Não advogo precipitações em nenhum aspecto da vida. Nem experiências de risco perante situações desconhecidas. Mudar, no meu ponto de vista, pressupõe saber muito bem para onde ir.
Era bom que a multidão de benfiquistas que defende a substituição da equipa técnica (sim, reconheço que a maioria quer ver Roger Schmidt pelas costas), soubesse bem qual o caminho a seguir depois, e ponderasse se pretende uma mudança de paradigma futebolístico (eu tenderia a concordar com um maior investimento em músculo que em talento, capaz de transformar um grupo de bailarinos num carro de combate; e privilegiar uma defesa rigorosa em vez de um ataque empolgante, mas não me parece que seja esta a opinião maioritária entre os sócios), ou simplesmente mudar a pessoa - se for para isso, não me parece que valha a pena, até porque a contestação de que tem sido alvo Schmidt, foi a mesma que, nos últimos anos, liquidou Rui Vitória, Bruno Lage e Jorge Jesus, todos eles campeões de águia ao peito, todos eles empurrados por circunstâncias que, a não serem sanadas, voltarão a repetir-se. E esse é um aspecto sobre o qual importa reflectir.
Vejamos o quadro resumo de Roger Schmidt nas suas duas temporadas na Luz:
Ou seja, Schmidt venceu duas competições, foi afastado de outras três no desempate por penáltis, de uma por erros de arbitragem e de uma outra sem perder qualquer jogo. Chegou sempre aos quartos-de-final das provas europeias. Além disso apostou em António Silva e João Neves, resgatou Florentino das catacumbas dos empréstimos, tem vindo a lançar Tiago Gouveia e Tomás Araújo, e já colocou também em campo Samuel Soares, Gustavo Marques, Diogo Spencer e João Rêgo. Foi com Roger Schmidt que jogadores como Grimaldo, João Mário ou Rafa tiveram o seu melhor rendimento. Valorizou Enzo Fernandez e Gonçalo Ramos até níveis elevadíssimos. O balanço global não me parece nada mau.
Vejamos agora outros dados estatísticos de relevo. Por exemplo, Schmidt é o 2º treinador do Benfica com maior percentagem de vitórias no campeonato, só atrás de Jimmy Hagan (dados desde 1970):
Notável.
O técnico alemão é também o 3º de sempre com maior número de vitórias nas competições europeias, só atrás de Jorge Jesus e Sven Goran Eriksson, e 5º de sempre com maior número de vitórias na Liga dos Campeões::
É igualmente o 3º de sempre com maior percentagem de vitórias nas competições europeias, só atrás de Guttmann e Eriksson, e mantém o 3º lugar se considerarmos apenas a Liga dos Campeões (nestes parâmetros o facto de actualmente haver mais jogos fica dissipado):
Lembremos agora todas as derrotas e empates de Schmidt no Benfica, nestas duas temporadas:
Partindo do pressuposto que na Europa qualquer resultado é possível, e que, nesse plano, ninguém pode acusar Schmidt de incumprir expectativas, vamos pois resumir os dados às competições domésticas:
Vemos que, em casa, em dois anos, o alemão só perdeu um jogo doméstico (com o FC Porto), e empatou quatro (dois deles com o Sporting). Fora de casa, para as provas nacionais, perdeu com FC Porto, Sporting duas vezes, Braga, e também com...Chaves, Boavista e Famalicão.
Em termos nacionais, os resultados verdadeiramente maus, além da derrota por 5-0 no Dragão (mais pelos números do que pela derrota em si, infelizmente tantas vezes repetida no passado), foram somente os desaires de Chaves, Bessa e Famalicão, e os empates caseiros com Casa Pia e Farense (um na temporada passada, quatro na corrente). Cinco resultados, portanto. Tudo o resto poderá considerar-se minimamente aceitável, sendo que, quanto a exibições, houve de tudo.
É de notar que as partidas com o Boavista e o Farense foram marcadas por grande infelicidade. No Bessa os encarnados cedo se viram em inferioridade numérica, e sofreram o golo decisivo no último lance do jogo; com o Farense criaram inúmeras oportunidades e não conseguiram vencer. Já em Chaves, na temporada anterior, além do golo da derrota surgir igualmente no derradeiro lance da partida, o mesmo foi antecedido de uma grande penalidade por assinalar sobre Otamendi. É preciso ter memória, e lembrarmo-nos como as coisas foram acontecendo, para não sermos injustos.
Note-se que, nesta época, mesmo se tivesse vencido em Famalicão, bem como os jogos da Luz com Casa Pia e Farense, a pontuação não chegaria, ainda assim, para alcançar o título. Há que entender os números, e perceber a força relativa dos adversários (e o Sporting fez um campeonato absolutamente extraordinário).
Perante tudo isto, mudar de treinador? Talvez sim, desde que seja José Mourinho ou melhor, e essa mudança configure uma alteração do paradigma de futebol do clube - como referi acima.
Mudar por mudar (ou só pelas substituições, ou só pelas conferências de imprensa) não me parece boa ideia. E além de Mourinho, não vejo outro técnico que dê algumas garantias e esteja ao alcance do Benfica.
Quem defende uma mudança, devia pois dizer desde logo o que quer depois, e porquê. Caso contrário estamos a cair num folclore populista que tem tudo para correr mal.
E se Schmidt ficar e os resultados não aparecerem no início da próxima época? A contestação tornar-se-ia insuportável, provavelmente exigiria uma "chicotada psicológica", e podia comprometer a época. Pergunto eu: e se as coisas também correrem mal ao novo treinador? Faz-se o quê? Despede-se o novo também? E depois, contrata-se quem? Deita-se o clube abaixo?
Enfim, tudo isto somado a 20 milhões de euros deixa-me muitas dúvidas. Mais dúvidas do que certezas.
Precisava de saber, por exemplo, quem indicou Jurasek, Kokçu e Arthur Cabral (só aqui estão 60M) para opinar com algum rigor, pois penso que dessas apostas resultaram grande parte dos problemas do Benfica na temporada (sobretudo no caso do lateral-esquerdo e do ponta-de-lança, posições que ficaram basicamente a descoberto, e obrigaram a constantes reinvenções tácticas). Precisava também de saber se o balneário está com o treinador ou não. Precisava ainda de conhecer melhor os motivos que levaram às abruptas quebras de rendimento do futebol benfiquista com Rui Vitória, Bruno Lage e Jorge Jesus - sobretudo na estranhíssima segunda volta da temporada de 2019-20, quando a uma sequência de 36 vitórias em 38 jogos, com a mesma equipa e o mesmo treinador, se seguiu um ciclo de apenas duas vitórias em dez jogos, que meteu penáltis falhados, exibições estranhas e até apedrejamento de autocarros, série que custou um título que parecia mais ou menos assegurado. Embora não me tenha cansado de escrever sobre o assunto, nunca ficou claro o que efectivamente se passou.
Sem esses dados não posso, em consciência, exprimir uma opinião definitiva sobre Roger Schmidt. Vítima ou culpado? Pois não sei.
Que não é um treinador perfeito, isso é óbvio. Mas...quem são os treinadores perfeitos? Guardiola? Ancelotti? Podem vir para o Benfica? Se pudessem, eu próprio ia recebê-los ao aeroporto com flores. Infelizmente o futebol português navega noutros mercados.
A verdade é que em dois anos Schmidt ganhou um campeonato. Tomara todos os treinadores do Benfica, e não só, ganharem metade dos campeonatos que disputam.
Se deve ficar ou não, cabe a Rui Costa decidir. Se ficar, será o meu treinador. Se vier outro, que seja para melhor. Espero, sobretudo, que a decisão não seja tomada em função do ruído exterior.
Os adeptos podem, e devem, ter opiniões, mas não servem para escolher treinadores. Escolhem presidentes, e fazem a sua avaliação no fim dos mandatos.