CALDEIRÃO DE EMOÇÕES
Nem sempre as grandes exibições, ou as goleadas, garantem o efeito anímico equivalente ao de uma vitória conseguida no último segundo, após uma reviravolta sensacional e só ao alcance de jogadores hiper-confiantes. Foi o caso deste jogo com o Marítimo, em que a equipa encarnada mostrou o carácter de grande campeã, respondendo nos instantes finais, de forma esmagadora, às vicissitudes de um jogo que nem sempre lhe correu de feição.Vencer um jogo aos 94 minutos é algo que, para além de lançar o grupo de trabalho e os adeptos num clima de total euforia, enerva e fere profundamente os rivais. A esta hora, André Villas-Boas e o seu adjunto devem estar frustrados (utilizando as suas próprias palavras), ao ver que as jornadas passam e não conseguem libertar-se do fantasma que os persegue. Quando Djalma marcou o golo madeirense terão pensado que era desta. Debalde. O Benfica está fortíssimo, resiste a tudo, e com 55 mil pessoas nas bancadas a apoiar incessantemente ainda encontrou forças nas pernas e na alma para chegar à 17ª vitória consecutiva, mantendo um registo cem por cento vitorioso no ano de 2011.
Sabemos que não há campeões morais. Mas deveriam existir campeões da seriedade, e ao recordarmos as origens da desvantagem pontual que a classificação do campeonato ainda reflecte, não podemos deixar de atribuir essa menção ao conjunto de Jorge Jesus. Tal não irá contar para as estatísticas oficiais, mas deve ao menos servir para reforçar o orgulho que esta equipa merece da parte dos benfiquistas, que nunca poderão esquecer porque motivo ela está apenas em segundo lugar numa competição que deveria, com justiça, liderar. Ganhar jogos sucessivamente, encher estádios, deslumbrar adeptos, impressionar críticos, mostrar um carácter ímpar, também é, de algum modo, ser campeão, e se forças externas conseguirem tirar este título ao Benfica (como parece poder vir a acontecer), ninguém poderá acusá-lo de não o saber defender. O Benfica tem sabido manter o seu título, tem sabido jogar e ganhar como um campeão, e se continuar nesta senda até ao fim, o campeonato 2010-2011 entrará para a história do futebol português como um dos mais injustos de sempre.
Uma vez mais não me apetece destacar individualmente qualquer jogador do Benfica. Diria mesmo que nem me apetece destacar a equipa de futebol do Benfica de todos os 55 mil adeptos que se deslocaram à Luz. Como Jesus bem disse, foi a simbiose entre relvado e bancadas que permitiu o suplemento de alma necessário a uma vitória sofrida, mas muito, muito, saborosa.O árbitro esteve bem ao anular o golo a Luisão (Cardozo parece efectivamente carregar o guarda-redes adversário), mas esteve mal ao não conceder o penálti naquele corte com a mão ainda na primeira parte. O jogo poderia ter sido mais fácil, mas, já tranquilamente em casa, confesso que gostei mais assim.
Exibição de gala, triunfo incontestável, eliminatória tranquilamente ultrapassada, ponto final na malapata germânica, 16ª vitória consecutiva, prestígio reforçado. O que mais poderia desejar o Benfica desta quinta-feira europeia?
Esta vitória e esta exibição (porventura a melhor da época, e uma das melhores a nível internacional nos últimos anos) enchem de alegria a nação benfiquista, e reforçam a confiança numa temporada que pode ainda vir a ser histórica. A jogar assim todos os sonhos são possíveis, inclusivamente o de voltar, quase cinquenta anos depois, a erguer uma taça europeia.
Com um resultado natural, e uma diferença de capacidades eloquentemente expressa ao longo dos noventa minutos, pode dizer-se que o dérbi de Alvalade seguiu à risca o guião previamente anunciado.
Não se viu, como disse, uma grande exibição do Benfica. A equipa teve apontamentos de classe, mostrou-se eficaz no processo defensivo e nas transições ofensivas, mas a espaços evidenciou algumas dificuldades nas transições defensivas (aqueles dois contra-ataques após pontapés de canto a favor, e já em vantagem no marcador, não se poderão repetir, por exemplo, na Alemanha). É impossível especular sobre que segunda parte teríamos visto se estivessem em campo os onze jogadores encarnados. A que se viu mostrou um bloco mais retraído, e suficientemente eficaz face a um adversário que não tinha argumentos técnicos nem físicos para importunar a baliza de Roberto. Este Sporting é totalmente inexistente no jogo aéreo, e grande parte dos seus jogadores executa de forma lenta e denunciada, o que favorece qualquer linha defensiva. Frente ao Estugarda o Benfica terá outro tipo de problemas pela frente. Esperemos que lhes saiba dar, também, diferentes respostas.



Diga-se também, em nome da justiça, que não fosse um fantástico guarda-redes germânico, e não fosse um árbitro holandês, o resultado teria sido mais amplo. O que o Benfica fez na segunda parte chegaria, em condições normais, para marcar mais do que dois golos, e mesmo no final da primeira poderia (e deveria) ter, desde logo, empatado a partida. Na segunda parte, Ulreich abriu o livro, mostrando todos os atributos da fantástica escola alemã de guarda-redes. Na primeira, Eric Bramaar não quis ver uma falta sobre Fábio Coentrão, que poderia ter aberto a porta a uma recuperação mais precoce, e, consequentemente, mais completa.
De tudo isto ficou uma noite de gala, ao nível do melhor que a modalidade pode proporcionar. Aliás, tenho para mim que é justamente na fase eliminatória da Liga dos Campeões que se vê o melhor futebol do mundo (superior a Campeonatos da Europa, Campeonatos do Mundo, e às próprias finais europeias, onde o calculismo por vezes impera).
Contrariando Peter Handke, quem parece sentir alguma angústia no momento dos penáltis a favor do Benfica é o avançado, neste caso, Óscar Cardozo.


Numa tarde de deuses é-me difícil escolher o melhor em campo. Todos os argentinos, bem como Sidnei, Javi e Maxi, brilharam a grande altura. Talvez optasse por Pablo Aimar, embora Saviola ficasse muito próximo – até porque ambos marcaram, ainda que só um dos golos valesse.






Se durante a primeira parte as duas equipas se equivaleram, no início da segunda o Vitória entrou até mais forte, ameaçando seriamente o golo da igualdade. Só na ponta final do desafio – sobretudo após as substituições efectuadas de um e de outro lado – o Benfica tomou definitivamente as rédeas do jogo, deixando uma última imagem de superioridade que não correspondeu inteiramente ao futebol produzido pelos dois conjuntos ao longo de cerca de 70 minutos. Isto não significa que a vitória encarnada tenha sido imerecida – foi-o, quer pelas oportunidades criadas, quer pela qualidade de algumas acções individuais que fizeram a diferença -, mas antes que esteve longe de se traduzir em qualquer tipo de facilidade, ao contrário do que à primeira vista possa parecer.

Globalmente, assistiu-se pois a uma demonstração de classe benfiquista, que resultou numa vitória cheia de justiça. A eliminatória não está resolvida, mas o passo dado no Dragão chega para atribuir ao conjunto de Jorge Jesus um claríssimo favoritismo na contenda.

Se a transferência de David Luíz (uma das principais figuras do Benfica) rende aos encarnados uma verba considerável, já a saída de Liedson (uma das principais figuras do Sporting) apenas representa um sério problema para Paulo Sérgio.