Fica aqui também o quadro resumo dos vencedores das principais modalidades na temporada que agora termina:

"O futebol não é uma questão de vida ou de morte. É muito mais do que isso !" BILL SHANKLY

Uma Alemanha pragmática, pouco imaginativa, minimalista e espartana não teve hipóteses de êxito perante tão grande adversário, e apesar do resultado tangencial nunca se vislumbrou a possibilidade de o vencedor poder vir a ser outro. A Espanha foi a melhor selecção do Europeu, e o título assenta-lhe como uma luva, quer pelo que fez ontem – foi de uma superioridade óbvia -, quer pelo que fez nos restantes cinco jogos.
Além da vitória espanhola, pode-se dizer em termos gerais que este foi um Europeu bastante bom. Equipas como a Holanda, a Rússia, a Turquia, a Croácia e, porque não dizê-lo, Portugal, deixaram um perfume de bom futebol espalhado pelos relvados da Suiça e da Áustria. Houve espectáculo do princípio ao fim, houve excelentes golos, emoção, revelações, surpresas e um campeão justo. Até as arbitragens ajudaram, pois embora com um erro aqui e outro ali, não influenciaram o curso natural dos acontecimentos.
Este Europeu tem feito repetidamente cair, uma a uma, as equipas que mais perfume futebolístico lhe têm dado. Foi Portugal, foi a Croácia, foi a Holanda (três vencedores de grupo), e nas meias-finais acabam por cair as duas grandes revelações Rússia e Turquia – curiosamente os quatro semi-finalistas são justamente as selecções cujos jogadores actuam predominantemente nos campeonatos internos. É mau sinal para uma Espanha que dispõe agora da simpatia dos adeptos do bom futebol, e que enfrenta na final uma Alemanha com todas as características de uma verdadeira desmancha-prazeres.
3-2 no marcador, Schweinsteiger (após cruzamento do lado esquerdo de Podolski ao primeiro poste) e Klose (de cabeça) a facturarem, emoção até ao último minuto, algumas baldas da defesa alemã, erros infantis do guarda-redes contrário, e no final, a equipa de Joachim Low a fazer a festa. Onde é que já ouvimos tudo isto ?
Mas estava escrito, como em muitas outras ocasiões, que seria a Alemanha a vencer. No último minuto, após lesão de Kazim Kazim, Lahm aproveita o espaço e desfaz a igualdade, deitando por terra o sonho turco.
Com a torrencial quantidade de notícias e contra-notícias acerca de possíveis contratações, torna-se difícil perceber o que será o plantel do Benfica para 2008-09. Ainda assim, sabendo da dificuldade do exercício, aqui vai um esboço:(x) - É imperiosa a contratação de mais um central. Descartada a hipótese Caneira, já se falou de Ricardo Rocha, Zé Castro, Pellegrini, Euller, Thiago Silva, Geromel...Caso não seja o polivalente Ricardo Rocha o contratado, o lado direito da defesa carecerá também de mais uma opção, mesmo levando em conta o eventual deslocamento de Maxi. João Pereira foi falado, o romeno Golanski também.
VERÃO DE 1988 : Rui Águas recusa proposta de renovação do Benfica e assina pelo F.C.Porto
VERÃO DE 1993 : Paulo Sousa rescinde unilateralmente o contrato com o Benfica e assina pelo Sporting
VERÃO DE 2008 : Rodriguez recusa proposta do Benfica e assina pelo F.C.Porto
Rodriguez não é, de todo, jogador para 180 mil euros por mês, valor que faria dele, a grande distância, o mais bem pago do plantel encarnado. Cardozo, que marcou mais de 20 golos, alguns dos quais importantíssimos, ganha, ao que sei, menos de metade desse valor, tal como aliás Rui Costa, o melhor jogador da época passada. Recordo que o Benfica tem no seu plantel jogadores internacionais como Quim, Petit, Luisão, Léo ou Nuno Gomes, todos com muito mais tempo de clube, com muito mais provas dadas e a quem o Benfica deve muitíssimo mais. Nem mesmo Simão auferia tanto.
TURQUIA – Como se apresentará diante da Alemanha ? Tem sete lesionados e quatro castigados (!!!!). Já se fala na hipótese do terceiro guarda-redes actuar como ponta-de-lança…
Recorde-se o que ele disse na televisão a propósito do tema, e veja-se o quanto vale a sua palavra, neste e noutros casos. É altura de a comunicação social portuguesa, em particular a desportiva, deixar de branquear mentiras e crimes, confundindo máfia - é disso que se trata - com desporto. Num país civilizado sabe-se onde é o lugar dos gangsters. E em Portugal ? Até quando durará a bajulação de figuras desta estirpe ?
Tenho no entanto sérias dúvidas que Scolari tenha no Chelsea o sucesso que teve nas selecções do Brasil e de Portugal. Os principais méritos do brasileiro, acima referidos, assentam como uma luva numa equipa nacional, onde a capacidade de criar um grupo homogéneo pode fazer a diferença. Num clube, e principalmente num clube como o Chelsea, refém dos humores de um proprietário instável e impaciente – não gostaria nada de ver assim o meu clube…-, dificilmente Scolari poderá encontrar o enquadramento necessário para potenciar as suas capacidades. Duvido seriamente que a sua forte personalidade se revele compatível com Abramovitch, e que a relação entre ambos seja longa, por muito que um camião de libras possa ajudar. Se as coisas correrem mal, o mais que posso desejar é que volte depressa para Portugal – quem sabe após o Mundial 2010…
Todos nós adoramos as fintas de Ronaldo, as arrancadas de Simão, a magia de Deco, mas uma equipa que denota tamanha fragilidade em tão importante capítulo do jogo como os lances de bola parada, dificilmente poderá pretender ser campeã. Na primeira fase, algo ainda podia ser (e foi) disfarçado, a partir dos quartos-de-final, com adversários bem mais fortes, seria necessária outra consistência. Estas falhas acabaram por trair o bom jogo ofensivo de Portugal – marcou dois e criou mais algumas oportunidades -, a super-exibição de Deco, a alma generalizadamente evidenciada por todos os jogadores, que mostraram bem o quanto queriam vencer este jogo, diante de uma Alemanha forte, é certo, mas com alguma permeabilidades – por exemplo nas alas Portugal foi rei e senhor -que poderiam fazer dela um adversário ultrapassável.
No plano individual há que destacar a fabulosa exibição de Deco, que de todo não merecia ver-se fora do Europeu. O mágico, com a frescura de toda uma época a meio gás, apareceu em grande nesta prova, e particularmente no jogo de ontem espalhou pelo relvado toda a sua classe, realizando uma das melhores exibições que lhe vi nos últimos anos. Foi claramente o melhor jogador português no jogo e em todo o Europeu
ITÁLIA- Já vai sendo um hábito os italianos qualificarem-se in-extremis, mesmo sem jogarem praticamente nada. De agora em diante ninguém duvide que são grandes candidatos ao título. Mesmo sem Pirlo e Gattuso. Mesmo sem que Donadoni tenha ainda acertado num onze-base.
Não creio todavia que esta Alemanha seja propriamente um papão. Embora se trate de uma equipa organizada, fisicamente dotada, e recheada de jogadores, senão brilhantes, pelo menos competentes, a selecção germânica não tem sido nestes últimos anos a equipa implacável que fez com que um dia o antigo avançado inglês Gary Lineker descrevesse o futebol como um jogo de onze contra onze em que no fim ganhavam os alemães. Desde 1996, ainda com Matthaus e Klinsmann entre outros, que a Alemanha não ganha qualquer competição, embora, é certo, tenha estado no pódio dos últimos dois mundiais. Mesmo a nível de clubes, o futebol alemão perdeu a força que tinha em finais do século passado, não apresentando hoje, à excepção do Bayern de Munique, mais qualquer clube verdadeiramente capaz de ombrear com os melhores do velho continente. Há seis anos que não vemos qualquer clube alemão numa final europeia, enquanto no mesmo período F.C.Porto por duas vezes, e Sporting por uma (além da selecção nacional), conseguiram lá chegar.
A selecção alemã que temos visto neste Europeu é uma boa equipa, com processos de jogo bem assimilados, mas à qual falta alguma imaginação. Tem lacunas óbvias, a começar na dupla de centrais, e mesmo no plano atlético não parece ao nível das selecções que no passado impressionavam o mundo – lembremo-nos de Hrubesch, Briegel, Rumennigge entre outros, e perceberemos bem a diferença.
Se este jogo servia também para aquilatar de que elementos Scolari se poderá socorrer na (s) próxima (s) ronda (s), resultou claro, antes de mais, que o onze base das jornadas anteriores está muito bem formado. Quaresma, com uma bela oportunidade para brilhar, mostrou não estar no seu melhor, Miguel Veloso não se adaptou às funções de médio de transição, Raul Meireles pouco se viu, Postiga foi demasiado perdulário, Miguel foi uma unidade a menos. Salvou-se Nani, no meu ponto de vista o melhor português em campo, mostrando merecer talvez mais algum tempo de utilização nos jogos a doer.
A enorme satisfação causada pela vitória sobre a República Checa e pelo apuramento para os quartos-de-final não deve iludir aquilo que se viu ontem no relvado de Genebra. Portugal esteve longe de realizar uma exibição deslumbrante, demonstrou ter ainda muitas arestas para limar – mormente nos aspectos defensivos -, e viveu sobretudo do brilho das suas estrelas, com Deco desta vez a fazer de mestre de cerimónias, e Ronaldo a dar-se a cheirar neste Euro 2008, numa tarde em que Pepe voltou a mostrar-se um verdadeiro imperador na defesa da equipa.
Nos segundos quarenta e cinco minutos o domínio português ainda se intensificou mais. A pressão da equipa de Scolari tornou-se asfixiante, as segundas bolas eram constantemente conquistadas por um meio campo em alta voltagem, e o golo tornava-se cada vez mais uma questão de tempo. Mas sabe-se como o desperdício se torna por vezes implacavelmente ingrato, e a bola parecia efectivamente não querer entrar na baliza turca. Até que Pepe, após primorosa assistência de Nuno Gomes, conseguiu enfim marcar, tranquilizando dez milhões de almas. Estava reposta alguma justiça no marcador, ainda que a ampla superioridade lusa justificasse mais golos. Até final, Nuno Gomes (com uma excelente exibição à qual faltou apenas um golo) voltou a estar perto de marcar com um desvio de cabeça para a trave, e pouco depois foi Nani a rematar com perigo, após magnífico lance individual.
A força da nossa selecção foi o colectivismo e a concentração competitiva – uma marca que Scolari imprime como poucos. No plano individual todos estiveram bem, com particular destaque para Pepe, João Moutinho, Nuno Gomes e Bosingwa. A espaços Deco também brilhou. Apenas Paulo Ferreira teve algumas hesitações, mas sempre sem consequências para a baliza de Ricardo. Cristiano Ronaldo teve alguns momentos de classe, mas todos nós esperamos naturalmente muito mais dele.
Em alturas de grandes competições futebolísticas internacionais, o panorama mediático é no nosso país, ainda mais do que o normal, inundado de futebol. Em reacção a essa presença massiva e hegemónica, sempre se levantam vozes discordantes, procurando teorizar acerca daquilo que representa o fenómeno futebolístico, sua força, seu mediatismo, sua representatividade, afirmando, de forma mais ou menos ostentiva, que ele não constitui mais que uma zelada forma de alienação. Foi assim antes, durante e depois do Euro 2004, aquando do Mundial da Alemanha, e agora, em vésperas de se iniciar o Euro 2008, a história repete-se. Sou e sempre fui, desde que me conheço, um fervoroso, incondicional, radical e apaixonado adepto do futebol. Ainda não sabia ler já via jogos, olhava embevecidamente para as fotografias que saiam nos jornais desportivos, para os cromos que já coleccionava, e algumas das primeiras palavras que soube pronunciar foram seguramente “Bola” e “Benfica” – o meu clube ! Eu não escolhi o futebol, foi ele que, de forma avassaladora, me escolheu a mim, muito por influência do meu pai, mas também pelo fascínio das suas cores, das suas movimentações, de toda uma estética incomparável e única, de uma emoção sempre renovada e intensa, de uma incerteza excitante e dramática. Antes de gostar de música, de cinema, de teatro ou literatura, foi de futebol que eu gostei. É algo que faz parte de mim desde as mais remotas profundezas do meu ser. Aprendi as cores pelos clubes, aprendi os números pelas costas dos jogadores, aprendi geografia pelas cidades e países que conhecia do futebol, e até aprendi francês a tentar arduamente ler a revista “Onze”, de qualidade gráfica então pouco vista em Portugal, e que desde os sete anos de idade o meu pai me comprava mensalmente. Hoje gosto de Maradona como gosto de Wagner, admiro Pelé como admiro Munch, delicio-me com uma jogada de Ronaldo como com um momento literário de Saramago. Não são realidades antagónicas, são antes complementares. Complementarmente ilustrativas da força da natureza humana em vertentes diferentes das suas inesgotáveis capacidades.
O futebol é um poderoso berço de identidades. Não é a vida, mas pode muito bem fazer parte dela, eventualmente como uma espécie de suplemento vitamínico emocional. Este belo jogo é de facto um brinquedo de emoções, extremamente estimulante e salutar, excepto naturalmente quando essas emoções resultam em ódio ou violência. É uma arte – que diferença existe afinal entre um bailado e uma partida de futebol de alto nível ? – com um colorido e uma movimentação de contornos estéticos absolutamente inegáveis. Se procurarmos comparar o futebol com qualquer realização estética, chegaremos rapidamente à conclusão que por muito que esta eleve valores humanos diversos como o amor, a amizade, a inteligência, a rectidão, a honestidade, também o futebol contempla os que toma como seus, sejam eles a coragem, força, ambição, solidariedade, companheirismo, a honra ou outros. A beleza plástica da movimentação dos jogadores no relvado, a forma hábil como conduzem a bola, os cânticos nas bancadas, os festejos dos golos ou a densidade dramática dos rostos ouvindo os hinos, conferem o elemento estético necessário para que se possa afirmar que o futebol também tem, inquestionavelmente, uma forte componente artística. Também relevante é o elevadíssimo espírito democrático e colectivo que se verifica num campo de futebol. Não há maestros, não há protagonistas nem figurantes. São vinte e dois homens e uma bola, todos iguais perante ela, e onde só o talento, a coragem, o espírito de luta e capacidade de combate os divide. Num tempo em que o utilitarismo individualista dita todas as regras, esta componente não é nada despicienda para ilustrar a força positiva que emana de um jogo de futebol, e também, quiçá, explicar porque é que ele faz movimentar tanta gente em todo o globo. Mas os méritos do desporto rei não se esgotam nestas facetas. Há que lhe conferir também o dom de, sendo uma representação alegórica da guerra, satisfazer de forma inócua o instintivo traço guerreiro imanente à nossa espécie, não esquecendo que se trata, em muitos países, talvez do mais eficaz promotor de patriotismo dos tempos modernos, nos quais uma globalização impiedosa tudo revolve, tudo destrói, tudo nivela. Um dos argumentos que suportam os ataques de alguns intelectuais da nossa praça ao desporto rei prendem-se com o facto de outros países não lhe darem supostamente o mesmo destaque. Não é de todo verdade. Se olharmos à Espanha, à Itália e a muitos outros países da Europa como Grécia ou Turquia, o panorama não difere substancialmente do nosso (embora os seus telejornais não tenham hora e meia como cá). Na América Latina o entusiasmo em volta dos jogos ainda é maior e mais fanatizado, sobretudo se olharmos aos casos do Brasil (onde em 1950 dezenas de pessoas se suicidaram a seguir à derrota do Brasil na final do campeonato do mundo que organizou) e Argentina (sobretudo desde Maradona). Em África são decretados feriados nacionais pelas vitórias de algumas selecções, e mesmo na Ásia, em países como o Irão, Coreia ou Arábia Saudita, o fanatismo com que são encarados certos jogos e certas competições, sobretudo quando estão por detrás aspectos políticos, não pára de crescer. Em todos os países, mais ou menos fanatizados, mesmo nos Estados Unidos, a influencia do futebol continua em acelerado processo ascendente. Além de tudo o resto, o futebol é também hoje uma poderosa industria, com interessantes aspectos de análise de domínio económico-financeiro. Por tudo isto – mesmo que com respeito por quem, ainda assim, o consegue ignorar -, permitam-me que, com toda a paixão, e com muita gratidão, solte um sonoro ”Viva o futebol !”, e termine com as quadras com que homenageio esta minha tão grande paixão:
BEM NO FUNDO DE MIM
Aos teus pés rendido nasci,
sem escolha, nem dó ou piedade.
Pela rádio o mundo eu ouvi.
Sonhava acordado, na verdade.
As cores, os sons, a magia,
de um estádio cheio e vibrante,
em busca de momentos de euforia,
na graça de um jogo cintilante.
És escola, amigo, paraíso,
também dor, ansiedade e desalento.
És tudo, até que chega o aviso,
que a vida é bem mais do que um momento.
Ensinaste-me a crescer, também a amar
as cores dum clube, a bandeira de um país.
Sempre que te vejo na relva dançar,
Os olhos me saltam, assim sou feliz.
Mais do que um desporto, mais do que um jogo.
Mais do que um poema, mais do que o sol.
És furiosa paixão à prova de fogo,
Meu querido, doce e amado futebol.
LF 2006
NOTA: Este texto havia sido publicado antes do Mundial 2006, e foi agora adaptado à ocasião. Os versos são da mesma altura.
Ficou ontem assegurado que VEDETA DA BOLA irá marcar presença no Campeonato da Europa, designadamente no jogo Portugal-República Checa da segunda jornada, a realizar na próxima quarta-feira em Genève.
A confirmar-se em segunda instância a decisão hoje tomada pela UEFA, estaremos perante um acto de justiça, independentemente de quem com ele possa beneficiar directa ou indirectamente. Na verdade, devo dizer que não esperava outra coisa da entidade que tutela o futebol europeu, a qual já por diversas vezes demonstrou não brincar com as leis, como no nosso país tem sido, infelizmente, habitual observarmos.
Inicia-se no próximo sábado o 13º Campeonato da Europa de Futebol.
O primeiro campeonato que me lembro, e já razoavelmente bem – vivera já antes as emoções do Mundial de 1978 -, é pois o de 1980 disputado numa Itália mergulhada no “Totonero”, uma espécie de Calciocaos dos anos setenta. Não tive a noção na altura, mas vim a perceber depois ter sido esse um dos piores europeus de sempre. Estádios vazios, futebol defensivo, violência nas bancadas, de nada faltou ao Itália 80. Venceu a Alemanha de Rummenigge, Schuster e Matthaus (que se estreava), numa final pobre diante de uma improvável Bélgica.
Neste Europeu terão desde logo surgido alguns problemas, nomeadamente fruto da extrema rivalidade já então existente entre Porto e Benfica, com a agravante de a quase totalidade dos seleccionados pertencer a esses dois clubes (ao contrário do que se veio a verificar mais tarde, com a emigração massiva dos melhores jogadores portugueses) e não existir uma liderança técnica reconhecida por todos. Na verdade António Morais era o técnico dos jogadores do F.C.Porto, enquanto Toni era o dos do Benfica, e Cabrita apenas procurava apaziguar os ânimos.
Nos jogos de preparação antes da prova ficou no ar alguma preocupação. Derrota no Jamor por 2-3 com a Jugoslávia, e empate no Luxemburgo adensaram duvidas sobre o que podia Portugal fazer num grupo em que teria de se haver com Espanha e Alemanha, para além da estreante Roménia.
Mas no primeiro jogo, diante dos germânicos, a alma portuguesa gritou bem alto que estava disposta a entrar para a história. Contra os campeões europeus e vice-campeões do mundo, Portugal impôs um empate a zero, num jogo em que até desfrutou de algumas boas ocasiões para marcar. Para a época, empatar com a Alemanha era um estrondoso êxito, e abria as melhores perspectivas.
A equipa apresentada, num cauteloso 4-5-1, seria repetida no segundo jogo, e teria poucas alterações até final. Bento, João Pinto, Lima Pereira, Eurico, Álvaro, Carlos Manuel, Jaime Pacheco, Frasco, Sousa, Chalana e Jordão. Além destes onze, só Gomes e Diamantino viriam por uma vez a alcançar a titularidade.
Faltei às aulas para ir ver o jogo a casa. O ano lectivo estava no fim, tinha faltas para dar, e aproveitei-as até aos limites nos dias dos principais jogos da tarde. Julgo que as férias grandes terão começado durante a competição.
A sensação de ver aqueles equipamentos vermelho-verde vivos, novinhos em folha, a entrar no estádio de Estrasburgo, numa era em que a televisão a cores ainda era uma jovem novidade, ficará para sempre marcada na minha memória. Não sou do tempo do Mundial 66, e aquela era a primeira ocasião em que podia ver a selecção do meu país, pela qual sempre nutri grande carinho, a jogar num grande palco.
No segundo jogo, disputado em Marselha num domingo de intensa trovoada no nosso país – que durante a tarde me deixou em pânico por faltar a electricidade, colocando em risco a possibilidade de ver o jogo -, a nossa selecção colocou-se em vantagem perante a Espanha já na segunda parte com um magnífico golo de Sousa, mas não conseguiu segurar o resultado, pois o temível goleador Santillana, num ressalto dentro da área, acabou por estabelecer a igualdade. Chalana realizou uma exibição soberba, começando neste dia a destacar-se verdadeiramente como a grande estrela da equipa portuguesa.
Portugal entrava para a última jornada com a necessidade imperiosa de vencer a Roménia, e sob um manto de críticas pela atitude demasiado defensiva adoptada nos primeiros jogos, sobretudo diante da Espanha, onde se esperava mais alguma audácia. Muitas das críticas passavam pela não utilização de Fernando Gomes no ataque, e pelo reforço do meio-campo com cinco médios, na altura considerado um total exagero.
Para o jogo com a Roménia em Nantes, a comissão técnica fez a vontade aos críticos, colocando Fernando Gomes ao lado de Jordão no ataque luso. Teria pois que sair um médio, e aí é que o caldo se entornou. As pressões de F.C.Porto e Benfica eram muitas, o balneário estava totalmente dividido em dois, e a dúvida que se punha era entre Carlos Manuel ou Jaime Pacheco. Decidiu-se pelo primeiro.
As coisas começaram mal, com a lesão de Chalana, já muito claramente o jogador em melhor forma, logo na alvorada do desafio, e que o obrigou a sair de maca. Temeu-se o pior, mas o pequeno genial ainda reservava muito futebol para esta prova.
Seria outro benfiquista, Nené, saltado do banco já na fase de desespero, a marcar o golo decisivo a nove minutos do fim da partida. Cruzamento do lado direito, e Nené com o sentido de oportunidade que lhe era característico, atirou à meia volta para dentro da baliza romena, ponde em delírio os emigrantes portugueses presentes – nesse tempo poucos eram os que se poderiam deslocar de Portugal a França para ver futebol. Ao mesmo tempo, no Parque dos Príncipes, um golo do central Maceda em cima do minuto noventa, eliminava surpreendentemente a Alemanha, guindando assim os dois países ibéricos à presença nas meias-finais.
Nessa mesma quarta-feira, outro tema dominava a actualidade do país. Tinha sido desmantelada a rede bombista FP-25, e detidos os seus alegados responsáveis, entre os quais o até então prestigiado Otelo Saraiva de Carvalho. A passagem de Portugal às meias-finais não terá pois merecido o destaque mediático que os dias de hoje normalmente conferem a feitos dessa natureza. Ainda assim foi causa de grande felicidade de todos os que de perto viviam o fenómeno desportivo, e a presença da selecção no Euro. De certa forma era o reviver da saga dos “Magriços”, agora com o pseudónimo de “Patrícios”.
Mas este Euro estava destinado a ser de algum modo acidentado para mim. Depois de ter de faltar às aulas no primeiro jogo, depois de me ver sem electricidade em casa poucas horas antes do segundo, eis que no sábado das meias-finais frente à anfitriã França partiu-se a antena da televisão.
Foi de grande angústia toda essa tarde, sem saber em que condições poderia ver o jogo. Acabei por o ver a preto e branco, e com o ecrã cheio de “chuva”. Mas vi-o.
A França, além de jogar em casa, era a melhor equipa da prova. Dispunha de uma equipa formatada desde o Mundial de 1978, e que no Espanha 82 atingira as meias-finais, sendo apenas derrotada, de forma dramática, no desempate por penáltis frente à Alemanha, numa noite de Sevilha que os franceses demoraram dezasseis anos a digerir. A equipa gaulesa, orientada pelo experiente Michel Hidalgo, contava com um super-Platini – hoje presidente da Uefa - na sua melhor forma de sempre, e que aliava uma capacidade técnica fora do comum, com uma notória liderança em campo e com uma veia goleadora impacável. O “dez” da Juventus marcou nove golos em cinco jogos (!), e foi a grande figura da prova, pedindo meças àquilo que Maradona viria a fazer dois anos depois no Mundial do México, onde de resto Platini voltou também a brilhar.
Para além de Platini, brilhavam no meio-campo francês Giresse e Tigana, dois artistas que eram protegidos pelo operário Luís Fernandez. Um dos melhores meio-campos de que há memória no futebol europeu das últimas décadas.
O jogo com Portugal no Velodrome de Marselha foi inesquecível, e ficará na história como um dos melhores de sempre dos campeonatos da Europa. Foi decidido no último minuto do prolongamento, depois de duas horas de grande emoção, intensidade e espectáculo.
Na equipa portuguesa deu-se a entrada de Diamantino para o lugar de Gomes, e de Jaime Pacheco para o lugar de Carlos Manuel, trocas mais uma vez envoltas em azedas polémicas dentro do grupo. Veja-se a preocupação que havia com os equilíbrios entre Benfica e F.C.Porto, sem a qual é difícil imaginar onde poderia ter chegado este conjunto de brilhantes jogadores portugueses.
Até meio da segunda parte do tempo regulamentar o domínio foi totalmente francês. Num livre directo em que todos esperavam o remate de Platini, Domergue diparou para o fundo da baliza de Bento pouco depois dos vinte minutos de jogo. Daí em diante assistiu-se a um vendaval de ataque da equipa da casa, com o guardião do Benfica a realizar seguramente uma das melhores exibições da sua carreira.
Como quem não marca sofre, Portugal acabaria por chegar ao empate, contra a corrente do jogo, após um cruzamento primoroso de Chalana, ao qual Jordão, sozinho na área, correspondeu com um cabeceamento perfeito batendo Joel Bats. Por portas e travessas, estava reposta a igualdade que nos levaria a um inesperado prolongamento, não sem que antes Fernando Gomes, entrado no segundo tempo juntamente com Nené, tenha tido nos pés a oportunidade de tudo decidir.
No prolongamento, dado o adiantamento dos franceses, o jogo tornou-se cada vez mais partido e espectacular. Ainda nos primeiros quinze minutos, Chalana entra em dribles sucessivos pela direita, cruza para o segundo poste, onde Jordão, falhando aparentemente o remate, acaba caprichosamente por colocar a bola no ângulo superior da baliza francesa, colocando Portugal em vantagem, e calando o Velodrome.
Contra todas as previsões e expectativas, Portugal via-se a poucos minutos de alcançar o momento mais alto da sua história futebolística, com uma presença numa final de uma grande competição internacional.
Ainda antes da mudança de campos, Nené, desmarcado uma vez mais por Chalana, isolou-se diante de Bats, e por muito pouco não fez o 1-3 que arrumaria a questão.A segunda parte do prolongamento foi penosa para Portugal, que sem capacidade física para resistir à avalanche gaulesa foi perdendo bolas sucessivas e foi-se remetendo às imediações da sua área. Faltavam apenas seis minutos para segurar a magra vantagem, quando Domerge, novamente ele, aproveitou uma confusão na área portuguesa para repor a igualdade. O lateral-esquerdo Domergue, que nem era normalmente titular, marcou nessa tarde-noite os dois únicos golos da sua carreira internacional.
Tudo parecia então ir para penáltis, mas a força dos franceses, impulsionados por um público cada vez mais entusiasta, acabou por lhes valer o terceiro golo, a um minutos do final. Tigana arrancou pela direita, foi deixando adversários prostrados no relvado, e cruzou para a pequena área onde Platini não perdoou, colocando a França na final.
O desespero tomou conta dos portugueses. A imagem de seis ou sete jogadores estatelados na relva é a prova evidente de que a diferença neste jogo se acabou por fazer pela capacidade física e ritmo competitivo das duas equipas. Seja como for, perder uma oportunidade daquelas para disputar uma final, daquela forma, foi absolutamente dramático. Esta derrota foi das maiores tristezas que tive com a selecção nacional.
A poderosa equipa francesa seguiu para a final, onde venceria a Espanha com alguma sorte – e ajuda do árbitro. Olhando à competição no seu todo, foi a França a melhor equipa. Portugal deixou boa imagem, mas não estava ainda, por diversos motivos, à altura de lutar por um título.
Este jogo e este Europeu ficaram contudo a marcar brilhantes páginas da história da selecção nacional.Chalana e Jordão foram os que mais alto brilharam, conseguindo o extremo benfiquista uma milionária transferência para o Bordéus, onde com Tigana, Giresse e outros, chegaria às meias-finais da Taça dos Campeões da época seguinte. Depois, as lesões comprometeram-lhe o resto da carreira.