JOGOS PARA A ETERNIDADE (4) - Sporting-Benfica / 1994
13 de Maio de 1994 – Estádio José Alvalade.
O derby de Lisboa entre Benfica e Sporting é sem dúvida o jogo mais tradicional do futebol português. A rivalidade de Benfica e F.C.Porto tem sido de há três décadas para cá bem maior e mais doentia do que alguma outra, mas a tradição será sempre a tradição e nada como um bom de um Benfica-Sporting para a redesenhar de cada vez que as camisolas encarnadas se misturam com as verde e brancas nos relvados. É assim em Portugal, é assim também em Espanha com o Real e Atlético em Madrid, em Itália com o A. C. Milan e o Inter em Milão, e onde quer que dois clubes da mesma cidade – no caso praticamente da mesma rua – se encontrem.
Ainda recordo o tempo em que todas as mesas de matraquilhos – jogo que me é muito querido – tinham Benfica e Sporting como protagonistas, antes ainda do F.C.Porto tomar o lugar dos leões em muitas delas, espelho da sua ascensão ao segundo lugar da hierarquia de títulos nacionais, e de seus feitos europeus em nada menores que os que o Benfica havia conseguido na década de sessenta.
Os dois grandes de Lisboa eram então os baluartes, não só do futebol, mas de quase todas as modalidades desportivas que se disputavam no país, do hóquei ao ciclismo, do basquete ao voleibol, do atletismo ao ténis de mesa, do andebol ao râguebi – e que pena é que os leões tenham abandonado o seu outrora tão proclamado ecletismo, que tantos títulos de carácter nacional e internacional lhes valeu.
Foram décadas e décadas de acesa disputa, que mais do que desportiva era também em de algum modo de âmbito social, com os mais abastados predominantemente ligados ao Sporting e os desfavorecidos torcendo naturalmente por um Benfica da cor do seu sangue.
Não espanta por isso que muitos Benficas-Sportingues tenham entrado como lendas para a história do desporto nacional e perdurem inesquecíveis em todos aqueles que de uma ou outra forma os vivenciaram.
De entre todo um conjunto de momentos épicos protagonizados pelos dois clubes, há dois derbys que, se me permitem, poderei considerar o pai e a mãe de todos os derbys nacionais. Disputaram-se ambos em Alvalade, com uma vitória para cada lado, e constituem momentos que os adeptos não se cansam de recordar: os 7-1 para o Sporting de 1986 e o 3-6 para o Benfica de 1994, este último com a particularidade de ter valido um importante título.
Deixo as recordações do jogo dos 7-1 para os sportinguistas que eventualmente o queiram comentar, pois prefiro naturalmente lembrar o sublime jogo dos 3-6, o qual aliás, também por ter sido há menos tempo, me permite recordações mais vivas.
Lamentavelmente não pude estar presente no estádio nessa tarde de Maio de 1994. Embora já acompanhasse o Benfica com bastante frequência, foi se a memória não me atraiçoa, por não ter conseguido bilhetes que faltei a essa determinante partida – à semelhança do que aconteceu, por exemplo, na final da Taça de Portugal de 2004 que marcou o regresso do Benfica aos títulos depois de um prolongado jejum.
Vi o jogo numa televisão de 33 cm e a preto e branco em casa de um colega de lides universitárias, por sinal sportinguista, o que deu também acrescida peculiaridade à situação.
Essa temporada foi inesquecível. O defeso anterior ficou conhecido como o “verão quente” (em alusão ao período revolucionário que o país viveu em 1975), pois foi marcado pelas rescisões unilaterais dos contratos de Paulo Sousa e Pacheco, que alegando salários em atraso na Luz rumaram até Alvalade. Falou-se ainda de Rui Costa, Vítor Paneira, Isaías, Hélder e Neno como tendo sido aliciados pelo Sporting a seguirem o mesmo caminho, embora acabassem por permanecer de águia ao peito. João Vieira Pinto, o melhor jogador português da altura, chegou mesmo a rescindir o contrato sendo contudo resgatado in-extremis pelo então presidente e recentemente falecido Jorge de Brito em Torremolinos, quando tinha tudo acertado com o Sporting para jogar em Alvalade. Um contrato amplamente melhorado manteve-o na Luz, mas longe estávamos ainda de saber a importância que esse momento teria no desenrolar da época.
Como se pode imaginar, as relações entre Benfica e Sporting azedaram bastante e gerou-se um clima de grande tensão, o que acabou paradoxalmente por favorecer o clube da Luz, pois os orientados de Toni fizeram deste campeonato a causa de uma vida e lutaram como nunca para resgatar o seu orgulho, tão ferido que fora meses antes.
O Sporting construíra uma grande equipa juntando os ex-benfiquistas aos campeões do mundo de juniores Luís Figo, Peixe, Capucho, Nelson, Amaral, Filipe e Paulo Torres, além de jogadores mais experientes como os internacionais Balakov, Cadete, Valckx e Juskowiak. Todavia o Benfica, mesmo privado de Paulo Sousa e Pacheco, para além da venda de Paulo Futre ao Marselha, tinha um plantel ainda mais poderoso. Aos jogadores atrás referidos juntavam-se ainda o central brasileiro Mozer, os também brasileiros William e Ailton, os portugueses Abel Xavier, Veloso e Kenedy, o sueco Stefan Schwarz e os polémicos mas categorizados russos Yuran, Kulkov e Mostovoi. A equipa benfiquista faria nesta temporada alguns dos jogos mais espectaculares da história do clube, como este que agora se recorda, ou um outro em Leverkusen (4-4) para a Taça das Taças cuja evocação ficará para uma próxima oportunidade.
O F.C.Porto falhara rotundamente no regresso de Ivic ao clube, e logo na primeira volta perdeu vários pontos que o deixaram, sobretudo após perder na Luz na primeira jornada da segunda volta, praticamente arredado do título. A luta cedo ficou portanto resumida aos dois rivais lisboetas.
O Sporting, depois de um início muito forte, veria um dos seus principais jogadores, o jovem russo Cherbakov, ficar paraplégico na sequência de um dramático acidente de viação nocturno. Na semana anterior (julgo que já em Dezembro), o impulsivo presidente despedira o conceituado técnico inglês Bobby Robson devido ao afastamento das provas europeias após uma derrota por 0-3 em Salzburgo. Robson iria para o F.C.Porto, onde terminou bem a época vencendo a taça e alcançando inclusive o segundo lugar do campeonato, vindo a ser campeão logo na época seguinte. Para Alvalade seguiu o Professor Carlos Queiroz, técnico bi-campeão mundial de sub-20 (selecção onde orientara muitos dos jogadores do Sporting), e à data com um prestígio no país quase equivalente ao que hoje detém José Mourinho.
Pouco depois da estreia do novo técnico o Sporting joga na Luz em vésperas de natal, mas depois de Figo abrir o marcador, o Benfica consegue a reviravolta na segunda parte com golos de Yuran e Isaías, assumindo o comando isolado do campeonato.
As duas equipas foram prosseguindo a sua caminhada, com o Sporting sempre bem próximo do rival, até que uma semana antes do derby da segunda volta o Benfica empata em casa com o Estrela da Amadora e fica com apenas um ponto de vantagem sobre o Sporting, que no mesmo dia ganha exuberantemente em Aveiro por 0-4. Os leões apresentavam-se nessa fase em grande forma, ao contrário do Benfica que evidenciava uma quebra resultante do desgaste que as provas europeias – onde chegou às meias finais da Taça das Taças, perdendo então com o poderoso Parma.
Eis-nos então chegados a Alvalade, a essa tarde de 13 de Maio em que tudo se decidia.
Faltavam apenas mais quatro jornadas para terminar a prova e, assim sendo, quem vencesse ficaria com o caminho aberto para o título.
Não se tratava de um qualquer título. Era talvez o título nacional mais importante da história do Benfica até então. Era o título do orgulho resgatado, depois de quase se assistir ao desmantelamento da equipa e do próprio clube, que continuava mergulhado num mar de dívidas e dificuldades organizativas diversas. Por outro lado, o Sporting não vencia qualquer prova havia doze anos. Era aquilo a que se pode chamar um jogo de vida ou de morte, e logo entre os eternos rivais.
A tarde estava chuvosa e o estádio a abarrotar. Recordo que até o pontapé de saída foi rodeado de suspense, com o árbitro (o recentemente falecido Vítor Correia) a mandá-lo repetir.
As equipas alinhavam da seguinte forma:
Sporting – Lemajic, Nelson, Valckx, Vujacic, Paulo Torres, Paulo Sousa, Capucho, Figo, Balakov, Cadete e Iordanov.
Benfica – Neno, Veloso, Mozer, Hélder, Kenedy, Abel Xavier, Vítor Paneira, Schwarz, Isaías, João Pinto e Ailton.
Os grandes ausentes eram Peixe e Juskowiak castigados no Sporting e Rui Costa no Benfica por opção de Toni. Foi talvez a única vez que Rui Costa ficou no banco em toda a época, o que se entendeu pelo facto de o então jovem jogador atravessar uma fase de grande desgaste físico.
O Sporting entrou de forma avassaladora, dominando completamente a primeira meia hora de jogo. Logo aos 10 minutos, Jorge Cadete corresponde a um cruzamento e bate de cabeça o guardião Neno abrindo o activo. Pouco depois nova oportunidade desta vez desperdiçada por Iordanov. O Benfica mal respira e teme-se o pior. Alvalade ferve de euforia.
Aos 25 minutos de jogo surge João Vieira Pinto, que dá nesse momento início à mais memorável exibição da sua carreira, e a um dos desempenhos individualmente mais bem conseguidos da história do futebol luso. O jovem avançado ganha um ressalto a Paulo Sousa, rodopia e estoira desde 30 metros de distância batendo inapelavelmente um impotente Lemajic. Contra a corrente do jogo o Benfica restabelecia a igualdade.
Foi sol de pouca dura, pois alguns minutos mais tarde, na sequência de um canto, Luís Figo, novamente de cabeça, faz o segundo golo dos da casa, devolvendo a loucura às bancadas de Alvalade.
Mas João Pinto parece cada vez mais decidido a entrar para a história, e pouco depois, num extraordinário lance individual em que dribla dois defesas sportinguistas já no interior da área, atira mais uma vez fora do alcance do guardião jugoslavo. 2-2 num jogo cada vez mais empolgante.
A um minuto do intervalo, num livre estudado Vítor Paneira desmarca-se e cruza para a área onde Isaías ganha de cabeça, e novamente João Pinto, também de cabeça, faz um inacreditável hat-trick, dando vantagem ao Benfica ainda na primeira parte, poucos minutos depois dos encarnados parecerem estar à beira do KO.
Ao intervalo de um jogo de loucos, com o resultado ainda completamente em aberto, Carlos Queiroz faz uma substituição suicida, retirando o lateral esquerdo Paulo Torres e colocando o extremo Pacheco em campo. O Benfica, mais experiente, saberia a partir daí ganhar definitivamente vantagem no jogo, marcando todos os restantes golos por esse flanco.
Logo nos primeiros minutos do segundo período, Vítor Paneira escapa-se a Paulo Sousa, cruza para a área, João Pinto salta por cima da bola , que sobra para Isaías isolado que fuzila Lemajic fazendo o 2-4. Começava-se nesse momento a ver o fundo do tacho deste jogo, pois pela primeira vez, e já na segunda parte, uma das equipas ganhava vantagem de dois golos.
Por volta do quarto de hora, João Pinto dá ainda mais brilho à sua prestação com uma jogada individual extraordinária, que culmina com um drible sobre Paulo Sousa já dentro da área (perfeita metáfora de tudo o que significara essa temporada), e um passe soberbo a isolar novamente Isaías que bisa no jogo elevando o resultado para 2-5. Os adeptos leoninos não queriam acreditar. A festa era agora claramente do Benfica, que se sentia à beira do mais importante título nacional até a esse momento.
Já em clima de festival benfiquista, e já com Rui Costa em campo, mais uma vez Vítor Paneira, mais uma vez pela direita do ataque encarnado, cruza para a entrada da área onde Hélder, em acção ofensiva, remata em vólei para o 2-6 que cada vez mais assumia a natureza de escândalo. Era a hipótese de vingar os 7-1 ali mesmo sofridos oito anos antes.
João Pinto entretanto era substituído, ficando a imagem do aperto de mão que Carlos Queiroz, seu treinador nos sub-20, lhe fez questão de dar, como sinal do reconhecimento do seu fenomenal trabalho nessa tarde.
O Sporting, num último assomo de dignidade, ainda reduziu por Balakov de penálti, mas o título estava entregue.
No dia seguinte “A Bola” titulava “Céus ! 6-3 em Alvalade; Benfica sublime, empolgante e aterrador”, e atribuía pela única vez na sua história a nota 10 a João Vieira Pinto, que com uma exibição eusebiana garantira a vitória e o título para os encarnados.
Naturalmente a festa pelo país fora durou até às tantas.
Na semana seguinte o Benfica selava em Braga a conquista matemática do campeonato, mas foi nesse 13 de Maio que a “aparição” João Pinto dizimou o Sporting (onde viria ainda a jogar) e resolveu a questão.
Inesquecível !
O derby de Lisboa entre Benfica e Sporting é sem dúvida o jogo mais tradicional do futebol português. A rivalidade de Benfica e F.C.Porto tem sido de há três décadas para cá bem maior e mais doentia do que alguma outra, mas a tradição será sempre a tradição e nada como um bom de um Benfica-Sporting para a redesenhar de cada vez que as camisolas encarnadas se misturam com as verde e brancas nos relvados. É assim em Portugal, é assim também em Espanha com o Real e Atlético em Madrid, em Itália com o A. C. Milan e o Inter em Milão, e onde quer que dois clubes da mesma cidade – no caso praticamente da mesma rua – se encontrem.
Ainda recordo o tempo em que todas as mesas de matraquilhos – jogo que me é muito querido – tinham Benfica e Sporting como protagonistas, antes ainda do F.C.Porto tomar o lugar dos leões em muitas delas, espelho da sua ascensão ao segundo lugar da hierarquia de títulos nacionais, e de seus feitos europeus em nada menores que os que o Benfica havia conseguido na década de sessenta.
Os dois grandes de Lisboa eram então os baluartes, não só do futebol, mas de quase todas as modalidades desportivas que se disputavam no país, do hóquei ao ciclismo, do basquete ao voleibol, do atletismo ao ténis de mesa, do andebol ao râguebi – e que pena é que os leões tenham abandonado o seu outrora tão proclamado ecletismo, que tantos títulos de carácter nacional e internacional lhes valeu.
Foram décadas e décadas de acesa disputa, que mais do que desportiva era também em de algum modo de âmbito social, com os mais abastados predominantemente ligados ao Sporting e os desfavorecidos torcendo naturalmente por um Benfica da cor do seu sangue.
Não espanta por isso que muitos Benficas-Sportingues tenham entrado como lendas para a história do desporto nacional e perdurem inesquecíveis em todos aqueles que de uma ou outra forma os vivenciaram.
De entre todo um conjunto de momentos épicos protagonizados pelos dois clubes, há dois derbys que, se me permitem, poderei considerar o pai e a mãe de todos os derbys nacionais. Disputaram-se ambos em Alvalade, com uma vitória para cada lado, e constituem momentos que os adeptos não se cansam de recordar: os 7-1 para o Sporting de 1986 e o 3-6 para o Benfica de 1994, este último com a particularidade de ter valido um importante título.
Deixo as recordações do jogo dos 7-1 para os sportinguistas que eventualmente o queiram comentar, pois prefiro naturalmente lembrar o sublime jogo dos 3-6, o qual aliás, também por ter sido há menos tempo, me permite recordações mais vivas.
Lamentavelmente não pude estar presente no estádio nessa tarde de Maio de 1994. Embora já acompanhasse o Benfica com bastante frequência, foi se a memória não me atraiçoa, por não ter conseguido bilhetes que faltei a essa determinante partida – à semelhança do que aconteceu, por exemplo, na final da Taça de Portugal de 2004 que marcou o regresso do Benfica aos títulos depois de um prolongado jejum.
Vi o jogo numa televisão de 33 cm e a preto e branco em casa de um colega de lides universitárias, por sinal sportinguista, o que deu também acrescida peculiaridade à situação.
Essa temporada foi inesquecível. O defeso anterior ficou conhecido como o “verão quente” (em alusão ao período revolucionário que o país viveu em 1975), pois foi marcado pelas rescisões unilaterais dos contratos de Paulo Sousa e Pacheco, que alegando salários em atraso na Luz rumaram até Alvalade. Falou-se ainda de Rui Costa, Vítor Paneira, Isaías, Hélder e Neno como tendo sido aliciados pelo Sporting a seguirem o mesmo caminho, embora acabassem por permanecer de águia ao peito. João Vieira Pinto, o melhor jogador português da altura, chegou mesmo a rescindir o contrato sendo contudo resgatado in-extremis pelo então presidente e recentemente falecido Jorge de Brito em Torremolinos, quando tinha tudo acertado com o Sporting para jogar em Alvalade. Um contrato amplamente melhorado manteve-o na Luz, mas longe estávamos ainda de saber a importância que esse momento teria no desenrolar da época.
Como se pode imaginar, as relações entre Benfica e Sporting azedaram bastante e gerou-se um clima de grande tensão, o que acabou paradoxalmente por favorecer o clube da Luz, pois os orientados de Toni fizeram deste campeonato a causa de uma vida e lutaram como nunca para resgatar o seu orgulho, tão ferido que fora meses antes.
O Sporting construíra uma grande equipa juntando os ex-benfiquistas aos campeões do mundo de juniores Luís Figo, Peixe, Capucho, Nelson, Amaral, Filipe e Paulo Torres, além de jogadores mais experientes como os internacionais Balakov, Cadete, Valckx e Juskowiak. Todavia o Benfica, mesmo privado de Paulo Sousa e Pacheco, para além da venda de Paulo Futre ao Marselha, tinha um plantel ainda mais poderoso. Aos jogadores atrás referidos juntavam-se ainda o central brasileiro Mozer, os também brasileiros William e Ailton, os portugueses Abel Xavier, Veloso e Kenedy, o sueco Stefan Schwarz e os polémicos mas categorizados russos Yuran, Kulkov e Mostovoi. A equipa benfiquista faria nesta temporada alguns dos jogos mais espectaculares da história do clube, como este que agora se recorda, ou um outro em Leverkusen (4-4) para a Taça das Taças cuja evocação ficará para uma próxima oportunidade.
O F.C.Porto falhara rotundamente no regresso de Ivic ao clube, e logo na primeira volta perdeu vários pontos que o deixaram, sobretudo após perder na Luz na primeira jornada da segunda volta, praticamente arredado do título. A luta cedo ficou portanto resumida aos dois rivais lisboetas.
O Sporting, depois de um início muito forte, veria um dos seus principais jogadores, o jovem russo Cherbakov, ficar paraplégico na sequência de um dramático acidente de viação nocturno. Na semana anterior (julgo que já em Dezembro), o impulsivo presidente despedira o conceituado técnico inglês Bobby Robson devido ao afastamento das provas europeias após uma derrota por 0-3 em Salzburgo. Robson iria para o F.C.Porto, onde terminou bem a época vencendo a taça e alcançando inclusive o segundo lugar do campeonato, vindo a ser campeão logo na época seguinte. Para Alvalade seguiu o Professor Carlos Queiroz, técnico bi-campeão mundial de sub-20 (selecção onde orientara muitos dos jogadores do Sporting), e à data com um prestígio no país quase equivalente ao que hoje detém José Mourinho.
Pouco depois da estreia do novo técnico o Sporting joga na Luz em vésperas de natal, mas depois de Figo abrir o marcador, o Benfica consegue a reviravolta na segunda parte com golos de Yuran e Isaías, assumindo o comando isolado do campeonato.
As duas equipas foram prosseguindo a sua caminhada, com o Sporting sempre bem próximo do rival, até que uma semana antes do derby da segunda volta o Benfica empata em casa com o Estrela da Amadora e fica com apenas um ponto de vantagem sobre o Sporting, que no mesmo dia ganha exuberantemente em Aveiro por 0-4. Os leões apresentavam-se nessa fase em grande forma, ao contrário do Benfica que evidenciava uma quebra resultante do desgaste que as provas europeias – onde chegou às meias finais da Taça das Taças, perdendo então com o poderoso Parma.
Eis-nos então chegados a Alvalade, a essa tarde de 13 de Maio em que tudo se decidia.
Faltavam apenas mais quatro jornadas para terminar a prova e, assim sendo, quem vencesse ficaria com o caminho aberto para o título.
Não se tratava de um qualquer título. Era talvez o título nacional mais importante da história do Benfica até então. Era o título do orgulho resgatado, depois de quase se assistir ao desmantelamento da equipa e do próprio clube, que continuava mergulhado num mar de dívidas e dificuldades organizativas diversas. Por outro lado, o Sporting não vencia qualquer prova havia doze anos. Era aquilo a que se pode chamar um jogo de vida ou de morte, e logo entre os eternos rivais.
A tarde estava chuvosa e o estádio a abarrotar. Recordo que até o pontapé de saída foi rodeado de suspense, com o árbitro (o recentemente falecido Vítor Correia) a mandá-lo repetir.
As equipas alinhavam da seguinte forma:
Sporting – Lemajic, Nelson, Valckx, Vujacic, Paulo Torres, Paulo Sousa, Capucho, Figo, Balakov, Cadete e Iordanov.
Benfica – Neno, Veloso, Mozer, Hélder, Kenedy, Abel Xavier, Vítor Paneira, Schwarz, Isaías, João Pinto e Ailton.
Os grandes ausentes eram Peixe e Juskowiak castigados no Sporting e Rui Costa no Benfica por opção de Toni. Foi talvez a única vez que Rui Costa ficou no banco em toda a época, o que se entendeu pelo facto de o então jovem jogador atravessar uma fase de grande desgaste físico.
O Sporting entrou de forma avassaladora, dominando completamente a primeira meia hora de jogo. Logo aos 10 minutos, Jorge Cadete corresponde a um cruzamento e bate de cabeça o guardião Neno abrindo o activo. Pouco depois nova oportunidade desta vez desperdiçada por Iordanov. O Benfica mal respira e teme-se o pior. Alvalade ferve de euforia.
Aos 25 minutos de jogo surge João Vieira Pinto, que dá nesse momento início à mais memorável exibição da sua carreira, e a um dos desempenhos individualmente mais bem conseguidos da história do futebol luso. O jovem avançado ganha um ressalto a Paulo Sousa, rodopia e estoira desde 30 metros de distância batendo inapelavelmente um impotente Lemajic. Contra a corrente do jogo o Benfica restabelecia a igualdade.
Foi sol de pouca dura, pois alguns minutos mais tarde, na sequência de um canto, Luís Figo, novamente de cabeça, faz o segundo golo dos da casa, devolvendo a loucura às bancadas de Alvalade.
Mas João Pinto parece cada vez mais decidido a entrar para a história, e pouco depois, num extraordinário lance individual em que dribla dois defesas sportinguistas já no interior da área, atira mais uma vez fora do alcance do guardião jugoslavo. 2-2 num jogo cada vez mais empolgante.
A um minuto do intervalo, num livre estudado Vítor Paneira desmarca-se e cruza para a área onde Isaías ganha de cabeça, e novamente João Pinto, também de cabeça, faz um inacreditável hat-trick, dando vantagem ao Benfica ainda na primeira parte, poucos minutos depois dos encarnados parecerem estar à beira do KO.
Ao intervalo de um jogo de loucos, com o resultado ainda completamente em aberto, Carlos Queiroz faz uma substituição suicida, retirando o lateral esquerdo Paulo Torres e colocando o extremo Pacheco em campo. O Benfica, mais experiente, saberia a partir daí ganhar definitivamente vantagem no jogo, marcando todos os restantes golos por esse flanco.
Logo nos primeiros minutos do segundo período, Vítor Paneira escapa-se a Paulo Sousa, cruza para a área, João Pinto salta por cima da bola , que sobra para Isaías isolado que fuzila Lemajic fazendo o 2-4. Começava-se nesse momento a ver o fundo do tacho deste jogo, pois pela primeira vez, e já na segunda parte, uma das equipas ganhava vantagem de dois golos.
Por volta do quarto de hora, João Pinto dá ainda mais brilho à sua prestação com uma jogada individual extraordinária, que culmina com um drible sobre Paulo Sousa já dentro da área (perfeita metáfora de tudo o que significara essa temporada), e um passe soberbo a isolar novamente Isaías que bisa no jogo elevando o resultado para 2-5. Os adeptos leoninos não queriam acreditar. A festa era agora claramente do Benfica, que se sentia à beira do mais importante título nacional até a esse momento.
Já em clima de festival benfiquista, e já com Rui Costa em campo, mais uma vez Vítor Paneira, mais uma vez pela direita do ataque encarnado, cruza para a entrada da área onde Hélder, em acção ofensiva, remata em vólei para o 2-6 que cada vez mais assumia a natureza de escândalo. Era a hipótese de vingar os 7-1 ali mesmo sofridos oito anos antes.
João Pinto entretanto era substituído, ficando a imagem do aperto de mão que Carlos Queiroz, seu treinador nos sub-20, lhe fez questão de dar, como sinal do reconhecimento do seu fenomenal trabalho nessa tarde.
O Sporting, num último assomo de dignidade, ainda reduziu por Balakov de penálti, mas o título estava entregue.
No dia seguinte “A Bola” titulava “Céus ! 6-3 em Alvalade; Benfica sublime, empolgante e aterrador”, e atribuía pela única vez na sua história a nota 10 a João Vieira Pinto, que com uma exibição eusebiana garantira a vitória e o título para os encarnados.
Naturalmente a festa pelo país fora durou até às tantas.
Na semana seguinte o Benfica selava em Braga a conquista matemática do campeonato, mas foi nesse 13 de Maio que a “aparição” João Pinto dizimou o Sporting (onde viria ainda a jogar) e resolveu a questão.
Inesquecível !
7 comentários:
Nessa altura, tal como há 2 anos, arranjam-se sempre uns castigos para o Sporting. Quem não se lembra do pontapé na bola do Liedson junto à linha final que lhe valeu a ausência do derby que deu o titulo ao Benfiaca. O castigo foi anunciado durante toda a semana que antecedeu o jogo e veio mesmo a concretizar-se, coincidencias do futebol português. O Peixe e Juskowiak eram nessa altura jogadores fundamentais.
Uma única nota para a forma extremamente ingrata como os benfiquistas tratam aquele que che gou a ser o “menino de ouro”.
Quanto ao primeiro aspecto não estou de acordo.
Liedson é que fez por merecer o amarelo, numa altura em que renegociava contrato com o Sporting, e queria ser transferido para outro país.
Burrice ou intenção, a verdade é que o amarelo foi indiscutível, e só por clubismo se pode considerar o contrário.
Do caso de Peixe , com franqueza, não me lembro em rigor. Só sei que foi contra o F.C.Porto nas Antas, onde foram ambos expulsos. O polaco Juskowiak acho que levou o vermelho numa entrada violenta sem bola junto à linha lateral.
Quanto a João Pinto sou obrigado a admitir que tens toda a razão.
De facto tem sido injustamente assobiado sempre que vai à Luz, quando ele nem sequer queria ter saído do clube, tendo sido empurrado por Vale e Azevedo.
Seja como for, está na história do Benfica por essa e outras vitórias.
quando veio a alvalade agora, foi aplaudido...
Mas em Alvalade também assobiaram o Quaresma, que foi campeão no Sporting.
Mas reconheço que o João Pinto, tendo estado vários anos no Benfica e atingindo lá eventualmente o seu ponto alto, merecia outro tratamento.
Estou convencido de que, quando deixar de jogar, isso irá acontecer.
Há também que lembrar que os adeptos por vezes tentam apenas desestabilizar os jogadores adversários e enervá-los para não renderem, apesar de poderem ter admiração por eles (exemplo: Cristiano Ronaldo).
Há também que lembrar que se no estádio da Luz estiverem 2.000 pessoas a assobiar, mesmo que as restantes 63.000 estejam caladas, dá por vezes a sensação de que todos estão a assobiar, o que não corresponde à verdade.
Isso acontece até com os próprios jogadores e treinadores do Benfica...
Olá,sou do Sporting recordo-me bem desse jogo e da euforia que ele provocou durante toda a semana no País,antes do jgo foram muitas as apostas por esse país fora,mas se bem me lembro Sporting foi roubadissimo nas antas num jogo a que assisti e em que o sporting acabou com 8,caso ai tivesse ganho talvez tivesse sido campeão,mas pronto foi um grande dia para o benfica,como o tinha sido para o sporting os sete a um e quer se quira quer não bem mais disnivelado pelo dobro(diferença de 6+ a favor dos leões,contra 3 de diferença a favor das aguias em 94),ficamos em o titulo,mas em 85/86 fomos á luz na penultima jornada tirar um titulo já cantado pelo benfica com uma vitória inesperada por 2/1 e demos o titulo ao posto.
Esse jogo dos 6-3 foi cientificamente preparado! Para começar, o jogo das Antas era da 8ª Jornada e foi adiado por causa das selecções de sub-21 para antes do jogo com o Benfica.Depois, a Valente (que canalha...)arbitragem das Antas fez o SCP ter de ganhar ao Benfica e ainda perdeu Peixe (JVP tinha feito o mesmo?)e Juskowiak para o jogo dos 6-3, jogadores essenciais naquele Sporting!Juskowiak foi expulso por uma suposta agressão (foi pouco mais que um chega para lá, sem grande gravidade) depois de ter sido barbaramente agredido numa entrada brutal por Paulinho Santos nas barbas do águia de ouro Valente (falar nesta criatura dá-me vontade de vomitar...)!Peixe foi expulso por causa de um empurrão junto da linha lateral (empurrão duro, mas chamar aquilo agressão só por anedota).Este foi o derby mais sujo de sempre e o campeão mais sujo da historia do futebol português!Quanto ao Liedson há 2 anos, o amarelo está de acordo com as regras tanto como as palavras do Simão no jogo anterior ao Sporting (que o Benfica perdeu...) se não me engano em Penafiel (ou Vila do Conde), palavras essas ditas na cara do arbitro e em que o movimento dos labios na TV não enganam (abstenho-me aqui de reproduzir essas doces palavras...).O Simão foi expulso como ditam as regras? Não!As regras só eram aplicáveis ao Liedson!
Na semana seguinte o Benfica selava em Braga a conquista matemática do campeonato
Errado. Na semana seguinte, o Benfica ganhou 1-0 (Rui Costa) ao união da madeira e ficou com a possibilidade de se sagrar campeão na jornada seguinte frente a o gil vicente. Jogo que teve lugar em Braga
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