelos fiéis.
Na noite de ontem há que destacar naturalmente Petit como o homem do jogo. Pelo golo (terceiro numa semana, todos de fora da área), mas também pela combatividade com que enfrentou a sua difícil missão de, sem Katsouranis, se fazer multiplicar por dois na luta do meio campo. Simão também não desmereceu o seu estatuto à parte, realizando um bom jogo.
Por falar em estatuto, parece por vezes ser apenas dele que vive o “avançado” Nuno Gomes, que mesmo manifestando uma desastrada relação com a baliza – que falhanços incríveis, a roçar o ridículo…-, permanece intocável na titularidade do ataque. Miccoli também não está no seu melhor, mas ontem talvez se percebesse melhor a saída do português, mantendo Derlei ao lado do italiano no duo atacante - o Ninja tem sido obrigado a um trabalho que não é bem o que melhor se adapta às suas características, motivo pelo qual começa a ser injustamente questionado. Deficiente foi também a actuação de Anderson – onde está o central elegante e rigoroso da temporada passada ?
O árbitro perdoou uma grande penalidade ao Estrela, precisamente por falta sobre Nuno Gomes, numa fase do jogo em que as consequências podiam ser tremendas em termos de jogo, de classificação e de campeonato. Esse momento mancha indelevelmente uma actuação globalmente positiva.
Pontuações: Moretto 3, Nelson 3, Anderson 2, David Luíz 3, Léo 3, Petit 4, Karagounis 3, Simão 4, Nuno Gomes 1, Miccoli 3, Derlei 2, João Coimbra 3, Mantorras – e Paulo Jorge -.
Melhor em campo: Petit.

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